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AÇÕES AFIRMATIVAS NO ACESSO À EDUCAÇÃO BÁSICA: UM OLHAR SOBRE O COLÉGIO PEDRO II1 1 Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.

ACCIONES AFIRMATIVAS EN EL ACCESO A LA EDUCACION BASICA: UNA MIRADA AL COLÉGIO PEDRO II

RESUMO:

O objetivo deste artigo é analisar a Lei de Cotas (Lei 12.711/12) e demais ações afirmativas implementadas pelo Colégio Pedro II (CPII) e suas contribuições na ampliação de oportunidades educacionais. Busca-se responder a duas questões principais: quais foram as ações afirmativas adotadas em seus processos seletivos de ingresso ao longo do tempo? E quais mudanças são percebidas no perfil sociodemográfico dos ingressantes, principalmente a partir da Lei de Cotas? O estudo é exploratório e documental, com análises de cunho descritivo, a partir de dados secundários obtidos no site do CPII e nos microdados do Censo Escolar. Tomaram-se como referência três coortes de ingressantes no 6o ano do Ensino Fundamental e na 1a série do Ensino Médio Regular e Integrado, nos anos de 2012, 2014 e 2016. Os principais resultados mostram que, desde 2005, o CPII adota uma política de ação afirmativa para o ingresso dos estudantes com a reserva de 50% das vagas para egressos de escola pública. A partir de 2013, a Lei de Cotas foi implementada no Ensino Médio Integrado e Regular, acrescentando, aos critérios de escola pública já existentes, os critérios de renda, de raça/cor e de pessoa com deficiência. A análise do perfil sociodemográfico dos estudantes reforça a contribuição das políticas de ações afirmativas do CPII e da Lei de Cotas na ampliação de oportunidades de acesso, principalmente de estudantes negros.

Palavras-chave:
Educação Básica; ações afirmativas; Lei de Cotas; Colégio Pedro II

RESUMEN:

El objetivo de este artículo es analizar la Ley de Cuotas (Ley 12.711/12) y otras acciones afirmativas implementadas por el Colegio Pedro II (CPII) y sus contribuciones a la ampliación de las oportunidades educativas. Buscamos responder a dos preguntas principales: ¿cuáles fueron las acciones afirmativas adoptadas en sus procesos selectivos de ingreso a lo largo del tiempo? Y ¿qué cambios se perciben en el perfil sociodemográfico de los ingresantes, especialmente después de la Ley de Cuotas? El estudio es exploratorio y documental, con análisis descriptivos, a partir de datos secundarios obtenidos de la página web del CPII y de los microdatos del Censo Escolar. Tomamos como referencia tres cohortes de ingresantes en 6º de Primaria y en 1º de Bachillerato Regular e Integrado, en los años 2012, 2014 y 2016. Los principales resultados muestran que, desde 2005, el CPII adopta una política de acción afirmativa para el ingreso de alumnos con la reserva del 50% de las vacantes para egresados de escuelas públicas. A partir de 2013, se implementó la Ley de Cuotas en la Escuela Secundaria Integrada y Regular, agregando a los criterios ya existentes en la escuela pública, los criterios de renta, raza/color y persona con discapacidad. El análisis del perfil sociodemográfico de los alumnos refuerza la contribución de las políticas de acción afirmativa del CPII y de la Ley de Cuotas en la ampliación de las oportunidades de acceso, especialmente para los alumnos negros.

Palabras clave:
Educación Básica; acciones afirmativas; Ley de Cuotas; Colégio Pedro II

ABSTRACT:

The intention of this article is to analyze the Quota Law (Law 12.711/12) and other affirmative actions implemented by Colégio Pedro II (CPII) and their contributions to the expansion of educational opportunities. We seek to answer two main questions: what affirmative actions were adopted in their admission selection processes over time? And, what changes are perceived in the sociodemographic profile of entrants, especially since the Quota Law? The study is exploratory and documentary, with descriptive analyses based on secondary data obtained from the CPII website and microdata from the School Census. We used as reference three cohorts of entrants in the 6th grade of Elementary School and the 1st grade of regular and integrated High School, in the years 2012, 2014, and 2016. The main results show that since 2005, CPII has adopted an affirmative action policy for student admission with a reservation of 50% of the spots for public school graduates. Starting in 2013, the Quota Law was implemented in both the integrated and regular High School, adding to the existing public school criteria, income criteria, race/color, and disability criteria. The analysis of the students' socio-demographic profile reinforces the contribution of CPII's affirmative action policies and the Quota Law in expanding access opportunities, especially for Black/Brown students.

Key Words:
Basic Education; affirmative actions; Quota Law; Colégio Pedro II

INTRODUÇÃO

Nos últimos vinte anos, ocorreram muitas transformações no cenário educacional brasileiro com a quase universalização do Ensino Fundamental, que chegou a uma cobertura, em 2019, de 98% (Brasil, 2020). Como um reflexo da crise provocada pela pandemia de Covid-19, a cobertura educacional do Ensino Fundamental (6 a 14 anos) retrocedeu de 98%, em 2020, para 95,9% em 2021. No entanto, para os jovens de 15 a 17 anos, o percentual aumentou para 95,3% em 2021, tendo sido de 92,9% em 2019. A ampliação do Ensino Médio ainda é bastante desafiadora, com uma cobertura de 74,5% em 2021 (jovens de 15 a 17 anos que frequentavam ou concluíram a etapa), sendo 10,5 pontos percentuais inferior à meta de 85% prevista para 2024, conforme o Plano Nacional de Educação (Brasil, 2022BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Relatório do 4º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação - 2022. Brasília, DF: Inep, 2022. 572 p.).

Como mostram Senkevics e Carvalho (2020SENKEVICS, Adriano Souza; CARVALHO, Marília P. Novas e velhas barreiras à escolarização da juventude. Estudos Avançados, v. 34, n. 99, p. 333-352, 2020. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.2020.3499.020
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), o aumento da escolaridade não vem necessariamente acompanhado da diminuição das desigualdades de acesso, permanência e conclusão, nem tampouco das desigualdades de aprendizagem (Alves; Soares; Xavier, 2016ALVES, Maria T. G.; SOARES, José F.; XAVIER, Flavia P. Desigualdades educacionais no Ensino Fundamental de 2005 a 2013: hiato entre grupos sociais. Revista Brasileira de Sociologia, v. 4, n. 7, p. 49-81, jan./jun. 2016. https://doi.org/10.20336/rbs.150
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; Bof, 2021BOF, Alvana M. Foco na aprendizagem: evolução do aprendizado dos alunos brasileiros do Ensino Fundamental a partir do Plano Nacional de Educação. Cadernos de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais, v. 3, n. 4, p. 11-35, 2021. http://dx.doi.org/10.24109/27635139.ceppe.v3i4.4886
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). A conclusão do Ensino Fundamental, a entrada no Ensino Médio e sua conclusão, e o ingresso no Ensino Superior continuam a ser os principais desafios para a escolarização de alunos de baixo nível socioeconômico, negros e indígenas (Senkevics; Carvalho, 2020SENKEVICS, Adriano Souza; MELLO, Ursula Mattioli. O perfil discente das Universidades federais mudou pós-Lei de Cotas? Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 49n. 172, p. 184-208, abr./jun. 2019. https://doi.org/10.1590/198053145980
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; Simões, 2019SIMÕES, Armando A. Acesso à Educação Básica e sua universalização: missão ainda a ser cumprida. Cadernos de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais, v. 2, 2019. http://dx.doi.org/10.24109/9786581041076.ceppe.v2a1
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).

