RESUMO:
Neste artigo investigamos a organização da inspeção do ensino no Paraná na primeira metade do século XX, para compreender o processo de organização da educação, considerando que a inspeção intervinha em diversos âmbitos do ambiente escolar, tanto administrativos como pedagógicos. O recorte temporal está baseado na legislação educacional, iniciando em 1901, no qual temos a primeira legislação paranaense do século XX, voltada à educação e vai até a metade do século, pois a última legislação sobre a inspeção foi em 1938, mantendo-se em vigor até depois de 1950. As fontes de análise foram a legislação, os relatórios, os jornais, os livros dentre outros documentos do período, considerados como fontes primárias e bibliografias sobre o tema. No texto, enfatizamos a importância da inspeção do ensino na organização da educação e na efetivação de legislações educacionais, e investigamos a forma como a inspeção do ensino se organizou no período. A partir da análise inferimos que a inspetoria exercia papel fundamental na organização do ensino primário e, para isso, a inspeção tinha uma estrutura complexa, que se distribuía ao longo de todo o estado, com o intuito de fiscalizar e disseminar um modelo de ensino. Além disso, os inspetores escolares se configuravam em intermediários entre as escolas/professores e o governo, pois era por meio de seus relatórios que havia a troca de informações entre esses setores.
Palavras-chave:
Inspeção do ensino; ensino primário; Paraná século XX
RESUMEN:
En este artículo investigamos la organización de la inspección de la educación en Paraná en la primera mitad del siglo XX, ya que es relevante para comprender el proceso de organización de la educación, considerando que la inspección intervino en diferentes áreas del entorno escolar, tanto administrativo y pedagógico. El marco temporal se basa en la legislación educativa, a partir de 1901, en la que tenemos la primera legislación de Paraná en el siglo XX, centrada en la educación. Y se extiende hasta mediados de siglo, ya que la última legislación en materia de fiscalización fue en 1938, permaneciendo vigente hasta después de 1950. Las fuentes de análisis fueron legislación, informes, periódicos, libros, entre otros documentos de la época, considerados como fuentes primarias, y bibliografías sobre el tema. En el texto, destacamos la importancia de la fiscalización de la docencia en la organización de la educación y en la aplicación de la legislación educativa, e indagamos cómo se organizó la fiscalización de la docencia en el período. Del análisis se infiere que la fiscalía jugó un papel fundamental en la organización de la educación primaria, y para ello, la fiscalización contaba con una estructura compleja, que se distribuía por todo el Estado, con el objetivo de inspeccionar y difundir un modelo de enseñanza. Además, los inspectores escolares actuaron como intermediarios entre las escuelas / maestros y el Gobierno, ya que fue a través de sus informes que hubo un intercambio de información entre estos sectores.
Palabras clave:
Inspección de enseñanza; Escuela primaria; Paraná Siglo XX
ABSTRACT:
In this article, we investigate the organization of education inspection in Paraná in the first half of the 20th century, because it is relevant to understand the process of organization of education, considering that the inspection intervened in various areas of the school environment, both administrative and pedagogical. The time frame is based on the educational legislation, starting in 1901, in which we have the first legislation from Paraná of the 20th century, focused on education and that continues until the middle of the century, as the last legislation about the inspection was in 1938, remaining in force until after 1950. The sources of analysis were the legislation, reports, newspapers, books, among other documents of the period, considered as primary sources, and bibliographies about the subject. In the text, we emphasize the importance of the teaching inspection in the organization of education and the implementation of educational legislation, and we investigate how the teaching inspection was organized in the period. From the analysis, we infer that the inspectorate played a fundamental role in the organization of primary education, and for that, the inspection had a complex structure, which was distributed throughout the entire State, to supervise and disseminate a teaching model. In addition, the school inspectors acted as intermediaries between schools/teachers and the Government, as it was through their reports that there was the exchange of information between these sectors.
Keywords:
School Inspection; Primary Education; Paraná 20th Century
INTRODUÇÃO
O serviço de inspeção é de extraordinário valor, porquanto constitui verdadeiro sustentáculo da atividade, e, em geral, da conduta profissional do professor. Além disso, permite a mais completa distribuição de escolas e constitui a mais solida garantia do professorado, quando trabalha e cumpre os seus deveres com exatidão (PARANÁ, 1928bPARANÁ. Mensagem do presidente do Estado Caetano Munhoz da Rocha dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Paraná, ao se instalar a 1ª sessão da 19ª Legislatura, em 1 de fevereiro de 1928. Curitiba: 1928b., p.230).
A organização da educação na primeira metade do século XX teve por sustentáculo uma política de nacionalização1 1 A política de nacionalização da população implementada nas escolas foi impulsionada, especialmente, a partir da Primeira Guerra Mundial, a qual estimulou uma visão negativa dos estrangeiros que, em sua maioria, desconheciam a língua e os costumes nacionais, sendo considerado pelo governo prejudicial ao desenvolvimento do país. Diante disso foi implantada a política de nacionalização que teve grandes impactos na educação, tais como escolas estrangeiras que foram fechadas, os professores foram obrigados a ensinar na língua nacional, e disciplinas como História do Brasil foram sendo implementadas em todas as instituições de ensino. e alfabetização2 2 Além de nacionalizar o estrangeiro, também foi preciso alfabetizar os nacionais. Os dados estatísticos demonstram que a maior parte da população brasileira era analfabeta, o recenseamento de 1920 revelou que 80% da população brasileira eram analfabetas; no Paraná esse número era de 71%. Houve então uma movimentação para combater a “chaga do analfabetismo”, deste modo, “ENT#091;...ENT#093; intensifica-se a defesa da difusão do ensino para as massas, por parte de políticos e diletantes na educação” (PAIVA, 2003, p. 37). A erradicação do analfabetismo também foi influenciada pela exigência das eleições na qual era preciso ser alfabetizado para votar; deste modo, a difusão da instrução primária se tornou “ENT#091;...ENT#093; indispensável para consolidação do regime republicano” (SOUZA, 1998, p. 27). da população que chegou às escolas. Conforme estabelecia a legislação estadual em 1917 havia cinco tipos de instituições de ensino primário no Paraná no período, as escolas isoladas3 3 Santi (2021), ao estudar as escolas rurais, destaca que a grande maioria das escolas isoladas estava localizadas na zona rural. A partir dessa constatação, refuta a ideia de que a escola rural se expandiu somente após 1930, como a maioria dos historiadores sustenta, enfatizando que a sua difusão iniciou anterior a essa data no estado do Paraná. , que eram urbanas e rurais; os grupos escolares, que eram tipicamente urbanos; as escolas subvencionadas pelo governo estadual, que eram escolas particulares; as escolas ambulantes, que eram tipicamente rurais, e as escolas subvencionadas pelo governo federal que estavam localizadas especialmente nas zonas de colonização. As escolas isoladas, ambulantes, subvencionadas federais e estaduais se constituíram, na grande maioria, em escolas isoladas [...ENT#913; regidas por um único professor, em salas multisseriadas” (SCHELBAUER, 2014SCHELBAUER, Analete Regina. Da roça para a escola: institucionalização e expansão das escolas primárias rurais no paraná (1930-1960). Porto Alegre, Revista História da Educação, v. 18, nº 43, 2014. p. 71-91., p. 81), e os grupos escolares se constituíram [...ENT#913; de um agrupamento de escolas isoladas masculinas e femininas, estabelecendo-o em regime graduado e seriado” (ARAÚJO, VALDEMARIN, SOUZA, 2015ARAÚJO, José Carlos Souza; VALDEMARIN, Vera Teresa; SOUZA, Rosa Fátima de. A contribuição da pesquisa em perspectiva compa rada para a escrita da história da escola primária no Brasil: notas de um balanço crítico. In: SOUZA, Rosa Fatima; PINHEIRO, Antonio Carlos Ferreira, LOPES, Antônio de Pádua Carvalho (org.). História da escola primária no Brasil: investigação em perspectiva comparada em âmbito nacional. Aracaju: Edise, 2015. p. 27-45, p. 33).
A investigação evidenciou um papel relevante dos inspetores de ensino, na disseminação de escolas primárias. De tal modo, consideramos que a inspeção do ensino se configurou na base para o desenvolvimento educacional na primeira metade do século XX, pois os inspetores eram os intermediários entre o governo e as escolas/professores. Além de fiscalizarem o ensino fazendo cumprir os determinantes legais, disseminavam um tipo de ensino que tinha por base a alfabetização e a nacionalização, mas também buscavam melhorias para as condições precárias onde a maioria das escolas se encontrava, com orientação aos professores nas atividades burocráticas e pedagógicas. Pelos relatórios encontrados é possível constatar que esses sujeitos faziam tentativas de ir até as escolas ubanas e rurais, enfrentando os desafios que o caminho impunha e, muitas vezes não conseguiam chegar em todas as escolas que deviam visitar. Os inspetores eram obrigados por lei a fazer registro de suas visitas às escolas e produzir relatórios, que deveriam ser encaminhados aos seus superiores na hierarquia administrativa.
Segundo Souza, [...ENT#913; A inspeção do ensino deveria ser elemento central em torno do qual o aparelho escolar se moveria” (SOUZA, 2004SOUZA, Gizele de. Instrução, o talher para o banquete da civilização: Cultura escolar dos jardins de infância e grupos escolares no Paraná, 1900-1929. Tese (Doutorado em Educação?). São Paulo: PUC, 2004., p.63). Deste modo, além de intermediários os inspetores eram responsáveis por toda organização do ensino, porque estavam em contato direto com as escolas e com o governo, além de se constituírem em um meio de [...ENT#913; acesso a informações sobre o mobiliário, professores, matrícula, condições higiênicas, métodos, livros didáticos, etc.”, sendo assim apresentavam um panorama de como estavam as escolas no Estado (SOUZA, 2004SOUZA, Gizele de. Instrução, o talher para o banquete da civilização: Cultura escolar dos jardins de infância e grupos escolares no Paraná, 1900-1929. Tese (Doutorado em Educação?). São Paulo: PUC, 2004., p.232). Não há dúvidas de que seus registros se tornaram a base para o desenvolvimento de ações e legislações sobre a educação. Nesse sentido, podemos enfatizar que o serviço de inspeção está na base do desenvolvimento educacional, pois as modificações que ocorreram no ensino, no Estado, se deram mediante os apontamentos que esses sujeitos fizeram em seus relatórios que foram apresentados para seus superiores na hierarquia administrativa.
