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A educação clínica como metodologia pedagógica: investigação sobre a aplicação da psicanálise na área educacional em Minas Gerais

The clinical education as a pedagogical methodology: inquiry on the application of psychoanalysis in the educational area of Minas Gerais, Brazil

Resumos

O objetivo deste artigo é demonstrar o quanto os conceitos psicanalíticos contribuíram para o ato transformador que pretende a escola. Para isso, foi feita uma análise exaustiva de diretrizes educacionais do estado de Minas Gerais, dos Parâmetros Curriculares Nacionais, do Ciclo Inicial de Alfabetização e do Conteúdo Básico Comum, com o intuito de averiguar não só os aspectos subjetivos presentes direta ou indiretamente nesses materiais, como encontramos, mas também de observar o que se mantém ou é reformulado de um material a outro, confirmando que os mais recentes se baseiam principalmente nos PCN's, com poucas ressalvas. Analisamos o planejamento pedagógico de uma escola municipal da região e constatamos que a subjetividade, indiretamente presente nas diretrizes, mantém-se naquela realidade. Entretanto, constatamos que, nas diretrizes e no projeto pedagógico, a menção ou consideração que seja da subjetividade do professor no processo de ensino-aprendizagem é escassa ou nula.

Educação Clínica; Psicanálise e Educação; Escola Nova


In what degree have the psychoanalytic concepts contributed to the transforming act intended by schools is the question approached. Therefore, an exhaustive analysis on the educational guidelines of the State of Minas Gerais, Brazil, including the National Curricular Parameters (NCPs), the Initial Cycle of Literacy and the Common Basic Content was undertaken. The aim was not only to investigate the subjective aspects found direct or indirectly in these materials, a task concluded, but also to observe what is preserved or what is remodeled among the materials, confirming that the most recent ones are mainly based on the NPCs, with few exceptions. The pedagogical planning of a municipal school in the region of Inconfidentes was assessed, confirming that the subjectivity, indirectly present in the guidelines, has been preserved in that particular context. However, it has been ascertained that, in the guidelines and in the pedagogical project, the mention or whatever consideration of the teacher´s subjectivity in the teaching-learning process is scarce or null.

Clinical Education; Psychoanalysis and Education; New School


DOSSIÊ FILE

PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO

A educação clínica como metodologia pedagógica: investigação sobre a aplicação da psicanálise na área educacional em Minas Gerais1 1 Pesquisa realizada com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG. Research suppported by Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG.

The clinical education as a pedagogical methodology: inquiry on the application of psychoanalysis in the educational area of Minas Gerais, Brazil

Francisco MouraI; Talitha Elen SilvaII

IDoutor e Professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Email:mourafrancisco@hotmail.com

Contato

RESUMO

O objetivo deste artigo é demonstrar o quanto os conceitos psicanalíticos contribuíram para o ato transformador que pretende a escola. Para isso, foi feita uma análise exaustiva de diretrizes educacionais do estado de Minas Gerais, dos Parâmetros Curriculares Nacionais, do Ciclo Inicial de Alfabetização e do Conteúdo Básico Comum, com o intuito de averiguar não só os aspectos subjetivos presentes direta ou indiretamente nesses materiais, como encontramos, mas também de observar o que se mantém ou é reformulado de um material a outro, confirmando que os mais recentes se baseiam principalmente nos PCN's, com poucas ressalvas. Analisamos o planejamento pedagógico de uma escola municipal da região e constatamos que a subjetividade, indiretamente presente nas diretrizes, mantém-se naquela realidade. Entretanto, constatamos que, nas diretrizes e no projeto pedagógico, a menção ou consideração que seja da subjetividade do professor no processo de ensino-aprendizagem é escassa ou nula.

Palavras-chave: Educação Clínica; Psicanálise e Educação; Escola Nova

ABSTRACT

In what degree have the psychoanalytic concepts contributed to the transforming act intended by schools is the question approached. Therefore, an exhaustive analysis on the educational guidelines of the State of Minas Gerais, Brazil, including the National Curricular Parameters (NCPs), the Initial Cycle of Literacy and the Common Basic Content was undertaken. The aim was not only to investigate the subjective aspects found direct or indirectly in these materials, a task concluded, but also to observe what is preserved or what is remodeled among the materials, confirming that the most recent ones are mainly based on the NPCs, with few exceptions. The pedagogical planning of a municipal school in the region of Inconfidentes was assessed, confirming that the subjectivity, indirectly present in the guidelines, has been preserved in that particular context. However, it has been ascertained that, in the guidelines and in the pedagogical project, the mention or whatever consideration of the teacher´s subjectivity in the teaching-learning process is scarce or null.

Keywords:Clinical Education; Psychoanalysis and Education; New School

INTRODUÇÃO1 1 Pesquisa realizada com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG. Research suppported by Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG.

O nascimento da psicanálise não coincide necessariamente com as relações sociais dos tempos atuais. No início do século passado, em 1900, precisamente, Sigmund Freud anuncia para a comunidade científica o nascimento da Psicanálise, quando publica uma de suas mais importantes obras: A interpretação dos sonhos. Essa obra é descrita por Freud como a mais nova contribuição que fez e que essa descoberta surpreendeu o mundo, afirmou Freud, em 1931, conforme evidencia o prefácio à terceira edição inglesa (FREUD, 1987b, p. 38). Entretanto, o reconhecimento da importância de sua obra só veio tardiamente porque, como nos relata Gay (1997, p. 21), poucos exemplares foram vendidos na ocasião daquela publicação, "em seis anos, foram vendidos apenas 351 exemplares". Fica claro, ao verificar a produção de Freud, que, a partir de 1900, houve todo um investimento de energia para sustentar aqueles pressupostos da interpretação dos sonhos. Podemos dizer que, no trabalho de Freud sobre o Projeto para uma psicologia científica (1987a) e na Interpretação dos sonhos (1987b) - principalmente no capítulo VII -, a psicologia dos processos oníricos encontra em germe a estrutura de sua obra posterior. De suas produções posteriores, sua prática clínica e os movimentos sociais corroboraram aquilo que já havia sido escrito por Freud. Isso tudo anuncia o gênio desse autor na interpretação da mente humana: sua leitura dos processos ontológicos dos indivíduos humanos possibilita compreender o sujeito consigo mesmo, o sujeito nas relações com seus pares, bem como nas relações com o social em que está inserido. No caso específico deste projeto, analisaremos a implicação dessa teoria no âmbito educacional.

Os fenômenos psíquicos colocados em evidência pela Psicanálise sempre influenciaram qualquer prática educativa. A importância da Psicanálise nessa área está presente ao longo da produção de Freud (Cf. CIFALI et IMBERT, 1998; FILLOUX, 2000; TEIXEIRA, 1998) e, para reagrupá-los, requer-se uma leitura minuciosa da sua obra e dos trabalhos produzidos a posteriori por profissionais da área de educação. Filloux (2000, p. 21-26) apresenta um quadro sucinto sobre essas produções. Destacam-se ainda as inúmeras correspondências que Freud estabeleceu, entre 1909 e 1939, com o pastor Oscar Pfister e com o educador Hans Zulliger sobre a educação escolar. Já em 1925, quando Freud escreveu o prefácio do livro de August Aichhorn (2000) em 1925 - Jeunes en souffrance -, um arsenal teórico já havia sido moldado dentro da sua concepção psicanalítica, o que lhe permitiu apontar diretamente o que a Psicanálise poderia oferecer à educação, apesar do caráter conciso deste prefácio.

As dimensões para compreender o processo educativo são múltiplas e nossa hipótese é que, por meio da Psicanálise, este vasto campo de "relação de humanos" pode ser decriptado, principalmente se for levada em consideração a égide do funcionamento inconsciente nessas relações. Acreditamos que esta "célula social" chamada escola é sem dúvida um campo de aplicação da Psicanálise. No prefácio a Aichhorn (2000), Freud afirma que, "entre todas as aplicações da psicanálise, nenhuma suscitou tanto interesse, despertou esperança e, em conseqüência, trouxe tantos colaboradores competentes que a sua aplicação na teoria e na prática da educação com crianças"2 2 Parte deste texto introdutório remonta ao artigo de Francisco Moura, publicado em 2005 em Estilos da Clínica, da USP, sob o título: "Um olhar clínico na sala de aula: uma nova metodologia pedagógica?". . Sem dúvidas, ele faz referência à instituição escolar.