Considerando estes desafios, desde o início do século XXI, importantes avanços foram promovidos com relação à adoção de políticas de ação afirmativa no Brasil. O principal marco foi a aprovação da Lei 12.711 de 2012, conhecida como a Lei de Cotas, que objetiva reduzir desigualdades sociais e raciais no acesso ao Ensino Médio técnico e Ensino Superior nas instituições federais de ensino, por meio da reserva de vagas para estudantes egressos de escola pública, de baixa renda, autodeclarados pretos, pardos e indígenas, e para pessoas com deficiência (Brasil, 2012aBRASIL Presidência da República. Lei n. 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, Seção 1, p. 1, 30 ago. 2012a., 2016BRASIL Presidência da República. Lei n. 13.409, de 28 de dezembro de 2016. Altera a Lei no 12.711, de 29 de agosto de 2012, para dispor sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnico de nível médio e superior das instituições federais de ensino. Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, p. 3, 29 dez. 2016.).

Este estudo visa caracterizar como ocorreu a adesão à Lei de Cotas e demais ações afirmativas voltadas para o ingresso de estudantes no Colégio Pedro II (CPII), uma das mais tradicionais instituições de Educação Básica no Brasil. Fundado em 2 de dezembro de 1837, no Rio de Janeiro, o CPII, atualmente, atende cerca de 12 mil estudantes da Educação Infantil à pós-graduação.

Durante décadas, o ingresso no CPII para o 6o ano do Ensino Fundamental e 1a série do Ensino Médio ocorria apenas por meio de um concorrido processo seletivo público, que garantia um corpo discente oriundo majoritariamente das classes médias do município do Rio de Janeiro (Cavaliere, 2008CAVALIERE, Ana M. O Colégio Pedro II encontra o século XXI.Revista Contemporânea de Educação, v. 3, n. 6, 2008. https://doi.org/10.20500/rce.v3i6.1549
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). No entanto, a partir de 2005, o processo de admissão, tanto para o 6o ano quanto para a 1a série do Ensino Médio, passou a reservar 50% das vagas para estudantes que tivessem frequentado as séries anteriores em escolas públicas, como forma de ampliar a inclusão de outros grupos sociais na escola.

No ano de 2012, com a aprovação da Lei 12.677/12 (Brasil, 2012bBRASIL Presidência da República. Lei n. 12.677, de 25 de junho de 2012. Dispõe sobre a criação de cargos efetivos, cargos de direção e funções gratificadas no âmbito do Ministério da Educação, destinados às instituições federais de ensino; altera as Leis nº 8.168, de 16 de janeiro de 1991, 11.892, de 29 de dezembro de 2008, e 11.526, de 4 de outubro de 2007; revoga as Leis n.º 5.490, de 3 de setembro de 1968, e 5.758, de 3 de dezembro de 1971, e os Decretos-Leis n.º 245, de 28 de fevereiro de 1967, 419, de 10 de janeiro de 1969, e 530, de 15 de abril de 1969; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, Seção 1, p. 2, 26 jun. 2012b.), o CPII passou a ser integrado à Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, equiparando sua estrutura e organização às Instituições Federais de Ensino. Com essa equiparação, o CPII passou a atender aos critérios estabelecidos pela Lei 12.711/12 (Lei de Cotas) nas vagas ofertadas no Ensino Médio de nível técnico. De forma isonômica, o colégio passou a aplicar os critérios também ao ingresso no Ensino Médio regular, ou seja, incorporou a reserva de vagas segundo critérios de renda e raça/cor, além do critério de o aluno ter cursado o Ensino Fundamental em escola pública igualmente para todas as modalidades de Ensino Médio. A partir de 2016, o CPII também passou a reservar vagas para alunos com deficiência; e, ao final desse mesmo ano, a própria Lei de Cotas foi alterada, incluindo esse público na reserva de vagas.

O propósito da Lei de Cotas é diminuir desigualdades de oportunidades educacionais, incluindo grupos sociais historicamente marginalizados do sistema educativo. Uma vez que o CPII já possuía seu próprio sistema de reserva de vagas (com reserva para alunos de escola pública, como será melhor explicado adiante), a questão que se coloca é se a implementação da Lei de Cotas teria sido efetiva em alterar o perfil dos ingressantes, especialmente do Ensino Médio, tornando o colégio mais inclusivo.

Dado esse contexto, o objetivo deste trabalho é compreender as mudanças e permanências no perfil sociodemográfico dos estudantes do CPII, considerando-se a existência de um sistema de reserva de vagas nessa instituição desde 2005 e seus desdobramentos a partir da Lei de Cotas. Destaca-se a relevância deste estudo em cobrir uma lacuna da literatura com relação às políticas de ação afirmativa na Educação Básica. Ainda que a Lei de Cotas abranja o Ensino Médio de nível técnico, a literatura, em geral, compreende um foco mais voltado ao Ensino Superior. Ademais, ressalta-se a iniciativa do CPII na implementação de ações afirmativas desde meados de 2005, ainda que de forma limitada apenas para o critério de escola pública.

Além desta introdução, este artigo encontra-se dividido em mais quatro partes. A primeira delas apresenta um panorama sobre a expansão do CPII e sobre a adoção de ações afirmativas ao longo do tempo, incluindo a Lei de Cotas, a partir de 2012. A segunda aborda a metodologia utilizada neste estudo. A terceira parte apresenta e discute os principais resultados sobre a composição social dos estudantes do CPII antes e depois da Lei de Cotas, considerando-se os critérios de escola pública, raça/cor e pessoa com deficiência. Por último, são apresentadas as considerações finais.

EXPANSÃO E MUDANÇAS NAS POLÍTICAS DE ACESSO E AÇÕES AFIRMATIVAS DO COLÉGIO PEDRO II

O CPII é uma escola com mais de 180 anos de história que atende a diversos níveis e modalidades de ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental (anos iniciais e anos finais), Ensino Médio Regular, Ensino Médio Integrado2 2 Essa modalidade envolve o Ensino Médio Integrado ao nível técnico, por meio de cursos como: Técnico em Desenvolvimento de Sistemas, Instrumento Musical e Meio Ambiente. No PROEJA, os cursos ofertados são: Técnico em Manutenção e Suporte em Informática e Administração. à Educação Profissional e Ensino Médio Integrado à Educação Profissional na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), além de cursos de pós-graduação, organizados nas modalidades Lato Sensu (Aperfeiçoamento e Especialização) e Stricto Sensu (Mestrado Acadêmico e Profissional) (Couto, 2018COUTO, Isis M. S. Jubilados e Evadidos: uma análise comparativa do perfil de outsiders do Colégio Pedro II. 139 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.; CPII, 2020CPII - COLÉGIO PEDRO II. Perfil Discente. Informações sobre o perfil discente do Colégio Pedro II apresentado em números. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em:Disponível em:https://tinyurl.com/ysa2vmn9 . Acesso em : 13 mar. 2022.
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). Ainda são ofertados Cursos Técnicos Subsequentes (Técnico em Tradutor e Intérprete de Libras e Técnico em Guia de Turismo), destinados a estudantes que já concluíram o Ensino Médio e desejam obter uma formação técnica.