Essa relação intermediária dos inspetores com o governo e as escolas/professores já vinha desde o Império, como indicou Castanha (2007)CASTANHA. André Paulo. O Ato Adicional de 1834 e a Instrução Elementar no Impé-rio: descentralização ou centralização? São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2007., mas na República essa relação se intensificou, pois houve expansão significativa da rede de escolas pelo inteior do país. Vejamos alguns registros sobre a importância dessa função nas mensagens/relatórios de governadores do estado. O presidente Affonso Alves de Camargo, no seu relato referente ao ano de 1917 ressaltou que a inspeção era [...ENT#913; fator principal para a boa aplicação dos métodos adotados, está sendo feita com todo rigor e eficiência, por inspetores escolares retirados do próprio professorado” (PARANÁ, RPE, 1917cPARANÁ. Mensagem do presidente do Estado Affonso Alves de Camargo dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Paraná, ao se instalar a 2ª sessão da 13ª Legislatura, em 1 de fevereiro de 1917. Curitiba: Tipografia da República, 1917c., p. 13). Já Caetano Munhoz da Rocha, no seu relatório de 1928, destacou que [...ENT#913; as visitas que os inspetores periodicamente fazem nas escolas produzem sempre os melhores resultados, quer quanto à distribuição e localização das mesmas, como também ao trabalho apresentado pelos professores” (PARANÁ, RPE, 1928bPARANÁ. Mensagem do presidente do Estado Caetano Munhoz da Rocha dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Paraná, ao se instalar a 1ª sessão da 19ª Legislatura, em 1 de fevereiro de 1928. Curitiba: 1928b., p.140).
Além dos governantes, os próprios inspetores tinham claro a relevância da função que desempenhavam para o desenvolvimento educacional. Nos seus relatórios organizavam uma seção que trazia a movimentação dos inspetores e, em muitas oportunidades, faziam reflexões sobre os objetivos, organização e formas de ação dos inspetores. Vejamos o que registrou o inspetor geral Cesar Prieto Martinez, no seu relatório de 1921:
A inspeção do ensino tem de ser forçosamente o pivô, em torno do qual o aparelho escolar moverá, a fim de concentrar as suas energias. Nenhuma empresa progride sem fiscalização, e quem a dirige tem de conhecer, como a palma de suas mãos, os homens e as coisas que aí se congregam diariamente, o que entra o que sai, o que dá lucros e o que dá prejuízo, tudo em suma que diz respeito à integridade progresso do estabelecimento (PARANÁ, 1921aPARANÁ. Relatório do Inspetor Geral de Ensino Cesar Prieto Martines, apresentado ao Secretário de Geral do Estado Marins Alves de Camargo, em 31 de dezembro de 1921. Curitiba: Tipografia a Penitenciaria, 1921a., p.10).
Pelo relato é possível perceber a analogia feita pelo inspetor ao relacionar a educação a uma empresa. Esse registro revela que o inspetor estava atento às mudanças e inovações no modo de produção capitalista como, por exemplo, as ideias disseminadas por Taylor4 4 Sua obra clássica foi Princípios de administração científica, publicada em 1911. Taylor é considerado "o pai" da Administração Científica, por propor a utilização de métodos científicos cartesianos na administração de empresas. Seu foco era a eficiência e a eficácia operacional na administração industrial e comercial. (colocar em minúsculo - administração científica) , que visavam otimizar a organização do trabalho para aumentar a produtividade dos trabalhadores. Silva (2019SILVA, José Ricardo Skolmovski da. A revista O Ensino e manifestações tayloristas nas propostas da reforma educacional de César Prieto Martinez (Paraná, 1920-1924). Dissertação. (Mestrado em Educação). Maringá: UEM, 2019.), ao analisar a atuação do inspetor César Prieto Martinez, fez uma aproximação de suas ações com as ideias tayloristas, pois, segundo ele [...ENT#913; o Taylorismo além de uma forma de organização do trabalho configurou‐se num movimento mundial que ultrapassou a organização do trabalho realizado na fábrica” (SILVA, 2019SILVA, José Ricardo Skolmovski da. A revista O Ensino e manifestações tayloristas nas propostas da reforma educacional de César Prieto Martinez (Paraná, 1920-1924). Dissertação. (Mestrado em Educação). Maringá: UEM, 2019., p,107). Silva enfatizou que o taylorismo foi além do trabalho na fábrica, atingindo a organização da sociedade e, por fim, a educação.
Souza (2008SOUZA, Rosa de F. História da organização do trabalho escolar e do currículo no século XX: (ensino primário e secundário no Brasil) São Paulo: Cortez, 2008. (Coleção: Biblioteca Básica da História da Educação Brasileira).) também enfatizou que os avanços na organização do trabalho chegaram na escola, mas não fez associação direta ao taylorismo, mas sim ao avanço da ciência em geral, bem característico no Brasil, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Essa fase ficou marcada pela emergência e difusão dos grupos escolares, que demandaram reestruturações na organização administrativa e pedagógica das escolas, implicando numa “ordenação mais sistemática e regulada do currículo, com distribuição dos conteúdos por séries”, exigindo “mecanismos mais rígidos de avaliação dos alunos para a classificação em classes e dispositivos minuciosos de controle do tempo” (2008, p. 42).
Em vista do avanço na racionalidade produtiva, a “racionalidade pedagógica que encontrava respaldo na organização do trabalho fabril teve, de certo modo, boa aceitação pelos professores” (SOUZA, 2008SOUZA, Rosa de F. História da organização do trabalho escolar e do currículo no século XX: (ensino primário e secundário no Brasil) São Paulo: Cortez, 2008. (Coleção: Biblioteca Básica da História da Educação Brasileira)., p. 45) e gestores, a fim de garantir maior eficiência ao trabalho escolar. Diante disso, era necessária maior eficácia no serviço de fiscalização feito pela inspetoria de ensino, pois dentro dos princípios da racionalidade científica havia a necessidade de supervisão constante do trabalho, com intuito de que as instruções fossem de fato cumpridas pelos trabalhadores.
Outros princípios e práticas educativas que já vinham desde o período imperial foram reforçados com o avanço da racionalidade científica/taylorista, dentre eles, Silva destacou: o trabalho parcelado, que se traduziu [...ENT#913; na organização dos conteúdos em disciplinas com extensa grade curricular”; a organizar da sala de aula, com cadeiras enfileiradas que lembravam a organização da fábrica; o professor autoritário, que assim como um [...ENT#913; chefe de setor industrial - que exige silêncio e rendimento, através de castigos e prêmios, o que também sustenta o sistema vigente”; a burocratização reforçada por meio da implantação de “controle de frequência, avaliações internas e externas e documentações” (2019, p.109). Todas essas ações foram reforçadas pela estrutura de inspeção organizada pela inspetoria de ensino. Essa supervisão constante, para o cumprimento correto das instruções, ficou perceptível na inspeção escolar, sendo um dos principais objetivos desse setor, como veremos nas análises que se seguem.
Segundo Miguel, se voltarmos o nosso olhar para as reformas que ocorreram no campo educacional, [...ENT#913; inscritas no projeto político de nacionalidade” veremos que as modificações na legislação e disseminação de escolas ocorreram “sem o empenho das camadas citadinas paranaenses mais privilegiadas”. Conforme indicou a autora, essas modificações só ocorreram diante da [...ENT#913; vontade pessoal e dedicação do inspetor e pressionadas pela demanda. Nos relatórios de Prieto Martinez, está constantemente presente à procura de escolas pela população” (MIGUEL, 1997MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck. A formação do professor e a organização social do trabalho. Curitiba: Editora da UFPR, 1997., p. 45).
Essa procura também pode ser constatada nas publicações da imprensa. Numa crônica do ano de 1927, escrita por Sebastião Paraná e publicada no Jornal Diário da Tarde, foi registrado o segunte:
A inspetoria de ensino, numa ansiedade louvável, ataca, por todos os lados, o analfabetismo, - inimigo comum, terrível e de efeitos danosos. Grandioso tal empreendimento: engrandece, nobilita, enriquece a Pátria quem debasta, poli, lapida o diamante bruto da inteligência da mocidade -, esperança do país, guarda avançada da República (PARANÁ, S. 1927PARANÁ, Sebastião. Crônica. Jornal Diário da Tarde, Curitiba, 07 de abril de 1927a. Disponível em: <Disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/acervo-digital/diario-tarde/800074 > Acesso em:20 de novembro de 2019. p.2
http://bndigital.bn.gov.br/acervo-digita... , p. 2).
Percebemos a relevância da inspeção para a campanha de alfabetização da população e difusão das escolas. Na realidade, a inspeção do ensino foi além de uma mera observação das condições das escolas, pois produziu um conjunto de informações que foram vitais para a organização/reorganização do campo educacional no estado do Paraná.
Gramsci compreendeu e definiu o Estado “como ‘educador’ na medida em que tende precisamente a criar um novo tipo ou nível de civilização”. Segundo ele, o “estado tende a criar e manter um certo tipo de civilização e de cidadão” e, por isso, procura “fazer desaparecer certos costumes e atitudes e a difundir outros”. Os instrumentos auxiliares do Estado são o direito, as leis, a escola e outras instituições. Para Gramsci, o estado
é um instrumento de ‘racionalização’, de aceleração e de taylorização; atua segundo um plano, pressiona, incita, solicita e “pune”, já que, criadas as condições nas quais um determinado modo de vida é “possível”, a “ação ou a omissão criminosa” devem receber uma sansão punitiva, de alcance moral, e não apenas um juízo de periculosidade genérica (2002, p. 28).
Gramsci via o Estado como agente de educação, como produtor e difusor de civilização. Ao adotarmos essas premissas, podemos compreender melhor o papel desempenhado pelos agentes de inspeção, pela legislação educacional, pela escola, visto que todos esses elementos estavam diretamente ligados ou subordinados ao estado.
Diante da significância da inspeção do ensino para o desenvolvimento educacional, que interveio em diversos âmbitos do ambiente escolar, tanto administrativos como pedagógicos, como enfatizado pelos discursos de época, analisaremos como se deu a organização deste serviço, pois, é pertinente para compreender o processo de organização da educação. A partir disso, apresentamos a seguir uma análise de como estava organizada a inspeção de ensino no período.