A abrangência da aplicação da Psicanálise nesse campo pode ser vista ainda na leitura da prática pedagógica psicanalítica na instituição (MOLL, 1989), na psicossociologia da educação (ARDOINO, 2000) e numa descrição do processo intelectual visto pela lógica do desejo (FERREIRA, 1998; KUPFER, 2001; MIJOLLA-MELLOR, 2002), além das múltiplas imbricações subjetivas e intersubjetivas implícitas no momento da transmissão de conhecimentos (IMBERT, 2004).

Seria possível falar de uma metodologia contemporânea - originária da experiência psicanalítica - neste campo minado de múltiplos saberes e de múltiplas verdades o qual denominaríamos Educação Clínica? É neste contexto que investigaremos o papel da "clínica" sustentada pelos conhecimentos psicanalíticos na educação contemporânea.

A noção de clínica, que foi estritamente médica até certo tempo, é rompida do seu sentido de acompanhar o enfermo ao lado de seu leito para um novo sentido. Charcot, Binet e Janet são personagens importantes nesse processo, como nos mostra Barus-Michel (2002), no artigo "Clinique et Sens". Agora, preocupam-se em acompanhar o sujeito na sua trajetória: seja na cura, na mudança de postura ou simplesmente compreendendo-o (ARDOINO, 2000, 60) nas imbricações intersubjetivas da relação em que está inserido. Desfaz-se uma intervenção positivista que crê na produção de indivíduos em série, como máquinas, para dar ênfase no sujeito implícito por detrás de cada indivíduo. Levando-se em conta que este é também um dos sentidos que a etimologia da palavra educação quer conotar, ou seja, conduzir o indivíduo para além da situação em que ele se encontra (Cf. ARDOINO, 2000, 108). O que o estado de Minas Gerais tem feito neste sentido no contexto escolar? Será que as diretrizes escolares têm permitido desenvolver adultos críticos face à sociedade e aos problemas que ela tem enfrentado nos tempos modernos? Será que nossas escolas estão desenvolvendo nos alunos um espírito crítico baseado em conhecimentos, valores e referências historicamente construídos?

Essa nova forma de abordar o processo educativo nos tempos atuais mostra que a compreensão desse processo não está voltada somente para a transmissão e o acúmulo de conhecimentos. Reconhece-se que o aprendiz é algo mais que um simples receptor desses conhecimentos que a sociedade e a cultura adquiriram historicamente. Sabemos, pela história, que os valores sociais são mutáveis e que a maioria dos processos educativos aplicados no campo escolar tem tendência a acompanhar essa adequação aos valores que a sociedade veicula. De fato, a educação escolar é uma educação para o social, e o impressionante de se constatar é que, nesses processos, muito pouco se enfatiza sobre os aspectos implícitos nos indivíduos aprendentes. Por exemplo, as noções de subjetividade e de intersubjetividade do ensinante e do aprendente não são levadas em consideração nos processos de transmissão e de aquisição de conhecimentos. Nas diretrizes educacionais, não se tem espaço para discutir sobre a subjetividade e a intersubjetividade do professor e do aluno. Veicula-se a necessidade de atender a currículos ricos em informações e condensados em espaços de tempo restrito. Tal procedimento é pouco efetivo numa perspectiva de educação clínica.

A instituição escola e, principalmente, o professor e os colegas de classe são personagens substitutos da "órbita familiar" em que a criança passará a depositar resíduos de situações incompletas - os complexos, retomando o termo de Lacan (1938) - vividos no contexto familiar. Agora, segundo Freud, citado por Pechberty (2000), ele continua demonstrando a influência do inconsciente sobre o indivíduo:

[...] formas psíquicas particulares, uma grande parte inconsciente [...] novas edições, cópia de tendências e de fantasmas que devem ser acordados e entregues à consciência através do progresso da análise, e o traço característico é de substituir uma pessoa anteriormente conhecida pela pessoa do médico. Dito de outra forma, um número considerável de estados psíquicos anteriores retornam, não como as formas passadas, mas em relações atuais com a pessoa do médico. (p. 16)

Uma vez que o professor faz parte dessa nova rede de relações atuais com que o aprendiz vai interagir, ele também passa a circular pelos personagens que representam essa órbita psíquica, motivo pelo qual os fenômenos psíquicos se atualizam sobre ele. Uma postura clínica é saber se posicionar em face dessa situação e reconhecer as forças subjetivas implícitas nas relações inter-humanos. Nossa hipótese é que, nesse contexto, num ensino de massa, com salas de aula repletas de alunos, não é possível ler esse fenômeno. Nessa postura clínica, requer-se quase que um acompanhamento individualizado. Um modelo de educação para todos de forma "industrial", sem a capacitação dos professores, sem repensar os espaços físicos da escola, sem rever a relação quantidade de aluno versus professores não é o ideal para uma postura clínica em sala de aula.

A justa distância é, então, esta distância "gravitacional" que permite ao outro - o aprendiz - existir sem causar prejuízos no seu desenvolvimento integral. Por outro lado, essa distância permite também ao professor não sair danificado na relação. Cifali (2001, p. 121) afirma que "todo o trabalho do profissional é efetivamente e continuamente de se colocar à boa distância, sem sonhar de ser distanciado à priori". Contudo, acrescenta-se que essa noção de "distância" não é um conceito estático, afirma Paul Fustier (Cf. Journées européennes d'étude, 2002, p. 73). Sendo assim, as relações inter-humanos no contexto profissional são alimentadas por essa energia psíquica interna que os indivíduos possuem dentro de si. Acreditamos que, por uma leitura clínica, seja possível descrever esses movimentos psíquicos. Mas será que existe essa perspectiva atualmente?

Despertar o desejo pelo saber no aprendiz é o auge que uma postura clínica pode almejar no processo educacional. Na clínica, a leitura que se faz do sujeito é sobre como assumir seu desejo de querer conhecer. No paradoxo da relação professor versus aluno, qualquer desejo de ensinar somente pode ser encontrado na obra de Freud no sentido de uma reparação de uma imagem narcísica fragmentada; o desejo de ensinar não está presente a priori, ele deve ser desenvolvido no tempo. Por outro lado, de forma diferente, a pulsão de saber e a pulsão de pesquisar nutrem inconscientemente as ambições recalcadas dos aprendizes.

Finalmente, no contexto educacional contemporâneo, a substituição desse modelo de intervenção de um indivíduo quantificável por outro modelo, que leve em consideração a singularidade dos personagens presentes no teatro da escola, está muito longe de se concretizar. Apesar de serem percebidas mudanças significativas nas posturas educacionais nos últimos anos, nenhuma delas demonstra uma vontade em resgatar a singularidade intrínseca a cada um e diferente do todo. Um olhar qualitativo que pretende resgatar o sujeito implícito dentro de cada indivíduo é sempre malvisto e, por conseqüência, um olhar clínico que preza por uma postura que permite a manifestação dos sujeitos singulares ainda está longe de se concretizar. Resta um grande trabalho a fazer.

E, por isso, dispomo-nos, nesta pesquisa, a analisar, nos materiais e diretrizes que regem a educação atualmente, alguns indícios do que está sendo feito com relação a esse olhar qualitativo, olhar que considera a subjetividade envolvida no processo de ensino-aprendizagem. Assim, fizemos primeiramente uma revisão teórica de obras e autores que fazem uma discussão sobre Psicanálise e educação; além disso, analisamos as diretrizes educacionais do estado de Minas Gerais, para averiguarmos se haveria alguma menção sobre a subjetividade, transmitindo orientações ou mesmo informações relacionadas a isso.

