Open-access TRAJETÓRIAS DE ESTUDANTES EM UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA: ENTRE TRAJETOS-PROJETOS FAMILIARES, PERTENCIMENTO E INDIVIDUAÇÃO1

TRAYECTORIAS ESTUDIANTILES DE UNA UNIVERSIDAD PÚBLICA: ENTRE TRAYECTOS-PROYECTOS FAMILIARES, PERTENENCIA E INDIVIDUACIÓN

RESUMO:

Este artigo se situa na interface entre estudos sobre a composição do público estudantil da universidade e sobre as práticas de seus segmentos. Buscamos compreender a diversidade de desafios que a experiência universitária suscita para um grupo considerado privilegiado. No contexto de ampliação de oportunidades de acesso para setores populares na educação superior, o tema da escolarização das elites ilumina as dinâmicas que estruturam trajetórias universitárias. Analisamos trajetórias de estudantes de uma universidade pública da Região Sul do país, considerando renda familiar, capital cultural e percepções do trajeto-projeto familiar, da formação e da vida universitária. Caracterizamos condições socioeconômicas e formas de apropriação da herança familiar, com rupturas e ajustes em processos de individuação. Aplicamos um questionário a estudantes de graduação de diversos cursos, obtivemos 1.463 respostas válidas e classificamos os respondentes em três grupos. Realizamos entrevistas em profundidade com 10 entre 202 estudantes pertencentes a famílias com renda alta. A análise objetivou responder como estudantes que pertencem a um segmento social elevado expressam a mobilização familiar e individual em trajetos-projetos familiares e processos de individuação. Os dados indicam inclinações para perceber, posicionar-se e agir de modo convergente com relativo privilégio social e escolar, frente a outros segmentos. Os estudantes entrevistados valorizam a escolarização e evidenciam que o curso superior na universidade pública está inserido em um trajeto-projeto familiar naturalizado. Por outro lado, apresentam elementos de desacomodação em relação a valores e prescrições familiares, aproveitando experiências no ambiente da universidade, espaço público heterogêneo, para construir trajetórias singulares e produzir individuação.

Palavras-chave:
trajetória estudantil; herança cultural; trajeto-projeto familiar; universidade; individuação

ABSTRACT:

This article is situated at the interface between studies on the composition of the university student public and the practices within its segments. We seek to understand the diversity of challenges that the university experience poses for a group deemed to be privileged. In the context of expanding access opportunities for lower income classes in higher education, the subject of elite schooling sheds light on the dynamics that structure university trajectories. We analyze the trajectories of students from a public university in the South of the country, considering family income, cultural capital, and perceptions of family paths-projects, training, and university life. We characterize socioeconomic conditions and ways of appropriating family heritage, with ruptures and adjustments in processes of individuation. We applied a questionnaire to undergraduate students in different programs, we obtained 1,463 valid responses and classified respondents into three groups. We conducted in-depth interviews with 10 out of 202 students from high-income families. The analysis addressed how these students express family and individual mobilization through family paths-projects and individuation processes. The data indicate a tendency among individuals to perceive, take position, and act in a manner convergent with the circumstances of relative social and educational privilege when compared to other segments. The interviewed students value schooling and pursuing a degree at a public university in a naturalized family path-project. On the other hand, they present elements of discomfort concerning family values and prescriptions, leveraging experiences in the university environment, a heterogeneous public space, to construct unique trajectories and achieve individuation.

Keywords:
student trajectory; cultural heritage; family project-path; university; individuation.

RESUMEN:

Este artículo, en la interface entre los estudios acerca de la composición del público estudiantil universitario y aquelles acerca de las prácticas de sus segmentos, busca comprender la diversidad de desafíos que la experiencia universitaria plantea a un grupo considerado privilegiado. En el contexto de la ampliación del acceso a la educación superior para sectores populares, el tema de la escolarización de las élites ilumina las dinámicas de las trayectorias universitarias. Analizamos las trayectorias de estudiantes de una universidad pública en el sur del país, considerando la renta familiar, el capital cultural, las percepciones del trayecto-proyecto familiar, la formación y la vida universitaria. Caracterizamos las condiciones socioeconómicas y las formas de apropiación de la herencia familiar, identificando rupturas y ajustes en los procesos de individuación. Aplicamos una encuesta a estudiantes de pregrado de diversas carreras, obtuvimos 1,463 resultados válidos y clasificamos a los participantes en tres grupos. Realizamos entrevistas en profundidad con 10 de los 202 estudiantes de familias con ingresos altos. El análisis explora cómo esos estudiantes expresan la movilización familiar e individual en trayectos-proyectos familiares y procesos de individuación. Los datos indican inclinaciones hacia comportamientos convergentes con una situación de privilegio social y educativo en comparación con otros segmentos. Los estudiantes valorizan la escolarización y destacan que la carrera en la universidad pública forma parte de un trayecto-proyecto familiar naturalizado. Además, presentan elementos de desacomodación en relación con valores familiares, aprovechando las experiencias en el ambiente universitario, espacio público heterogéneo, para construir trayectorias singulares y lograr individuación.

Palabras clave:
trayectoria estudiantil; herencia cultural; trayecto-proyecto familiar; universidad; individuación

INTRODUÇÃO: SITUANDO O PROBLEMA DA PESQUISA

Este estudo de trajetórias de estudantes pertencentes a um segmento social elevado considera a heterogeneidade interna às elites na educação superior e as transformações decorrentes da expansão e diversificação do acesso, possibilitadas pelas políticas de ações afirmativas. Por meio da análise de percursos individuais, buscamos visualizar os modos singulares como estudantes de um grupo favorecido vivenciam a universidade pública. A discussão situa-se entre os estudos que buscam compreender a reprodução social das desigualdades e mudanças nesse quadro.