O recorte temporal tem como marco a legislação educacional paranaense, da primeira metade do século XX, considerando as leis de 1901 e 1938. No ano de 1901, temos a primeira legislação da educação paranaense do século XX, a qual apresenta significativas alterações na estrutura da inspeção de ensino, em relação ao século XIX, a partir do que foi demonstrado por Castanha (2007)ABREU, Geysa Spitz Alcoforado de. A trajetória de Lysimaco Ferreira da Costa: educador, reformador e político no cenário da educação brasileira. 2007. 222 f. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007.. Já no ano de 1938 houve uma reorganização na inspeção de ensino no estado do Paraná, que perdurou por muitos anos sem alteração, fechando as reformas sobre a inspeção na primeira metade do século XX. Diante do apresentado, o recorte está baseado na legislação, que se configura como uma das fontes primárias da pesquisa, pois, como destacou Castanha [...ENT#913; dentre as muitas fontes que podem subsidiar as pesquisas histórico-educativas, sobressai-se a legislação educacional, em razão do grande número de temas e questões que estão explícitos e implícitos nela” (2011, p. 312), segundo ele, a lei é uma síntese de múltiplas determinações, por isso, ao ser colocada “em execução, as contradições se revelam, pois, interesses particulares ou de grupos são contestados, as resistências se acentuam, as falhas da lei aparecem. Tais contradições aceleram o debate e novas alternativas são propostas, novas leis são aprovadas” (2011, p. 317).
Além da legislação, utilizamos relatórios de inspetores, professores e governantes do Paraná, livros e jornais, e outros documentos que foram encontrados e se relacionam com a educação, os quais consideramos como fontes primárias. Também nos servimos de fontes secundárias, escritos de autores que tratam sobre o tema. Castanha (2011CASTANHA, André Paulo. O uso da legislação educacional como fonte: orientações a partir do marxismo. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, número especial, p. 309-331, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8639912 > Acesso em:25/08/2020.
https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
) conceitua essas fontes com base nos estudos de Aróstegui, destacando que a fonte primária ou direta é aquela registrada por uma testemunha presencial do fato, assim sendo, é a fonte original que ainda não sofreu nenhum tipo de análise, e a fonte secundária ou indireta é uma fonte mediada, ela expressa uma análise intencional de determinado fato ou objeto a partir de outras fontes. Considerando essa assertiva, nessa pesquisa utilizaremos as fontes primárias, referindo-nos aos documentos de época e às fontes secundárias publicados por autores que apresentam informações pertinentes para discussão.
Depois desta breve introdução, vejamos como a inspeção do ensino se organizou na primeira metade do século XX, e qual a sua influência na disseminação e organização do ensino no estado do Paraná no período.
ORGANIZAÇÃO DA INSPEÇÃO DO ENSINO NO PARANÁ
Segundo Oliveira, [...ENT#913; a inspeção constitui-se no órgão administrativo e fiscalizador por meio do qual o poder público exerceu o controle sobre o ensino”. Durante todo o período analisado, a inspeção foi [...ENT#913; subordinada a Secretária do Interior, Justiça e Instrução Pública, teve diferentes denominações”, sem perder a [...ENT#913; sua finalidade controladora e fiscalizadora” (1994, p. 150). Além disso, exercia o seu controle e fiscalização, observando “as escolas, quanto ao funcionamento; os professores, quanto ao processo de ensino, e os alunos, quanto a frequência e os resultados na aprendizagem” (OLIVEIRA, 1994OLIVEIRA, Maria Cecília de. Ensino primário e sociedade no Paraná durante a primeira República. (Tese de Doutorado) São Paulo: Universidade de São Paulo, 1994., p.151). Tudo isso mediante a ação dos inspetores que deixaram registros nos seus relatórios5 5 Os relatórios/mensagens de autoridades públicas são fontes oficiais e, como tal são carregados de intencionalidade, que legitimam, qualificam ou desqualificam as ações dos próprios agentes do estado, dependendo da opção política do redator. Captar essa intencionalidade é um dos grandes desafios dos historiadores da educação. . Para que a estrutura da inspeção funcionasse havia uma hierarquia entre os inspetores, cada qual com uma função e o intuito era fazer com que a inspeção chegasse a todas as escolas do Estado para regular o seu funcionamento, auxiliar e incentivar o professor, especialmente porque a maioria dos professores no período não possuía formação acadêmica.
Como as escolas estavam disseminadas por todo o Estado e se encontravam em diversas localidades, tanto na zona urbana, quanto na zona rural, construiu-se uma rede de inspeção para tentar alcançar todas elas, com o intuito de fiscalizar e disseminar um modelo de ensino. Segundo relatos de época, as escolas localizadas na cidade tinham uma condição melhor, com acesso facilitado aos materiais de ensino, com mais alunos matriculados, as casas construídas/adaptadas para as instituições de ensino. Já na zona rural as condições eram outras, pois as escolas eram instaladas em casas precárias; o acesso aos materiais de ensino era demorado; os alunos faltavam com frequência, pois precisavam ajudar a família nos trabalhos domésticos e agrícolas; as condições sanitárias eram insalubres, condizente com as condições do meio rural, da época. Diante disso, os professores formados pela Escola Normal preferiam trabalhar nas escolas da zona urbana, que ofereciam melhores condições para o desenvolvimento do ensino. Assim, nas escolas da zona rural, os inspetores eram, em muitas ocasiões, os únicos contatos que os professores tinham com as modificações ocorridas no ensino, pois além de fiscalizar, os inspetores também proporcionavam formação aos professores leigos, que eram maioria na zona rural.
Considerando essa realidade, a inspeção escolar é aqui compreendida como uma função social/educacional, que se constituiu historicamente, sendo influenciada pelas diversas relações de poder que perpassaram o ambiente escolar. Nesse sentido, consideramos os inspetores como intelectuais da causa educacional, pois “suas ações, ideias e pensamentos” foram fundamentais para construir/reconstruir a história, sendo “emissários privilegiados de um determinado contexto histórico” (BORGES NETTO; MACHADO, 2018BORGES NETTO, Mario; MACHADO, Maria Cristina Gomes. Possibilidades interpretativas para as pesquisas sobre intelectuais na história da educação: ação intelectual de Florestan Fernandes. Revista Notandum, Ano XXI, n.47, p.193-213, mai.-ago. 2018., p. 196).
Para compreender o papel dos inspetores respaldamo-nos nas concepções de Gramsci (1891-1937), que foi contemporâneo do recorte desta pesquisa. Segundo o filósofo italiano,
ENT#91;...ENT#913; todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens têm na sociedade a função de intelectuais (assim, o fato de que alguém possa, em determinado momento, fritar dois ovos ou costurar um rasgão no paletó não significa que todos sejam cozinheiros ou alfaiates). Formam-se assim, historicamente categorias especializadas para o exercício da função intelectual (2014, p. 18-19).
Numa sociedade em que, aproximadamente, 70% da população era analfabeta, os poucos que dominavam a leitura e a escrita exerciam significativa influência sobre os demais.
Castanha (2007), tendo por base o referencial gramsciano, estudou a instrução pública no Brasil do século XIX, analisando a organização social e política em três níveis de relações, para compreender a dinâmica dos sujeitos envolvidos nas disputa. Deste modo, segundo o autor, no “nível mais distante, ou difuso” estavam os proprietários e sitiantes dispersos nas diversas regiões do país, “além de funcionários públicos, principalmente policiais, professores, agentes de quarteirão”, que se constituam “em grande força, a partir do momento em que existisse uma direção”. No “nível intermediário”, composto por “juízes, chefes de polícia, inspetores de instrução pública, párocos, fazendeiros, médicos, jornalistas”, os quais “faziam a ligação entre os mais próximos e os mais distantes, colocando-os em sintonia”, exercendo assim, “a função de intelectuais difusores, que se serviam da estrutura do Estado e das relações familiares para executar suas tarefas”. Já “o nível mais próximo” era composto “pelos ministros, conselheiros, presidentes de províncias, deputados gerais e senadores. Núcleo produtor e, ao mesmo tempo, difusor das ideias e princípios que sustentava determinado projeto” (CASTANHA, 2007CASTANHA. André Paulo. O Ato Adicional de 1834 e a Instrução Elementar no Impé-rio: descentralização ou centralização? São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2007., p. 53).
Segundo Gramsci, “os intelectuais são os ‘prepostos’ do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político” (2014, p. 21). Essa afirmativa nos ajuda a caracterizar que tipo de intelectuais eram os inspetores. Fica evidenciado que os elementos intermediários ocupavam posição estratégica, pois estavam em contato mais direto com o elemento difuso. E sendo os inspetores esses sujeitos intermediários entre o governo e as escolas/professores, difundiam, reuniam e sistatizavam informações apropriando-se da realidade escolar e, a partir disso, criavam propostas para modificar o ensino. De tal modo, exerceram a função de intelectuais considerando que seus posicionamentos e pensamentos moficiavam e intervinham na educação. Como indicado por Santi e Castanha, os conceitos de intelectuais tradicionais ou orgânicos atribuídos a determinados inspetores pode variar, “dependendo do aspecto analisado. Se olharmos para ele pela ótica dos valores de classe a que pertencia, da moral”, veremos “um intelectual tradicional, que defendia a ordem, a hierarquia e os princípios do grupo conservador”, porém, se “olharmos pela causa educacional”, podemos ver “um intelectual orgânico” (2018, p 7).
Para exemplificar como era a hierarquia da inspeção e as modificações que sofreram no período, reproduzimos um organograma construído por Santi (2021SANTI, Denize Naiara. A institucionalização da escola rural no paraná entre 1915 e 1946 e a atuação dos inspetores. Tese (Doutorado em Educação). Maringá: Universidade Estadual de Maringá, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, 2021.). Vejamos:
Pelo organograma percebemos como estava organizada a estrutura hierárquica da inspeção do ensino durante a primeira metade do século XX no estado do Paraná. Ao analisar o organograma, observamos a constância na hierarquia; o presidente/interventor estava sempre na posição de detentor das decisões, seguido pelo secretário dos Negócios do Interior, Justiça, e Instrução Pública. Esses dois eram responsáveis por escolher quem seria o diretor geral/superintendente do ensino6 6 O Código de Ensino instituído pelo decreto n. 710 de 18 de outubro de 1915, na prática, teve pouco efeito, pois o Código foi revisado e republicado pelo decreto n. 17, de 9 de janeiro de 1917. O novo Codígo de 1917 suprimiu a função de diretor geral, sobrecarregando a função para o secretário de Estado. A acumulação de função não mostrou efetividade, fazendo com que o cargo de inspetor geral fosse recriado pela lei n. 1999, de 09 de abril de 1920. ou inspetor geral, função responsável por organizar as informações que vinham dos delegados de ensino/inspetores regionais e/ou dos inspetores escolares. Os delegados de ensino e os inspetores escolares estavam diretamente em contato com as escolas e professores, sendo os principais elos entre o governo e as escola. Esses sujeitos visitavam as escolas, faziam relatórios e mandavam para o diretor/inspetor geral, que sintetizava e repassava ao secretário e este fazia uma nova síntese e encaminhava ao presidente/governador do estado.