Nosso objetivo é analisar, na literatura das áreas de Educação, Psicologia e Psicanálise, pontos que comprovem a existência de uma nova tendência no processo educacional. Tendência essa iniciada com a perspectiva da Escola Nova, que observaria, na relação professor-aluno, a importância de aspectos subjetivos que estariam presentes no processo de ensino-aprendizagem, fazendo, assim, uso de princípios psicanalíticos na compreensão do processo educacional.

Partindo dessa perspectiva, percebemos que a Psicanálise, esquecida muitas vezes nos estudos das relações e dos processos educacionais, é fundamental para entendermos a funcionalidade do fenômeno de ensinar-aprender e analisar como se dá a relação professor-aluno. Por isso, com o intuito de juntarmos os benefícios da Psicanálise, que procura entender os aspectos subjetivos do ser humano, com o ideal transformador da educação proposto pela Escola Nova, propomos a investigação das possibilidades de aplicação de uma educação clínica que considere as questões subjetivas envolvidas no âmbito escolar.

Nossa indagação é sobre o fenômeno subjetivo que ocorre quando há transmissão de um conhecimento e que isso faz o outro pensar, agir e produzir um novo conhecimento, uma verdade, no processo educacional de forma geral; como se dá a influência (negativa ou positiva) que o professor exerce sobre o aluno; a questão da transferência que ocorre nessa relação, entre outros aspectos cognitivos. Uma postura clínica é saber se posicionar em face dessas situações e reconhecer as forças subjetivas implícitas nas relações inter-humanos.

Sendo assim, além de analisarmos a literatura dessas áreas, nos propomos investigar, mais especificamente, o que, na realidade, acontece no processo educacional das escolas de Minas Gerais, mais especificamente desta 25ª Superintendência Regional de Educação, com relação à consideração de aspectos subjetivos no processo de ensino-aprendizagem. Se há alguma menção desses aspectos nas diretrizes educacionais deste estado ou alguma aplicação, mesmo que indireta, de princípios que considerem a subjetividade na relação professor-aluno nas escolas dessa região. Como pode ser constatado, optou-se por um recorte temporal (o ano de 2007), regional (a 25ª Superintendência Regional de Educação) e de área de conhecimento (somente a Língua Portuguesa).

Com base no que encontramos empiricamente a respeito da consideração desses aspectos subjetivos no ambiente escolar, vendo os pontos positivos e negativos dessa aplicabilidade, exporemos, neste trabalho, nossa conclusão a respeito da viabilidade da aplicação da Psicanálise à educação.

RECORTE TEÓRICO

Concentremo-nos, em primeiro lugar, em apenas duas obras que foram escritas sobre este tema: Psicanálise e educação. Desse modo, apresentaremos aqui as conclusões que alguns autores tiraram a esse respeito, fazendo um panorama da escola dos tempos de Freud até a escola atual, e proporemos algumas reflexões sobre essa temática, com o intuito de averiguar a viabilidade da aplicação da Psicanálise à educação.

Desde Catherine Millot (1992) a Maria Cristina Kupfer (2005), que se baseiam nas obras de Sigmund Freud para dissertar sobre uma possível relação entre a Psicanálise e a educação, segue-se a resolução de que educação e Psicanálise seriam incompatíveis, já que a primeira visa à ordem e à estabilidade e a segunda tem como base a idéia do inconsciente, indomável e cheio de instintos selvagens. Cifali (1982), no livro Freud pédagogue?, relança o debate de uma aplicação da Psicanálise, resgatando seus entraves e benefícios.

Observando isso, pensamos no que, então, impulsionaria psicanalistas a tentar encontrar um meio termo entre esses dois objetos, mesmo sabendo que as duas tarefas, tanto a Psicanálise quanto a educação, seriam impossíveis, pois lidam com o inconsciente. Consideramos que, se houve alguma intenção inicial nesse sentido, é porque algum benefício a Psicanálise traria para a educação. Millot (1992) julga ser impossível essa aplicabilidade, pois reconhece que as idéias dessas áreas são opostas: o inconsciente é o que os psicanalistas desejam desvendar para descobrir os males que transparecem no ser humano e ajudá-los a resolvê-los, enquanto os educadores desejam, na verdade, esconder esse inconsciente - ou mesmo, negar sua existência -, para que o ego do aluno seja moldado sem perturbações. E assim, como ela, Kupfer (2005) e outros autores reconhecem essa impossibilidade, sem negar sua aplicabilidade. Todavia, acreditamos que, nesse aspecto, a Psicanálise seria de grande serventia à educação, pois não seria melhor, em vez de, como diria o dito popular, "tapar o sol com a peneira", levar os educadores a reconhecerem, pelo contato com a Psicanálise, a existência desse instinto que guarda a causa dos problemas mais diversos do ser humano e descobri-lo, para, quem sabe, aprender por meio da descoberta como resolver os problemas comportamentais ou de dificuldade de aprendizado? Nesse sentido, acreditamos que a Psicanálise seria fundamental para a educação.

Embora essa seja uma boa demonstração de que a Psicanálise e a educação podem caminhar juntas, ao lermos as obras que investem neste tema, a motivação que nos leva a enxergar um caminho, no qual Psicanálise e educação trabalhariam juntas, acaba se esvaindo, pois grande parte da literatura que trata desse ponto conclui, de maneira geral e consistente, que essas duas áreas não poderiam ser relacionadas.

Ao buscar a Psicanálise como um instrumento a mais para a educação, pensamos que seria possível à instituição escola entender e assumir as idéias que conduzem a Psicanálise, para, assim, fazer um ensino mais efetivo, conquistando o interesse do aluno. Porém, a dificuldade se encontra na forma dessa aplicação, ou seja, na utilização dos ideais psicanalíticos na prática pedagógica.

Quando Freud (1980), em seu texto "O mal-estar na civilização", tenta fazer essa relação entre Psicanálise e educação, ele parte do princípio de que a educação é a responsável pelo mal-estar social, pois ela reprime a curiosidade sexual das crianças, causando futuros recalques e neuroses. Se fizermos um retrocesso para a época em que Freud viveu e observarmos os dias atuais, notaremos uma diferença notável entre os tipos de educação. Sabe-se que, antigamente, os professores eram rígidos, ensinavam a moral absoluta e repreendiam com castigos aqueles que não se mostravam obedientes. E que, além do mais, desde pequenos, os filhos eram corrigidos pelos pais, na maioria das vezes por meio de agressões, e eram acostumados a uma vida de submissão aos mais velhos. Assim, entende-se o porquê de tantos problemas (doenças físicas e mentais) causados pelo trauma de ser silenciado, ignorado e castigado. Contudo, hoje em dia, o sistema escolar está tentando alcançar o avanço da civilização. O mundo moderno e virtual, com sua correria e sua competição, atribui aos professores a função de formar e educar seus cidadãos, como nos informa Esteve (1999), no livro O mal-estar docente. O abuso de poder ou mesmo a agressão aos alunos, que era comum em sala de aula, transformou-se agora em caso de polícia. Os alunos não deixam de lado seus "palavrões", sua rebeldia, sua raiva e seu desinteresse. A liberdade (ou libertinagem?) é prezada, os alunos são livres para falar e fazer o que querem, o professor torna-se um incompetente e os pais não se acham na obrigação de dar limites aos filhos. Vemos, então, o que poderia ser uma educação sem repressão. Contudo, como Freud reconhece mais tarde, nas Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (1936), essa liberdade (libertinagem) não seria melhor, mas ainda pior do que a repressão, pois a liberdade, na qual se deixa fazer de tudo, torna o mundo desprazeroso e o prazer, inatingível, visto que as restrições e os limites são os que fazem da oportunidade de ser livre, pelo pouco tempo que seja, um prazer inestimável.

