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Pós-Graduação, saberes e formação docente: uma análise das repercussões dos cursos de mestrado e doutorado na prática pedagógica de egressos do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFMG (1977-2006)

Post-Graduation, knowledges and teacher education: an analyse of the impacts of the master and doctorate levels in the pedagogical practice of the egresses from the Post-Graduation Programa at UFMG (1977-2006)

Resumos

Este artigo analisa repercussões do mestrado e do doutorado na vida profissional de 305 egressos do Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE-UFMG, no período 1977-2006. Por meio de um questionário, obtiveram-se informações relativas às atividades profissionais dos egressos. Os resultados foram analisados por decênios e mostram que a docência no ensino superior é a ocupação majoritária dos egressos. Os doutores concentram-se na academia e em instituições de pesquisa; os mestres, em instituições de ensino superior, na educação básica e em atividades autônomas. As repercussões na escola apontam a ampliação da aprendizagem dos aspectos que constituem a prática, mas são tímidas as especificações de resultados. Mestres e doutores avaliam positivamente a formação em pesquisa e a sua passagem pela Faculdade de Educação e consideram a pós-graduação um lugar de formação do pesquisador e de produção de conhecimento. Quanto ao objetivo de formação docente, muitas questões ficam em aberto, especialmente aquelas relativas à relação ensino-pesquisa.

Egresso Pós-Graduação; Repercussões Profissionais; Prática Pedagógica; Formação Docente


This article analyzes the impacts of studying for master and doctorate levels on the professional life of 305 graduates from FaE-UFMG Education Program, from 1977 to 2006. Based on a questionnaire applied to the teachers, we obtained information concerning the professional activities of the graduates. The results were sorted out by decades and demonstrate that teaching in higher education is their main occupation. Most PhDs work in academic institutions, while masters teach in institutions of higher education, basic education and autonomous activities. We report on the impact on their classroom and we noticed that they realize and take consciouness many aspects that constitute their practices, although shy specificities were found. Masters and Phds. evaluate positively the research training and their quick passage through the Faculty of Education. They assess a postgraduate course as an opportunity to do researches and achieve knowledge production. As for their search for teacher education, many questions remain open mainly those concerning the relation between teaching and research.

Egress Graduate; Professional Repercussions; Teaching Practice; Teacher Education


ARTIGOS

Pós-Graduação, saberes e formação docente: uma análise das repercussões dos cursos de mestrado e doutorado na prática pedagógica de egressos do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da UFMG (1977-2006)

Post-Graduation, knowledges and teacher education: an analyse of the impacts of the master and doctorate levels in the pedagogical practice of the egresses from the Post-Graduation Programa at UFMG (1977-2006)

Samira ZaidanI; Anna Maria Salgueiro CaldeiraII; Bernardo J. OliveiraIII; Patrícia Gomes Carneiro da SilvaIV

IDoutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Professora Adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: samirazai@hotmail.com

IIDoutora em Ciências da Educação pela Universidade de Barcelona e Professora Adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerias (PUCMINAS). E-mail: annacald@terra.com.br

IIIDoutor em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Professor Associado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: be@fae.ufmg.br

IVEstudante do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Minas Gerias (UFMG). E-mail: patriciagomesc@hotmail.com

Contato

RESUMO

Este artigo analisa repercussões do mestrado e do doutorado na vida profissional de 305 egressos do Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE-UFMG, no período 1977-2006. Por meio de um questionário, obtiveram-se informações relativas às atividades profissionais dos egressos. Os resultados foram analisados por decênios e mostram que a docência no ensino superior é a ocupação majoritária dos egressos. Os doutores concentram-se na academia e em instituições de pesquisa; os mestres, em instituições de ensino superior, na educação básica e em atividades autônomas. As repercussões na escola apontam a ampliação da aprendizagem dos aspectos que constituem a prática, mas são tímidas as especificações de resultados. Mestres e doutores avaliam positivamente a formação em pesquisa e a sua passagem pela Faculdade de Educação e consideram a pós-graduação um lugar de formação do pesquisador e de produção de conhecimento. Quanto ao objetivo de formação docente, muitas questões ficam em aberto, especialmente aquelas relativas à relação ensino-pesquisa.

Palavras-chave: Egresso Pós-Graduação; Repercussões Profissionais; Prática Pedagógica; Formação Docente.

ABSTRACT

This article analyzes the impacts of studying for master and doctorate levels on the professional life of 305 graduates from FaE-UFMG Education Program, from 1977 to 2006. Based on a questionnaire applied to the teachers, we obtained information concerning the professional activities of the graduates. The results were sorted out by decades and demonstrate that teaching in higher education is their main occupation. Most PhDs work in academic institutions, while masters teach in institutions of higher education, basic education and autonomous activities. We report on the impact on their classroom and we noticed that they realize and take consciouness many aspects that constitute their practices, although shy specificities were found. Masters and Phds. evaluate positively the research training and their quick passage through the Faculty of Education. They assess a postgraduate course as an opportunity to do researches and achieve knowledge production. As for their search for teacher education, many questions remain open mainly those concerning the relation between teaching and research.

Keywords: Egress Graduate; Professional Repercussions; Teaching Practice; Teacher Education.

Introdução

Os avanços na pós-graduação no Brasil têm sido largamente reconhecidos e um dos fatores que interferem nesse sentido é a constante avaliação a que os programas estão submetidos. De forma geral, essas avaliações destacam a produção científica e o fluxo de titulação, que são certamente elementos fundamentais, mas deixam de lado aspectos menos palpáveis, como, por exemplo, as repercussões profissionais.

A pós-graduação tem entre seus objetivos não só a formação de pesquisadores como também a qualificação profissional e de docentes, sobretudo para o ensino superior. A partir da constatação de demandas sobre as universidades e instituições de pesquisa, tem se procurado "formar, em volume e diversificação, pesquisadores, docentes e profissionais e encaminhar e executar projetos de pesquisa, assessorando o sistema produtivo e o setor público" (MEC, 1975, p. 12).

Em áreas como a de Educação, é muito comum que os pós-graduandos já tenham formação e experiência docentes antes do ingresso no mestrado ou no doutorado. Mas pouco se sabe sobre as repercussões da pós-graduação nas suas práticas pedagógicas e na carreira.

Visando a contribuir para a compreensão dessa questão, apresentamos, neste artigo, uma pesquisa sobre as repercussões dos cursos de mestrado e doutorado na vida profissional dos egressos do programa de pós-graduação em Educação da UFMG. Esse programa é um dos maiores, mais antigos e consolidados do país. Mais do que interesse em si, ele é tomado como um caso significativo da pós-graduação em Educação no Brasil.

Para tal, foi realizado um levantamento de informações considerando o período de 30 anos, que vai do ano da primeira dissertação defendida, 1977, até 2006. Os dados levantados foram organizados em três décadas, considerando separadamente mestres e doutores. Por meio da Plataforma Lattes (www.cnpq.br) foi possível complementar e atualizar as informações obtidas na Secretaria do Programa de Pós-Graduação. Utilizando-se de correspondências por e-mail, foram enviadas mensagens a todos os egressos, solicitando informações relativas às atividades profissionais por eles desenvolvidas após a conclusão do curso. Aos que não responderam à primeira solicitação, foi enviada nova correspondência. No caso de não-resposta, outras duas mensagens foram emitidas com intervalo quinzenal. Em seguida, alguns contatos foram realizados por telefone, especificamente para os egressos mais antigos.

Na referida mensagem, foi solicitado que respondessem a um questionário com as seguintes questões: Você poderia nos dizer onde trabalhava quando ingressou pela primeira vez na pós-graduação da FaE? Onde você trabalha hoje? Quais as repercussões, na sua vida profissional, a partir da experiência na pós-graduação? Atuou ou atua em instituição escolar? Quais as repercussões, na sua prática escolar, da experiência na pós-graduação?

Com esses procedimentos foi possível contatar 242 egressos do mestrado e 63 do doutorado, perfazendo um total de 305 respostas de egressos, no período 1977-2006, o que corresponde a aproximadamente 37% dos egressos do programa.