Ao considerar essa hierarquia, vejamos as atribuições de cada cargo, segundo as legislações que foram utilizadas para construir o organograma. A definição do presidente/governador, como autoridade máxima da inspeção do ensino, apareceu no regulamento de 1901, artigo 9º, da seguinte forma: “A direção suprema do ensino compete ao governador do Estado”, que exerceria a direção por intermédio do secretário dos Negócios do Interior, Justiça e Instrução Pública (PARANÁ, 1901PARANÁ. Decreto nº 93 de 11 de março de 1901. Regulamento da Instrução Pública do Estado do Paraná. Leis, Decretos e Regulamentos do Estado do Paraná, 1901. Curitiba: Tipografia da Penitenciaria. 314 p, p. 85). Esse mesmo dipositivo foi reproduzido no artigo 14, do regulamento de 1909 (PARANÁ, 1909PARANÁ. Decreto nº 510 de 15 de setembro de 1909. Regulamento orgânico do Ensino Público do Paraná. Curitiba: Tipografia d’A República, 1909. 46p., p. 117). Na medida em que o poder dos secretários foi se consolidando na estrutura administrativa do estado, todas as legislações destacaram que deveria ser encaminhado anualmente um relatório de como estava a instrução no estado ao presidente/governador, que por meio do relatório e do posicionamento do secretário do Interior e do diretor geral tomava decisões acerca da instrução.
Referente ao secretário dos Negócios do Interior, Justiça e Instrução Pública, houve menção às suas atribuições frente a inspeção do ensino na legislação de 1901, destacando no art. 10º, que a este caberia [...ENT#913; 1º velar pela execução das leis e regulamentos do ensino; 2º dar expediente a todos os negócios concernentes a Instrução Pública; (...) 5º apresentar ao governador do Estado relatório anual sobre o movimento do ensino primário” (PARANÁ, 1901PARANÁ. Decreto nº 93 de 11 de março de 1901. Regulamento da Instrução Pública do Estado do Paraná. Leis, Decretos e Regulamentos do Estado do Paraná, 1901. Curitiba: Tipografia da Penitenciaria. 314 p, p.85). Na legislação de 1917, pela qual foi extinto o cargo de diretor geral, quem assumiu as atribuições deste posto foi o secretário dos Negócios do Interior, por isso, a legislação destacou suas principais atribuições: “Art. 1º: I Elaborar instruções especiais para regularizar o funcionamento dos institutos de ensino. II inspecionar assiduamente, por si e por intermédio dos Delegados e Inspetores, todos os institutos de ensino, público ou particulares” (PARANÁ, 1917bPARANÁ. Decreto nº 17 de 9 de janeiro de 1917. Código de Ensino. Colecção de decretos e regulamentos de 1917. Curitiba: Tipografia d’A República, 1917b. 562 p., p.3).
Em 1920, o cargo de inspetor geral voltou a constar na legislação e as atribuições do secretário, indicadas no Código de ensino de 1917, voltaram a ser do inspetor geral. Após o secretário do Interior, o cargo mais relevante era o de inspetor geral. A única legislação que não mencionou as suas atribuições foi a de 1917, pois, nesta lei o cargo foi extinto, sendo reestabelecido em 1920 pela lei n.º 19997 7 Art. 2º O Inspetor Geral do Ensino será nomeado em comissão dentre pessoas de notória capacidade profissional. Art. 3º O inspetor Geral do Ensino terá como seus auxiliares dois ou mais subinspetores do Ensino nomeados em comissão, dentre os professores Normalistas do Estado (PARANÁ, 1920a, p.1) , que denominou o cargo como inspetor geral do Ensino. A denominação do cargo foi alterada diversas vezes nas legislações que tratavam da inspeção. Nas legislações de 1901 e 1909, era denominado de diretor geral, em 1915 foi alterado para superintende de Ensino, em 1920 e 1932 a nomenclatura do cargo foi alterada para inspetor geral do Ensino, e por último em 1938, passou a ser denominado de diretor geral de Educação. Essas mudanças, ao que parecem, foram meramente formais, pois na prática, as funções atribuídas do cargo continuaram muito semelhantes.
Segundo a legislação, o diretor/inspetor geral era [...ENT#913; o funcionário encarregado de executar as deliberações do governo e da congregação” (PARANÁ, 1901PARANÁ. Decreto nº 93 de 11 de março de 1901. Regulamento da Instrução Pública do Estado do Paraná. Leis, Decretos e Regulamentos do Estado do Paraná, 1901. Curitiba: Tipografia da Penitenciaria. 314 p, p.85). Isso se repetiu em todas as leis, em que o cargo foi mencionado. Além disso, para assumir o cargo de diretor geral, a nomeação e a demissão eram de livre escolha do presidente/governador do estado. A lei de 1932 acrescentou que o inspetor geral seria escolhido dentre os inspetores regionais, todavia, para se tornar um inspetor regional era exigido que “a) possuir diploma da Escola Normal Secundaria de Curitiba; b) Tiverem exercido os cargos de professor de escola isolada e direção de grupo escolar; c) contarem mais de dez anos de bons serviços prestados ao ensino público” (PARANÁ, 1932PARANÁ. Decreto nº 528 de 02 de março de 1932, Regulamento da Inspeção do Ensino. Publicado em Diário Oficial em 04 de março de 1932. Curitiba, 1932. p.1-3., p.1). Essa exigência de formação técnica ao postulante do cargo de diretor geral foi positiva e revela que as preocupações com as questões educacionais ganhavam relevância. Até então, os presidentes/governadores poderiam fazer escolhas mais políticas do que técnicas para o comando da pasta.
Ao diretor geral estavam subordinados todos os funcionários ligados à instrução. Cabia a ele ou a seus subordinados inspecionar todos os estabelecimentos de ensino do estado. Segundo a legislação, o cargo foi definido como [...ENT#913; intermediário normal, para todos os efeitos, entre o Governo e as autoridades ou os empregados da instrução pública, de qualquer categoria” (PARANÁ, 1915PARANÁ. Decreto nº 710 de 18 de outubro de 1915. Código de Ensino do Estado do Paraná. Coleção de Decretos e Regulamentos de 1915. Curitiba: Tipografia d’A República, 1915. 514 p., p.5). assim, era por intermédio do diretor geral que as escolas/professores contatavam o governo, e o contato entre o diretor geral e as escolas, normalmente, se dava pela mediação dos delegados de ensino e dos inspetores escolares, que eram os funcionários que deveriam de fato visitar todas as escolas do estado.
A partir dos relatórios, Santi (2021SANTI, Denize Naiara. A institucionalização da escola rural no paraná entre 1915 e 1946 e a atuação dos inspetores. Tese (Doutorado em Educação). Maringá: Universidade Estadual de Maringá, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, 2021.) organizou um quadro com o nome dos diretores/inspetores gerais que passaram pela inspetoria no período de 1915 a 1951.
Dentre os homens que assumiram o posto de diretor geral, os mais conhecidos foram o Cesar Prieto Martinez (1881-1934)8 8 Segundo Silva, o governo paranaense precisava de um sujeito que “ENT#091;...ENT#093; pudesse dar a feição desejada ao aparelho educacional com atenção às necessidades e limitações do Paraná. Para atender a esse fim, buscou em São Paulo, o estado modelar, um técnico que pudesse trazer as modernas práticas às escolas paranaenses. César Prieto Martinez foi esse técnico. Ao aceitar o convite para promover a reforma educacional no Paraná, suas propostas se basearam em ideais racionalizadores que coadunavam com as limitações orçamentárias do Estado sem perder de vista os resultados significativos, considerando a grande necessidade de prover o ensino. Foi nesse intento que Martinez promoveu uma série de mudanças administrativas e pedagógicas no sistema de ensino paranaense” (2019, p.140). , Lysimaco Ferreira da Costa (1883-1941)9 9 Padial (2008) analisou as propostas e intervenções de Lysimaco Ferreira da Costa, na instrução pública paranaense, especialmente na formação de professores. A autora destacou que Lisymaco tinha entre suas propostas a “ENT#091;...ENT#093; expansão e o melhoramento do aparelho escolar, alfabetização da população, criação de Escolas Normais, formação de professores, entre outros. Ele achava que o homem deveria desenvolver sua capacidade de pensar e agir e que a educação diminuiria ou acabaria com a pobreza da população. Seu pensamento não foi fruto de sua mente prodigiosa, mas se organizou a partir do que estava sendo produzido historicamente” (PADIAL, 2008, p.129). Tanto Cesar Prieto Martinez, quanto Lysimaco Ferreira da Costa foram inspetores relevante para o período em que efetivaram mudanças significativas para a educação do estado. e Erasmo Pilotto (1910-1992)10 10 Erasmo Pilotto (1910-1992) foi um dos principais educadores paranaense no século XX e foi um dos principais articuladores e difusores do Movimento pela Escola Nova no Estado. Foi professor e diretor da escola Normal e diretor/secretário de estado de Educação e Cultura (SEEC), entre os anos de 1948 e 1951. . Sobre esses três há inúmeros estudos que destacam a atuação deles frente à educação paranaense. Dentre esses estudos, podemos citar: Moreno, 2003MORENO, Jean Carlos. Inventando a escola, inventando a nação: discursos e práticas em torno da escolarização paranaense (1920-1928). Mestrado em Educação. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2003., Abreu, 2007ABREU, Geysa Spitz Alcoforado de. A trajetória de Lysimaco Ferreira da Costa: educador, reformador e político no cenário da educação brasileira. 2007. 222 f. Tese (Doutorado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007., Vieira e Marach (2007VIEIRA, Carlos Eduardo e MARACH, Caroline Baron. Escola de mestre único e escola serena: realidade e idealidade no pensamento de Erasmo Pilotto. In: VIEIRA, Carlos Eduardo(Org). Intelectuais, educação e modernidade no Paraná (1886-1964). Curitiba: UFPR, 2007, p. 269-289.), Padial, 2008. Os três inspetores implementaram mudanças bem significativas na instrução pública do estado. Martinez e Costa exerceram a função na década de 1920 e tiveram apoio do governador Caetano Munhoz da Rocha, que segundo Moreno teve uma gestão [...ENT#913; marcada por percepções e atitudes nacionalistas que o diferenciaram de seus antecessores”, deste modo, as reformas da instrução pública que promoveram iam sempre ao encontro desse projeto de nacionalização (2003, p.24). Já Pilotto atuou no final da década de 1940 e foi responsável pela difusão da Escola Normal no estado, como destacou Miguel (1997MIGUEL, Maria Elisabeth Blanck. A formação do professor e a organização social do trabalho. Curitiba: Editora da UFPR, 1997.). Pilotto também foi o principal organizador do anteprojeto de lei orgânica da educação do estado, que articulava a educação desde o jardim de infância até a universidade, passando pela educação de adultos e educação especial. Infelizmente, o projeto não logrou êxito naquele momento, mas serviu de base para legislações futuras. Todavia, o inspetor que permaneceu por mais tempo como diretor geral foi o Hostilio Cesar Souza Araújo11 11 Hostílio César de Souza Araújo, nasceu na cidade de Imbituva, no Estado do Paraná, em 23 de abril de 1893. Formou-se em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Exerceu o cargo de secretário de Educação do estado do Paraná, de prefeito da cidade de Curitiba, de secretário de Interior e Justiça (atualmente Secretaria de Justiça) e, também, de procurador geral do estado. Foi professor catedrático, pós-graduado em direito e filosofia da Universidade do Paraná, onde exerceu o magistério (INSTITUTO dos Advogados do Paraná, s.d.) , mas sobre ele ainda não temos estudos, somente citações de seus relatórios.