A idéia citada tem uma lógica. Se, no início, a ligação entre Psicanálise e educação era incerta, talvez hoje isso seja imprescindível. Professores estão lidando com alunos cada vez mais sem limites. Esse quadro é visível desde a década de 1990 (ESTEVE, 1999). A repressão que Freud descrevia em seus artigos "O mal-estar na civilização", de 1929 (1980), e de 1927, "O futuro de uma ilusão" (1969), foi abolida, mas o sistema escolar não conseguiu se recuperar e encontrar outros modos para educar efetivamente. Em algumas escolas, o professor se tornou um ser sem voz diante dos alunos. Diante dessa situação, observamos que a Psicanálise pode ser viável à educação, pois se os professores tiverem um contato com ela, provavelmente conseguirão instrumentos necessários ao entendimento do que acontece no processo de ensino-aprendizagem e descobrirão como trabalhar de maneira mais efetiva em determinada fase escolar, com determinada faixa etária, observando os tipos de alunos, o contexto do qual eles fazem parte e fazendo, assim, uma educação sem repressão, mas com controle, objetivos e interesse dos alunos.

O único problema e, talvez, o que fez com que Freud não se empenhasse nessa junção, estaria no modo: como saber fazer essa aplicação da Psicanálise na educação? Qual seria o melhor jeito de levar os professores a entenderem o processo pelo qual passam seus alunos, visto que a formação de professores, em muitas universidades, não está solidificada na experiência de sala de aula? E como fazer com que esse conhecimento ajude os professores no cotidiano escolar? Eis o que precisamos responder para que a relação entre Psicanálise e educação se torne verdadeiramente efetiva.

Atualmente, percebemos que a culpa do mal-estar na educação está sendo depositada nos professores. Grande parte das crianças não retém conhecimento e não tem educação. Por vezes, o desejo de alguns professores é voltar à época da palmatória. A paciência se esgota. O professor tem que mudar sua aula, fazer malabarismos diante dos alunos. Como dissemos, com o fim da repressão e o começo da "libertinagem", o professor perdeu a voz em sala de aula. A força da palavra esvaiu-se, conforme afirma Moura (2006). Ultimamente, o que encontramos na sala de aula é a ilustração por meio do datashow, de retroprojetor, da música, etc. Porém, como diria Freud (1969) no "Futuro de uma Ilusão", para o desejo se realizar, são necessárias palavras, mas o professor não é ouvido. Se, na época de Freud, reclamava-se de que o silêncio imposto pelos professores não era saudável, pois o desejo (o que incomoda, o instinto, a pulsão) se realiza no dizer, e agora, quando ninguém mais se escuta e o silêncio é raro. Alguns questionam por que antigamente o sistema educacional dava certo? Seria por que quem ia à escola era a elite? A resposta está no fato de que esse velho sistema educacional não se enquadra no atual, o mundo mudou e as pessoas são outras; mas ainda existem professores que utilizam esse sistema dito tradicional. De acordo com Esteve (1999), o grande problema é que a escola abriu-se a todos, mas esqueceu-se de repensar o seu sistema. Façamos um pequeno panorama da escola do tempo de Freud até os dias de hoje.

Na verdade, o sistema escolar passou por várias transformações. No começo, a escola era movida por interesses religiosos e atendia àqueles que pertenciam à classe de prestígio social (MOURA, F.; OLIVEIRA, J., 2008). Nesse tempo, a repressão era absoluta, o professor detinha todo o saber e os alunos eram somente os receptores. A religião era ensinada na escola. Lutava-se, então, contra a repressão, o silêncio, pois, segundo Freud, a repressão causava problemas interiores (todavia, mais tarde, ele mesmo conclui que deixar sem limites, também); e ele já nos dizia, em seu texto "O futuro de uma ilusão" (1969), que a religiosidade é a praga do mundo, pois ela, com sua moralidade, veio reprimir os desejos do ser humano, além de iludi-lo para viver em função de um paraíso, de cuja existência ninguém tem certeza. Em seguida, a escola se tornou um pouco mais acessível aos povos sem poder aquisitivo, contudo o sistema era o mesmo, tradicional: a aula estava centralizada no professor e na repressão. Dessa forma, poderíamos pensar que, sem a religião, a educação seria mais eficaz, pois não haveria repressão de forma alguma, as crianças seriam livres, como Freud desejava, e, assim, desenvolveriam seu intelectual e suas opiniões de forma empírica e autônoma, a subjetividade seria considerada. Contudo, mais tarde, a religião deixou de ser a regente da educação, apesar de ainda manter-se como disciplina facultativa, mas a repressão por ela iniciada permaneceu. Porém, no princípio do século XX, houve algumas manifestações contra essa escola tradicional, repressora e centrada no saber do professor; dessas manifestações resultou o movimento chamado Escola Nova, consolidado pelo Bureau International des Écoles Nouvelles3 3 Associação Internacional das Escolas Novas. Disponível em http://hmenf.free.fr/. Consultado em 25 de agosto de 2008. . Nesta Escola Nova, a aula não era mais centrada no professor, mas na metodologia e no aluno. A partir daí, o aluno ganhou voz em sala de aula e a repressão não era mais um meio de ensinar.

Assim, chegamos aos dias atuais, no Brasil e percebemos que toda essa mudança pela qual a escola passou não foi muito bem-digerida, como nos dizia Esteve (1999). Há professores que mantêm seu método tradicional, há outros que inovam sua aula em função do aluno, há ainda aqueles que não compreenderam as mudanças e interpretam-nas a seu modo. Além disso, percebemos que os alunos não são os mesmos, a escola é direito de todos, são pessoas totalmente heterogêneas, que, por vezes, não têm instrução em casa e chegam à escola sem noções básicas de comportamento social. Isso tudo se mistura e o resultado é o mal-estar na educação.

Até que ponto essa liberdade do aluno, almejada por Freud, Claparède, entre outros, é mesmo saudável ou possível? Recapitulemos e reflitamos sobre essa evolução da escola: reconhecemos que a moralidade foi plantada com a religião e que, conforme o que já aprendemos com a história, a repressão e o castigo físico eram maneiras corriqueiras de impô-la. As famílias, como também a escola, faziam parte dessa formação das crianças e se importavam bastante com a educação delas. Reprimiam seus atos considerados errados perante a moral da civilização até mesmo com crueldade. O professor era dono de todo o saber e ao aluno restavam o silêncio e a palmatória. Contudo, os tempos mudaram. Atualmente, em pleno século XXI, observamos que a liberdade, tão preterida por Freud, invade a sala de aula, assim como o ambiente familiar. A religião não faz parte obrigatoriamente da carga horária escolar, tampouco da rotina de muitas famílias. Os limites se perderam, nada é imposto, tudo é deixado à escolha da criança. A aula se faz com a participação do aluno e os castigos físicos foram abolidos. A maioria das famílias não se preocupa em dar alguma base educacional para as crianças e isso é colocado como função da escola.

Desse modo, nos vemos entre dois extremos: a repressão total e a liberdade total. Enquanto antes o aluno era proibido de pensar e tirar suas próprias conclusões, visto que elas poderiam deturpar os valores religiosos, hoje há a possibilidade de expressão integral, mas a liberdade fez com que os alunos voltassem a seu estágio primitivo de animais, sem nenhuma educação (moral, no sentido de respeito ao próximo), o interesse pelo aprendizado é facultativo, poucos são os que procuram desenvolver sua intelectualidade.

Essa liberdade, que se tornou excessiva no nosso entendimento, faz com que os alunos pensem que podem fazer tudo o que querem, na hora que quiserem. A rebeldia criada por essa "libertinagem" faz com que as crianças esqueçam o valor e o tempo das coisas, dificilmente vão querer estudar quando pensam que podem brincar, passear, namorar, fazer coisas que, para elas, parecem melhores e mais prazerosas. Elas vão seguir os instintos, buscar o que lhes dá prazer. Quando pensarão em estabelecer seus limites? Quando pensarão que precisam estudar? Talvez, quando isso vier à tona, seja tarde de mais. Vemos isso em alguns alunos de EJA (Educação de Jovens e Adultos) que, quando crianças|adolescentes, não quiseram levar o estudo a sério, exercendo a liberdade (libertinagem) em sala de aula e depois, quando adultos, perceberam que precisavam de estudo e tiveram que voltar para a sala de aula.