A pesquisa realizada por meio do questionário não pretendeu ser exaustiva, pois traz informações dos egressos de modo bem amplo e, algumas vezes, superficial. Oferece, contudo, elementos para uma análise inicial dos itens abordados. Apresentaremos a seguir as informações e análises relativas ao mestrado e, em seguida, ao doutorado, organizando-as por decênios.

Os egressos do mestrado

De um total de 659 egressos do PPG-FaE-UFMG/mestrado, no período de 1977 a 2006, 584 tiveram seus endereços atualizados e para eles foi enviado o questionário desta pesquisa. Desse total, responderam ao questionário 242 egressos (37% do total), percentual que consideramos favorável para se obter indicações sobre as questões propostas.

Apresentamos na Tabela 1, a seguir, a distribuição dos egressos do mestrado da FaE-UFMG, ao longo do período 1977-2006.

Constatamos que, ao longo do período 1977-2006, o número de mestres cresceu progressivamente – de 23 mestres, na primeira, para 163, na terceira década –, sendo que, na última década, o total de mestres representa três vezes o número da década anterior.

As respostas relativas à situação funcional dos egressos, no momento em que ingressaram no Programa de Pós-Graduação e, em 2009, ao responder ao questionário da pesquisa, são apresentadas no Quadro 1.


No sentido de conhecer o movimento realizado pelos egressos ao iniciar o mestrado e ao responder ao questionário da pesquisa, verificamos que, dos 242 egressos que responderam à pesquisa, 32 (aproximadamente 13%) atuavam na educação básica e nela permaneceram até os dias atuais. Cinquenta e nove mestres (aproximadamente 25%) passaram da escola básica para o ensino superior privado e/ou público. Oitenta e seis mestres (35,5%) já atuavam no ensino superior público e/ou privado e nele continuaram. Além desses, os 34 egressos que atuavam em áreas diversificadas, desvinculados da educação formal, também nelas permaneceram. Desse modo, a grande maioria dos egressos do mestrado (73%) atua no ensino superior público ou privado.

O mestrado da FaE-UFMG, criado em 1971, através de sua área de concentração em "Metodologia de Ensino", buscava formar especialistas em ensino-aprendizagem dedicados ao estudo de métodos e técnicas de ensino e ao desenvolvimento de pesquisas sobre essa temática específica.

Em relação às repercussões profissionais do mestrado, constatamos que o curso, na primeira metade dos anos 1970, acolheu, prioritariamente, professores universitários e, particularmente, professores da própria FaE, dando preferência à formação para a docência no ensino superior e para a pesquisa. Em sintonia com essa proposta, encontramos quatro professoras da FaE que buscaram no mestrado a ampliação de seus conhecimentos e a inserção no campo da pesquisa.

A ampliação do curso, em 1975, com o acréscimo ao seu currículo de duas novas áreas de concentração – "Ciências Sociais Aplicadas à Educação" e "Política e Administração do Ensino Superior" –, não só redimensionou teórica e metodologicamente a proposta anterior, favorecendo uma abordagem interdisciplinar, como introduziu no programa de mestrado teorias críticas em relação ao sistema vigente, período em que se vivia no país um regime ditatorial, aspectos esses mencionados pelos egressos como referência na sua formação.

Em 1978, professores e mestrandos decidem romper a segmentação entre as três áreas de concentração e reorganizar como área nuclear o processo de produção-reprodução do saber na sociedade capitalista. A nova proposta era superar a crítica à ideologia da escola:

era necessário compreender a relação teoria-prática na produção-reprodução do saber na sociedade, e participar da sociedade civil, das forças sociais e dos movimentos educativos que, naquele momento histórico, recriavam e transformavam a realidade social e educacional. Ampliou-se o conceito de educação e do ato educativo, para nele incluir os processos pedagógicos que ocorriam nesses movimentos sociais1 1 Histórico, Programa de Pós-Graduação da FaE/UFMG, www.posgrad.fae.ufmg.br, consultado em abril/2010. .

Assim, a partir da década de 1980, mudanças ocorrem no programa: de um lado, os grupos e as linhas de pesquisa se firmam no sentido de equacionar a "complexidade teórico-metodológica do campo da educação e da necessidade de formação de saberes e competências específicas" (Ibidem). De outro lado, mudanças no perfil dos alunos, constituído, até então, predominantemente de professores do ensino superior, passa a ser constituído também de professores de ensino fundamental e médio e, especialmente, de profissionais que atuam em instituições públicas.

Essas mudanças ajudam a perceber, ao analisar as respostas dos 40 egressos do mestrado dos anos oitenta, uma diferença entre aqueles que concluíram o curso na primeira metade da década e os que o concluíram no final. Os primeiros já eram professores do ensino superior, encontravam-se há anos na carreira universitária, buscavam ampliar sua formação e adquirir o título, em cumprimento à legislação vigente no período. Esse fato explica por que os primeiros egressos mencionam o mestrado como uma obrigação para aqueles que optaram pela carreira acadêmica. Ao adquirirem o título, os docentes se qualificavam ainda mais para integrar programas de pós-graduação. Também, alguns docentes originários da educação básica se tornaram, com a conclusão do mestrado, habilitados para o magistério no ensino superior.

Por outro lado, algumas mestras, professoras dos anos iniciais da escolarização, explicitaram que o mestrado lhes proporcionou um sentimento de maior segurança para desenvolver seu trabalho, embora se encontrassem já no fim da carreira. Mencionaram também que o mestrado contribuiu para uma compreensão dos múltiplos fenômenos que envolvem a educação infantil, fundamental, média e de adultos, ampliou seus conhecimentos e sua capacidade de análise por meio do estudo das novas teorias educacionais.

Nessa mesma direção, uma professora relatou que os conhecimentos adquiridos com o mestrado revelaram uma mudança em relação à sua perspectiva de análise construída durante o curso de graduação, fortemente assentada numa visão de pesquisa positivista (sic), quantitativa, com ênfase na Estatística. Diz ter sido no mestrado que aprendeu a lidar com a pesquisa qualitativa e a assumir uma postura crítica diante de questões sociais.

No entanto, encontramos, entre os pesquisados, um depoimento crítico. Segundo o egresso, os professores que estudavam, debatiam e divulgavam o pensamento neomarxista e anticapitalista estão agora em posições de poder em todos os níveis da sociedade, atuando na ampliação, na modernização e na manutenção do sistema capitalista.

No que se refere às repercussões na prática escolar, a maior parte dos egressos do primeiro período dessa década considerou que o mestrado não teve repercussões na sua prática pedagógica. É interessante ressaltar que essa questão, muitas vezes, não foi sequer respondida pelos entrevistados. Um dos pesquisados questionou a própria pergunta, considerada uma questão difícil de ser respondida, uma vez que não se sentia capaz de avaliar as consequências específicas do mestrado na sua carreira. Outro egresso mencionou que considerava nula a contribuição do mestrado para sua prática escolar, afirmando ser o título de mestre apenas um "registro burocrático".

Mesmo predominando, nesse grupo de egressos dos anos oitenta, uma visão do mestrado como exigência de título para a carreira acadêmica, alguns pesquisados mencionaram contribuições, tais como a aquisição da habilidade de leitura de artigos científicos, a revitalização de sua ação na universidade, a possibilidade de integrar o corpo docente da pós-graduação da FaE, a possibilidade de dialogar com seus pares e desenvolver estudos e pesquisas.

Já os egressos da segunda metade da década de oitenta se colocaram de modo mais positivo em relação à especificidade da formação adquirida, à compreensão da importância e das possibilidades da pesquisa e à valorização do pesquisador na universidade. Por meio de seus depoimentos, pode-se perceber uma ênfase na ideia de revigoramento de sua formação no campo da educação, representando o mestrado como um elemento constitutivo de sua vida, que lhe permitiu crescer profissional e intelectualmente. Destacaram, também, que a experiência do mestrado favoreceu a construção de uma visão social mais ampla, inclusive da educação, e desenvolveu sua capacidade para orientar seus alunos para desenvolver pesquisa. Enfatizou, ainda, maior facilidade para redigir textos, escrever artigos e elaborar relatórios. Muitos passaram a exercer atividades de assessoria e consultoria de órgãos do governo, recebendo convites para proferir palestras e conferências. Consideraram que adquiriram uma visão mais clara de fenômenos e processos relativos à educação e à realidade brasileira, favorecendo a participação de alguns em espaços da política educativa pública.