Desde 1950, o colégio passou por processos de expansão de suas unidades. Em 2014, havia 14 campi: 12 no município do Rio de Janeiro, um em Niterói e um em Duque de Caxias, além de um Centro de Referência em Educação Infantil3 3 Em 2012, a Educação Infantil passou a ser ofertada na Unidade Realengo I. Em 2013, foi inaugurada a Unidade de Educação Infantil Realengo, que em 2016 passou a ser denominada Centro de Referência em Educação Infantil (CREIR), com o atendimento exclusivo de crianças de 3 a 5 anos (CPII, 2018). (CREIR), também no município do Rio. A Tabela 1 apresenta a configuração atual do CPII, com seus campi, ano de criação e segmento de ensino ofertado.

Tabela 1
Ano de fundação e atendimento dos campi do Colégio Pedro II

O acesso ao CPII ocorre de duas formas: por meio de sorteios públicos para a Educação Infantil, para o 1o ano do Ensino Fundamental e para o PROEJA; e por meio de processos seletivos especiais de admissão, com aplicação de prova objetiva de Português e Matemática e de redação, para o 6o ano do Ensino Fundamental e 1o ano do Ensino Médio Regular e Integrado. Para o Ensino Médio Integrado, as provas também são compostas por conhecimentos específicos conforme a formação técnica oferecida por cada curso (CPII, 2018, 2019a, 2019b). Essa duplicidade de forma de ingresso, como aponta Dargains (2015DARGAINS, Renata L. A Política invisível: O caso da implantação das cotas raciais no Colégio Pedro II. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015., p. 52), demonstra que o CPII, apesar do compromisso com a democratização, “[...] ainda não conseguiu combinar sua tradição aos princípios de inclusão da escola pública”.

Conforme Couto (2018COUTO, Isis M. S. Jubilados e Evadidos: uma análise comparativa do perfil de outsiders do Colégio Pedro II. 139 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.), até o ano de 1983, o ingresso ocorria apenas por meio dos concursos para o 6o ano do Ensino Fundamental e 1o ano do Ensino Médio, que eram extremamente concorridos. O sorteio passou a ser usado a partir de 1984, quando foi criado, na Unidade São Cristóvão, o antigo Primário - hoje, 1o segmento do Ensino Fundamental -, possibilitando o ingresso de crianças de níveis socioeconômicos distintos, com necessidades especiais diversas e com valores culturais heterogêneos.

A partir de 2005, a diversificação e mudança de perfil dos discentes ganhou ainda mais força com a implantação de uma nova ação afirmativa (Couto, 2018COUTO, Isis M. S. Jubilados e Evadidos: uma análise comparativa do perfil de outsiders do Colégio Pedro II. 139 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.). A admissão por meio dos Processos Seletivos passou a reservar 50% das vagas para estudantes que tivessem cursado, no mínimo, o 4o e o 5o ano em escolas públicas para o ingresso no 6o ano do Ensino Fundamental, e do 6o ao 9o ano em escolas públicas para ingresso no 1o ano do Ensino Médio. Conforme destacam Coutinho, Arruda e Oliveira (2021COUTINHO, Gabriela S.; ARRUDA, Dyego O.; OLIVEIRA, Talita. A política de cotas nos segmentos da Educação Básica no Colégio Pedro II. Educação & Sociedade, v. 42, 2021. https://doi.org/10.1590/ES.254900
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), essa ação afirmativa foi adotada inspirada no Projeto de Lei 3.627/2004 do governo federal, que previa, no âmbito das universidades federais, a reserva de 50% das vagas para estudantes que tivessem cursado o Ensino Médio nas escolas públicas.

Com a aprovação da Lei de Cotas em 2012 e a equiparação do CPII aos Institutos Federais, foi necessário adequar a reserva de vagas para a etapa do Ensino Médio, ajustando os critérios já existentes e incorporando os novos. A reserva de 50% de vagas para egressos de escolas públicas foi mantida; contudo, após 2012, o estudante deveria ter cursado todo o Ensino Fundamental em escola pública, e não apenas a partir do 6o ano, como acontecia no CPII desde 2005.

Além desse ajuste, a partir de 2013, dentro dessa reserva de 50% das vagas para escola pública, a metade passou a ser destinada para estudantes com renda familiar per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e a outra metade para estudantes de escola pública, independentemente da renda familiar. Por fim, em cada uma dessas proporções de escola pública (com até 1,5 salário mínimo familiar per capita e superior a esta renda) ocorreu também a reserva de vagas para estudantes pretos, pardos e indígenas (PPIs), conforme sua representação na população no estado do Rio de Janeiro, segundo o censo demográfico realizado pelo IBGE em 2010.

Com base em legislações que fomentaram, em nível nacional, a implementação de uma política de educação inclusiva, tais como o Decreto 7.612/2011, que “[...] institui o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Plano Viver sem Limite” (Brasil, 2011) e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146/2015 (Brasil, 2015), o CPII, a partir de 2016, adotou cotas específicas para pessoas com deficiência (deficiência física, visual, auditiva, intelectual ou com transtorno do espectro autista), com a reserva de 5% do total das vagas de cada campus, tanto para o ingresso do 6o ano do Ensino Fundamental quanto para o 1o ano do Ensino Médio.

No ano seguinte, ocorreu uma alteração na Lei de Cotas, por meio da aprovação nacional da Lei 13.409/2016, que incluiu as pessoas com deficiência na reserva de vagas conforme sua representação populacional de cada estado (Brasil, 2016). Para Da Costa e Naves (2020, p. 970), o acesso das pessoas com deficiência “[...] é uma conquista recente nas políticas públicas educacionais no país, alavancada após anos com significativas dificuldades de enfrentamento por esse público em busca de escolarização, não só no ensino superior como na rede básica de ensino”.

O CPII manteve, portanto, a reserva de 5% das vagas em cada campus para pessoas com deficiência. Para a 1a série do EM, destinou parte dessas vagas (5%) também para o grupo de ampla concorrência e, para o cumprimento dessa nova lei, destinou a outra parte da reserva de vagas para o grupo de escola pública e seus subgrupos (baixa renda e pretos, pardos e indígenas).

Em decorrência da Pandemia do Covid 19, a seleção para o ingresso nos anos letivos de 2021 e 2022 foi realizada totalmente por meio de sorteios públicos, tanto para o 6o ano quanto para a 1a série do Ensino Médio, respeitando-se as reservas de vagas, conforme a Lei de Cotas e demais ações afirmativas do CPII. Além dessas, a partir de vagas ociosas foram abertas novas vagas para ingresso em outras séries do Ensino Fundamental e Médio (ex.: 2o ano EF, 8o ano EF, 2a série EM) por meio de sorteio.