Ao explorar trajetórias de estudantes na educação superior, é necessário considerar a relação entre socialização familiar e escolar, que compõe grande parte dos estudos sociológicos da educação, especialmente a partir da proposição teórica de Bourdieu com base na transmissão da herança cultural (Bourdieu; Passeron, 2014; Lahire, 1997; Singly, 2009). Essa literatura inclui o envolvimento parental nas escolhas de instituições, bem como suas orientações e apoios em relação ao cotidiano e ao desempenho acadêmico (Nogueira, 2005). Igualmente importantes são as oportunidades e percursos escolares, transições entre níveis educacionais, sentimentos de pertencimento (Abrantes, 2005; Horner, 2022) e escolha de curso superior (Nogueira, 2004; 2005; Madeira, 2022; Villa Lever, 2019). A análise de trajetórias educacionais por meio de variáveis sociais e culturais revela oportunidades desiguais no Brasil (Catani; Catani; Pereira, 2001; Valle, 2015; Catani, 2022) e em outros países (Brown, 2016; Haltia; Isopahkala-Bouret, Mutanen, 2023). Diversos estudos sobre trajetórias educacionais, como os sistematizados por Massi, Muzzeti e Suficer (2017), e análises sobre estudantes da educação superior enfocam públicos que tradicionalmente acessam esse nível de ensino (Nogueira; Aguiar, 2008), considerando cursos específicos (Nogueira; Pereira, 2010) e classe social de estudantes (Almeida, 2015; Piotto; Alves, 2011; Zago, 2006), entre outros recortes de investigação. Essa literatura demonstra como as experiências educacionais dos indivíduos são afetadas pelo capital cultural que têm à disposição em seu meio social de origem. Nogueira (2005), há quase duas décadas, discute a relação entre família e escola, argumentando que, em meio a processos sociais de maior individuação, os pais alargam suas responsabilidades sobre o êxito ou fracasso dos filhos, empregando estratégias para aumentar vantagens competitivas no sistema escolar. Em contexto de complexificação das análises sociológicas, aponta que a escolarização permanece uma instância de legitimação de êxitos individuais e de destinos ocupacionais.

No cenário da diversificação de públicos estudantis nas universidades federais, alcançado com ampliação das vagas e políticas de ações afirmativas (Senkevics et al., 2023), uma parcela dos estudantes com condições socioeconômicas e culturais privilegiadas continua buscando oportunidades educacionais em instituições públicas. Neste artigo, tematizamos relações sociais que implicam afinidade e socialização mais ou menos “natural” nos processos de escolha de curso e de instituição, de ingresso e de permanência na universidade. Ao mesmo tempo, identificamos a ação e a singularização dos indivíduos nesses processos. O objetivo é compreender percursos constituídos em projetos familiares e trajetos sociais que incluem mobilização de capitais e de práticas socializadoras. As articulações contingentes desses fatores formam trajetos-projetos (Singly, 2009) não lineares e nem homogêneos entre pessoas de uma mesma classe social, sujeitos a modos de percepção e ação que são singulares aos núcleos familiares e aos indivíduos.

O artigo se desenvolve em torno da questão de como estudantes que pertencem a um segmento social elevado expressam a mobilização familiar e individual para a permanência ou a ascensão em suas posições sociais, considerando os trajetos-projetos familiares e os processos de individuação nos seus percursos em uma universidade pública. Para responder a essa questão, trabalhamos com dados produzidos por meio de survey e de entrevistas em profundidade. Visamos identificar e analisar, entre pessoas situadas em posições sociais similares, o que as diferencia a partir do lugar que ocupam na topologia social. Para além daquilo que é partilhado como grupo social, os estudantes vivenciam processos de individuação pelos quais “[...] cada pessoa, tendo uma trajetória e uma localização únicas no mundo, internaliza uma combinação incomparável de esquemas” (Wacquant, 2007, p. 67). Ao analisar um dos segmentos de estudantes que compõe uma universidade pública, pretendemos colaborar para compreender como ela se constitui no cenário das mudanças recentes.

HERANÇA CULTURAL, TRAJETO-PROJETO FAMILIAR E INDIVIDUAÇÃO

A obra “Os herdeiros: os estudantes e a cultura”, de Bourdieu e Passeron [1964], explicita as desigualdades de chances de sucesso escolar, as formas de transmissão da herança cultural e as bases sociais de trajetórias de estudantes em cursos superiores, variáveis implicadas na reprodução de desigualdades. Aborda os modos variados de viver a condição de estudante, de perceber-se na atividade intelectual e as suas expectativas (Bourdieu; Passeron, 2014; Nogueira; Nogueira, 2015; Almeida; Perosa; Ernica, 2015; Brown, 2016). O estudo clássico demonstra que “[...] a origem social é, de todos os determinantes, o único que estende sua influência a todos os domínios e a todos os níveis da experiência dos estudantes e primeiramente às condições de existência” (Bourdieu; Passeron, 2014, p. 28).

O contexto da França nos anos 1960, de aumento demográfico do pós-guerra e de lutas sociais pela democratização do acesso ao ensino superior, dialoga com o longo percurso de lutas por ampliação do acesso à universidade pública brasileira. A política pública de reserva de vagas para segmentos socioeducacionais e étnico-raciais que tinham, até recentemente, acesso muito restrito à universidade significou mudanças, mas não representou por si só uma democratização da educação superior. Em uma sociedade desigual, a origem social continua tendo efeitos sobre as chances de ingresso. Segundo Salata (2018), entre 1995 e 2015, as pessoas com origem em classes mais altas continuavam com maiores chances de ingresso do que os grupos com menores volumes de capital econômico e cultural.