Acreditamos que Freud tinha razão quando lutava pela liberdade, já que, na sua época, a repressão era muito grande e, com certeza, inibia o pensamento e atrapalhava o desenvolvimento intelectual da criança. Porém, como ele mesmo afirmou, a liberdade total não terá resultados melhores. Por isso mesmo, Freud talvez não estivesse mais feliz com a educação de hoje, que não só causa neuroses nos alunos como também (ou ainda mais), nos professores. É preciso, na verdade, achar um meio-termo entre a repressão total e a liberdade total, e que os pais não se abstenham da educação de seus filhos.

Assim, procurando um meio-termo entre a repressão e a liberdade, deparamo-nos novamente com a possibilidade da aplicação da Psicanálise à educação. Se analisarmos com cuidado, perceberemos que a Psicanálise pode ajudar muito nesta questão, pois, se admitimos a existência do inconsciente (o incontrolável) no aluno e buscamos entendê-lo pela Psicanálise, poderemos agir mais conscientes na busca de um meio-termo entre a liberdade e a repressão, e de um método de ensino que o faça se interessar. Se buscarmos a Psicanálise, entenderemos um pouco mais sobre como se dá o processo de aprendizagem para o aluno, como, por exemplo, a questão da transferência: quando o professor assume um papel que o aluno lhe dá no seu inconsciente e este transmite o sentimento que ele sentia pelo pai ou mãe ao fim do complexo de Édipo à imagem do professor.

Segundo Kupfer (2005, p. 92), "o desejo transfere sentido e poder à figura do professor, que funciona como um mero suporte esvaziado de seu sentido próprio como pessoa". De acordo com isso, o professor deveria se prestar a fazer o serviço de um reservatório em que os alunos iriam beber de seu conteúdo e depois utilizá-lo da forma como lhe aprouverem. Todavia, a partir do momento que o professor descobre que exerce esse poder diante do aluno, há uma tentação de ministrá-lo a seu favor. Freud (1996, p. 286), no artigo "Algumas reflexões sobre a psicologia escolar", afirma que "é difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas ou pela personalidade de nossos mestres". Isso pode ser prejudicial e essa influência ser má, pois, por vezes, esse poder se torna um abuso, ou ser bom, pois seria um modo de incentivar o aluno a aprender determinados conteúdos depende do inconsciente do professor, que também interfere no meio educacional. Porém, a questão que pode ser colocada aqui é como usar desse "poder" da transferência para que a relação professor-aluno se torne menos desgastada e mais amistosa, no sentido de ambos participarem do processo de ensino-aprendizagem efetivamente. É sobre isso que devemos refletir enquanto pesquisadores.

Finalmente, ao analisar e refletir sobre as obras e teorias escritas sobre a Psicanálise no campo educacional, percebemos que, ao contrário de muitos autores que não acreditam na viabilidade de a Psicanálise trabalhar junto com a educação, a aplicação da Psicanálise à educação pode auxiliar efetivamente na preparação do professor para compreender o que acontece com o aluno, reconhecendo que ele tem uma subjetividade e, a partir daí, descobrir a melhor maneira de obter sua atenção, transmitir-lhe o conhecimento, respeitando suas particularidades. E é por isso que nos propomos averiguar essa presença do subjetivo na formulação das diretrizes da educação em Minas Gerais, para observarmos a aplicação de princípios psicanalíticos, ou seja, a consideração da subjetividade do aluno e do professor no processo de ensino-aprendizagem.

METODOLOGIA

Procuramos averiguar, dentro dos objetivos desta pesquisa bibliográfica e qualitativa, quais seriam os materiais, ou melhor, as diretrizes educacionais para a região da 25ª Superintendência Regional de Educação, a qual engloba as cidades de Acaiaca, Diogo de Vasconcelos, Santa Bárbara, Itabirito, Catas Altas, Ouro Preto e Mariana. Optamos por limitar nosso estudo a esta Superintendência, com o intuito de obter um panorama regional da aplicabilidade dos princípios psicanalíticos, como a consideração da subjetividade nos materiais estipulados pelas secretarias de educação para dar um direcionamento à educação nacional e estadual.

Ao informarmo-nos junto a essa secretaria regional, situada na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, descobrimos que os materiais utilizados como base da educação dessa região são: os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's), que são documentos apresentados pelo Ministério da Educação e do Desporto, em 1997, como diretrizes da educação nacional; o Ciclo Inicial de Alfabetização (Ciclo), material lançado em 2004 para orientar o programa de ciclos no novo funcionamento do Ensino Fundamental com a duração de nove anos; e o Conteúdo Básico Comum (CBC), diretriz curricular imposta pelo governo de Minas Gerais, em 2005, para que as escolas mantenham um padrão quanto aos conteúdos a serem ensinados e possam ser avaliadas por meio das provas do Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública (SIMAVE).

Dentro desse arcabouço de informações, escolhemos uma linha de raciocínio na qual seria possível realizar uma comparação entre os materiais utilizados como diretrizes. Assim, definimos uma única área de ensino, a Língua Portuguesa, visto que um dos materiais estudados, o Ciclo Inicial de Alfabetização, por ser introdutório, tem como base o ensino da língua materna e, além disso, todas as áreas de ensino trabalham, ainda que indiretamente, com a linguagem oral ou escrita dos alunos. Em segundo, estipulamos uma fase de aprendizado, o Ensino Fundamental, pautando-nos novamente no Ciclo Inicial que trabalha com a educação de base; e também consideramos que era necessário averiguar se esses materiais levavam em consideração o processo subjetivo do aprendizado desde o início da vida escolar.

O processo de leitura e análise do material aconteceu de forma regressiva, ou seja, começamos a observar a menção de questões subjetivas relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem do material mais atual, que seria o CBC (2005), passando depois ao Ciclo (2004) e chegando, finalmente, no documento em que começou toda essa transformação do sistema educacional, com a LDB 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases) de 1996, que resultou nos PCN's (1997). Desse modo, pudemos averiguar se houve alguma mudança crítica do material mais atual com relação aos outros.

Além da análise desses materiais, com o fichamento e a reflexão das menções indiretas ou diretas da subjetividade, fizemos também um levantamento dos aspectos avaliados pelo SIMAVE (2006), além de uma única entrevista, de cunho exploratório, com o prof. dr. Benedito Donadon Leal, desta Universidade Federal de Ouro Preto, Instituto de Ciências Humanas e Sociais, que leciona no Departamento de Letras, o qual tem pesquisas sobre o CBC de Língua Portuguesa. Conseguimos também analisar o planejamento escolar feito pela direção de uma escola de periferia da cidade de Santa Bárbara (MG), pertencente a essa Superintendência. Depois de lermos e analisarmos todo esse material e refletirmos sobre ele, procurando encontrar aí aspectos subjetivos que apontam a consideração efetiva da Psicanálise na educação, relatamos aqui os resultados dessa análise, fazendo um paralelo entre os materiais, seus conteúdos subjetivos e nossas conclusões a esse respeito.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao analisar as três diretrizes da 25ª Superintendência de Educação: os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's), o Ciclo Inicial de Alfabetização (Ciclo) e o Conteúdo Básico Comum (CBC), buscamos aspectos subjetivos que poderiam ser mencionados ou considerados, ainda que indiretamente, nas instruções e mudanças pretendidas nesses materiais. Fizemos essa análise de forma paralela entre os materiais, visto que nossa leitura foi regressiva e pudemos notar que muito dessa nova ideologia de ensino-aprendizagem mostrada no CBC e no Ciclo foi inspirada, mesmo que com algumas críticas ou modificações, nos PCN's. Faz-se necessário lembrar, como foi especificado na metodologia, que focalizamos, neste estudo, o ensino e o aprendizado de Língua Portuguesa tratado por esses materiais, já que é esse o primeiro estágio da vida escolar: aprender a ler e a escrever a língua materna.

Para a melhor compreensão desta análise "paralela" entre as diretrizes, notamos alguns pontos principais abordados por todos os materiais, de forma direta ou indireta, os quais demonstram a consideração da subjetividade do aluno no processo de ensino-aprendizagem. Assim, em torno desses pontos, faremos um apanhado geral da subjetividade tratada nesses materiais. Os pontos que têm uma carga subjetiva nos textos são: o aspecto social envolvido no processo de ensino-aprendizagem; a aprendizagem significativa; o programa de ciclos; a família; a relação professor-aluno; a autonomia do professor; e a avaliação. É interessante e necessário destacar que não encontramos muitos trechos a respeito da subjetividade do professor, ou seja, a maioria dos textos tem como base a situação do aluno em sala de aula, menosprezando a cota-parte que cabe ao professor.