Outros depoimentos relembraram que o mestrado dispunha de um tempo bom (três a quatro anos), possibilitando um aprofundamento de estudos e temas, o que hoje não é mais possível. Nessa perspectiva, foram mencionados temas tratados no mestrado, seja nos estudos relacionados às pesquisas, seja nos debates do momento educacional vivido naquele período. Entre eles destacam-se depoimentos sobre a abordagem teórico-metodológica da pesquisa; a ideologia na educação e na pesquisa; o trânsito entre conhecimentos de áreas disciplinares e a educação; as relações escola-sociedade; o movimento docente e a pesquisa como um compromisso social; o ensino noturno; a instrumentação ao ensino disciplinar e a prática de ensino na educação básica; a educação popular, a cultura popular; a educação e a mídia; a ciência e a tecnologia; os movimentos sociais; a questão feminina na sociedade, etc. Ademais, alguns pesquisados aludem às contribuições da participação em eventos científicos e ao debate em eventos locais e em outras universidades.

Numa perspectiva de formação geral e profissional, pode-se dizer também que o mestrado desempenhou para os egressos dos anos oitenta uma abertura de portas para a continuidade de estudos no doutorado e uma capacitação para atuar em cursos de pós-graduação, na modalidade especialização. Há um reconhecimento da formação propiciada pelo mestrado na vida do egresso, contribuindo, em alguns casos, para uma reorientação profissional devido ao desenvolvimento da habilidade para a pesquisa e para a escrita acadêmica; nesse sentido, muitos egressos mencionaram tanto a participação na elaboração e no desenvolvimento de projetos de pesquisa nas instituições em que atuam, quanto a obtenção de financiamento de agências de fomento. Também se colocaram, após o mestrado, como orientadores de estudantes nos trabalhos de Iniciação Científica, nas monografias dos cursos de especialização e nas dissertações de mestrado.

De um modo geral, são destaques nos depoimentos dos egressos a inserção mais qualificada no campo da pesquisa educacional, a participação em assessorias e consultorias no âmbito de governos ou em elaboração de reformas curriculares.

Nas questões referentes à prática pedagógica na educação básica, os depoimentos dos egressos dos anos iniciais e dos anos finais da década de oitenta são diferenciados, como já foi mencionado anteriormente. Assim, enquanto os egressos do início da década indicaram que o mestrado não influenciou a sua prática pedagógica, os egressos dos anos finais da década destacaram que a experiência do mestrado alterou completamente sua prática, principalmente no sentido de adotar uma postura mais participativa na sala de aula e na escola.

Entre os primeiros estão os que afirmaram que não houve repercussão na gestão da sala de aula porque a ênfase do mestrado foi em uma abordagem sociopolítica dos processos educativos, que favoreceu a elaboração de concepções gerais sobre a sociedade, sobre as visões de mundo do professor como sujeito, sobre as contradições sociais da época, sobre os movimentos sociais, sobre a questão dos conflitos entre capital e trabalho, questões estas que não repercutem diretamente nas ações e na prática cotidiana do professor.

Entre os segundos estão os que mencionaram as repercussões na prática com o estudo de metodologias mais participativas, o maior envolvimento dos alunos e dos grupos comunitários nos processos de ensino. De um modo geral, ao explicitarem tais mudanças em suas práticas, os egressos afirmaram que elas só foram possíveis porque adquiriram no mestrado subsídios teóricos que possibilitaram a construção de uma prática coletiva e embasada teoricamente.

Alguns depoimentos consideraram que aos mestrandos militantes de movimentos sociais era favorecido um caminho para reflexão de sua própria experiência, o que, segundo alguns egressos, contribuiu para a sistematização das referidas ações e repercutiu positivamente na sua prática pedagógica posterior2 2 O Programa de Pós-Graduação da FaE-UFMG teve, nesse período, uma equipe de docentes, intelectuais reconhecidos nacionalmente, e desenvolve um projeto especial que incorpora a experiência política e educacional dos mestrandos nos movimentos sociais, transformando o processo de produção do conhecimento no mestrado em um movimento de compreensão política, social e educacional. .

Por último, é importante destacar uma menção espontânea, repetida em três questionários de respondentes, relativa à disciplina/atividade ACPP – Análise Crítica da Prática Pedagógica3 3 A ACPP constituía o eixo da proposta curricular do mestrado nos anos 1980 e início dos anos 90. Consistia em uma discussão coletiva de estudantes e professores sobre a prática pedagógica do estudante, tomando como base um "memorial" de cada mestrando, num exercício coletivo de escuta e reflexão teórica; a partir daí, eram propostas novas disciplinas e atividades que eram planejadas conforme as demandas e possibilidades. , que constituía o eixo da proposta curricular à época. Essa disciplina foi considerada, segundo alguns relatos, um momento significativo e relevante para a formação, pois as leituras e os seminários realizados se constituíram em referência para muitas outras experiências, nessa perspectiva, desenvolvidas em diferentes instituições posteriormente. A ACPP, nesse momento, propõe a reflexão sobre os "memoriais dos mestrandos", representando um enfoque curricular muito mais flexível, capaz de acolher no mestrado as discussões das experiências e práticas sociais.

O Programa de Pós-Graduação da FaE-UFMG volta-se, então, para o estudo e a análise de experiências, práticas e projetos sociais, buscando construir sínteses que critiquem de forma contundente o sistema de ensino vigente, especialmente em seus aspectos de classificação e seleção, de rigidez dos tempos e espaços; abre-se às práticas e aos movimentos inovadores e mais amplos da sociedade (ARROYO, 1982).

Para melhor compreensão das questões abordadas nesse período, buscamos identificar alguns aspectos da realidade brasileira a partir do início dos anos 1980. Convivemos, nesse período, com um contexto social de reorganização política em todos os níveis da sociedade civil. Findos os anos da ditadura militar no Brasil, será a partir do final da década de 70 que os movimentos sociais renascem abertamente em defesa de direitos sociais. Assim, instala-se nos anos 80 no país um processo constituinte nacional, em que agrupamentos diversos se posicionam e se confrontam, inclusive nos rumos e questões da educação brasileira. Nesse movimento, as questões de ordem social e cultural ganham relevância, ampliando-se nas décadas seguintes para inúmeras questões relacionadas à igualdade de raça, gênero e credo.

Entre essas múltiplas questões relacionadas à educação, debatidas nos fóruns que se voltavam para a nova constituição que se elaborava, emergem reivindicações e demandas até então bastante reprimidas: a democratização de acesso e permanência na educação básica; a gestão democrática; o pluralismo nas escolas; o ensino público e gratuito para todos.

A nova Constituição Federal (1988) incorpora essas propostas e desencadeia no país um processo de construção de planos nacionais de educação pública em todos os níveis de ensino. Destacam-se a importância do desenvolvimento tecnológico e a incorporação de seus estudos na educação, assim como a necessidade de equacionar a qualidade do ensino oferecido. As repercussões desse processo atingem todos os setores da sociedade, um período rico nos debates políticos e educacionais.

Nas universidades, o clima não era diferente. Neidson Rodrigues (2000), entre outros analistas, destaca o papel desempenhado pelos centros universitários e pelos intelectuais comprometidos com a produção e o desenvolvimento de uma consciência pública da necessidade de expansão e melhoria da qualidade da educação escolar. Esse clima se revela especialmente presente nos programas de pós-graduação. É nesse contexto que o programa de pós-graduação da FaE-UFMG desenvolve um projeto que incorpora a experiência política e educacional dos mestrandos nos movimentos sociais como objeto de estudo.