Na sequência da hierarquia vinham os delegados de ensino e os inspetores escolares; para explicar as atribuições desses dois cargos vamos apresentá-los juntos, pois, um complementava o outro. Os delegados de ensino exerciam, segundo a legislação de 1909, uma inspeção técnica, voltada mais a questões pedagógicas, e o inspetor escolar, segundo a mesma legislação, exercia uma inspeção administrativa, ligada mais a questões burocráticas. Sabemos que essa legislação não perdurou por muito tempo, porém, essa divisão na forma como se dava a inspeção persistiu no Código de Ensino de 1917.
O cargo de delegado de ensino foi instituído pela legislação de 1909, sendo denominado de inspetores regionais na lei de 1932, mas voltando a denominar-se de delegado de ensino em 1938. Dentre as atribuições dos delegados de ensino/inspetores regionais estava, segundo Art. 19: “Visitar as escolas públicas ou subvencionadas de ensino primário” (PARANÁ, 1917bPARANÁ. Decreto nº 17 de 9 de janeiro de 1917. Código de Ensino. Colecção de decretos e regulamentos de 1917. Curitiba: Tipografia d’A República, 1917b. 562 p., p.7). O inspetor geral, Cesar Prieto Martinez, no seu relatório do ano de 1921, apresentou as exigências para o bom exercício do cargo:
Em primeiro lugar tem de saber a localização de todas as sedes escolares, a população que ai reside, suas condições econômicas-sociais, usos e costumes, recursos, meios de comunicação, distância dos centro mais próximos, clima, etc. ENT#91;...ENT#913; Em segundo lugar deve conhecer as condições da escola: se funciona em prédio confortável, se tem mobiliário, se é frequentada, etc. Em terceiro lugar não pode ignorar quem é o professor que aí leciona nem qual a sua capacidade de trabalho, suas relações com a população, dirigentes, etc. enfim, tudo que diz respeito a sua pessoa, quer como funcionário, quer como cidadão. Ao par de todos esses dados, saberá por certo agir com critério todas as vezes que tiver necessidade de intervir em relação à vida escolar (PARANÁ, 1920bPARANÁ. Relatório do Inspetor Geral de Ensino Cesar Prieto Martines, apresentado ao Secretário de Geral do Estado Marins Alves de Camargo, em 31 de dezembro de 1920. Curitiba: Tipografia a Penitenciaria, 1920b., p.10-11).
Assim, segundo Cesar Prieto Martinez, era somente [...ENT#913; a inspeção sistematizada, feita pessoalmente” pelo inspetor geral, ou [...ENT#913; por intermediário de seus auxiliares”, que seriam os delegados de ensino e inspetores escolares, se poderia [...ENT#913; coligir todos esses dados” apontados (PARANÁ, 1920bPARANÁ. Relatório do Inspetor Geral de Ensino Cesar Prieto Martines, apresentado ao Secretário de Geral do Estado Marins Alves de Camargo, em 31 de dezembro de 1920. Curitiba: Tipografia a Penitenciaria, 1920b., p.10-11). Já os inspetores escolares poderiam ser, segundo Art. 20, do código de ensino de 1917 [...ENT#913; qualquer um dos delegados de ensino”, além disso, [...ENT#913; nos distritos onde houver muitas escolas, ou diversos povoados com escolas, poderá haver mais de um inspetor, sendo pelo secretário do interior, determinadas as escolas sobre a jurisdição de cada um” (PARANÁ, 1917b, p.11).
Além do mais, poderiam ser nomeados para esse cargo, segundo Art. 22 [...ENT#913; o Promotor Público ou adjunto deste” (PARANÁ, 1917bPARANÁ. Relatório do Inspetor Geral de Ensino Cesar Prieto Martines, apresentado ao Secretário de Geral do Estado Marins Alves de Camargo, em 31 de dezembro de 1920. Curitiba: Tipografia a Penitenciaria, 1920b., p.11). Os inspetores escolares eram distribuídos da seguinte maneira: para cada distrito judiciário onde houvesse uma escola seria nomeado um inspetor, e este deveria visitar pelo menos duas vezes por mês as escolas do seu distrito. Esses inspetores eram fundamentais, pois segundo Ferreira (2013FERREIRA, Ana Emília Cordeiro Souto. Organização da instrução pública primária no Brasil: Impasses e desafios em São Paulo, no Paraná e no Rio Grande do Norte (1890-1930). Tese (Doutorado Educação). Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2013.), sem eles não seria possível [...ENT#913; realizar a fiscalização distrital do ensino”, especialmente porque tinham contato direto com os professores e, por isso ofereciam [...ENT#913; orientações quanto aos procedimentos didáticos, além de animá-los e ampará-los em suas necessidades” (FERREIRA, 2013FERREIRA, Ana Emília Cordeiro Souto. Organização da instrução pública primária no Brasil: Impasses e desafios em São Paulo, no Paraná e no Rio Grande do Norte (1890-1930). Tese (Doutorado Educação). Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2013., p.220).
O Código de Ensino de 1917 definiu como atribuições do cargo de delegados de ensino e de inspetores escolares da seguinte forma: o inspetor escolar deveria designar onde as escolas seriam instaladas, mas dialogava com o delegado de ensino, que auxiliava na escolha do melhor lugar. O inspetor escolar deveria atestar mensalmente o trabalho do professor, a matrícula e a frequência dos alunos; já o delegado de ensino não observava somente o trabalho do professor, mas todos os condicionantes, como o método de ensino utilizado pelo professor, a situação da escola, os materiais disponíveis. O delegado de ensino conferenciava aos professores sobre novas metodologias, novos programas e assuntos pedagógicos; já o inspetor escolar visitava as escolas com intuito de verificar o trabalho exercido pelo professor, a frequência e matrícula dos alunos, para que esse professor pudesse receber o seu vencimento. Além disso, ambos os cargos escreviam relatórios, os quais, segundo Moreno, variavam [...ENT#913; em estilo e organização”, mas apresentavam assuntos semelhantes, abordando a [...ENT#913; descrição dos problemas mais graves e de casos pitorescos. No que tange à fala sobre as condições das escolas ENT#91;eramENT#913;, em sua maioria, lacônicos” (2003, p.39). Esses eram alguns pontos que demonstram a complementariedade desses dois cargos, que exerciam uma inspeção técnica e uma inspeção administrativa, frente aos professores e escolas parananenses.
No início da década de 1920, a função de delegado era remunerada e a de inspetor escolar não. Segundo o presidente do estado, Caetano Munhoz da Rocha, por essa fiscalização envolver [...ENT#913; uma responsabilidade moral tremenda, pois afeta o interesse vital de uma coletividade é claro que o nomeado, para cumprir com esse dever patriótico, tem que possuir os requisitos de um cidadão que deseja ser útil aos seus irmãos” (PARANÁ, 1921bPARANÁ. Mensagem do presidente do Estado Caetano Munhoz da Rocha dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Paraná, ao se instalar a 2ª sessão da 15ª Legislatura, em 1 de fevereiro de 1921. Curitiba: 1921b., p. 96).
Munhoz da Rocha destacou que por não receberem remuneração, [...ENT#913; muitos inspetores pela sua dedicação, merecem o título de beneméritos do ensino” (PARANÁ, 1921bPARANÁ. Mensagem do presidente do Estado Caetano Munhoz da Rocha dirigida ao Congresso Legislativo do Estado do Paraná, ao se instalar a 2ª sessão da 15ª Legislatura, em 1 de fevereiro de 1921. Curitiba: 1921b., p. 96). Porém, não eram todos os inspetores escolares com essas características. Segundo Cesar Prieto Martinez, alguns não tinham interesse no ensino, e receosos de fazerem inimizades fechavam os olhos para algumas irregularidades. Conforme registrou o inspetor geral, isso ocorria nos [...ENT#913; povoados mais distantes, onde a visita das autoridades é mais rara, e às vezes até nós lugares próximos” (PARANÁ, 1921aPARANÁ. Relatório do Inspetor Geral de Ensino Cesar Prieto Martines, apresentado ao Secretário de Geral do Estado Marins Alves de Camargo, em 31 de dezembro de 1921. Curitiba: Tipografia a Penitenciaria, 1921a., p.47). Essa postura dos inspetores locais gerou atritos entre eles e os delegados de ensino. Por isso, o inspetor Cesar Prieto Martinez propôs que fossem nomeadas pessoas idôneas para o cargo, a fim de diminuir esses conflitos (PARANÁ, 1921aPARANÁ. Relatório do Inspetor Geral de Ensino Cesar Prieto Martines, apresentado ao Secretário de Geral do Estado Marins Alves de Camargo, em 31 de dezembro de 1921. Curitiba: Tipografia a Penitenciaria, 1921a.). Outra alternativa bem eficiente foi a criação de um instrumento para padronizar a fiscalização, mediante o encaminhamento de boletins/mapas impressos para que os inspetores preenchessem ao visitar as escolas. Segundo Souza, esses boletins se constituíram como [...ENT#913; um serviço de fiscalização da fiscalização” (SOUZA, 2004SOUZA, Gizele de. Instrução, o talher para o banquete da civilização: Cultura escolar dos jardins de infância e grupos escolares no Paraná, 1900-1929. Tese (Doutorado em Educação?). São Paulo: PUC, 2004., p.66).