Os herdeiros, além do acúmulo de capital cultural valioso ao percurso escolar, também contam com trajetos-projetos familiares mobilizados para a continuidade dos estudos em níveis mais avançados, desde a graduação até titulações maiores (Caldeira; Alves, 2021). A atuação familiar nem sempre explicita o processo de cálculo do investimento socioeducacional, embora inclua estratégias e ações pragmáticas permeadas por avaliações sobre ganhos frente a riscos de perdas. Entre os estudantes classificados na literatura sociológica como herdeiros, a socialização familiar pode colocar o projeto de formação superior de forma sutil ou fortemente demarcada no interior de planos e ações que se desenvolvem desde cedo. Assim, as trajetórias de estudantes com recursos para competir e obter vagas gratuitas e restritas por meio de processo seletivo altamente disputado em universidade pública, constituem fenômeno que necessita investigação contínua. Interessam-nos as lógicas de ação de estudantes no trajeto universitário e nas expectativas a ele vinculadas.

Consideramos a noção bourdieusiana de trajetória como “[...] uma série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) em um espaço que é ele próprio em devir, estando sujeito a incessantes transformações” (Bourdieu, 1998, p. 189). Em diálogo com a análise de posições sociais em sentido relacional, trabalhamos com a perspectiva de François de Singly (2009), autor associado à tradição instaurada por Bourdieu, mas que se dedica a uma sociologia em escala individual, inspirada também em Norbert Elias. Suas pesquisas analisam variações dos mecanismos de transmissão da herança cultural pelas famílias e focalizam os movimentos contraditórios de filiação e desfiliação que atravessam a apropriação desse patrimônio. Suas análises avançam dos efeitos da posição social, definida pelo pertencimento a grupos sociais e famílias, às histórias individuais. Acionam a noção de mobilização familiar e individual para se referir aos investimentos de tempo e energia por parte das diferentes gerações de famílias em um contexto de grande concorrência escolar. Singly (2009), assim como Lahire (1997), considera as interações, o afeto e a atenção pessoal nos âmbitos familiar e escolar como elementos que elucidam a transmissão e a apropriação da herança cultural.

Os mecanismos de transmissão e apropriação da herança familiar envolvem movimentos contraditórios. Por um lado, os filhos procuram se distinguir da geração parental, promovendo uma forma de ruptura no sentido de construir uma identidade autônoma. Esse processo de individuação é perpassado por reflexividades que produzem sentidos singulares (Pinheiro; Colombo, 2021). Um tipo extremo desse movimento é a desfiliação, chegando à dilapidação da herança, quando os indivíduos realizam rupturas buscando estabelecer condições de agir “sem dever nada” à geração precedente (Singly, 2009).

Não obstantes processos de desfiliação e individuação, a apropriação da herança cultural requer que os filhos assumam o laço de filiação, preservando o vínculo de interdependência ao se reconhecerem como herdeiros de uma dívida com a geração precedente. A apropriação da herança pelos filhos demanda também um trabalho de transmissão pela geração parental em processos de socialização nos quais se cultivam disposições, competências, gostos, formas de apreciação, normas e valores. Essa ação envolve dedicação de tempo, principalmente das mães (Windle; Nogueira, 2015), para que a transmissão ocorra efetivamente. Aí se incluem, por exemplo, os hábitos de leitura e outras práticas que promovem o êxito escolar (Lahire, 2004). A transmissão também envolve formas de autoapreciação que dependem de relações afetivas e de como os jovens são vistos, incluindo as expectativas de sucesso quanto a se tornarem o que a família espera (Lahire, 1997; Singly, 2009; Horner, 2022).

Portanto, Singly (2009) e Lahire (1997) centram as suas análises na ação parental, reconhecendo o peso da dimensão interpessoal e da atenção nas relações pedagógicas na família e na escola. Singly (2009) salienta que as relações intergeracionais devem ser suficientemente flexíveis para não serem rompidas. Para ele, os herdeiros precisam realizar um trabalho de autocultivo e têm graus de liberdade para escolher o que aceitar como herança. Os herdeiros podem marcar uma distância geracional, reivindicando independência, mas sem uma ruptura completa, reafirmando a afiliação. Essa flexibilidade em redes familiares que se baseiam na confiança e buscam criar as condições de autonomia também permitem reproduzir vínculos estreitos ou contraditórios entre herdeiros e famílias. Diante de ambiguidades, os jovens atuam criativamente, moldando e atribuindo sentido às relações sociais. Sua ação se dá a partir das injunções da estrutura social e na busca de se constituírem como sujeitos autônomos, mas inseridos em relações de interdependência, compartilhamento e cooperação variáveis.

METODOLOGIA

A produção dos dados analisados neste artigo se deu em duas fases: (1) produção e aplicação de um survey, respondido de modo voluntário por estudantes de uma universidade pública situada em uma capital estadual da Região Sul do país; e (2) entrevistas em profundidade com estudantes que integravam o segmento de maior renda dentre os participantes do survey e que se dispuseram a participar dessa segunda etapa fornecendo informações de contato.

Na primeira fase, enviamos convites para responder ao survey a estudantes matriculados em 84 cursos de graduação por meio de suas comissões coordenadoras. No primeiro semestre de 2021, quando o procedimento foi realizado, havia 25.823 estudantes matriculados em cursos de graduação na universidade. Obtivemos 1.463 respostas válidas ao questionário. Apesar desse número, não se trata de uma amostra representativa do conjunto dos estudantes da universidade, já que as repostas foram voluntárias e não houve um cálculo estatístico prévio para espelhar as variáveis que compõem o universo estudantil. Definimos grupos de respondentes pela renda familiar declarada, obtendo a seguinte divisão2: Grupo A - mais de 10 salários-mínimos3 com 202 respondentes (14%); Grupo B - mais de 2 até 10 salários-mínimos com 881 respondentes (60%); e Grupo C - até 2 salários-mínimos com 299 respondentes (20%)4. Além dessa variável, a delimitação da posição social considerou capital econômico a partir da ocupação de genitores, características da moradia, responsabilidade financeira e encargo de afazeres domésticos dos estudantes participantes.