Nos depoimentos dos egressos dessa pesquisa, essas análises e sínteses das experiências sociais são resgatadas como importantes na sua formação. Contudo, em relação à repercussão em suas práticas sociais e escolares, apesar das limitações do levantamento que realizamos, podemos nos arriscar dizer que se trata de repercussões bastante tímidas.

Passamos agora para uma análise da década de 1990. Os egressos dos anos 90 (um grupo de 55) consideraram que o mestrado lhes proporcionou um grande amadurecimento teórico, a construção de uma percepção não-dogmática do conhecimento e a ampliação de sua visão global da educação. Situaram que seus professores, com diferentes tipos de formação, proporcionaram não só uma abertura às múltiplas formas de conceber a educação e a escola, como um processo de "ensinar-aprender" que busca escutar o outro e focar um assunto/tema sob vários ângulos. Essa mudança contribuiu, conforme a maioria dos depoimentos, para ampliar a qualificação profissional e a capacidade de desenvolvimento de projetos multidisciplinares.

Ainda segundo alguns egressos, o mestrado representou uma "parada" para aprofundar e sistematizar várias questões. Um deles enfatizou que a sua visão de educação mudou bastante e chegou a afirmar que "completou seu processo de alfabetização nesse mestrado". Outros mencionaram enfaticamente que o mestrado representou "um divisor de águas em sua vida profissional, o ponto de partida para novas conquistas".

Ao explicitarem seus temas e aprendizagens, os egressos dessa década destacaram: um aprofundamento da leitura sociológica da educação, o entendimento das teorias socioculturais e a construção de novos significados para a educação inter e extraescolares; maior entendimento sobre a educação infantil e a formação docente, a juventude e o ensino médio, as relações de gênero, as etnias, o movimento docente, o sindicato e a universidade; o questionamento de sistemas escolares de ensino repressivo, punitivo e corretivo para jovens em conflito com a lei; propostas de trabalhos comunitários em regime semiaberto e aberto, assim como o enfrentamento da questão da violência de uma perspectiva interdisciplinar e intersetorial. Também destacaram que a continuidade de estudos sobre as relações sociais e de gênero abriu e ampliou caminhos para novas pesquisas. Mencionaram ainda que a experiência do mestrado proporcionou uma melhora na sua capacidade de elaborar e redigir textos.

Do ponto de vista profissional, os egressos afirmaram que o mestrado os credenciou para concorrer às vagas no ensino superior, em carreira acadêmica; abriu as portas para a docência em cursos de especialização e graduação e a inserção na vida universitária; ampliou suas possibilidades de trabalhar com formação docente em seus diversos níveis e de participar na elaboração de novos programas de graduação e de especialização. Hoje, muitos deles orientam trabalhos e percebem que continuam aprofundando seus conhecimentos no contato com as mais diversas questões educacionais. Muitos mencionam publicações e participação em artigos e livros. Também se referem a uma melhora na condição profissional, com maiores salários, estabilidade no emprego, reconhecimento como pesquisador/a e abertura de caminhos para o doutorado.

Alguns relataram que, com o mestrado, tiveram a oportunidade de assessorar diferentes órgãos, inclusive os Ministérios da Saúde e da Educação, bem como ampliar sua capacitação para a gestão pública na área da educação.

Em relação às repercussões na prática pedagógica, alguns egressos relataram que não só ampliaram sua compreensão dos limites da prática pedagógica, mas também aprofundaram sua visão sobre a ética na educação, o que lhes proporcionou maior segurança em suas intenções pedagógicas. Destacam também o reconhecimento da importância da intervenção metodológica na condução da relação com o aluno e no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem; a relativização do conceito de conhecimento, recorrendo às contribuições da história da ciência e estabelecendo relações com os contextos socioculturais; a ampliação de sua visão do ato de ensinar e de educar, pela percepção mais alargada dos processos pedagógicos e não-escolares de ensino. Vários egressos afirmaram que se sentiram mais qualificados para trabalhar as relações teoria-prática e constatam que, assim, avançaram em sua prática cotidiana. Todos esses aspectos corroboraram para o maior embasamento das propostas de trabalho e das práticas.

Também fazem referência específica às contribuições do mestrado no aperfeiçoamento de suas práticas docentes na educação básica, tais como: a valorização da escola popular de qualidade a partir de um diálogo com a cultura dos alunos; a busca de uma postura diferente em sala de aula, relativizando o conhecimento, recorrendo à história da ciência e buscando relações com os contextos sociais; o questionamento do ato de ensinar, de educar; maior percepção de processos escolares e não-escolares de ensino; a formação de docentes mais tolerantes que negociam com seus alunos questões relativas aos seus interesses ou às suas dificuldades. Vários egressos afirmaram que se sentiram mais qualificados para articular as dimensões teóricas e práticas do trabalho docente e constataram que sua prática avançou bastante.

Referiram-se, igualmente, à importância de articulação da pesquisa com o ensino no desenvolvimento de projetos multidisciplinares, tanto no ensino médio quanto no superior e na pós-graduação. Alguns egressos mencionaram ainda a participação de alunos-bolsistas em projetos de Iniciação Científica como fator muito positivo na vida escolar.

Manifestando-se em direção oposta a essas opiniões, outros egressos se referiram a uma restrita aplicabilidade de seus estudos na prática pedagógica, mostrando-se frustrados diante das expectativas de uma prática "positiva", razão que os levou, inclusive, a abandonar a educação básica e a procurar outras alternativas.

Nessa década, também está muito presente nas respostas dos egressos uma valorização das vivências na Faculdade de Educação, mencionando a convivência e as trocas de experiências durante o desenvolvimento do mestrado. Referiram-se à importância do uso da biblioteca e de outros equipamentos.

Para maior compreensão dos depoimentos dos egressos, é preciso resgatar algumas características do contexto educacional nos anos 1990, tais como: o debate nacional em torno das lutas e direitos sociais, com fortes repercussões na educação; a nova Lei de Diretrizes e Bases elaborada em 1996, incorporando os princípios da diversidade e pluralidade, da flexibilização do sistema e da abertura para possibilidades múltiplas de sua organização; a instituição de um sistema nacional de avaliação educacional que passa a atuar com medidas reguladoras (CURY, 2005). Também nessa década são elaborados os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1998/2000, documentos que propõem uma base curricular nacional. Ao longo desses anos são ampliados os direitos sociais e a escola se vê desafiada a garantir o direito do cidadão às diferenças de raça, gênero, etnia, bem como a incluir pessoas deficientes. A escola é também desafiada a incorporar as novas tecnologias na formação de seus alunos em todos os níveis e o tema surge, ainda que inicialmente, nas preocupações e pesquisas. Tudo isso se mostra como extensão e aprofundamento das questões surgidas na década anterior.

Nos anos finais dessa década, o projeto do Programa de Pós-Graduação da FaE-UFMG passa por mudanças, para atender às novas exigências da Capes-MEC. Nesse momento, são organizadas as linhas e sub-linhas de pesquisa, com agrupamento dos pesquisadores. A nova proposta curricular confere menos flexibilidade ao currículo em relação à proposta dos anos 80, mas abre-se para a transdisciplinaridade. Nessa perspectiva, o Programa de Pós-Graduação da FaE propõe novos processos para a seleção dos alunos, incluindo a apresentação de um projeto de pesquisa vinculado a uma das linhas de investigação.

Ainda nesse período, o Ministério da Educação promove um conjunto de ações no sentido da avaliação e afirmação dos programas de pós-graduação no país, o que levou o PPG-Educação FaE-UFMG a sucessivas adaptações.

A análise das respostas dos egressos dos anos 2000 mostra uma linha de continuidade em relação à década anterior, o que apresentaremos a seguir. Este estudo congrega respostas dos egressos até 2006, período suficiente para abordarmos as repercussões profissionais e na prática pedagógica dos egressos dessa ultima década. É muito maior o número de respondentes nessa década (163), como é também maior o número de pós-graduandos, frente ao crescimento e à consolidação do programa de pós-graduação da FaE-UFMG.