Vejamos, então, a questão social no processo de ensino-aprendizagem e a relevância da subjetividade nesse âmbito. Ao lermos o CBC, encontramos a questão social implícita no aprendizado da língua, quando o documento afirma ser necessário aos professores respeitar a heterogeneidade lingüística em sala de aula, visto que a cultura familiar, ou seja, o background do aluno, influenciará seu modo de falar. Portanto, segundo o CBC, é necessário que os professores mostrem aos alunos que há uma norma culta para se falar e escrever em situações formais, mas não discriminem o aluno pelo falar coloquial. Vemos aí a questão subjetiva do aprendizado da língua, pois, evitando que o aluno se sinta rejeitado ou ignorante, mostra-se a ele que seu falar não é errado, mas que há situações formais nas quais é exigida uma norma padrão. É interessante notar que o CBC toca num ponto extremamente social quando diz que "a linguagem nos constitui sujeitos do discurso" (CBC, 2005, p. 8), em outras palavras, ao falar, nos tornamos pessoas reconhecidas pela sociedade, com poder de voz, e isso faz com que o aluno entenda que, a partir do momento em que ele fala, ele é alguém, um ser social. Ao analisarmos o Ciclo, encontramos também essa questão de respeito à língua (dialeto social do aluno) referindo-se, principalmente, ao processo de alfabetização, no qual as crianças são mais sensíveis ainda às palavras do professor e por isso não devem ser taxadas por sua fala. Observamos, ainda, no material do Ciclo, a questão dos trabalhos em grupo, que não deixa de ser um aspecto social, visto que a socialização acontece em sala de aula; nesse caso, o material mostra ser necessário que, em determinadas ocasiões, o professor escolha os grupos que irão trabalhar juntos em uma atividade porque, muitas vezes, quando são as crianças que escolhem seus grupos, pode acontecer de algumas não serem aceitas pelos colegas ou que fiquem "sobrando", para que o professor as encaixe posteriormente - e isso afeta diretamente a auto-estima das crianças "rejeitadas" -, prejudicando até mesmo o relacionamento social posterior delas. E, finalmente, temos os PCN's, nos quais o aspecto social está totalmente explícito, pois, já na apresentação do material, o Ministro da Educação e do Desporto diz que "... o propósito (...), ao consolidar os Parâmetros, é apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres" (BRASIL, 1997, Apresentação/Introdução), portanto, a meta dos PCN's é totalmente social, já que são propostos os temas transversais para instruir o aluno sobre meio ambiente, saúde, cultura, etc. O intuito é dar condições para que o aluno saiba viver como cidadão consciente e atuante na sociedade e diminuir as possibilidades de ser discriminado perante ela; os PCN's querem fornecer uma preparação para o aluno aprender a lidar com o mundo, por vezes enfrentando preconceitos e lutando por direitos, o que mexe diretamente com sua subjetividade.

Quanto à aprendizagem significativa, esse é o primeiro objetivo descrito já na apresentação do Ciclo, o qual prevê que, com mais tempo garantido pelo programa de ciclos, a escola terá condições de planejar o trabalho de modo a acompanhar o desenvolvimento da criança, proporcionando experiências culturais e pedagógicas significativas para o aprendizado. Nesse caso, vê-se a preocupação com a maneira de aprender da criança, considerando sua subjetividade nesse processo, pois, no momento em que a criança descobre que o que está aprendendo é real e útil, o conteúdo lhe traz mais prazer e o aprendizado não se torna forçado. Esse aspecto da aprendizagem significativa também é colocado pelo CBC e pelos PCN's. O primeiro especialmente quando propõe o trabalho com textos no ensino de Língua Portuguesa. Sabemos que, até algum tempo atrás, o ensino da língua materna era pautado pela gramática e, considerando os aspectos subjetivos de aprendizagem e com ajuda da Lingüística, percebeu-se que a gramaticalização do ensino não fazia sentido para a criança e tornava seu aprendizado difícil e desinteressado. Por isso, o CBC vem mostrar um novo caminho: trabalhar com textos. Assim, a criança tem a oportunidade de ver a língua como um todo e entendê-la nos seus usos literários, jornalísticos, formais e informais, contextualizando-a.

Os PCNs dizem:

Se a aprendizagem for uma experiência de sucesso, o aluno constrói uma representação de si mesmo como alguém capaz. Se, ao contrário, for uma experiência de fracasso, o ato de aprender tenderá a se transformar em ameaça, e a ousadia necessária se transformará em medo, para o qual a defesa possível é a manifestação de desinteresse. (BRASIL, 1997, p. 53).

Observando esse trecho, vemos que a subjetividade é claramente perceptível no processo de aprendizado, pois, se aluno tem um aprendizado significativo, com certeza irá entender o que lhe está sendo ensinado e se sentirá capaz; ao contrário, se o aprendizado for uma obrigação sem sentido, ele dificilmente compreenderá e obterá sucesso.

Analisemos agora a questão do programa de ciclos, que tem levantado muita polêmica devido ao "mal-estar da educação" dos tempos atuais. Os PCN's e o Ciclo trabalham com esse sistema; o CBC não faz menção direta a esse tipo de estruturação do ensino, mas, pelo modo como dispõe os eixos de ensino-aprendizagem, supõe-se que considere o ciclo uma forma melhor de aplicação dos conteúdos do que a seriação.

De acordo com nossa leitura, vemos que o Ciclo, como o próprio nome diz, é o material que contém mais informação sobre esse tema, visto que ele propõe esse programa e tem a função de instruir a maneira de sua aplicação e funcionalidade. O Ciclo faz uma reflexão sobre o sistema antigo de ensino e aponta os benefícios do programa de ciclos. Ele diz que boa parte dos problemas que enfrentamos hoje no sistema educacional tem a ver justamente com o sistema seriado. Segundo o material, tem-se o pensamento de que antes a educação era melhor e que o programa de ciclos foi o culpado do analfabetismo, por não haver reprovação. Contudo, de acordo com o Ciclo, "(...) não havia analfabetos na escola ou sua presença não era percebida porque, em função justamente da repetência, eles se concentravam na 1ª série, ou porque, em razão da evasão, eles abandonavam a escola ou, dependendo do ponto de vista, dela eram expulsos" (Ciclo Inicial de Alfabetização - Caderno 1, 2004, 18). Desse modo, percebemos aí um grande processo subjetivo sendo considerado. Os alunos que não conseguem passar devido à dificuldade de aprendizagem, à forma de ensino, ao pouco tempo para o enorme conteúdo, sentem-se inúteis, "burros", acham que não têm solução ou não servem para o estudo; isso é um problema do qual eles não têm culpa e, por isso, o programa de ciclos vem mostrar que um ano não é suficiente para a aprendizagem de tantos conteúdos. São necessários ciclos de aprendizagem, cada ciclo correspondendo a dois anos, nos quais o aluno terá s chance de se desenvolver, sem se preocupar somente com notas, mas com o aprendizado mesmo, e não terá que se sentir culpado se não conseguir administrar todo o conteúdo em um ano.

Os PCN's já haviam afirmado, antes mesmo do Ciclo, que o sistema antigo faz com que a motivação dos alunos fique centrada apenas na nota e na promoção, causando um esquecimento precoce dos assuntos estudados e problemas de indisciplina, visto que, na maioria dos casos, quando os alunos preocupam-se somente com notas, não têm o interesse de realmente detectar a razão das coisas e compreendê-la. Eles decoram o conteúdo um dia antes da "prova", passam ou não nos exames e ficam conversando durante a aula. Acredita-se que o processo de aprendizagem deva ser contínuo, e não seriado, o que é apontado indiretamente pelo CBC, quando diz que é preciso trabalhar com textos dos mais simples para os mais complexos, acompanhando a evolução do aluno, numa gradação de etapas de dificuldades divididas entre o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, sem especificações de seriação.