Apesar dos bons trabalhos que os delegados e inspetores prestavam à organização do ensino, a atuação deles era dificultada na prática cotidiana por um conjunto de fatores, sendo os principais deles as longas distâncias, os caminhos tortuosos e inóspitos. Muitos inspetores escolares fizeram registros das dificuldades que encontravam para chegar até as escolas, os quias foram repassados ao inspetor regional/delegado do ensino ou diretamente ao inspetor geral. No relatório do inspetor geral Cesar Prieto Martinez, dos anos de 1921 e 1922, foram reproduzidos trechos desses registros relatando as dificuldades enfrentadas pelos inspetores para visitar as escolas, especialmente as localizadas na zona rural. Vejamos alguns trechos: o delegado de ensino Rubens de Carvalho, em viagem à Clevelândia destacou: [...ENT#913; mas não era possível que dentro da inospitalidade daquelas brenhas continuasse a existir, sem nunca ter recebido a visita de uma autoridade de ensino uma escola”, havia ele passado por um [...ENT#913; labirinto ensombrado das matas, procurando carreiros apagados, depois de muitas e muitas horas de caminhada” (PARANÁ, 1921aPARANÁ. Relatório do Inspetor Geral de Ensino Cesar Prieto Martines, apresentado ao Secretário de Geral do Estado Marins Alves de Camargo, em 31 de dezembro de 1921. Curitiba: Tipografia a Penitenciaria, 1921a., p. 40). As distâncias entre um lugarejo e outro eram grandes, por isso, às vezes pernoitavam em [...ENT#913; barracas de tropeiro e dormindo ao relento” (PARANÁ, 1921aPARANÁ. Relatório do Inspetor Geral de Ensino Cesar Prieto Martines, apresentado ao Secretário de Geral do Estado Marins Alves de Camargo, em 31 de dezembro de 1921. Curitiba: Tipografia a Penitenciaria, 1921a., p. 37). O delegado de ensino, Suetonio Bittencour Junior, em viagem para Assunguí de Cima, destacou que [...ENT#913; longa jornada por um caminho estreito, tortuoso, cheio de aclives atemorizantes; tangenciando muitas vezes, despenhadeiros assustadores; interceptado, aqui e além, por grossos troncos de árvores gigantescas, que os vendavais iracundos derrubaram” (PARANÁ, 1922PARANÁ. Relatório do Inspetor Geral de Ensino Cesar Prieto Martines, apresentado ao Secretário de Geral do Estado Marins Alves de Camargo, em 31 de dezembro de 1922. Curitiba: Tipografia da Penitenciaria, 1922., p. 35). Percebe-se que os lugares eram de difícil acesso e, por isso, que muitas escolas isoladas se encontravam em condições tão precárias e recebiam poucas visitas dos inspetores.
Mas além das dificuldades da falta de estradas e transportes, também havia as relativas aos desmandos da política. Segundo uma publicação do Jornal Diário da Tarde, de 1932,
A politicagem sem escrúpulos tornou os prudentes e com razão. Nada há de mais desmoralizador para o funcionário zeloso que a injustiça do chefe no julgamento do seu trabalho. O inspetor assinala o irregular funcionamento de uma escola; registra o péssimo conceito que o professor faz de sua missão, prejudicando ensino e dando todos os maus exemplos da impontualidade, relaxamento, desordem e preguiça. O inspetor registra; e corrige; ensina; leva alguns dias ao lado do professor, com ele trabalhando. Pois bem, na segunda inspeção nota que todo o seu trabalho e toda sua autoridade foi perdida, junto ao mesmo professor; observa que é inútil prosseguir e que o professor deve ser substituído. Volta e dá contas ao seu diretor, esperando que a sua moção seja aprovada, que o seu esforço seja compensado. A politicagem intervém: o diretor vacila o professor é filho de um correligionário seu ou, ao menos, é seu protegido, o seu tempo de inspeção é atirado ao silêncio, com um gesto de impaciência pela pouca perspicácia do inspetor em irradiar um amigo político, em não saber fazer termos repressivo; somente para os mestres humildes e desprotegidos. O resultado é absoluto retraimento do inspetor, que sentem injustiça do seu chefe e não quer ser instrumento viu dos seus superiores no exercício honesto de sua atividade (Diário da Tarde, 13/02/1932O Ensino e o novo diretor da instrução. Jornal Diário da Tarde, Curitiba, 13 de fevereiro de 1932. Disponível em:<Disponível em:http://bndigital.bn.gov.br/acervo-digital/diario-tarde/800074 > Acesso em: 20 de novembro de 2019. p.1
http://bndigital.bn.gov.br/acervo-digita... , p. 1).
Essa crítica veiculada na imprensa revela o outro lado da inspeção do ensino. Apesar da importância da inspeção local, ela nem sempre apresentava resultados positivos, e não por falha do inspetor, mas por conta da “politicagem” que mantinha o professor mal preparado na posição de regente. Deste modo, o inspetor não era apenas a voz do governo, mas também, em muitas situações, representava a voz do povo e da educação, buscando implementar melhorias no ensino, indicando mudanças na forma como os professores conduziam as escolas.
Essa atuação em nome da causa educacional foi indicada pelo inspetor de ensino Cesar Prieto Martinez, quando registrou que os inspetores, sobretudo os delegados de ensino, deveriam ser os porta-vozes,
ENT#91;...ENT#913; das novas ordens; nos representará em todos os atos e fará tudo para que os fortes se conservem sempre fortes, para que os mais esforçados recebam a recompensa da justiça e para que, como última medida os retardatários ou incorrigíveis recebam punição (PARANÁ, 1920bPARANÁ. Relatório do Inspetor Geral de Ensino Cesar Prieto Martines, apresentado ao Secretário de Geral do Estado Marins Alves de Camargo, em 31 de dezembro de 1920. Curitiba: Tipografia a Penitenciaria, 1920b., p.11).
Como especificado na legislação, cabia aos inspetores zelar pela organização do ensino, inspecionar as escolas existentes, promover a difusão de novas escolas, fiscalizar/avaliar/orientar os professores. Enfim, eram os agentes do estado que deveriam guardar e promover a educação para o bem de toda a sociedade.
Depois de compreender as ações/atribuições exigidas aos detentores do cargo de inspetores, vejamos como se dava a distribuição deles pelo estado. Desde o período do Paraná provincial, o sistema de inspeção era fomado por um inspetor geral, alguns inspetores regionais/delegados de ensino e/ou subinspetores e pelos inspetores distritais/paroquias e/ou escolares, que eram os que efetivamente chegavam até as escolas. O número dos inspetores intermediários e dos mais próximos das escolas variou frequentemente, dependendo do período e do compromisso do presidente/governador com a causa educacional. Nem sempre os relatórios trouxeram esses números de forma detalhada, por isso vamos exemplificar com dados do final da década de 1920 e de 1930, que localizamos de forma mais completa, para demonstrar como se dava essa distribuição no estado.
A lei n. 1999, de 1920, recriou o cargo de inspetor geral e de dois ou mais subinspetores/delegados. Em 1929, o presidente Afonso Alves de Camargo ressaltou que o estado tinha um inspetor e três subinspetores12
12
Apesar de o presidente trazer a palavra subinspetor, ele está se referindo aos delegados de ensino/inspetores regionais, pois os subinspetores/inspetores escolares não eram apenas três, existiam uma quantidade bem superior a essa.
do ensino, número considerado insuficiente para que o serviço de fiscalização ocorresse de forma correta e abrangesse todo o estado. Frente a essa carência solicitou aos deputados a [...ENT#913; criação de mais três lugares de subinspetores de ensino, os quais deverão ser preenchidos por professores normalistas competentes” (PARANÁ, 1929b, p. 140). Pelo decreto 528, de 1932 foram criadas cinco Inspetorias Regionais, com as seguintes sedes: 1ª na capital, 2ª em Ponta Grossa, 3ª em Jaguariaiva, 4ª em Rio Negro e 5ª em Imbituva (PARANÁ. Decreto 528 de 1932PARANÁ. Decreto nº 528 de 02 de março de 1932, Regulamento da Inspeção do Ensino. Publicado em Diário Oficial em 04 de março de 1932. Curitiba, 1932. p.1-3.). Em 1935, o interventor Manuel Ribas destacou que [...ENT#913; o número atual de inspetores (4) é insuficiente para exercê-la a mais rigor, de sorte que tão logo possível, esse número deve ser aumentado” (PARANÁ, 1935bPARANÁ. Mensagem do Governador Manoel Ribas apresentada a Assembleia Legislativa do Estado ao se instalar a 1ª sessão da 2ª Legislatura, em 16 de maio de 1935. Curitiba: Empresa Gráfica Paranaense, 1935b., p.19). A menção do interventor a quatro delegados de ensino se confirmou pela portaria n. 15, de 7 de fevereiro de 1938, a qual distribuiu os municípios do estado pelas quatro delegacias de ensino existentes (PARANÁ, Portaria n. 15 de 1938PARANÁ. Secretaria de Interior e Justiça - Diretoria Geral de Educação. Portaria n. 15, de 7 de fevereiro de 1938. Distribuição dos municípios pelas diferentes Delegacias de Ensino do Estado. Curitiba: Diário Oficial do Estado do Paraná, ano 8, n. 1801, de 26 de fvereiro de 1938, p. 1-2.). Os cinco inspetores regionais que haviam em 1932 foram reduzidos para quatro delegados de ensino em 1938. Mas conforme dados publicados pelo Boletim do Inep, de 1942, novamente foram registrados cinco delegados de ensino (BRASIL, 1942BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Organização do ensino primário e normal. XV - Estado do Paraná. Boletimn. 20. Rio de Janeiro: INEP, 1942. Disponível em:Disponível em:https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/104590 acesso em:14/05/2021.
https://repositorio.ufsc.br/handle/12345...