De um modo geral, as respostas dos egressos pesquisados mencionaram que a experiência do mestrado favoreceu tanto a maior capacidade técnica e teórica, quanto o embasamento mais sólido para a ação educacional em diversos âmbitos. Enfatizaram também o amadurecimento acadêmico e intelectual; a construção de uma identidade profissional com postura indagadora e reflexiva; a formação para a vida e a educação cidadã. Fazem menção à construção de um pensamento profissional mais crítico e reflexivo, mais humano e consciente, aspectos que marcam a formação nessa década.

As opiniões dos egressos frente às questões propostas e, em continuidade com o que já se verificava nos anos 90, ressaltam a construção de um novo olhar sobre as questões educacionais, em que o questionamento e a capacidade de estudo/pesquisa embasam as escolhas profissionais. Reafirmam o crescimento pessoal e profissional, o aprimoramento das competências técnica e política como pesquisadores, nominado como um profissional "humanista". Sentem-se mais competentes e consideram que toda a sua vida profissional foi modificada pelo mestrado, ressaltando o fato de tê-lo realizado (principalmente pelo fato de ser realizado) na FaE-UFMG, exaltação essa que se apresenta de modo mais enfático ao longo dos anos 1990 e 2000. Nesse sentido, alguns egressos mencionaram e valorizaram a continuidade da participação após formados em trabalhos na UFMG, em grupos diversos, vinculados à educação escolar e/ou a instituições diversas.

Aqueles mestres que defenderam dissertações nessa década explicitaram que o mestrado lhes possibilitou maior dinamismo, a ampliação de seus contatos profissionais com várias instituições em busca de novas frentes de trabalho e maior confiança e consistência para atuar no mercado de trabalho. Alguns destacam até mesmo que a vida profissional "começa mesmo" a partir da conclusão do mestrado.

As repercussões mencionadas no âmbito profissional dizem respeito a diversos aspectos, tais como: capacitação para fazer concursos públicos e, quando já empregado, ascensão com o título, maior reconhecimento dos colegas e aumento salarial; mais engajamento na produção teórica, melhor organização do pensamento, da capacidade de escrever artigos e trabalhos para publicação; ingresso como docente em cursos de graduação e de pós-graduação, presencial e a distância, inicial e em serviço; convites para assessorias e consultorias em órgãos do governo nos âmbitos municipal, estadual e federal; atuação como parecerista, participação em bancas de seleção; capacitação para o doutorado.

Nas repercussões apresentadas, a capacitação para o exercício da pesquisa é mais destacada nos depoimentos nessa década, uma vez que os egressos desenvolvem projetos próprios, participam de projetos de pesquisa com outros colegas ou em grupos institucionais. Enfatizam também maior capacitação para atuar em cursos de graduação. Alguns mencionam a orientação de trabalhos de graduação, a coordenação de cursos de pós-graduação lato sensu, o contato com grupos internacionais de pesquisa, assim como a participação em eventos científicos e a produção de livros (especificamente de divulgação da dissertação e outros).

Em alguns depoimentos, há referência à participação em projetos de extensão, como atividades de ampliação de ações para os espaços da sociedade a partir das instituições educacionais em que atuam.

Os egressos desse período mencionaram que sua formação passa por uma ampliação de temáticas de estudo e pesquisa, articulando disciplinas ou mesmo abarcando questões relacionadas à formação docente e às políticas públicas. São citados os seguintes temas de aprofundamento de estudos, durante e após o mestrado: educação a distância; importância da pesquisa para a formação docente; linguística e educação; narração de histórias; alfabetização/letramento; avaliação; gestão educacional e projeto político-pedagógico; gestão universitária pública e privada; reforma curricular em todos os níveis, destacando-se aquelas que levaram à criação de novos cursos superiores; educação e saúde; psicologia e educação; o zoológico e a educação, entre outros temas.

Atuando na escola básica, no ensino fundamental ou no médio, mencionaram o aprimoramento da prática, em que a ênfase está na perspectiva do diálogo docente-docente e docente-discente e na reflexão sobre a própria prática. Nesse sentido, revelaram que se tornaram profissionais mais reflexivos e críticos da própria prática. Esses aspectos são os mais enfatizados nesse período. Junto a estes situam-se ainda uma percepção de maior capacidade técnica, de fundamentação do trabalho e de sistematização de ideias.

Com isso, os egressos dessa década se referiram, também, a um maior dinamismo da prática pedagógica e a uma visão teórica mais fundamentada que possibilita a ressignificação dos processos educativos. Assinalaram alguns o desenvolvimento de liderança em seus espaços de docência e uma maior capacitação para o discurso na sala de aula; a riqueza da experiência em escrever projetos e monografias; a importância dos estudos e discussões sobre metodologias de pesquisa. Daí pode-se concluir que o mestrado contribuiu tanto para uma maior compreensão dos fenômenos educativos, quanto para um avanço na qualidade do trabalho docente, segundo os próprios docentes.

Alguns egressos consideraram que a experiência na pós-graduação os levou a abandonar a escola básica, vivendo um hiato entre teoria e prática, argumentando não ser a realidade da sala de aula da escola pública o modelo idealizado nas aulas da pós-graduação.

Um egresso problematiza a pergunta dessa pesquisa sobre as repercussões do mestrado na prática docente, considerando que se trata de um conjunto de aspectos formativos e da experiência que proporcionam as mudanças nas práticas, num continuum.

Ainda analisando as repercussões do ponto de vista da atuação profissional, alguns depoimentos indicam que a ampliação do campo de atuação profissional com o mestrado ocorre de forma um pouco mais restrita, pois, nos grandes centros urbanos, passa-se a exigir o doutorado, especialmente para contratações nas IFES, fazendo com que o título de mestre já não represente um diferencial, como foi nas décadas anteriores. Assim, apesar de expressarem um sentimento de maior segurança teórica ao lidar com as questões educacionais, um crescimento pessoal e a aquisição de novos saberes, não se pode dizer que tais ganhos tenham levado necessariamente a uma ascensão funcional.

Sintetizando os relatos dos egressos do mestrado, destacamos algumas ações práticas que, segundo seus depoimentos, sofreram mudanças: pensar a prática com os alunos como parte de um contexto histórico-cultural; maior conhecimento da estrutura escolar; consciência dos limites da prática; aproximação das funções de gestão; segurança para enfrentar os desafios da prática escolar; capacitação teórica para repensar a prática docente; ampliação das concepções didático-pedagógicas; preocupação com a diversificação de metodologias e com o diálogo com alunos e colegas; e participação no projeto pedagógico da escola. Um dos egressos sintetiza esse processo mencionando a maior capacidade de articulação das questões nas perspectivas micro e macrossocial.

Temas de estudos são agora situados pelos egressos do mestrado de modo mais consolidado que na década anterior, tais como: a formação dos professores; a formação geral e específica dos estudantes; currículo escolar; avaliação; disciplina; juventude e violência; dinâmica no cotidiano da escola; raça, classe social, etnia, religiosidade; corporeidade; educação infantil; educação de jovens e adultos; educação a distância, entre outros.

Em continuidade com o que já foi constatado na análise das respostas dos egressos dos anos 1990, a relação com a prática pedagógica e a experiência do mestrado devem ser observadas com muito cuidado. As respostas continuam genéricas, ainda que apresentem referências a situações e às especificidades do cotidiano escolar da educação básica e superior, o que pode ser explicado, provavelmente, pelo maior número de egressos e a maior diversificação de suas origens profissionais. Pode-se considerar que o objetivo central do mestrado – formação do pesquisador – foi alcançado por todos os egressos. A formação para a docência e a prática pedagógica não encontra no programa um espaço claro, segundo os respondentes. Estes, em sua maioria, consideraram positiva a formação geral mais ampla adquirida; outros mostraram que essa ampliação apresenta resultados negativos, levando a frustrações e, até mesmo, em alguns casos, ao abandono da educação básica.