O capital cultural foi mensurado pelas informações relativas a: escolarização, diplomas de graduação e de pós-graduação de genitores; tipo de escola frequentada pelos participantes na educação básica; realização de cursos de línguas, intercâmbios e viagens de férias ao exterior. Adotamos uma definição relativamente alargada de capital cultural (Nogueira, 2021), buscando identificar práticas culturais mais típicas da contemporaneidade como a valorização de experiências internacionais (Windle; Nogueira, 2015).

Também foram obtidos dados demográficos sobre gênero, raça/cor, faixa etária. O Grupo A, examinado neste artigo, tem o seguinte perfil: 183 brancos (90%), 9 pardos (5%), 4 pretos (2%), 1 amarelo (0,5%) e 5 outros (2,5%). O gênero dos participantes foi identificado a partir do pronome de tratamento selecionado na resposta ao survey. O pronome “ela” foi escolhido por 106 estudantes (52,5%), o pronome “ele”, por 91 (45%), e 5 (2,5%) marcaram Outro. A média de idade do Grupo A está na faixa dos 28 aos 29 anos, mas a faixa etária mais frequente é de 23 a 24 anos.

Os dados produzidos por meio de survey permitiram caracterizar o grupo familiar e a posição social dos respondentes. A combinação de dimensões de análise - posição social e trajetórias - associa escalas e articula dados relativamente mais objetivos a outros mais subjetivos, produzidos por meio de entrevistas. Este segundo conjunto de informações permite compreender relações microssociais, práticas culturais e disposições.

Na segunda fase da pesquisa, realizamos entrevistas com dez estudantes do Grupo A entre outubro de 2022 e fevereiro de 20235Dos 10 entrevistados, 9 se declararam brancos e somente 1 se declarou pardo. Com relação ao pronome de tratamento relativo a gênero, 5, escolheram “ela”, 4, “ele” e 1 escolheu Outro. A média de idade dos entrevistados foi de 25 anos, sendo que apenas um entrevistado tinha mais de 40 anos, conforme o Quadro 1, abaixo.

Quadro 1
Caracterização dos entrevistados, segundo cor, idade, gênero, área do curso e ano de ingresso na universidade

As dez pessoas entrevistadas ingressaram pelas vagas disponíveis para ampla concorrência, a maioria pelo exame vestibular. Somente uma utilizou a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para ingressar por meio do Sistema de Seleção Unificado (Sisu). O roteiro de entrevistas abordou três dimensões das trajetórias dos indivíduos: a vida familiar e escolar pregressa; as experiências na universidade; e as expectativas de futuro. Assim, inquiriu-se sobre: apoios e incentivos familiares; ensino médio e curso preparatório para ingresso na universidade; variações no acesso a bens culturais e sua relação com a experiência na universidade; primeiras impressões, andamento do curso de graduação, desafios, estratégias, adaptações e reflexividade; atividades remuneradas, trabalho, emprego e manutenção financeira; perspectivas de futuro e campo profissional do curso.

Procuramos observar as recomendações de Bourdieu (1997b) acerca da relação entre pesquisador e entrevistado. Para evitar formas de violência simbólica que pudessem afetar o que estava sendo dito ou levassem os entrevistados a silenciarem, buscamos minimizar as desigualdades no espaço social. As entrevistas aqui analisadas foram realizadas por um bolsista de iniciação científica também estudante de graduação na mesma instituição. Ele compartilhava, portanto, a condição de estudante, permitindo um diálogo horizontal e, por vezes, de identificação em relação a agruras e satisfações vividas no ambiente universitário. Avaliamos que os resultados das entrevistas, em termos de fidelidade aos objetivos, sequência e despojamento, estiveram próximos de uma prática comprometida com cuidados para limitar efeitos da violência simbólica (Bourdieu, 1997b). Apesar disso, não foi possível evitar diferenças em relação a outras categorias, como o gênero de seis entrevistadas.

Como as entrevistas remetem à trajetória dos estudantes, na busca de percalços, dúvidas e rearranjos, muitas vezes, as relações pessoais e as angústias ficaram evidentes no discorrer dos entrevistados. Assim como havia naturalidade por parte de alguns, também foi perceptível o controle e o cuidado para não se expor, por parte de outros. Isso foi constatado no processo da entrevista, mas também na transcrição completa, cujo conteúdo foi analisado. No trabalho de análise, buscamos perceber seus pontos de vista e sentimentos, mas também condições objetivas e condicionamentos sociais incorporados subjetivamente. Consideramos capitais e modos de crer, agir e projetar, expressando aspectos disposicionais extraídos dos relatos. Procuramos identificar capitais acumulados e práticas adquiridas no processo de socialização mais amplo, como, por exemplo, uso da tecnologia, aprendizado de línguas, valorização de experiências culturais diversas para além do currículo do curso universitário. Inspirados na lógica de “compreender” (Bourdieu, 1997b), buscamos explicar as trajetórias e as posições no espaço social do grupo, além de variações individuais relativas às motivações de ações práticas. Também observamos, nas entrevistas, percepções de maior ou menor pertencimento ao ambiente universitário e o estabelecimento de vínculos com colegas e professores (Horner, 2022) em processos de constituição de capital social (Brown, 2016).