, p.25). Em 26 de janeiro de 1946 entrou em vigor a lei que regularizou o ensino primário público e instituiu a Lei Orgânica do Ensino Primário do Estado, mas essa lei não tratou da estrutura de inspeção, mantendo em vigor a lei de 1938. (PARANÁ, Drecreto n. 435 de 1946PARANÁ. Decreto nº 435 de 26 de janeiro de 1946. Regulariza o ensino primário público no Estado e institui a Lei Orgânica do Ensino Primário no Estado. Curitiba: Diário Oficial do Estado do Paraná, ano 16, n. 567, de 5 de fevereiro de 1946.).
Santi (2021SANTI, Denize Naiara. A institucionalização da escola rural no paraná entre 1915 e 1946 e a atuação dos inspetores. Tese (Doutorado em Educação). Maringá: Universidade Estadual de Maringá, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, 2021.) levantou muitos dados sobre os inspetores e organizou um quadro completo sobre a rede educacional do estado referente ao ano de 1928. Vejamos:
Distribuição dos inspetores regionais e inspetores escolares por município no estado do Paraná no ano de 1928
Pelo quadro observamos que existia um número significativo de inspetores escolares, totalizando 134, distribuídos pelos municípios. Pelo exposto, apenas no município de Assunguy de Cima13 13 Assuguy de Cima foi incorporado posteriormente ao município de Cerro Azul. não contava com inspetor. Conforme os dados do Quadro 2, o inspetor regional da região de Curitiba tinha que inspecionar 412 instituições, entre escolas isoladas e grupos escolares. Já ao inspetor da região de Ponta Grossa cabia 164 instituições; da região de Jaguariaiva visitava 119, de Rio Negro 153 e o de Guarapuava 146. Nesses números e as distâncias que deveriam percorrer, evidenciamos que era humanamente impossível os inspetores regionais visitarem as escolas uma vez por ano, quanto mais uma vez por mês.
Ao considerarmos o trabalho dos inspetores escolares, verificamos que o número variava também. No caso de Curitiba, onde tinha 95 instituições, a média era 19 instituições por inspetor. A maior média de instituições a serem visitadas por inspetor, eram em Prudentópolis, que ficava em 21,5, já a menor era em Cambará, que ficava em 2,33 instituição por inspetor. Neste caso, muitos dos inspetores escolares poderiam visitar as instituições duas vezes por mês, como previa a legislação. Somente em alguns municípios com um amplo território não eram possíveis essas visitas periódicas. Essa realidade da estrutura de inspeção evidencia que o sistema funcionava somente com uma boa parceria entre inspetores regionais e inspetores escolares, ou seja, um complementava o trabalho do outro.
A partir dos dados do Quadro 2, Santi (2021SANTI, Denize Naiara. A institucionalização da escola rural no paraná entre 1915 e 1946 e a atuação dos inspetores. Tese (Doutorado em Educação). Maringá: Universidade Estadual de Maringá, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, 2021.) organizou um mapacom a distribuição do número de inspetores escolares por município no ano de 1928. Vejamos:
Pela legenda observamos que cada cor corresponde à quantidade de inspetores que atendiam em determinado município. A distribuição dos inspetores, às vezes variava de acordo com o tamanho do território, como era o caso de Guarapuava, outras pelo número de escolas, como o caso de Curitiba. Mas, no geral, o número de inspetores escolares não era o suficiente para se cumprir a determinação legal, que se previam duas visitas mensais em cada escola.
O número de 134 possivelmente tenha diminuído durante a década de 1930, pois nos registros do boletim do Inep, de 1942 foram listados [...ENT#913; 49 inspetores municipais do ensino e 54 inspetores escolares” (BRASIL, 1942BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Organização do ensino primário e normal. XV - Estado do Paraná. Boletimn. 20. Rio de Janeiro: INEP, 1942. Disponível em:Disponível em:https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/104590 acesso em:14/05/2021.
https://repositorio.ufsc.br/handle/12345...
, p. 25), perfazendo um total de 103 inspetores. O ponto positivo desse dado foi o registro de inspetores municipais, evidenciando que os municípios começavam a investir mais diretamente na organização e difusão do ensino público.
Como indicado, anteriormente, pelo decreto 528, de 1932 foram criadas cinco inspetorias regionais com suas respectivas áreas de abrangência. Para visualizar essa distribuição reproduzimos o mapa organizado por Santi (2021SANTI, Denize Naiara. A institucionalização da escola rural no paraná entre 1915 e 1946 e a atuação dos inspetores. Tese (Doutorado em Educação). Maringá: Universidade Estadual de Maringá, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, 2021.).
Inspetorias Regionais de Ensino instituídas pelo decreto 528 de 1932.14 14 As cores do mapa correspondem as mesmas do Quadro 2, para facilitar a compreensão da distribuição das inspetorias regionais no Estado.
Pelo mapa podemos constatar as grandes distâncias que os inspetores regionais deveriam percorrer para visitar todas as escolas que estavam sob suas jurisdições. Somente com o apoio dos inspetores escolares, que realmente visitavam as escolas, era que os dados da educação eram levantados.
Se o sistema de inspeção já enfrentava dificuldades para se efetivar no começo da década de 1930, a situação se agravou ainda mais no final da década, pois o número de escolas já havia aumentado significativamente e o número de delegacias regionais foi reduzido para quatro, pela portaria n. 15, de 7 de fevereiro de 1938 emitida pela Secretaria de Interior e Justiça e assinada pelo diretor geral de Educação, Hostilio Cesar de Souza Araújo. O Mapa 3 mostra essa nova distribuição das Delegacias de Ensino pelo estado.
Fica visível no Mapa 3 a ampliação da área de cobertura das Delegacias de Ensino. Vemos também uma fragmentação do território, principalmente na segunda e terceira delegacias. A primeira cobria o menor território, mas era a região com o maior número de instituições para serem visitadas. Já a quarta delegacia abrangia quase 50% do território estadual, mas não dispunha de tantas escolas para serem visitadas.
Deste modo, o [...ENT#913; esforço de normatização, controle e fiscalização, pelos relatórios dos inspetores, recai com muito maior ênfase sobre as Escolas Isoladas do interior”. Observamos isso pela leitura dos próprios relatórios, que em sua maioria descreve como estavam as escolas isoladas, apresentando problemas ou [...ENT#913; situações extremas de falta de organização escolar e desconhecimento de qualquer preceito pedagógico”. Diante disso, a maioria dos discursos de época se destinava a depositar [...ENT#913; os maiores esforços e esperanças para a regeneração da nação”, nas escolas da zona rural (MORENO, 2003MORENO, Jean Carlos. Inventando a escola, inventando a nação: discursos e práticas em torno da escolarização paranaense (1920-1928). Mestrado em Educação. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2003., p. 31), local onde se encontrava a população que carecia de instrução para se tornar brasileiro.
Pelo exposto constatamos como estava organizada a inspeção e qual a atribuição de cada cargo presente nessa estrutura. Como enfatizou Nagle, no período a organização do serviço de inspeção [...ENT#913; se transformou em etapa preliminar ao pleno êxito da execução de qualquer plano” (2009, p. 221) referente ao ensino, pois, era por meio dos relatórios dos inspetores que se sabia como era aplicado o ensino e quais as suas necessidades. Era a partir desses relatos que se pensava em mudanças no ensino. Segundo Nagle,
As inspetorias não eram bem um órgão burocrático, num sentido rigoroso, nem eram um órgão de natureza técnica, na década de 1920 a transformação das antigas inspetorias em diretorias gerais vai mostrar os sinais mais evidentes da tentativa para submeter os serviços educacionais a uma direção eficaz, do ponto de vista burocrático e administrativo. Nesse sentido, o que se consegue com a estruturação das diretorias gerais representa um ponto intermediário importante que, posteriormente, irá facilitar a instalação das secretarias de educação (2009, p. 221).
Havia uma hierarquia entre os inspetores escolares, inspetores regionais/delegados de ensino e inspetor geral que era respeitada, todavia, os os inspetores escolares (mais distantes), inspetores regionais (intermediários) na estrutura de poder eram [...ENT#913; considerados a autoridade máxima cujo domínio exerciam para modelar a prática dos mestres” (FERREIRA, CARVALHO, 2015FERREIRA, Ana Emília Cordeiro Souto; CARVALHO, Carlos Henrique de. Docência e inspeção escolar na escola primária dos estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Norte de (1890-1930). Goiás: AnaisIIIEncontro de história da educação do centro-oeste, 2015. p.69-75. Disponível em:Disponível em:https://eheco2015.files.wordpress.com/2015/09/docc3aancia-e-inspec3a7c3a3o-escolar-na-escola-primc3a1ria-dos1.pdf Acesso em: 23/12/2020.
https://eheco2015.files.wordpress.com/20...
, p.52). Já os relatórios produzidos por eles
ENT#91;...ENT#913; eram tidos como inquestionáveis: salientavam qualidades e defeitos dos profissionais da educação; classificavam os bons professores e os maus quanto a seus saberes e suas práticas; por fim, todo o fazer docente na escola primária (FERREIRA, CARVALHO, 2015FERREIRA, Ana Emília Cordeiro Souto; CARVALHO, Carlos Henrique de. Docência e inspeção escolar na escola primária dos estados de São Paulo, Paraná e Rio Grande do Norte de (1890-1930). Goiás: AnaisIIIEncontro de história da educação do centro-oeste, 2015. p.69-75. Disponível em:Disponível em:https://eheco2015.files.wordpress.com/2015/09/docc3aancia-e-inspec3a7c3a3o-escolar-na-escola-primc3a1ria-dos1.pdf Acesso em: 23/12/2020.
https://eheco2015.files.wordpress.com/20... , p.52).
Deste modo, verificamos ao longo da discussão que os inspetores não se constituíram apenas em fiscalizadores do trabalho do professor, mas eram o suporte das escolas em todos os quesitos, tanto na formação e orientação dos professores, como na organização e nos fornecimentos de móveis e materiais para as escolas, especialmente na zona rural, onde o inspetor era o único contato entre o professor e o governo.