Destacamos, ao final, com tudo isso que foi dito, que tal situação exige uma análise mais específica, que não será possível realizar com este estudo, pois a prática pedagógica implica o reconhecimento dos contextos, dos sujeitos e das tensões geradas pela diversidade de elementos e questões que a compõem, impossível de ser realizado a partir da abordagem genérica e exploratória proposta e realizada neste estudo.

É interessante ressaltar que a convivência no cotidiano da Faculdade de Educação novamente transparece nos relatos dos egressos como "uma passagem" que provocou orgulho e satisfação, deixando lembranças de uma convivência positiva.

Alguns depoimentos também são positivos em relação às repercussões práticas dos estudos de pós-graduação, especificamente na elaboração de materiais didáticos, e apontam que sua formação foi reforçada para essa capacitação pelo CECIMIG4 4 CECIMIG – Centro de Ensino de Ciências e Matemática. e pelo mestrado FaE. Nesse sentido, um egresso não acredita em repercussões evidentes no caso do mestrado, mas sim na especialização que fez nesse mesmo Centro antes do mestrado. Alguns egressos expressaram ter tido uma convivência rica com coletivos de núcleos, centros e grupos como o GHEPE5 5 GHEPE – Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação , o FOCO6 6 FOCO – Programa de formação continuada de professores/ produção de recursos para o ensino de Ciências. , o NETE7 7 NETE – Núcleo de Estudos sobre Trabalho e Educação. , o LABEPGH8 8 LABEPEH – Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino de História , o NIPSE9 9 NIPSE – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Psicanálise e Educação. . Os encontros para debates promovidos pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, especificamente a denominada "6ª na pós"10 10 6ª na pós ou a 4ª na pós – encontros semanais de todos os pós-graduandos para participação em palestras/debates. , é mencionada como um espaço importante na convivência e formação geral dos egressos.

No âmbito do contexto político-social-educacional dos anos 2000, explicitam-se as tendências já verificadas no final da década anterior, destacando-se a maior participação e a democratização nas instituições educacionais, ao mesmo tempo em que são ainda mais desenvolvidas ações por parte do governo visando à regulação da educação.

Os egressos do doutorado

O doutorado da FaE-UFMG, criado em 1991, compõe, com o mestrado, o Programa de Pós-Graduação em Educação, que tem por finalidade básica contribuir para o desenvolvimento da educação brasileira, através do aprofundamento de estudos, da realização de pesquisas e da produção de teorias que concorram para o avanço do saber e do fazer educativos.

Assim, no período de 1995 (defesa da primeira tese) a 2006, encontramos um total de 163 egressos, dos quais 98 foram localizados e para eles foi enviado o questionário desta pesquisa. Foram obtidas 63 respostas, cerca de 39% do total de egressos. Consideramos que os dados obtidos refletem a amplitude da percepção dos referidos egressos em relação às repercussões do curso de doutorado em sua vida profissional.

Iniciamos esta apresentação situando cronologicamente os egressos que responderam ao questionário e, em seguida, analisando seu lugar de inserção profissional e as aprendizagens relativas às suas práticas com a conclusão da pós-graduação.

A partir de uma primeira leitura do material coletado por meio das respostas ao questionário, consideramos importante separar as informações e análises das décadas de 1990 e de 2000 devido à presença de características específicas em cada período.

São oito os egressos do doutorado do Programa de Pós-Graduação da FaE-UFMG nos anos 90 que se posicionaram em relação à situação funcional, conforme mostra o Quadro 2:


Os egressos doutores da década de 1990 já atuavam como professores de ensino superior e nele permaneceram, ampliando suas atividades por meio de sua incursão em programas de pós-graduação. A única exceção ocorreu com o docente que anteriormente atuava na educação básica, na coordenação de uma grande rede de ensino e, atualmente, atua no ensino superior, o que representa uma ascensão em sua carreira.

Podemos observar que o doutorado da FaE-UFMG, nessa primeira década, se volta para a formação em serviço, certamente devido ao crescimento da demanda para o magistério no ensino superior, nesse período.

Todos os docentes pesquisados mencionam uma ampliação de sua formação e um crescimento profissional, citando, por exemplo, a oportunidade de sistematização dos conhecimentos acumulados ao longo da carreira profissional, o aprofundamento de estudos/temas, a ampliação da visão de mundo e de educação.

Todos ingressaram e/ou expandiram sua atuação na carreira docente no ensino superior e apontaram uma melhora das condições de vida e de trabalho, alguns destacando inclusive a oportunidade de realizar atividades de uma "vida distinta", como, por exemplo, em viagens nacionais e internacionais, no domínio de línguas estrangeiras.

Os titulados mostraram uma visão positiva da formação em pesquisa ao destacá-la como um diferencial em sua formação. Assim, relataram estar realizando pesquisas (financiadas ou não), orientando novas pesquisas, dirigindo programas de pós-graduação, participando de eventos e publicando em revistas científicas. Ainda é mencionado pelos egressos o envolvimento em atividades de comitês científicos, colegiados, grupos de pesquisa, assessorias e consultorias.

Podemos então considerar como síntese, a partir das respostas dos egressos, que os objetivos gerais do doutorado, no que diz respeito à confirmação da condição de pesquisador/a, foram alcançados, tendo os oito doutores da década de 1990 se tornado pesquisadores e orientadores de novos pesquisadores.

Sobre as repercussões na prática pedagógica, alguns relatos situaram que através do doutorado passaram a compreender melhor as questões educativas da escolarização no ensino médio. Apenas uma professora egressa, referindo-se à graduação, fez menção à sua prática docente, colocando-se como mais capacitada para realizar observações de modo mais criterioso dos processos de aprendizagem de seus alunos.

São 55 os egressos dos anos 2000 que responderam à pesquisa. As informações sobre a atuação profissional anterior e posterior à conclusão do doutorado confirmam a inserção desses doutores no ensino superior público e privado, à exceção de um número bem restrito, que continuou na educação básica em instituição federal, conforme as informações contidas no Quadro 3, apresentado em seguida:


O crescimento do número de doutores em relação à década anterior se deve, provavelmente, às alterações nas políticas para o ensino superior, que, aumentando a matrícula de graduação, contribuiu para ampliar as vagas no mercado para docentes universitários. Também se pode citar a ampliação de projetos de pós-graduação em universidades, a implantação de um sistema de avaliação das instituições de ensino superior e o Exame Nacional de Cursos (Provão), que tem a titulação docente como um de seus indicadores, contribuindo para aumentar a demanda de professores-doutores, inclusive no segmento particular, em que predominam docentes graduados ou especialistas.

É importante ressaltar que os oito professores advindos da Educação Básica para a Faculdade de Educação da UFMG, nessa década, são oriundos da Rede Municipal de Belo Horizonte, quando a Secretaria de Educação, no referido período, proporcionava a liberação de docentes para os estudos de pós-graduação.

Também podemos observar um claro direcionamento profissional para o magistério superior e a pesquisa acadêmica, confirmando o movimento geral que ocorreu nos anos 90 (VELLOSO, 2004). O ingresso como docente em programas de pós-graduação e a coordenação de programas de pós-graduação são indicações mais presentes nas repercussões profissionais dos anos 2000, devido à maior expansão desse nível de ensino nesse período, confirmando claramente o sentido atribuído por muitos egressos de que a prática da pesquisa passa a integrar sua vida profissional. Nesse sentido, são mencionadas pelos egressos obtenção de financiamentos para seus projetos de pesquisa, premiações, publicações de artigos em revistas qualificadas e de livros.

Mesmo aqueles egressos que não estão engajados em grupos e projetos em universidades públicas mencionaram a continuidade de contatos com grupos de pesquisas da FaE-UFMG, bem como a ampliação desses contatos por meio de parcerias com grupos e instituições internacionais. Alguns relembraram a importância do ano em que obtiveram "a bolsa sanduíche" em instituições internacionais durante o período de doutoramento, destacando as aprendizagens realizadas nessas experiências.

Também a atividade profissional de orientação de estudantes foi destacada pelos egressos, seja em projetos de iniciação científica, seja em projetos de graduação e pós-graduação. Ainda são referidas as participações em bancas de defesa de teses e dissertações, de qualificação e de concursos para seleção de docentes.