Para exemplificar a reserva de vagas no CPII, toma-se como exemplo o Edital nº 29/2019, para admissão na 1a série do Ensino Médio Regular diurno no ano letivo de 2020. A Tabela 2 sintetiza a distribuição de 170 vagas ofertadas no Campus Niterói, conforme os critérios da Lei de Cotas (12.711/2012) e sua alteração pela Lei 13.409/2016. Observa-se que, no CPII, a cota para pessoas com deficiência é também extensiva a todos os estudantes, independentemente do critério de serem ou não oriundos da escola pública.

Tabela 2
Distribuição de vagas na admissão do Ensino Médio Regular diurno para o ano de 2020 - CPII/Campus Niterói

A Figura 1 apresenta de forma esquematizada as mudanças ocorridas desde 2005 nos processos seletivos de ingresso do CPII para 6º ano do Ensino Fundamental e 1ª série do Ensino Médio (Regular e Integrado), considerando-se as ações afirmativas do próprio colégio e a adesão à Lei de Cotas.

Figura 1
Mudanças na distribuição de vagas na seleção do CPII

Considerando-se esse cenário de expansão do acesso ao CPII, a pergunta que baseia o estudo apresentado neste artigo é: a implementação da Lei de Cotas facilitou ou não o ingresso de alunos com baixa renda, PPIs e pessoas com deficiência?

Conforme estudo de Senkevics e Mello (2019SENKEVICS, Adriano Souza; MELLO, Ursula Mattioli. O perfil discente das Universidades federais mudou pós-Lei de Cotas? Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 49n. 172, p. 184-208, abr./jun. 2019. https://doi.org/10.1590/198053145980
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), que analisou o perfil socioeconômico e racial de ingressantes nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) entre 2012 e 2016, houve um crescimento na participação de todos os grupos contemplados pela Lei de Cotas na maioria absoluta das instituições, principalmente nas mais seletivas e com consideráveis acréscimos principalmente para estudantes pretos, pardos e indígenas. No que concerne à escola pública, os autores identificaram que os Institutos Federais partiram de percentuais mais inclusivos em relação às universidades, passando de 69,2%, em 2012, para 74,9% em 2016, enquanto as universidades partiram, em 2012, de 53,3% para 61,2%.

Como aponta Bastos (2017BASTOS, Priscila. Lei de Cotas no Ensino Médio: investigando o acesso de jovens negros e negras ao Colégio Pedro II, 2017. Tese (Doutorado em Política Social) - Escola de Serviço Social, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2017.), com base no Censo de 2010 do IBGE, o número de alunos em escolas públicas no estado do Rio de Janeiro era três vezes maior do que o de alunos em escolas particulares. Atualmente, segundo dados do Censo Escolar de 2022 (Inep, 2023INEP - INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Sinopse Estatística da Educação Básica 2022. Brasília: Inep, 2023. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/sinopses-estatisticas/educacao-basica . Acesso em: 24 jun. 2023.
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), essa relação é de 2,4, ou seja, para cada 10 alunos de escola particular há 24 alunos de escola pública no estado do Rio de Janeiro. Nesse sentido, a Lei de Cotas - assim como a reserva anterior já praticada pelo CPII -, embora seja um avanço para a inclusão de grupos em desvantagem socioeconômica, não correspondia à real composição social e econômica do estado.

O estudo de Coutinho, Arruda e Oliveira (2021COUTINHO, Gabriela S.; ARRUDA, Dyego O.; OLIVEIRA, Talita. A política de cotas nos segmentos da Educação Básica no Colégio Pedro II. Educação & Sociedade, v. 42, 2021. https://doi.org/10.1590/ES.254900
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) analisou o perfil racial e de renda geral dos estudantes de todas as etapas da Educação Básica do Colégio Pedro II. Com base nos editais de seleção referentes ao período entre 2014 e 2019 e dados socioeconômicos disponíveis no site institucional do CPII, os autores observaram que, embora tenha ocorrido um aumento no ingresso de estudantes pretos e pardos de 15,77%, em 2014, para 37,44% em 2019, esse acesso não ocorreu de forma equitativa entre os campi que ofertam os anos finais do EF e o EM. Segundo os autores,

Apenas no campus Duque de Caxias o número de alunos negros (60,44%) é maior que o de alunos brancos (34,62%). No campus Niterói, o quantitativo de alunos negros (45,34%) se aproxima do quantitativo de alunos brancos (50,54%). Somente nesses dois campi os índices de alunos negros ficam dentro da margem do índice nacional da população negra. Em São Cristóvão III, são 37,67% de alunos negros e 52,54% brancos. O campus Realengo II, que oferece turmas do 6o ano do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, aproxima o total de negros (42,23%) e brancos (48,24%). O campus Humaitá II, localizado na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, é o que apresenta maior diferença entre estudantes negros (24,61%) e brancos (69,35%), seguido do campus Tijuca II, que apresenta percentual de 27,54% para negros e 63,03% para brancos. Esses dois campi destacam-se também por apresentarem os menores índices de alunos pretos: 5,80% no Humaitá II e 7,50% no Tijuca II (Coutinho; Arruda; Oliveira, 2021COUTINHO, Gabriela S.; ARRUDA, Dyego O.; OLIVEIRA, Talita. A política de cotas nos segmentos da Educação Básica no Colégio Pedro II. Educação & Sociedade, v. 42, 2021. https://doi.org/10.1590/ES.254900
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, p. 13).

Nas etapas iniciais da Educação Básica, o perfil discente com relação à raça/cor é semelhante ao das etapas finais, com maior disparidade entre os Campi Humaitá e Tijuca, enquanto os Campi Engenho Novo, Realengo e São Cristóvão são mais equitativos (Coutinho; Arruda; Oliveira, 2021COUTINHO, Gabriela S.; ARRUDA, Dyego O.; OLIVEIRA, Talita. A política de cotas nos segmentos da Educação Básica no Colégio Pedro II. Educação & Sociedade, v. 42, 2021. https://doi.org/10.1590/ES.254900
https://doi.org/10.1590/ES.254900...
).

Neste viés, o estudo de Pio (2023PIO, Alessandra. Ações afirmativas e Educação Básica: uma relação em construção.Periferia, v. 15, p. 70433, 2023. https://doi.org/10.12957/periferia.2023.70433
https://doi.org/10.12957/periferia.2023....
), que acompanhou uma coorte4 4 Coorte é um tipo de amostra cujo critério de seleção é o momento da ocorrência do evento de interesse; por exemplo, alunos que ingressaram na escola no mesmo ano. de 491 alunos do CPII desde a entrada em 2005 até a conclusão do Ensino Médio, aponta para algumas lacunas no que tange a ações afirmativas em espaços escolares elitizados, principalmente para a população negra. Essas lacunas perpassam pela falta de ações afirmativas de apoio financeiro e também de adequação do próprio currículo e posturas da instituição, uma vez que a autora constatou disparidades e desigualdades nas oportunidades de aprendizagem e no desenvolvimento entre crianças negras e brancas.