Apesar da boa idéia de desenvolvimento contínuo apresentada pelos ciclos, percebemos que ainda persiste o fato de o aluno não se preocupar em aprender porque, de qualquer modo, passará de ano, e vemos que o problema está não na idéia dos ciclos, mas na sua implementação. Na entrevista com o professor Donadon-Leal, que desenvolveu pesquisas sobre o CBC, ele relatou que "muitos professores nem lêem o que está nas diretrizes ou lêem e interpretam do seu modo, e até mesmo o sistema escolar não reformula seu modo de pensar, não instrui e conscientiza o aluno do seu processo de aprendizagem, simplesmente passam a informação de que não há mais reprovação". Portanto, o problema está aí, apesar de o sistema de ciclos considerar a subjetividade do aluno, sua aplicação não está sendo efetiva, tendo o ideal primeiro de acompanhar o desenvolvimento cognitivo do aluno.

Ainda na questão do programa de ciclos, podemos analisar o aspecto familiar no ensino-aprendizagem. O Ciclo mostra-nos que um dos benefícios de sua implantação seria que, ao contrário de os pais se preocuparem somente com notas e aprovação, com o programa de ciclos, eles passariam a se interessar mais pelo conhecimento que seus filhos estão adquirindo na escola, tendo também a responsabilidade de acompanhar a freqüência deles às aulas. Contudo, acreditamos que, nesse ponto, talvez o Ciclo não obtenha sucesso, pois, atualmente, os pais não têm tempo para acompanhar o desenvolvimento escolar de seus filhos. A grande queixa dos educadores é que os pais não colaboram com a escola, muitos nem comparecem nas reuniões. Com relação a isso, os PCN's mostram que é necessário fazer um planejamento escolar que inclua a participação dos pais e da comunidade, algo reforçado também pelo CBC. A questão subjetiva do aluno é levantada nesse ponto, pois, a partir do momento em que os pais se interessam pelo aprendizado dos filhos, acompanhando-os, eles se sentem mais confiantes naquilo que fazem e abandonam um pouco o medo da desaprovação e do erro.

Quanto à relação professor-aluno, vimos que todas as diretrizes partem do princípio da Escola Nova, em que o professor não é mais o dono do saber, mas um facilitador do aprendizado. A partir disso, percebemos que esses materiais, que servem para auxiliar e dar instruções ao professor, frisam o respeito ao aluno e seu conhecimento de mundo, informam ao professor que a afetividade do aluno está presente no processo de ensino-aprendizagem e, por isso, é preciso ter cuidado com as palavras, os diagnósticos precipitados e a discriminação em sala de aula.

Como já dissemos, não há muita menção sobre a subjetividade do professor nesse processo de ensino, dá-se importância às possíveis frustrações que possam ser causadas nos alunos. Todavia, os PCN's trazem um pouco da problemática do professor quando reconhecem a complexidade da prática educativa e a falta de estímulo para o professor encarar essa prática, devido às precárias condições das escolas e à baixa remuneração. Além disso, não só os PCN's como as outras diretrizes realçam a autonomia do professor ao trabalhar com os conteúdos, pois, ao darem as instruções, esses materiais deixam claro que são somente apoio para o professor, e não servem de base única e definitiva para o ensino. O professor tem toda a liberdade para planejar seu ano letivo com os materiais que desejar, considerando as informações e discussões impressas nessas diretrizes. Nenhum desses materiais configura um modelo curricular impositivo, até mesmo o CBC, que vem propor um conteúdo básico comum, deixa claro que é o professor quem escolhe como esse currículo vai ser seguido, que não tem ordem obrigatória, além de os textos que serão trabalhados deverem ser escolhidos pelo professor. Como é afirmado no Ciclo, "as metodologias de ensino, por si mesmas, não são suficientes para assegurar resultados positivos, pois dependem sempre do professor, de sua sensibilidade para interpretar as necessidades dos alunos" (Ciclo Inicial de Alfabetização - Caderno 1, 2004, p. 22. Grifo nosso).

Finalmente, chegamos ao último ponto, que é a avaliação. Uma questão que envolve diretamente a subjetividade do aluno, pois é com base na avaliação que fazem dele que ele se constrói e se descobre perante os outros. Começando com o CBC, temos a resolução de que a avaliação é um processo contínuo, não deve ser só um teste no final do semestre, o que também é colocado pelo Ciclo, quando ressalta que é preciso rever a concepção de avaliação, considerando que, ao se detectar problemas na aprendizagem dos alunos, é preciso verificar também a prática de ensino do professor; por fim, voltando aos PCN's, percebemos que toda essa mudança na concepção de avaliação já era prevista na afirmação "a avaliação, ao não se restringir ao julgamento sobre sucessos ou fracassos do aluno, é compreendida como um conjunto de atuações que tem função de alimentar, sustentar e orientar a intervenção pedagógica" (BRASIL, 1997, Introdução, p. 81).

Os PCN's também nos alertam que é fundamental a utilização de diferentes códigos (verbal, gestual, escrito, gráfico, etc.) e de maneiras de ensinar e avaliar, considerando, assim, as diferentes aptidões dos alunos, o que é lembrado posteriormente pelo Ciclo e pelo CBC. Isso é muito importante, visto que, ao considerarmos que os alunos têm diferentes formas de aprender, reconhecemos sua heterogeneidade e a subjetividade que faz de cada um, um sujeito único.

E, para dar uma visão a mais sobre avaliação, observamos também o SIMAVE, o qual foi instituído pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, em 2000, aperfeiçoado e ampliado a partir de 2003. Ele tem o propósito de levantar dados para o diagnóstico sistemático da rede estadual de ensino, mapear necessidades e demandas, fornecer informações para subsidiar a definição de políticas educacionais do estado e o planejamento de ações. Buscamos, portanto, analisar quais são os quesitos avaliados de acordo com esse sistema e se há algo de subjetivo nessas avaliações.

Na verdade, nessa busca, o que encontramos não foi animador, pois não há expressos aspectos subjetivos de aprendizagem nessa avaliação. Avalia-se o conteúdo e, para isso, utiliza-se uma escala de proficiência, enquanto as escolas trabalham com notas, o resultado do SIMAVE apresenta a proficiência ou desempenho, segundo as capacidades avaliadas. Os resultados da avaliação são apresentados em níveis, revelando o desempenho do nível dos alunos do mais baixo ao mais alto. Considerando que o CBC (Conteúdo Básico Comum) foi formulado pelo governo de Minas justamente com o intuito de fazer com que as escolas mantenham um padrão de ensino com relação aos conteúdos para, então, serem avaliadas, além de ser possível obter um diagnóstico geral, notamos que as capacidades avaliadas na prova de Língua Portuguesa (Ensino Fundamental) giram em torno dos eixos estabelecidos pelo CBC para determinada fase e avaliam, por meio de textos, como foi proposto pelo CBC. Os quesitos avaliados na leitura são, entre outros: procedimentos de leitura (identificar texto, localizar informação explícita, inferir informação implícita, inferir sentido, distinguir fato de opinião); implicações do suporte, do gênero e do enunciador na compreensão do texto (identificar a função do texto; interpretar o texto de acordo com linguagem verbal e não-verbal); coesão e coerência; identificação de recursos expressivos e efeitos; variação lingüística. Dentro desses quesitos, existem alguns itens mais específicos, como aqueles que estão entre parênteses, e, ainda, existem as especificações dos textos, palavras, gêneros, etc. Os alunos são encaixados em três níveis, de acordo com a escala de proficiência: baixo, intermediário e recomendável. Existe ainda a prova de redação, por meio da qual também são avaliados quesitos de conteúdo e habilidades, como a leitura, e não há nenhuma consideração de aspectos subjetivos, a não ser se considerarmos que essas especificações avaliadas estejam levando em conta a possibilidade de o aluno desenvolver uma habilidade mais do que outro, reconhecendo que o processo de aprendizado é heterogêneo, logo, subjetivo.