Alguns egressos destacaram a ocupação de cargos na gestão universitária de diversas instituições, como pró-reitorias e colegiados de curso. Outros ressaltaram que suas aprendizagens no doutoramento favoreceram sua atuação na própria UFMG em funções de gestão pedagógica, de reforma curricular, de elaboração de projetos e de coordenação de novas disciplinas. Nesse sentido, também ministram disciplinas na pós-graduação, trabalhando temas como formação docente, saberes docentes, currículo, entre outros. Alguns professores explicitaram ainda que a inserção no ensino superior contribuiu para sua constituição como "formador".

De um modo geral, podemos dizer que os egressos consideram que o doutoramento concorreu para o seu amadurecimento teórico e profissional, para a ampliação de seus horizontes perceptivos e para a sua ação investigativa. Alguns mencionaram um reconhecimento maior de seus pares, uma valorização por parte de instituições públicas e privadas e, também, melhoria salarial.

Quanto às repercussões na prática pedagógica na escola básica, chama nossa atenção o grande número de egressos do doutorado que não respondeu à questão. Esse dado vem reforçar que a docência na escola básica não é uma atividade exercida por eles. E, mesmo ao considerarmos que o egresso doutor exerce a docência em universidade, é possível perceber que se trata de uma atividade não reconhecida por ele como uma atividade profissional de destaque, o que pode ser uma explicação para as poucas respostas à questão.

Entre os que responderam à questão, muitos mencionaram a importância de estudar na Faculdade de Educação da UFMG, destacando os princípios de educação democrática e inclusiva como fortes componentes formativos que passaram a incorporar em suas práticas. De fato, os depoimentos dos egressos doutores vão ao encontro do que propõe um dos eixos temáticos do Programa de Pós-Graduação da FaE – "inclusão/exclusão nos processos educativos e educação e conhecimento" – que pretendem perpassar os diversos estudos e projetos de pesquisa desenvolvidos no programa.

Outros egressos relacionaram suas vivências e aprendizagens no período de doutoramento com a realidade escolar, enriquecendo suas práticas cotidianas na escola, seja como docentes, orientadores e psicólogos, nos diferentes níveis de ensino. Essas respostas vêm ao encontro de um dos objetivos do PPG-FaE-UFMG: constituir uma instância de reflexão coletiva sobre práticas e teorias pedagógicas.

Ainda os professores/pesquisadores responderam que, durante sua formação, aprofundaram conhecimentos que lhes permitiram compreender a realidade como uma construção histórica e social e o conhecimento, como parte dela. A ideia de escola como um tempo/espaço de formação também é mencionada como uma aprendizagem, ampliando as perspectivas técnica e instrumental da escola básica. Outra ideia relevante que surge nos depoimentos é o questionamento do ato de ensinar, nele incluindo processos não-escolares, maior tolerância nas relações, postura de diálogo na sala de aula e, enfim, maior respeito aos educandos. Ressaltam, ainda, a apropriação de uma nova concepção sobre o processo de aprendizagem e de produção de conhecimento por meio da pesquisa, isto é, referem-se à possibilidade de articulação ensino-pesquisa.

Alguns egressos, reportando-se à formação de professores, à licenciatura, consideram-se mais preparados para o exercício da docência, especificamente no que diz respeito às opções curriculares e pedagógicas. Não se percebe, contudo, uma ênfase nas questões relativas ao ensino, seja valorizando sua prática pedagógica, seja buscando o aprofundamento teórico que possa, explícita ou diretamente, contribuir para a superação das dificuldades da prática pedagógica.

Outro aspecto bastante salientado é a capacitação para orientar alunos, favorecida com a formação teórica adquirida no doutoramento. A perspectiva da pesquisa etnográfica é também apontada como contribuição para uma ação docente mais compreensiva das práticas cotidianas, tanto de alunos quanto de professores.

Muitos depoimentos dos egressos valorizaram as vivências e a formação possibilitadas pela FaE, e alguns insistiram que a passagem pela FaE "faz toda a diferença". Mostram preocupação com o cotidiano escolar, incentivam e buscam tanto uma melhor preparação de sua ação (por meio de projetos e planejamentos), quanto uma relação mais positiva com seus pares e seus alunos. Dessa maneira, podemos supor que constroem uma compreensão menos intuitiva dos problemas educacionais como repercussão do doutorado.

Há, no entanto, alguns depoimentos que questionaram a formação teórico-metodológica adquirida no doutoramento e explicitaram que a compreensão dos múltiplos aspectos da educação na escola básica não os instrumentaliza para transformar a prática na sala de aula. Ou seja, mesmo reconhecendo que adquiriram uma sólida formação geral e para a pesquisa, consideram que existe uma distância entre essa formação e as questões do cotidiano da sala de aula.

Em síntese, a maioria dos egressos que responderam à questão sobre as repercussões do doutoramento na sua prática escolar cotidiana mencionaram que desenvolveram uma compreensão mais profunda dos processos escolares e que adquiriram maior embasamento teórico da prática pedagógica. Mostraram ter uma visão mais consistente da escola e das possibilidades de construção de novas propostas de ensino. Mencio-naram, em sua maioria, a aquisição de maior instrumentalização para refletir sobre a sua própria prática e para compreender o processo de aprendizagem. Revelaram estar mais capacitados para trabalhar com a inclusão, demonstrando uma percepção "mais clara" dos complexos processos de ensino e aprendizagem.

Diante das respostas encontradas e reconhecendo como muito abertas as questões propostas aos egressos nesta pesquisa, consideramos que as informações obtidas indicam que os primeiros doutores do Programa de Pós-Graduação da FaE-UFMG buscavam o título, que passa a ser realmente valorizado na carreira, conferindo-lhes as condições de pesquisador e a permanência na universidade em melhores condições.

Com o passar dos anos, diante dos desafios de uma realidade com a demanda de criação de novas universidades e a abertura de novos cargos e funções, o doutorado em educação da FaE-UFMG, respondendo a esse desafio, amplia o perfil do seu corpo discente, incluindo profissionais com formação diversificada e, inclusive, professores da educação básica. Nessa perspectiva, há uma ampliação das condições de professor-pesquisador que passa a ter sua carreira acadêmica valorizada, especialmente com o incremento dos programas de pós-graduação. Nas universidades públicas, esses programas recebem incentivos e crescem bastante no período recente, acolhendo muitos desses profissionais.

Por fim, o crescimento do número de doutores pode estar relacionado com a ampliação do mercado de trabalho para o professor-pesquisador, no que se refere às atividades de gestão, à elaboração de políticas públicas, à demanda de assessorias, consultorias, entre outras funções.

Assim, a partir dos resultados desta pesquisa sobre os egressos do curso de doutorado da FaE-UFMG, podemos afirmar que o referido curso vem alcançando os objetivos propostos, deixando uma interrogação nos aspectos relativos à formação para a docência ou a uma maior instrumentação para a docência, seja ela em nível superior ou da escola básica.

Considerações finais

Realizamos neste estudo um levantamento das percepções dos egressos do Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE-UFMG sobre as repercussões profissionais e na prática pedagógica de sua experiência formativa.

Considerando relevante o número de respondentes ao questionário desta pesquisa, nossa análise procurou acompanhar a evolução das questões ao longo do tempo, buscando estabelecer relações entre o contexto social e educacional mais amplo e as várias mudanças por que passou o Programa de Pós-Graduação.

Nos anos 1970 e início dos 80, a pós-graduação – mestrado – esteve voltada para qualificar para a pesquisa os próprios professores universitários, elevando sua condição na carreira docente e produzindo discreta repercussão na sua prática pedagógica.