Sobre este assunto, Dargains (2015DARGAINS, Renata L. A Política invisível: O caso da implantação das cotas raciais no Colégio Pedro II. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.), a partir de falas de entrevistados da gestão do CPII, expõe o argumento recorrente de que a desigualdade racial já estaria resolvida com cotas para a escola pública e baixa renda. Contudo, a autora argumenta que associar o critério racial à renda e à escola de origem fragiliza o combate ao racismo, uma vez que alunos negros e indígenas de escolas particulares também podem sofrer processos de discriminação racial. Nesse sentido, considera-se a desvantagem econômica e de capital cultural (ou de qualidade do ensino público), mas desconsidera-se a desvantagem de ser negro e indígena em uma estrutura social racista.

Ainda segundo Dargains (2015DARGAINS, Renata L. A Política invisível: O caso da implantação das cotas raciais no Colégio Pedro II. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.), que também entrevistou alunos ingressantes, em 2013, pela cota racial no CPII no Campus Realengo II, o perfil desses estudantes é bastante homogêneo no sentido de que suas famílias, ainda que possuam baixa renda, trazem certo capital cultural e social que possibilita terem mais informações acerca do funcionamento e estrutura da escola e seu prestígio social.

[...] o jovem aqui apresentado, não experimentou a reprovação ao longo de sua trajetória escolar, mantém vínculos fortes com a escola, construindo inclusive, expectativas em relação à ela, e tem projetos de futuro ligados a uma profissão. São oriundos de núcleos familiares pequenos que, aparentemente, têm expectativas positivas acerca de sua escolarização, incentivando e investindo em cursos preparatórios para que alcançassem êxito na seleção do colégio (Dargains, 2015DARGAINS, Renata L. A Política invisível: O caso da implantação das cotas raciais no Colégio Pedro II. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015., p. 79).

Diante de um processo seletivo bastante concorrido - que já seleciona um determinado perfil de estudantes, dificultando o acesso -, ainda que haja a política de cotas, a autora faz a seguinte reflexão: até que ponto esse novo perfil ingressante por meio das cotas se diferencia dos estudantes matriculados até então e até que ponto as cotas cumprem com seus objetivos?

Com base em dados institucionais disponíveis em CPII (2020)5 5 CPII em números - Perfil Discente. , no ano de 2020, os estudantes da Educação Básica do CPII assim se constituíam: 87,87% residiam na cidade do Rio de Janeiro; 53,21% eram mulheres; 58,39% possuíam renda familiar de até três salários mínimos; 22,30% tinham renda acima de três salários mínimos; e, para 19,76% dos estudantes, a informação de renda não foi declarada. Quanto à raça/cor, em termos gerais, constatou-se em 2020 um percentual de 55,15% de autodeclarados brancos; 29,17% de pardos; 9,89% de pretos; 0,19% de indígenas; e 5,05% não declarados e/ou sem informação.

Uma das limitações desses dados disponíveis no site do CPII é a sua segmentação apenas no âmbito de campus, o que dificulta mapear como o perfil sociodemográfico está distribuído nas diferentes etapas da Educação Básica. Por meio dos dados do Censo Escolar, ainda que através de um recorte específico, buscou-se completar essa lacuna de dados para o 6o ano do Ensino Fundamental e a 1ª série do Ensino Médio, fazendo-se uma associação com as políticas de ação afirmativa nos processos seletivos de ingresso do CPII. Espera-se, com este estudo, apresentar uma experiência bastante original de ações afirmativas na Educação Básica, o que demonstra uma possibilidade de atuação institucional frente ao racismo, que é estrutural, segundo Almeida (2018ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural. Belo Horizonte: Letramento, 2018.), decorrente da própria estrutura social em que se constituem as relações econômicas, políticas, jurídicas e até familiares.

METODOLOGIA

Neste artigo foram observados três coortes de alunos ingressantes do Colégio Pedro II no 6o ano do Ensino Fundamental e na 1ª série do Ensino Médio Regular e Integrado, não incluindo a modalidade PROEJA. Esse recorte abrange oito diferentes campi6 6 Centro; Humaitá II; Engenho Novo II; Tijuca II; São Cristóvão III; Realengo II; Niterói; e Duque de Caxias. do CPII, uma vez que nem todos oferecem essas modalidades de ensino. Foram escolhidos os anos de 2012, 2014 e 2016, ou seja, o ano anterior (2012) e os anos posteriores à implementação da Lei de Cotas nessa instituição. Os dados utilizados são dos microdados do Censo Escolar, disponibilizados no site do Inep7 7 As bases de dados utilizadas, por conta da Lei Geral de Proteção de Dados Digitais (LGPD) de 2018, não estão mais disponíveis no site do Inep. .

Inicialmente foram selecionados todos os alunos do CPII, utilizando-se os códigos referentes aos campi (cada unidade tem um código único no Inep). Uma vez identificados pelo código os alunos do CPII no ano desejado, selecionaram-se apenas os alunos de 6o ano do EF e da 1ª série do EM. Depois, a partir do código do aluno, foram reunidas as informações do aluno (escola, dependência administrativa da escola, série) do ano anterior (2011, 2013 e 2015). Desse modo, foi possível identificar quais alunos já estavam no colégio no ano anterior, sendo promovidos entre as séries, e quais entraram por concurso naquele ano. Além disso, foi possível também saber de que tipo de escola (pública ou particular) o aluno era oriundo.

Esta estratégia foi utilizada para verificar uma das condições principais da Lei de Cotas, que é a garantia de, no mínimo, 50% das vagas para alunos egressos de escolas públicas. Destaca-se que, desde 2013, quando a Lei de Cotas entrou em vigor nas IFs de Ensino Médio, há uma variável no Censo Escolar sobre a forma de ingresso na escola, que está limitada aos estudantes da educação profissional e do Ensino Médio Integrado, que são minoria no CPII. Isso significa que, nas análises deste artigo, a observação não se dá, necessariamente, sobre alunos que ingressaram por reserva de vagas. Um aluno de escola pública ou negro ou com deficiência pode ter escolhido competir pelas vagas de ampla concorrência, mas, neste trabalho, os alunos serão observados junto com seu grupo sociodemográfico.

As análises realizadas neste estudo são de natureza descritiva e focalizam os critérios utilizados na Lei de Cotas: escola de origem, declaração racial e pessoas com deficiência. O Censo Escolar não traz qualquer informação sobre o nível socioeconômico dos alunos. Era intenção do estudo buscar esses dados - ao menos para os alunos provenientes de escolas públicas - nos questionários da Prova Brasil8 8 Estes questionários possuem informações sobre o Nível Socioeconômico (NSE). ; contudo, não foi possível juntar as bases pelo código dos alunos.