POSIÇÃO SOCIAL, GRUPO FAMILIAR E HERANÇA CULTURAL

A posição social dos participantes e de suas famílias foi construída em relação ao conjunto de estudantes que responderam ao survey. Os três grupos de respondentes apresentaram perfis distintos quanto às categorias socioprofissionais nas quais estão inseridos a mãe e o pai, com maior destaque social quanto maior a renda declarada. No Quadro 2, abaixo, são representadas as categorias socioprofissionais de mães e pais que foram mais frequentes para cada um dos grupos da amostra.

Quadro 2
Categoria socioprofissional das mães e pais, segundo cada grupo de renda

A categoria socioprofissional parental mais frequente no Grupo A é a de profissionais liberais, empresários e servidores públicos com formação superior. O Grupo C possui genitores com desvantagem quanto à posição profissional, com mães e pais trabalhadores urbanos no setor de serviços, muitas vezes em relações de trabalho precarizadas. Outro elemento importante que pode ser constatado é que para os Grupos B e C há maior variação na categoria socioprofissional ocupada pelos pais do que para o Grupo A. Isso mostra certa consolidação deste último grupo e das famílias em ocupações que exigem graduação.

A maioria (66%) dos estudantes que integram o Grupo A é mantida financeiramente por mães e pais, em contraste com a maioria dos estudantes do Grupo C, com renda inferior a 2 salários-mínimos, que precisam se manter sozinhos ou recebem ajuda insuficiente de suas famílias.

No caso dos estudantes do Grupo A, as condições materiais proporcionadas por mães e pais asseguram o menor percentual de responsabilização financeira em relação aos outros grupos. Apenas 28% declararam-se colaborador financeiro principal e frequente. No Grupo C, essa fração foi 66% e, no Grupo B, 42%. O conforto financeiro de estudantes que contam com o apoio de genitores garante maior tempo para aproveitar oportunidades durante a formação (Haltia; Isopahkala-Bouret; Mutanen, 2023). A segurança financeira também possibilita tempo livre para a vivência de espaços informais no campus, fundamental para a constituição do sentimento de pertencimento à universidade (Horner, 2022). É importante destacar que o Grupo A é o que, proporcionalmente aos outros, conta com maior colaboração financeira dos pais, evidenciada pelo menor percentual das categorias “não colabora” e “não se aplica” (31%).

A fim de entender obrigações no cotidiano do grupo familiar, perguntamos sobre a responsabilidade quanto aos afazeres domésticos. Foram somados os resultados das duas alternativas do questionário: principais colaboradores e colaboradores frequentes em afazeres domésticos. Embora 50% dos estudantes do Grupo A sejam colaboradores frequentes em afazeres domésticos, as colaboradoras principais são as suas mães em 43% das respostas. Fenômeno análogo ocorre no Grupo B, em que as mães são as principais colaboradoras em 47% das respostas. Os Grupos A e B parecem mais liberados dos afazeres domésticos quando comparados aos estudantes do Grupo C, em que as mães são colaboradoras principais somente em 26% das respostas, sendo os próprios respondentes os principais responsáveis pelos afazeres em 71% das respostas. Já, no Grupo A, isso ocorre com somente 23% dos respondentes e no Grupo B, com 44%. Portanto, um percentual maior de estudantes dos Grupos A e B indica contar com maior tempo disponível para a dedicação aos estudos.

A amostra que compõe esse segmento de estudantes de origem social elevada, entretanto, não parece se confundir com as elites econômicas paulistana e mineira investigadas respectivamente por Setton e Neves (2022) e por Caldeira e Alves (2021) ou a elite argentina pesquisada por Fuentes (2020). Esses autores estudam elites políticas, industriais, financeiras, das comunicações, comerciais e celebridades. Os grupos por eles pesquisados são mais ricos, detêm maior poder e, em muitos casos, vêm obtendo diplomas de curso superior há três gerações ou mais. Ademais, vivenciam processos de escolarização marcados pela internacionalização, estudaram em instituições estrangeiras ou têm os filhos frequentando escolas privadas bilingues no país.

A parcela mais privilegiada de estudantes de nossa amostra corresponde a filhos de profissionais liberais, de servidores públicos com curso superior e de empresários de pequenos e médio porte, um segmento social que depende fortemente do sistema escolar para incorporação de capital cultural, estando mais próxima de classes médias de renda alta do que propriamente da fração mais rica da sociedade brasileira. Entretanto, os dados não permitem afirmar que a fração de renda mais alta de nossa amostra corresponda à elite da instituição, já que a amostra não é representativa.

Pode-se ver, com base na Tabela 1, abaixo, que os três grupos, segmentados inicialmente com base nos critérios de renda, também expressam diferenças quanto à escolarização parental. Dessa forma, no Grupo A, grande número de mães (80%) e de pais (78%) tem titulação superior.

Tabela 1
Escolarização superior parental dos Grupos A, B e C

O conjunto de informações acessadas por meio do questionário mostra que o Grupo A compõe um perfil com posição social confortável, tempo para estudo, sem responsabilidade onerosa por afazeres domésticos, o que pode ser entendido como um segmento de estudantes que têm mais condições de se moldar às exigências de uma universidade pública tradicional.

Tendo caracterizado os três grupos que compõem a amostra, cabe construir a posição social dos 10 estudantes entrevistados, pertencentes ao Grupo A. Os entrevistados dependem financeiramente de suas famílias, com exceção de Henrique, homem pardo de 46 anos. Eles contam, em sua maioria, com pais e mães bem-posicionados no mercado de trabalho e apenas duas entrevistadas, Daniela e Gabriela, eram mantidas somente pela mãe quando responderam ao survey. Ainda com relação às condições materiais de existência, observou-se que Henrique indicou habitar a moradia mais modesta, com apenas um dormitório e um banheiro. Os demais assinalaram moradias de três a quatro dormitórios e de dois a quatro banheiros.