Na segunda metade dos anos 80 e início dos anos 90, grande foi o incremento para a formação do pesquisador, ampliando-se o leque daqueles que ingressavam no programa que atraiu profissionais de diversas áreas. Nessa experiência da pós-graduação da UFMG – ainda o mestrado –, tem relevância a linha adotada pelo programa de abrir-se às questões sociais e, em especial, às questões dos movimentos sociais, favorecendo a sistematizações de experiências e teorizações sobre práticas, projetos, programas, políticas de educação e relacionadas com a educação (ARROYO, 1982). Essa proposta se articulava em um momento social de grandes debates e reformulação da legislação no país, inclusive na área da educação, que também propunha uma política de valorização da pesquisa na universidade.

Com o crescimento do número de universidades e centros formativos nas últimas décadas, o programa analisado aprofundou as temáticas e ampliou as linhas de pesquisa. É nesse período que se deu a criação do doutorado, que privilegiou a análise de questões que tratam a relação entre educação, cultura, trabalho e sociedade.

Nesses anos, as repercussões na vida profissional dos egressos são grandes, tornando a formação do pesquisador reconhecida socialmente e ampliando seus espaços de trabalho. A prática pedagógica do profissional egresso da pós, seja na escola básica seja na educação superior, incorpora um conjunto de temas e problemas numa perspectiva de crítica ao sistema tradicional de ensino, reforça um sentido de universalização do acesso e da permanência na escola básica, de educação inclusiva e de gestão democrática. Temas outros como a educação infantil, a educação de jovens e adultos, a inclusão, as tecnologias, juventude, raça, gênero, sexo, entre outros, começam a ser estudados de modo sistemático.

Seja pela generalidade da pergunta feita aos egressos nesta pesquisa, seja pela dificuldade intrínseca de tratamento das questões da prática pedagógica, observa-se que não se pode falar em repercussões visíveis ou enfáticas na prática cotidiana a partir da participação do egresso da pós-graduação. Aqueles que apresentam uma concepção mais detalhada sobre a prática, que se dispuseram a comentar sua prática, consideraram que com a pós-graduação houve uma ampliação de suas concepções, visões, entendimentos de temas/questões relativos à prática, destacando a maior compreensão e a tolerância na relação com os educandos. Essa explicitação deve ser vista como uma repercussão muito importante, contudo, não apresenta possíveis transformações efetivas que ocorreram na prática pedagógica e, sim, a problematização de questões a ela relacionadas, o que expressa, mais uma vez, a complexidade da questão.

Da segunda metade dos anos 90 aos anos 2006, os programas de pós-graduação passam por um sistema nacional de avaliação, ganham incentivos em função de seu desempenho, organizam-se linhas de pesquisas, ampliam-se as vagas, a perspectiva da internacionalização se impõe e os programas ganham mais relevância e pujança. Na FaE-UFMG, o programa tem como referência "conhecimento e inclusão social", organizando-se em torno de dois eixos: inclusão/exclusão nos processos educativos, e educação e conhecimento (www.fae.ufmg.br/pós-graduação).

A produção nesse período revela uma intensa formação de pesquisadores, uma ainda maior diversificação de temas e problemas de pesquisa em consonância com a diversidade social e uma produção muito maior do que a dos anos anteriores. Os egressos percebem grandes repercussões na sua vida profissional por meio de atividades de regência e de orientação, da publicação, da participação em eventos, entre outras e, especialmente, através da continuidade do trabalho de pesquisa. Muitos passam a buscar o doutorado e se articulam com grupos de pesquisas, como participantes, colaboradores ou integrantes.

Do ponto de vista das repercussões na prática pedagógica, em continuidade à década anterior, seja no ensino superior seja na escola básica, as referências são positivas, mas bastante genéricas. Por exemplo, mencionam o avanço das concepções, compreensões e intervenções, mas não explicitam que propostas e projetos construíram, que tipo de intervenção realizaram, que resultados alcançaram.

A seleção de estudantes para o mestrado e também para o doutorado atualmente exige a apresentação de um projeto em determinada linha de pesquisa, abolindo a ideia dominante na década anterior da análise de experiências sociais e políticas, valorizando mais as interrogações/questões que se tornam focos de um problema específico de pesquisa (embora também possa ser a experiência um problema de pesquisa).

Também nesse período está presente um movimento nacional intenso de valorização e investimento em programas de pós-graduação que traz como resultado o crescimento do número de vagas que dobraram em relação às estatísticas do período anterior. Trata-se, pois, de uma década de transformações e de afirmação dos programas de pós-graduação.

A análise desse período indica também a predominância nas dissertações e teses elaboradas de um pensamento voltado para as questões escolares que, conforme os estudos de Caldeira, Souza e Zaidan (2009), revelam a preocupação com a prática pedagógica e com a perspectiva de pensar procedimentos e processos escolares capazes de acolher a universalização, a inclusão propostas nos programas educacionais e a diversificação de temas e problemas de investigação.

Fica, desse modo, em aberto uma questão instigante: a experiência do mestrado/doutorado do Programa de Pós-Graduação da FaE UFMG, de grande produtividade e qualidade reconhecida nacionalmente, enfatiza um compromisso com a produção teórica em relações com as questões sociais e escolares, com os movimentos sociais e as práticas pedagógicas, o que tem proporcionado significativas mudanças nas visões e percepções dos egressos; cumpre os papéis essenciais de produção de conhecimento e formação do/a pesquisador/a, mas não se apresentam, segundo os próprios egressos, valorização e transformações visíveis na prática pedagógica.

Sobre a formação para a docência no ensino superior, deparamo-nos com uma vaga compreensão do problema diante da quase total falta de referências nas respostas dos egressos. Nesse sentido, Severino (1999) nos alerta sobre a necessidade da formação em pós-graduação para os professores universitários, pois as dificuldades do ensino superior guardam relação com os próprios processos de construção do conhecimento. Assim, existindo uma profunda relação entre ensinar, aprender e investigar, "a formação do professor precisa integrar, de forma radical, a prática da pesquisa" (1999, p. 191). Esse entendimento vai ao encontro da perspectiva do professor como um "construtor de conhecimento", o que, para Severino, toca na finalidade da pós-graduação: "Na verdade, trata-se de se assumir, com maior rigor e convicção, a radical unidade que deve soldar ensino e pesquisa, na sua mais íntima e específica natureza." (SEVERINO, 1999, p. 193)

Assim, a pós-graduação, lugar por excelência da pesquisa e da elaboração de conhecimentos, não deve perder o sentido da formação docente articulada à formação do pesquisador.

NOTAS

Contato:

Universidade Federal de Minas Gerais

Faculdade de Educação

Avenida Antônio Carlos, 6627

Pampulha

Belo Horizonte – MG

CEP 31250-130

Recebido: 18/08/2010

Aprovado: 29/03/2011

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  • 1
    Histórico, Programa de Pós-Graduação da FaE/UFMG,
    www.posgrad.fae.ufmg.br, consultado em abril/2010.
  • 2
    O Programa de Pós-Graduação da FaE-UFMG teve, nesse período, uma equipe de docentes, intelectuais reconhecidos nacionalmente, e desenvolve um projeto especial que incorpora a experiência política e educacional dos mestrandos nos movimentos sociais, transformando o processo de produção do conhecimento no mestrado em um movimento de compreensão política, social e educacional.
  • 3
    A ACPP constituía o eixo da proposta curricular do mestrado nos anos 1980 e início dos anos 90. Consistia em uma discussão coletiva de estudantes e professores sobre a prática pedagógica do estudante, tomando como base um "memorial" de cada mestrando, num exercício coletivo de escuta e reflexão teórica; a partir daí, eram propostas novas disciplinas e atividades que eram planejadas conforme as demandas e possibilidades.
  • 4
    CECIMIG – Centro de Ensino de Ciências e Matemática.
  • 5
    GHEPE – Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação
  • 6
    FOCO – Programa de formação continuada de professores/ produção de recursos para o ensino de Ciências.
  • 7
    NETE – Núcleo de Estudos sobre Trabalho e Educação.
  • 8
    LABEPEH – Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino de História
  • 9
    NIPSE – Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Psicanálise e Educação.
  • 10
    6ª na pós ou a
    4ª na pós – encontros semanais de todos os pós-graduandos para participação em palestras/debates.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      18 Ago 2010
    • Aceito
      29 Mar 2011
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