Ao longo do tempo, a condição de escola pública foi utilizada na maioria dos programas de ação afirmativa como uma proxy de renda e do nível socioeconômico. Conforme destacam Feres Júnior et al. (2018FERES JÚNIOR, João et al.Ação afirmativa: conceito, história e debates [online]. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2018. 190 p.), a maioria dos beneficiários por políticas de ação afirmativa são alunos egressos de escola pública, e a preferência por esse grupo encontra-se vinculada a questões estruturais das instituições educacionais brasileiras. Assim, na Educação Básica as instituições privadas são consideradas as instituições de ensino de melhor qualidade; contrariamente, no Ensino Superior são as públicas e as financiadas pelo Estado que detêm essa prerrogativa. Em estudo de Freitas et al. (2020FREITAS, Jefferson B. de et al. As Políticas de Ação Afirmativa nas Universidades Federais e Estaduais (2013-2018). Levantamento das políticas de ação afirmativa (GEMAA), IESP-UERJ, 2020, p. 1-33.), por exemplo, dada a dificuldade de se obter informação de renda de forma comprobatória no Brasil, a escola pública é utilizada como proxy de renda para os estudantes cotistas, conforme a Lei de Cotas. A Tabela 3 apresenta as três coortes de ingressantes no CPII, em 2012, 2014 e 2016, segundo o campus e a etapa de ensino.

Tabela 3
Número de ingressantes no CPII - coortes 2012, 2014 e 2016

PERFIL DISCENTE DOS INGRESSANTES NO CPII ANTES E DEPOIS DA LEI DE COTAS

Inicialmente foram localizados no Censo Escolar todos os estudantes que ingressaram por meio de processo seletivo e os que já estudavam no CPII, ou seja, aqueles que apenas progrediram de série/ano. Considerando o 6o ano do Ensino Fundamental (EF) e a 1a série do Ensino Médio (EM), cada coorte possui em torno de 3 mil estudantes em cada ano analisado (Tabela 4).

Tabela 4
Ingressantes no 6o ano/EF e 1o ano/EM, segundo modo de ingresso - 2012, 2014 e 2016

Ao longo do tempo, houve um aumento no percentual de estudantes egressos do CPII, exceto no ingresso ao Ensino Médio Integrado, em que mais de 50% das vagas são preenchidas por meio de processos seletivos. Isso indica que a maioria dos estudantes que cursam o Ensino Fundamental no CPII opta por seguir o Ensino Médio na modalidade Regular.

Gráfico 1
Percentual de ingressantes por meio de Processo Seletivo, segundo a série

O Gráfico 1 apresenta o percentual dos ingressantes apenas por processos seletivos, uma vez que é nesse processo de ingresso que se aplicam ações afirmativas, de critério de escola pública para o 6o ano do Ensino Fundamental e da escola pública e demais critérios da Lei de Cotas para a 1a série do Ensino Médio.

As análises descritivas que serão realizadas na sequência, com base nas variáveis da origem escolar, raça/cor e pessoa com deficiência, tomam como referência apenas os ingressantes por meio dos processos seletivos do CPII.

Dependência administrativa da escola anterior ao ingresso no CPII

O primeiro critério para os ingressantes por meio do concurso de seleção, que vale tanto para o 6o ano EF quanto para a 1a série EM, é o tipo de escola em que o ingressante estudou nos anos anteriores, de forma que 50% das vagas são reservadas para egressos de escola pública. Os Gráficos 2, 3 e 4 apresentam a distribuição da dependência administrativa das escolas anteriores dos ingressantes no CPII por meio de processo seletivo.

Gráfico 2
Percentual de ingressantes pelo processo seletivo no 6o ano EF, segundo a dependência administrativa da escola anterior

Os dados mostram que o percentual de 50% de vagas reservadas para escola pública é atendido e ultrapassado tanto no 6o ano EF quanto na 1a série EM Integrado para os três anos de ingresso observados. A maioria é egressa de escolas públicas municipais, com um aumento para escolas estaduais entre os ingressantes na 1a série EM. Isto se deve ao fato de que a municipalização da EF no estado do Rio é mais abrangente no primeiro segmento do que no segundo.

Na 1ª série EM Regular, o cenário muda um pouco. Em 2012, ano anterior à implementação da Lei de Cotas, mais de 70% dos ingressantes tinham origem em escolas privadas. Em 2014, com a Lei de Cotas mais consolidada no processo seletivo, esse número caiu para 49%. Contudo, em 2016, voltou a ficar acima dos 50%. Uma vez que as vagas remanescentes das reservas são direcionadas para a lista de espera da ampla concorrência, é possível a não garantia de 50% de ingressantes provenientes de escola pública.

Gráfico 3
Percentual de ingressantes pelo processo seletivo na 1a série EM Regular, segundo a dependência administrativa da escola anterior

Gráfico 4
Percentual de ingressantes pelo processo seletivo na 1a série EM Integrado, segundo a dependência administrativa da escola anterior

Mesmo apresentando um avanço em termos de inclusão de alunos de escolas públicas, esses valores ainda ficam aquém da representação do estado do Rio de Janeiro, que, em 2016, tinha cerca de 30% dos alunos de 5o ano (31%) e 9o ano (29%) em escolas particulares (Inep, 2016) - o que significa que esse grupo está super-representado na composição do alunado dessa escola, que é pública.

Raça/cor

Ao se analisarem os dados em termos de raça/cor, do total de ingressantes por processo seletivo nas três coortes separadas por série, observou-se que umas das limitações quanto a esse dado no Censo Escolar é a ausência de tal informação; ou seja, há um alto percentual de estudantes na condição de “não declarados”, principalmente no Ensino Médio, ainda que esse percentual venha se reduzindo ao longo do tempo.

Com relação aos ingressantes do 6o ano (Gráfico 5), é possível notar uma diminuição progressiva dos “não declarados”, mesmo que raça/cor não seja um critério de ação afirmativa para a seleção nesta etapa de ensino. Houve, também, um aumento do número de autodeclarados pardos e, principalmente, dos autodeclarados brancos. Apenas na coorte de 2014 ingressaram estudantes autodeclarados indígenas.

Observa-se que, entre os ingressantes pelo processo seletivo nessa etapa de ensino, o grupo de estudantes pretos, pardos e indígenas (PPIs) se encontra sub-representado, conforme sua população no estado do Rio de Janeiro, que é de 51,8% (sendo 12,4% pretos; 39,3% pardos; e 0,1% indígenas) (IBGE, 2010IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010. Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA). Disponível em:Disponível em:https://tinyurl.com/tnzetp3w . Acesso em:21 abr. 2021.
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). Mesmo que se considerassem todos os estudantes “não declarados” como PPIs, a sub-representação permaneceria.

Gráfico 5
Percentual de ingressantes pelo processo seletivo no 6o ano do EF, segundo raça/cor

Para os ingressantes na 1a série do EM Regular, a diminuição dos estudantes “não declarados” foi mais acentuada na coorte de ingressantes em 2016, que, ainda assim, continua em um patamar acima de 40%. Um ponto de destaque é o aumento de cinco pontos percentuais nos estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas, passando de 14,6%, em 2012, para 19,6% em 2016, o que parece ainda não ser tão representativo diante do contingente populacional de pessoas negras no estado do Rio de Janeiro, de cerca de 50% (IBGE, 2010IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico 2010. Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA). Disponível em:Disponível em:https://tinyurl.com/tnzetp3w . Acesso em:21 abr. 2021.
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). A coorte de ingressantes de 2014 não teve a presença de estudantes indígenas.