Reconhecendo seu lugar de privilégio, de quem não depende de trabalho e renda próprios para se manter, Cintia refere a situação de colegas, afirmando que “muita gente tem que trabalhar mesmo. Não é todo mundo que pode se dar ao luxo de ganhar 400 pila”, valor da bolsa de iniciação cientifica na época da entrevista. Esses estudantes de renda mais alta, cujos pais e mães possuem experiência universitária e exercem profissões graduadas, além de aproveitar atividades extracurriculares, têm maiores possibilidades de escolher estágios e empregos mais ajustados a suas aspirações durante e após a conclusão do curso de graduação (Haltia; Isopahkala-Bouret; Mutanen, 2023).

Entre os entrevistados, é comum o reconhecimento de que ocupam posição material e de tempo que os distingue dos colegas com os quais interagem no ambiente universitário. Esse resultado possivelmente se justifica diante do contexto de alta desigualdade social e escolar existente na sociedade brasileira. Ele contrasta com os resultados obtidos por Brown (2016) e Haltia, Isopahkala-Bouret e Mutanen (2023), segundo os quais estudantes ingleses, franceses e finlandeses, desde uma situação de privilégio, não reconheciam essa condição nas entrevistas.

Assim como os genitores dos estudantes de uma escola privada confessional que reúne alunos de frações de classe média alta e da elite mineira (Caldeira; Alves, 2021), os pais e as mães da maioria dos entrevistados detêm capital cultural institucionalizado em diplomas de curso superior e muitos têm ainda titulação em nível de pós-graduação. Duas mães, de Daniela e Igor, obtiveram título de doutorado. Os demais são filhos de profissionais liberais, servidores públicos, além de empresários. Dentre os 20 genitores, 14 concluíram cursos superiores. Jorge é o único entrevistado sem nenhum genitor com curso superior; contudo, tem um irmão mais velho diplomado, com atividade acadêmica no exterior.

Sobre a escolarização anterior, verificamos que a maioria dos entrevistados estudou em escolas de ensino médio privadas de diferentes configurações, um deles estudou em escola militar e um em escola pública no interior de um estado vizinho. O Quadro 3, abaixo, apresenta uma caracterização das escolas frequentadas pelos entrevistados.

Quadro 3
Características das escolas de ensino médio frequentadas pelos estudantes entrevistados

Oito entre os dez entrevistados cursaram o ensino médio no mesmo estado da instituição em que estudam. Trata-se de escolas não facilmente acessíveis a famílias com poucos recursos socioeconômicos e frequentemente procuradas por famílias que priorizam a longevidade escolar dos filhos. Embora as formações escolares possam ser variadas, parece haver tendência de as escolas de origem proporcionarem conhecimentos, atividades pedagógicas e acesso a bens culturais direcionados para que seus egressos sejam aprovados na prova tradicionalmente aplicada pela universidade, o exame vestibular. Os exames de ingresso, apesar de mudanças recentes, mantêm um estilo de teste que requer conhecimentos específicos nas diversas áreas de conhecimento, consolidando o desempenho dos candidatos de acordo com as vagas às quais concorrem.

Os estudantes entrevistados indicam agir com vistas à obtenção de formação e experiências internacionalizadas. A aprendizagem de segundo idioma é um dos indicativos de distinção no meio acadêmico entre estudantes do Grupo A. Os entrevistados Bruno, Cíntia e Jorge ressaltaram a busca de uma formação que envolva internacionalização. Cíntia estuda francês e pretende participar de um programa de mobilidade, buscando constituir um capital cultural cosmopolita por meio de intercâmbios prolongados, uma estratégia recorrente em grupos com maiores volumes de capital cultural do que econômico (Windle; Nogueira, 2015). Bruno, por outro lado, parece ter uma aspiração mais associada ao contexto social de uma escola privada situada em um bairro nobre da cidade. Desejava estudar fora do país com financiamento familiar ou participar do Programa Ciência sem Fronteiras: “eu achava que eu ia estudar no exterior, [...] era uma época que existia aquela coisa do Ciências sem Fronteiras [...]; [mas também] não seria, teoricamente, um problema para os meus pais pagarem, sei lá, algum intercâmbio” (Bruno).

Jorge, por sua vez, a exemplo do irmão que desenvolve atividade acadêmica em um país europeu, também aspira atuar fora do país e honrar o que entende por “sacrifícios dos pais” e os dele mesmo na construção de uma trajetória social ascendente. Todos os entrevistados fizeram cursos de línguas, sendo que Alex, Bruno, Fernanda e Gabriela também realizaram intercâmbio durante a educação básica. Entre os dez, somente Jorge não viajou para o exterior. A experiência internacional pode reforçar laços de pertencimento a um grupo e erguer fronteiras simbólicas em relação aos demais que não compartilham dessas experiências de distinção (Caldeira; Alves, 2021). Entende-se que os estudantes entrevistados buscam uma formação internacionalizada que lhes permita inserção em outros países. As camadas médias valorizam a internacionalização como um bem cultural, um valor que aumenta oportunidades educacionais e profissionais para seus filhos, mas também como um caminho para contato com outras culturas e para a formação que produz um “indivíduo autônomo” (Nogueira; Aguiar, 2008, p. 367). A formação de um capital cultural cosmopolita, particularmente a fluência em idiomas, legitimada em processos avaliativos da educação superior, produz distinção porque não está disponível para o conjunto da população, tem efeitos na dominação simbólica e é indispensável a aspirações de participação em um campo internacional de poder (Windle; Nogueira, 2015).