Tivemos a oportunidade de visitar uma escola da região da 25ª Superintendência de Educação. Na visita, tivemos acesso ao planejamento da escola chamada Adélia Hosken Ayres, situada num bairro de periferia, em Santa Bárbara (MG). É interessante notar um comprometimento muito grande com a qualidade da educação e que há menções, diretas ou indiretas, à subjetividade envolvida no processo de ensino-aprendizagem, mesmo que sejam basicamente retiradas das diretrizes analisadas até aqui.

Nesse planejamento, percebemos que a influência da questão social colocada pelos PCN's é grande, visto que a escola se posiciona, a todo momento, dizendo que o objetivo da educação é formar um cidadão crítico: "Uma educação aberta ao diálogo, ao desenvolvimento do espírito crítico, é indispensável ao processo de formação de um homem disposto a reconhecer-se no seu contexto e na sua humanidade". Diferentemente do que é proposto pelo Ciclo Inicial de Alfabetização, essa escola tem um sistema de ensino organizado em séries. Trabalha-se com a fase inicial (pré-escolar à quarta série do Ensino Fundamental), por isso fez-se um espaço chamado brinquedoteca, onde as crianças podem brincar no recreio ou em aulas em que os professores utilizam esse recurso. Acreditamos que esse é um diferencial da escola, visto que essa área é muito importante no desenvolvimento da criança, de acordo com as teorias de construtivistas e sociointeracionistas.

Nesta proposta pedagógica, é sempre destacada a importância de se ter funcionários engajados com o trabalho e felizes no que fazem, pois a escola se mostra preocupada com uma forma de educar mais alegre, descontraída e comprometida. A escola Adélia Hosken Ayres também enfatiza a participação da comunidade e dos pais, por isso promove eventos de integração, nos quais os alunos apresentam danças, peças, poesias, na tentativa de eliminar a crença estabelecida por muitos de que o lugar dos pais não é na escola; vemos aí a questão da família envolvida na escola, que não deixa de ser um aspecto subjetivo, como foi dito, no qual a criança adquire mais confiança ao mostrar que aprendeu, com o apoio dos pais, principalmente nas fases iniciais.

Assim, ao lermos o planejamento, notamos que essa escola realmente considera as indicações das diretrizes, principalmente quando informa que, preocupada com a melhoria, "procura sempre utilizar a avaliação como um embasamento para que o professor possa replanejar sobre as dificuldades apresentadas pelos alunos e, posteriormente fazer uma reavaliação". Enxergamos que, assim como proposto pelas diretrizes, essa escola entende que a avaliação não é algo só para os alunos, mas também para o professor, abandonando a idéia de que o aluno que não consegue notas é o culpado pelo fracasso. Com o intuito de demonstrar que a subjetividade implícita nos dizeres desses materiais (CBC, Ciclo e PCN's) é conservada nesse planejamento, exporemos aqui alguns objetivos dessa escola:

- Informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos;

- Possibilitar ao educando oportunidades favoráveis ao desenvolvimento de suas potencialidades, tendo em vista o atendimento às diferenças individuais existentes;

- Estimular no educando a iniciativa, a criatividade, a auto-confiança e o espírito de solidariedade;

- Desenvolver um plano curricular dentro da realidade socio-econômica da clientela e das particularidades locais;

- Incentivar a preservação das características culturais da comunidade, a conservação e o aproveitamento dos recursos ambientais.

Por fim, pudemos perceber que os diretores da escola consideram, de maneira especial, o contexto escolar, visto que estão numa periferia. Procuram sempre integrar a comunidade, fazendo daquele um espaço de vivência da cultura, não só para os alunos, mas para seus pais, seus vizinhos, etc. Procuram fazer da escola um lugar para aprender e se divertir, levando em conta que esse é o único lugar do bairro onde a comunidade pode praticar atividades diferentes e se reunir. Entendemos que as diretrizes dessa escola levam em consideração não somente os aspectos formais exigidos pela lei na formação integral dos alunos que por ela passam, estão também preocupados com outros aspectos subjetivos que atravessam a escola e implicam a relação do desenvolvimento da criança com a aquisição de uma aprendizagem efetiva, fixada na vivência e na cultura do seu espaço social, urbano e familiar.

Vemos, então, que, não só nas diretrizes, mas também em alguns planejamentos escolares, como esse que acabamos de analisar, os aspectos subjetivos envolvidos no processo de aprendizagem, ainda que indiretamente, são levados em consideração. Ao contrário, sabemos que não são todas as escolas que fazem um planejamento como esse. Como o professor Benedito Donadon informou, muitas escolas da região fazem seus planejamentos -quando o fazem - baseadas apenas em algumas partes das diretrizes, muitas vezes, sob uma má compreensão dos documentos, sem analisar o contexto escolar, a necessidade dos alunos, a participação dos pais, etc.

ALGUMAS CONCLUSÕES

A princípio, ao fazermos a leitura sobre as obras que tratavam de Psicanálise e educação, juntas ou antepostas, chegamos à constatação de que nossa hipótese da aplicação da Psicanálise à educação seria impossível. Autores como Freud, fundador da Psicanálise, e outros especialistas da área já haviam se aventurado nesse estudo, chegando a um final infeliz. Contudo, a viabilidade deste trabalho conjunto entre as áreas nos pareceu tão plausível e possível de obter sucesso que não podíamos parar nessa imediata conclusão: a impossibilidade.

Acreditamos, portanto, que fomos felizes na insistência, visto que, ao fim de toda a pesquisa, chegamos a outra conclusão, a de que, mesmo de maneira indireta, a Psicanálise está sendo aplicada à educação, pois a subjetividade do aluno está sendo considerada no processo de ensino-aprendizagem. Pela averiguação que fizemos nos documentos consultados, percebemos considerações plenamente subjetivas implícitas nas indicações de respeito à cultura do aluno, de suas dificuldades de aprendizado, de suas diferentes maneiras de chegar à compreensão; de compreensão da necessidade de o aluno obter apoio, acompanhamento, adquirir confiança em si mesmo; e de que a avaliação não é diagnóstico de "burrice" dos alunos, mas de que é necessário repensar o ensino e a forma de avaliar, o que confirmamos, ao analisar um planejamento de escola de periferia que se baseia nessas diretrizes para reafirmar conscientemente seu papel, no contexto da sua comunidade, fazendo desse espaço não só um lugar para obter conhecimentos, mas para trabalhar a cultura, servir para o lazer e integrar a comunidade. Tudo isso implica a Psicanálise, fazer a escola tornar-se um lugar prazeroso onde o ser humano interage, lida com seus conflitos e conserva sua auto-estima.

Contudo, percebemos que, em todos esses materiais, não há muitas considerações sobre o aspecto subjetivo referente ao professor. Vimos, com Esteve (1999), que o professor, sob o mal-estar da educação, é colocado, muitas vezes, como culpado, porém, consideramos que ele não seja o único. A Psicanálise relacionada à educação faz-se importante para o aluno, como analisamos neste material, mas também para o professor, que precisa lidar com um salário baixo, uma sala de aula heterogênea, repleta de alunos, além de seus conflitos pessoais. É mais que necessário que eles tenham contato com a Psicanálise, para que saibam como resolver ou encarar conflitos, além de compreenderem o que se passa com os alunos durante o desenvolvimento escolar.

Finalmente, terminamos a pesquisa conscientes de que, com base nestes estudos e ao contrário do que a teoria a respeito desse tema afirma, é possível a aplicação da Psicanálise à educação, mesmo que indiretamente.

NOTAS

Contato:

ICHS

Rua do Seminário s/n

Mariana - MG

Recebido: 02/09/2008

Aprovado: 05/10/2008

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  • 1
    Pesquisa realizada com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG.
    Research suppported by Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG.
  • 2
    Parte deste texto introdutório remonta ao artigo de Francisco Moura, publicado em 2005 em
    Estilos da Clínica, da USP, sob o título: "Um olhar clínico na sala de aula: uma nova metodologia pedagógica?".
  • 3
    Associação Internacional das Escolas Novas. Disponível em
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Abr 2009

    Histórico

    • Aceito
      05 Out 2008
    • Recebido
      02 Set 2008
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