No Ensino Médio Integrado, a proporção de “não declarados” nas três coortes de ingressantes manteve-se estável e próxima de 50% ao longo do período considerado. Contudo, houve uma diminuição significativa de estudantes autodeclarados brancos, em cerca de 16 pontos percentuais, e um aumento dos autodeclarados pardos e pretos. O percentual de pardos chegou a triplicar no período entre 2012 e 2016. O percentual de autodeclarados pretos, pardos e indígenas passou de 10%, em 2012, para 26,7% em 2016. A presença de ingressantes autodeclarados indígenas ocorreu apenas na coorte de 2014.

Gráfico 6
Percentual de ingressantes pelo processo seletivo na 1a série do EM Regular, segundo raça/cor

Gráfico 7
Percentual de ingressantes pelo processo seletivo na 1ª série EM Integrado, segundo raça/cor

Vale lembrar que raça/cor é um critério de seleção apenas para os estudantes que ingressam por processos seletivos no Ensino Médio e para o grupo de egressos de escola pública (50%). Portanto, do total das vagas reservadas, cerca de 25% são exclusivas para PPI, considerando-se os demais critérios, como ter cursado o EF em escola pública e renda. Nesse sentido, desconsiderando os “não declarados”, em 2016, apenas no Ensino Médio Integrado esse número foi alcançado, com 26,6% de alunos pretos ou pardos (os indígenas representavam menos de 0,1% dos ingressantes). Por outro lado, o Ensino Médio Regular foi o que ficou mais longe dessa proporção (18,3% de PPI), mesmo se comparado com o 6º ano (22,8%), série que não faz reserva de vaga para esse grupo.

A partir dos dados do Censo Escolar referentes aos ingressantes nessas três coortes, com relação à raça/cor, devido aos altos percentuais de estudantes “não declarados”, é mais difícil analisar os efeitos da Lei de Cotas no conjunto de todos os ingressantes. Ainda assim, observou-se que houve um crescimento desse grupo, principalmente no Ensino Médio Integrado. O fato de que, ao longo do tempo e, principalmente, entre os ingressantes no 6o ano do EF, os percentuais de “não declarados” venham diminuindo, pode sinalizar avanços no sentido de se conhecer melhor a diversidade étnico-racial presente no CPII.

Pessoas com deficiência

Com relação à reserva de vagas para pessoas com deficiência - aplicada no CPII, a partir de 2016, como uma ação afirmativa própria e, a partir de 2017, por força da própria alteração na Lei de Cotas -, observa-se um crescimento, principalmente no Ensino Médio Regular, para a coorte de 2016.

A Tabela 5 apresenta os percentuais e a frequência dos ingressantes com deficiência, cujo ingresso ocorreu por processo seletivo. Embora o número de alunos seja pequeno, é possível notar um aumento expressivo. Considerando que o colégio reserva 5% das vagas totais para esse grupo, o que se esperava era que em todas as séries essa proporção fosse observada. Não foi o que aconteceu. Apenas na 1a série do EM Regular chegou-se mais perto desse número. No Ensino Médio Integrado, esse valor foi bem inferior e se manteve estável nas três coortes. No 6o ano, que também aplica essa reserva, houve um aumento, mas ainda pouco significativo.

Tabela 5
Percentual de estudantes com deficiência, ingressantes pelo processo seletivo no 6o ano EF e na 1a série EM - 2012, 2014 e 2016

A Tabela 6 apresenta as frequências e percentuais dos estudantes com deficiência que já estudavam no CPII no ano anterior. Observa-se que no Ensino Médio Integrado a presença de pessoas com deficiência é menor. No 6o ano, a coorte de 2012 apresentou um percentual significativo de estudantes com deficiência que progrediram de série, enquanto nenhum estudante com deficiência havia ingressado por meio de processo seletivo. Considerando os que já estudavam no CPII no ano anterior e os que vieram de outras escolas, observou-se que, em 2016, primeiro ano de ações afirmativas para PcDs, o total de ingressantes com deficiência foi de 68, no total das séries - cerca de 25 estudantes a mais que nas coortes anteriores.

Tabela 6
Percentual de ingressantes com deficiência no 6o ano EF e na 1a série EM, egressos do CPII - 2012, 2014 e 2016

Cabe destacar a autonomia do CPII na ampliação das cotas para pessoas com deficiência também para o 6o ano do Ensino Fundamental, para além do Ensino Médio Regular e Integrado. Ademais, a inclusão de pessoas com deficiência, independentemente do critério de escola pública - critério adotado pelo CPII -, também aponta um avanço.

Conforme destaca Januário (2019JANUÁRIO, Geane de Oliveira. O direito à educação no ensino superior de pessoas com deficiências. Revista Internacional de Educação Superior, v. 5, p. e019035-e019035, 2019. https://doi.org/10.20396/riesup.v5i0.8653711
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), a matrícula na rede regular de ensino tem contribuído para que um número maior de pessoas com deficiência conclua a Educação Básica e consequentemente possa se inserir no Ensino Superior. Segundo a autora, nas últimas décadas o Brasil vem aprimorando suas políticas educacionais e leis específicas voltadas para a garantia do acesso à educação de pessoas com deficiência, com destaque especial para a Lei 13.409/2016, que garante vagas nas Instituições Federais de Ensino Superior e Ensino Médio Técnico para pessoas com deficiência. Contudo, a autora ressalta que é necessário aprimorar as políticas, compreendendo acesso no seu sentido amplo, o que abrange ingresso, permanência e conclusão exitosa.

Por se tratar de uma política ainda recente e cujos dados já apontam avanços com relação à inclusão de estudantes com deficiência no CPII, outros estudos se fazem necessários no sentido de se compreenderem os desdobramentos dessa inclusão a partir da Lei 13.409/2016 e como se efetivam a permanência - inclusive em consideração aos aspectos estruturais dos campi, a exemplo da unidade Centro, cujo prédio tem mais de um século e é tombado pelo Património Histórico Cultural - e a conclusão da Educação Básica por parte desse público, sendo este um compromisso de toda a comunidade escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste artigo foi descrever as mudanças no perfil sociodemográfico dos estudantes da Educação Básica do CPII, que promove ações afirmativas desde meados da década de 2000 e que, a partir de 2012, além do critério de escola pública, aderiu aos demais critérios de reserva de vagas promovidos pela Lei de Cotas, como renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo, raça/cor e pessoa com deficiência. O estudo, de natureza descritiva, teve como proposta traçar um panorama da escola a partir dos dados públicos disponibilizados pelo Inep e no site institucional do CPII.

Ainda que restrito a uma única instituição de ensino, e considerando as limitações relacionadas aos dados do Censo Escolar (por exemplo, com relação aos altos percentuais de estudantes “não declarados” e a falta de variáveis relacionadas com a renda familiar do estudante), este trabalho contribui para discutir a implementação e os impactos das políticas afirmativas, em particular, da Lei de Cotas, na Educação Básica, visto o pequeno número de estudos desse campo que se focam nessa etapa educacional.