A internacionalização está no horizonte desse grupo, seja pelas viagens passadas, seja por projetos futuros, mas a estratégia principal foi a de cursar uma universidade pública, característica da fração da elite com maior volume de capital cultural incorporado e institucionalizado e que necessita do sistema escolar nacional para a sua reprodução (Caldeira; Alves, 2021). A amostra de entrevistados converge, portanto, com a constatação de que estudantes de origem privilegiada com alto desempenho em provas seletivas optam pela universidade pública (Senkevics et al., 2023).

A dinâmica de socialização e o trajeto-projeto familiar (Singly, 2009) dos entrevistados, em geral, marca percursos analisados como fatores de favorecimento do acesso à universidade pública. Os estudantes, devido a legados familiares, atuam com base em disposições que evidenciam coerência relativa com sua herança (Lahire, 1997). Nesse contexto, identificamos dilemas e desconfortos quanto a suas escolhas de cursos e perspectivas de permanência, o que discutimos a partir das noções conceituais de herança e apropriação de capital cultural, de trajeto-projeto familiar (Singly, 2009) e de processos de individuação que ocorrem pela participação em redes de sociabilidade e cooperação (Colombo; Rebughini; Domaneschi, 2022; Horner, 2022; Haltia; Isopahkala-Bouret; Mutanen, 2023).

TRAJETO-PROJETO FAMILIAR EM PROCESSOS DE INDIVIDUAÇÃO

Quase todos os entrevistados seguem os trajetos-projetos familiares em processos singulares que traduzem o seu trabalho individual em relação à experiência universitária. Nesta parte do artigo, apresentamos subseções que discutem casos de ajuste relativamente forçado, de acomodação e de relações tortuosas com o projeto familiar. Os relatos dos entrevistados apresentam a compreensão recorrente de que cursar o nível superior é parte da trajetória social normal no horizonte social familiar, uma aspiração naturalizada. Essa situação traduz probabilidades objetivas de aprovação nos exames de ingresso em uma instituição de educação superior pública (Singly, 2009; Nogueira; Nogueira, 2015). Quase todos os entrevistados mencionaram que a universidade era uma expectativa indiscutível de suas famílias porque pais e/ou irmãos também realizaram curso superior: “desde que eu me conheço por gente, está enraizada essa questão de entrar na faculdade” (Daniela); “desde sempre na minha família foi pré-determinado que eu faria a [Universidade]” (Eliane)”; “desde que eu sou pequena, eu sempre imaginei fazer universidade, ter um curso superior, então, tá no meu projeto, no meu roteiro da minha vida” (Cíntia); “a minha família sempre quis que eu ingressasse na universidade desde criança. [...] Os meus pais, eles têm ensino superior, então, por isso que insistiram nisso desde a infância” (Fernanda); “fui quase empurrado nessa direção” (Igor). A valorização da universidade pública pode estar associada ao volume do capital cultural na estrutura do capital familiar e social, bem como no seu modo de validação do trajeto familiar pelo sistema escolar (Singly, 2009).

Embora os entrevistados disponham de recursos que favorecem o ingresso, a permanência e a conclusão da educação superior, eles também relatam desafios, indicando a necessidade de se organizarem e construírem estratégias para terem êxito nos estudos. Alex detalha como obtém bom desempenho:

[...] ter um planner onde eu consigo anotar as coisas para me lembrar [...]. Como eu tenho essa questão de ser mais tímida, se eu tenho alguma dúvida, eu pergunto no final da aula. Para apresentar trabalho em grupo, eu tenho que ensaiar antes de apresentar [...] (Alex).

No caso de Alex, a dedicação aos estudos na universidade pode ser compreendida como parte do trabalho individual para seguir a estratégia de manutenção da herança cultural. Gabriela, por sua vez, pela excelência de seu desempenho no ensino médio, foi orientada a um curso muito concorrido na área da Saúde: “eu tirava notas muito boas no colégio e, quando tu és dos melhores da sala, o pessoal sempre começa a sugerir que tu faças [o curso]” (Gabriela).

Para outros estudantes, a dedicação aos estudos é necessária a uma trajetória que visa aumentar o volume de capital cultural da família, como no caso de Jorge. Para além de uma dimensão moral, seu depoimento evidencia a valorização da herança: “eu quero tentar fazer com que o trabalho que os meus pais tiveram e o trabalho que eu tive valha a pena. [...] o meu maior medo é não fazer valer os meus esforços e os esforços dos meus pais. Isso acaba comigo de todas as maneiras” (Jorge). Jorge, assim como Gabriela e Cíntia, realiza o trajeto-projeto familiar em uma trajetória de estudos em profissão tradicional reconhecida. Dentre os entrevistados, Eliane, Cíntia e Jorge dedicam mais de 12 horas semanais aos estudos, enquanto Daniela, Fernanda, Gabriela, Henrique e Igor buscam equilibrar a dedicação aos estudos e a vida pessoal, reservando tempo para práticas esportivas, culturais e artísticas: “eu comecei a fazer aula de canto, que é uma coisa que eu tenho pra mim, é uma hora da minha semana que eu vou fazer isso e não vou fazer nada relacionado à faculdade” (Gabriela).

Alex e Igor trocaram de curso. Ambos iniciaram a graduação em um mesmo curso competitivo na área das Engenharias e Arquitetura. Enquanto Alex se transferiu para outro curso mais concorrido na área da Saúde, Igor se manteve na mesma área, mas em uma especialidade relativamente nova e, por isso, menos concorrida, com um número menor de candidatos no exame de ingresso. Alex estava no primeiro semestre do curso na área da Saúde no momento da entrevista e pretendia concluí-lo. A troca foi vivida conflitivamente com a família, que pretendia que seus estudos contribuíssem para o empreendimento familiar. A troca de curso, portanto, configura uma ruptura, uma recusa parcial à herança e a certas obrigações sugeridas ou impostas pelo projeto familiar. A experiência de Alex se refere também a um tipo específico de sofrimento que pode residir em um privilégio, estando suas disposições em desajuste com as aspirações familiares (Bourdieu, 1997a).