A organização da inspeção do ensino, como foi registrada, envolveu diversos ramos, tornando-se cada vez mais complexa, mas, segundo os relatos, necessária ao bom desenvolvimento do ensino, pois organizava todo o seu funcionamento, desde a escolha dos livros didáticos até a organização do espaço escolar e as matérias que o professor deveria ensinar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a análise realizada ao longo desse artigo, observamos que a inspetoria de ensino exercia papel fundamental na organização do ensino primário nas primeiras décadas do século XX. E para isso, a inspeção tinha uma estrutura complexa, que se distribuía ao longo de todo o estado, com intuito de fiscalizar e disseminar um modelo de ensino. Além disso, os inspetores escolares se configuravam em intermediários entre as escolas/professores e o governo, pois era por meio de seus relatórios que havia a troca de informações entre esses setores. A instituição da rede de inspeção buscava instituir uma racionalidade tecnocientífica, pela qual a escola era comparada a uma fábrica e, portanto, seu bom funcionamento necessitava de uma supervisão constante do trabalho dos professores. Apesar da inspeção estar disseminada por todo o estado, esta recaiu com maior ênfase nas escolas isoladas rurais, pois essas escolas apresentavam situação precária, que era reflexo do meio onde estavam inseridas, onde as longas distâncias acarretavam na falta de materiais e professores formados. Esses, em sua grande maioria, possuíam pouca ou nenhuma formação acadêmica, sendo a inspeção do ensino os poucos momentos encontrados para levar algum conhecimento aos professores.
Diante disso, desenvolveu-se uma estrutura complexa na inspeção de ensino, que era composta pelo secretário do interior, o inspetor geral, os delegados de ensino e os inspetores escolares. O inspetor geral era o responsável por toda a fiscalização do ensino no estado. Além de visitar escolas, ele formulava um relatório que aglutinava os relatórios enviados pelos delegados e inspetores escolares, e nesse relatório apresentava ideias para modificar e melhorar o sistema de ensino. Essas ideias foram relevantes e, em sua maioria, foram implementadas pelo presidente/governador do estado.
Os delegados de ensino e inspetores escolares mantinham contato direto com as escolas; eles que visitavam as instituições e acompanhavam o andamento do ensino ao longo do ano. Verificamos que a inspeção realizada por esses dois cargos se complementava, um realizando uma inspeção técnica e outro uma inspeção administrativa, respectivamente. Ao considerar que foram esses sujeitos os mais próximos da escola, constatamos que era responsabilidade deles formar, informar e incentivar o professor, fiscalizar o andamento das aulas, observar a frequência escolar, presidir exames, modificar a localização de escolas, dentre outros atributos que davam andamento ao ensino no estado. Além disso, os relatórios desses sujeitos mostravam a realidade enfrentada por muitas escolas, e ora disseminavam prerrogativas do governo, especialmente quando exigiam que a legislação fosse cumprida, ora se posicionavam ao lado dos professores, quando pediam melhorias para o ensino. Diante disso, podemos afirmar que os inspetores não se constituíram apenas como a voz do governo, mas eram a voz dos professores e da sociedade que buscava uma escola cada vez melhor.
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REFERÊNCIAS
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- SOUZA, Gizele de. Instrução, o talher para o banquete da civilização: Cultura escolar dos jardins de infância e grupos escolares no Paraná, 1900-1929. Tese (Doutorado em Educação?). São Paulo: PUC, 2004.
- SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implantação da escola primária graduada no estado de São Paulo (1890-1910). 2ª Reimpressão. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1998.
- SOUZA, Rosa de F. História da organização do trabalho escolar e do currículo no século XX: (ensino primário e secundário no Brasil) São Paulo: Cortez, 2008. (Coleção: Biblioteca Básica da História da Educação Brasileira).
- TAYLOR, Frederick W. Princípios de administração científica. Tradução de Arlindo Vieira Ramos. 4 ed. São Paulo: Atlas, 1960.
- VIEIRA, Carlos Eduardo e MARACH, Caroline Baron. Escola de mestre único e escola serena: realidade e idealidade no pensamento de Erasmo Pilotto. In: VIEIRA, Carlos Eduardo(Org). Intelectuais, educação e modernidade no Paraná (1886-1964). Curitiba: UFPR, 2007, p. 269-289.
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A política de nacionalização da população implementada nas escolas foi impulsionada, especialmente, a partir da Primeira Guerra Mundial, a qual estimulou uma visão negativa dos estrangeiros que, em sua maioria, desconheciam a língua e os costumes nacionais, sendo considerado pelo governo prejudicial ao desenvolvimento do país. Diante disso foi implantada a política de nacionalização que teve grandes impactos na educação, tais como escolas estrangeiras que foram fechadas, os professores foram obrigados a ensinar na língua nacional, e disciplinas como História do Brasil foram sendo implementadas em todas as instituições de ensino.
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Além de nacionalizar o estrangeiro, também foi preciso alfabetizar os nacionais. Os dados estatísticos demonstram que a maior parte da população brasileira era analfabeta, o recenseamento de 1920 revelou que 80% da população brasileira eram analfabetas; no Paraná esse número era de 71%. Houve então uma movimentação para combater a “chaga do analfabetismo”, deste modo, “ENT#091;...ENT#093; intensifica-se a defesa da difusão do ensino para as massas, por parte de políticos e diletantes na educação” (PAIVA, 2003, p. 37). A erradicação do analfabetismo também foi influenciada pela exigência das eleições na qual era preciso ser alfabetizado para votar; deste modo, a difusão da instrução primária se tornou “ENT#091;...ENT#093; indispensável para consolidação do regime republicano” (SOUZA, 1998, p. 27).
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Santi (2021), ao estudar as escolas rurais, destaca que a grande maioria das escolas isoladas estava localizadas na zona rural. A partir dessa constatação, refuta a ideia de que a escola rural se expandiu somente após 1930, como a maioria dos historiadores sustenta, enfatizando que a sua difusão iniciou anterior a essa data no estado do Paraná.
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Sua obra clássica foi Princípios de administração científica, publicada em 1911. Taylor é considerado "o pai" da Administração Científica, por propor a utilização de métodos científicos cartesianos na administração de empresas. Seu foco era a eficiência e a eficácia operacional na administração industrial e comercial. (colocar em minúsculo - administração científica)
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Os relatórios/mensagens de autoridades públicas são fontes oficiais e, como tal são carregados de intencionalidade, que legitimam, qualificam ou desqualificam as ações dos próprios agentes do estado, dependendo da opção política do redator. Captar essa intencionalidade é um dos grandes desafios dos historiadores da educação.
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O Código de Ensino instituído pelo decreto n. 710 de 18 de outubro de 1915, na prática, teve pouco efeito, pois o Código foi revisado e republicado pelo decreto n. 17, de 9 de janeiro de 1917. O novo Codígo de 1917 suprimiu a função de diretor geral, sobrecarregando a função para o secretário de Estado. A acumulação de função não mostrou efetividade, fazendo com que o cargo de inspetor geral fosse recriado pela lei n. 1999, de 09 de abril de 1920.
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Art. 2º O Inspetor Geral do Ensino será nomeado em comissão dentre pessoas de notória capacidade profissional. Art. 3º O inspetor Geral do Ensino terá como seus auxiliares dois ou mais subinspetores do Ensino nomeados em comissão, dentre os professores Normalistas do Estado (PARANÁ, 1920a, p.1)
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Segundo Silva, o governo paranaense precisava de um sujeito que “ENT#091;...ENT#093; pudesse dar a feição desejada ao aparelho educacional com atenção às necessidades e limitações do Paraná. Para atender a esse fim, buscou em São Paulo, o estado modelar, um técnico que pudesse trazer as modernas práticas às escolas paranaenses. César Prieto Martinez foi esse técnico. Ao aceitar o convite para promover a reforma educacional no Paraná, suas propostas se basearam em ideais racionalizadores que coadunavam com as limitações orçamentárias do Estado sem perder de vista os resultados significativos, considerando a grande necessidade de prover o ensino. Foi nesse intento que Martinez promoveu uma série de mudanças administrativas e pedagógicas no sistema de ensino paranaense” (2019, p.140).
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Padial (2008) analisou as propostas e intervenções de Lysimaco Ferreira da Costa, na instrução pública paranaense, especialmente na formação de professores. A autora destacou que Lisymaco tinha entre suas propostas a “ENT#091;...ENT#093; expansão e o melhoramento do aparelho escolar, alfabetização da população, criação de Escolas Normais, formação de professores, entre outros. Ele achava que o homem deveria desenvolver sua capacidade de pensar e agir e que a educação diminuiria ou acabaria com a pobreza da população. Seu pensamento não foi fruto de sua mente prodigiosa, mas se organizou a partir do que estava sendo produzido historicamente” (PADIAL, 2008, p.129). Tanto Cesar Prieto Martinez, quanto Lysimaco Ferreira da Costa foram inspetores relevante para o período em que efetivaram mudanças significativas para a educação do estado.
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Erasmo Pilotto (1910-1992) foi um dos principais educadores paranaense no século XX e foi um dos principais articuladores e difusores do Movimento pela Escola Nova no Estado. Foi professor e diretor da escola Normal e diretor/secretário de estado de Educação e Cultura (SEEC), entre os anos de 1948 e 1951.
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Hostílio César de Souza Araújo, nasceu na cidade de Imbituva, no Estado do Paraná, em 23 de abril de 1893. Formou-se em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Exerceu o cargo de secretário de Educação do estado do Paraná, de prefeito da cidade de Curitiba, de secretário de Interior e Justiça (atualmente Secretaria de Justiça) e, também, de procurador geral do estado. Foi professor catedrático, pós-graduado em direito e filosofia da Universidade do Paraná, onde exerceu o magistério (INSTITUTO dos Advogados do Paraná, s.d.)
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Apesar de o presidente trazer a palavra subinspetor, ele está se referindo aos delegados de ensino/inspetores regionais, pois os subinspetores/inspetores escolares não eram apenas três, existiam uma quantidade bem superior a essa.
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Assuguy de Cima foi incorporado posteriormente ao município de Cerro Azul.
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As cores do mapa correspondem as mesmas do Quadro 2, para facilitar a compreensão da distribuição das inspetorias regionais no Estado.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
26 Set 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
04 Set 2021 -
Aceito
07 Abr 2022