Primeiro, observou-se que o critério “escola pública” já vinha sendo adotado pelo CPII como uma política afirmativa própria tanto para o 6o ano do EF quanto para a 1a série do EM Regular. Nesses casos, a proporção de alunos novos egressos de escola pública é historicamente maior que 50%, como consequência da política afirmativa adotada pelo CPII desde 2005 e não necessariamente como um efeito da Lei de Cotas, em 2012. No EM Integrado, embora o número de vagas oferecido seja pequeno - o que gera alta variabilidade percentual -, após a implementação da Lei de Cotas a proporção de egressos de escolas públicas e privadas ficou mais equilibrada, principalmente entre 2012 e 2014.

Quanto à cor/raça, é possível perceber um aumento dos alunos autodeclarados pretos e pardos ao longo dos anos, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio. Contudo, esse aumento não é acompanhado de uma diminuição de alunos brancos, mas de uma diminuição dos “não declarados”, com exceção do Ensino Médio Integral. Os resultados aqui obtidos corroboram com algumas pesquisas já realizadas em alguns campi do CPII, como as de Dargains (2015DARGAINS, Renata L. A Política invisível: O caso da implantação das cotas raciais no Colégio Pedro II. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.), Couto (2018COUTO, Isis M. S. Jubilados e Evadidos: uma análise comparativa do perfil de outsiders do Colégio Pedro II. 139 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.), Coutinho, Arruda e Oliveira (2021COUTINHO, Gabriela S.; ARRUDA, Dyego O.; OLIVEIRA, Talita. A política de cotas nos segmentos da Educação Básica no Colégio Pedro II. Educação & Sociedade, v. 42, 2021. https://doi.org/10.1590/ES.254900
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) e Pio (2023PIO, Alessandra. Ações afirmativas e Educação Básica: uma relação em construção.Periferia, v. 15, p. 70433, 2023. https://doi.org/10.12957/periferia.2023.70433
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), indicando que a Lei de Cotas não ampliou significativamente o número de alunos negros na escola. Embora seja alta a porcentagem de “não declarados”, em especial no Ensino Médio, a proporção de alunos pretos e pardos no CPII está aquém da proporção de autodeclarados negros na cidade do Rio de Janeiro, conforme o Censo Demográfico de 2010 (11,2% de pretos e 36,7% de pardos).

A Lei de Cotas, ainda que de forma tímida, é, portanto, um estímulo para mudanças no perfil racial do CPII. Conforme apontam os estudos na área, para além do acesso, a redução das desigualdades sociais e raciais perpassa também por efetivas políticas de permanência e o acompanhamento efetivo dos cotistas, buscando promover a equidade nas trajetórias dos estudantes e romper com o racismo estrutural ainda muito presente nas instituições (Coutinho; Arruda; Oliveira, 2021COUTINHO, Gabriela S.; ARRUDA, Dyego O.; OLIVEIRA, Talita. A política de cotas nos segmentos da Educação Básica no Colégio Pedro II. Educação & Sociedade, v. 42, 2021. https://doi.org/10.1590/ES.254900
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; Dargains, 2015DARGAINS, Renata L. A Política invisível: O caso da implantação das cotas raciais no Colégio Pedro II. Rio de Janeiro, 2015. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.; Pio, 2023PIO, Alessandra. Ações afirmativas e Educação Básica: uma relação em construção.Periferia, v. 15, p. 70433, 2023. https://doi.org/10.12957/periferia.2023.70433
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). De acordo com Almeida (2018ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural. Belo Horizonte: Letramento, 2018., p. 38), “[...] o racismo, como processo histórico e político, cria as condições sociais para que, direta ou indiretamente, grupos racialmente identificados, sejam discriminados de forma sistemática”.

Em relação às pessoas com deficiência, os dados indicam um aumento do número de ingressantes ao longo dos anos. Entretanto, as coortes analisadas neste estudo apenas puderam captar o primeiro ano, em 2016, de ações afirmativas próprias do CPII direcionadas para esse grupo. Portanto, dados de 2017 em diante seriam mais adequados para verificar o aumento desse grupo, analisando este dado também como efeito da aplicação da Lei de Cotas, que incluiu essa categoria a partir desse ano. É possível afirmar que a escola garante mais vagas do que o mínimo estabelecido pela lei. No entanto, sugerem-se aqui estudos mais aprofundados sobre quais são as deficiências dos alunos que conseguem as vagas e como a escola lida com as diferentes necessidades dos estudantes.

Pode-se observar que o CPII, ao longo dos anos, vem ampliando as oportunidades de acesso aos diferentes grupos de estudantes, de origem escolar na escola pública, pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. Acredita-se que tais avanços tenham sido impulsionados pelas suas políticas inclusivas de ação afirmativa e pela própria Lei de Cotas. Indicam-se futuras investigações que possam observar, além dos efeitos no acesso, também os efeitos na permanência, desempenho e conclusão dos ingressantes por essas políticas de ação afirmativa. Os dados analisados neste estudo foram desagregados apenas por séries, buscando mostrar um panorama mais geral com relação aos possíveis efeitos da Lei de Cotas e demais ações afirmativas. Sugerem-se outros estudos que possam desagregar também por campus, buscando compreender as possíveis diferenças entre as unidades territoriais e em qual destas a Lei de Cotas gerou mudanças mais significativas, principalmente no perfil social e racial dos estudantes.

REFERÊNCIAS

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  • BASTOS, Priscila. Lei de Cotas no Ensino Médio: investigando o acesso de jovens negros e negras ao Colégio Pedro II, 2017. Tese (Doutorado em Política Social) - Escola de Serviço Social, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2017.
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    » https://doi.org/10.24109/9786581041076.ceppe.v2a1
  • 1
    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
  • 2
    Essa modalidade envolve o Ensino Médio Integrado ao nível técnico, por meio de cursos como: Técnico em Desenvolvimento de Sistemas, Instrumento Musical e Meio Ambiente. No PROEJA, os cursos ofertados são: Técnico em Manutenção e Suporte em Informática e Administração.
  • 3
    Em 2012, a Educação Infantil passou a ser ofertada na Unidade Realengo I. Em 2013, foi inaugurada a Unidade de Educação Infantil Realengo, que em 2016 passou a ser denominada Centro de Referência em Educação Infantil (CREIR), com o atendimento exclusivo de crianças de 3 a 5 anos (CPII, 2018).
  • 4
    Coorte é um tipo de amostra cujo critério de seleção é o momento da ocorrência do evento de interesse; por exemplo, alunos que ingressaram na escola no mesmo ano.
  • 5
    CPII em números - Perfil Discente.
  • 6
    Centro; Humaitá II; Engenho Novo II; Tijuca II; São Cristóvão III; Realengo II; Niterói; e Duque de Caxias.
  • 7
    As bases de dados utilizadas, por conta da Lei Geral de Proteção de Dados Digitais (LGPD) de 2018, não estão mais disponíveis no site do Inep.
  • 8
    Estes questionários possuem informações sobre o Nível Socioeconômico (NSE).
  • Este artigo é fruto da pesquisa Políticas Públicas de Ação Afirmativa e Desigualdades Sociais e Raciais na Educação Básica, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Rio de Janeiro (Faperj) e pela Capes, no âmbito do Programa Institucional de Internacionalização (Capes/Print), congregando pesquisadores nacionais e internacionais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2023
  • Aceito
    05 Jan 2024
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