A projeção familiar de uma escolha de curso em acordo com o seu empreendimento parece ter conduzido a uma situação que evidenciou um desajuste entre as inclinações de Alex para as artes e as exigências curriculares, no campo da matemática. Ela afirma não ter inclinações para a matemática e para a área de Exatas, embora o pai, que concluiu formação de nível superior, tenha desenvolvido competências nessas áreas. Assim, seu relato poderia indicar um limite na transmissão da herança cultural (Singly, 2009). Essa situação relativa às aptidões matemáticas lembra as observações de Lahire (1997) acerca de hábitos de leitura em ambientes domésticos, sugerindo que a existência de tais hábitos em pelo menos um dos genitores não garante a transmissão desse gosto aos filhos se esse genitor não participar com regularidade dos processos de socialização das crianças. Ele menciona uma associação entre a atmosfera de leitura em casa, a conversa sobre livros e as relações afetivas. Segundo ele, para que a transmissão da disposição ocorra, além da experiência ser duradoura, precisa ser positiva do ponto de vista afetivo.

Apesar da ocorrência de conflitos, Alex não se afastou do grupo familiar depois da troca de curso. Manteve-se trabalhando junto à empresa parental e se sentia apoiada financeira e afetivamente em sua busca profissional que envolve uma afirmação de autonomia. Com a troca, Alex passou a sentir pertencimento à vida acadêmica:

[...] eu estou gostando muito do curso, eu gosto de estar na aula, gosto de fazer curso de extensão universitária, [...] me dá prazer de estar em todos os lugares, eu acho que de participar do máximo de coisas que eu puder, ter o máximo de experiências fora da sala de aula também. Me dou super bem com os colegas [...]. A minha turma é muito unida, o pessoal é muito tranquilo, muito legal, tem muita abertura para conversa e, então, eu acho que isso motiva bastante. Os professores também são muito legais. Eu acho que foi legal eu ter conseguido uma bolsa logo no início do curso, porque a gente vai tendo mais contato com os professores, com mestrandos, [...] então a gente vai construindo essas relações [...] (Alex).

No percurso de Alex, paralelamente a uma ruptura com as expectativas familiares, ocorreu um movimento de afiliação à instituição e ao curso. Os processos de individuação podem ser marcados por experiências em redes de cooperação restritas à família, fortemente associadas aos amigos próximos, ou, ainda, estabelecidas com colegas, viabilizando futuras redes profissionais. São grupos de pertencimento, identificação, partilha de valores e de atitudes em que se busca crescer com os demais, mas mantendo a individualidade e a distinção (Colombo; Rebughini; Domaneschi, 2022).

Ajuste relativamente forçado ao trajeto-projeto familiar

Embora o acesso à educação superior seja um trajeto-projeto familiar naturalizado, há variações individuais no modo como as expectativas familiares e as inclinações dos filhos são ajustadas ou contrariadas. Nesta subseção, tratamos do caso de Cíntia, que cumpre com certa desenvoltura o trajeto-projeto traçado por sua família, mas que expressa conflito em relação às suas inclinações.

[...] toda a minha família sempre [me] motivou bastante, me motivaram entrar, queriam que eu entrasse no Colégio Militar quando era mais jovem, eu não queria. [...] eu faço [o curso tradicional de prestígio] e eu não gosto muito. [...] Mas sim, eu acho que não só uma cobrança, mas uma ideia de ter estabilidade. [...] A minha mãe sempre falava [licenciatura]? Sai dessa pro teu bem! (Cíntia).

Cíntia parece viver um desajuste entre suas disposições e o curso tradicional de prestígio que a prepara para atuar como profissional liberal, pois indica não se identificar com colegas e professores. Ela preferia ter se inscrito para um curso de licenciatura e aprecia a iniciação científica voluntária que realiza na área das Ciências Humanas, espaço que ela considera que “abre as portas do conhecimento”. Não obstante, pretende concluir o curso em andamento.

A escolha do curso superior, produto da reflexividade familiar, pode entrar em conflito com as preferências dos indivíduos por outras áreas de estudos (Setton, 2002). No caso dos estudantes mais jovens e com trajetória social e escolar favoráveis, há tendência a escolher os cursos competitivos e de prestígio, no ingresso, e que formam para profissões rentáveis e com reconhecimento social (Nogueira, 2004), como mencionado por Cíntia e por Gabriela. Esses casos convergem com os observados por Haltia, Isopahkala-Bouret e Mutanen (2023) em relação a estudantes de classe média finlandeses que costumam receber orientação familiar e realizar escolhas estratégicas quanto à instituição e ao curso, dirigindo-se para campos de estudos de maior status e com perspectivas de melhor remuneração depois de formados. Essa escolha também está associada às possibilidades objetivas de ingresso, considerando a concorrência dos exames no Brasil. Ao manter-se no curso de prestígio e realizar estágio em um local que representa um espaço de grande sucesso profissional, Cíntia mantém o projeto familiar. Parece se tratar de uma estratégia de famílias de segmentos médios que empregam significativos recursos materiais e tempo para a longevidade escolar dos filhos a fim de proporcionar oportunidades profissionais diferenciadas.

Cíntia assume a realização de um curso que não lhe dá prazer e, numa ação contraditória ao seu gosto, obedece a seus antecessores, reconhecendo o valor do curso para ter possibilidades de ocupar um cargo com maior remuneração, embora em desajuste com suas inclinações. A incorporação de disposições ascéticas e convergentes ao trajeto-projeto familiar parece ter ocorrido desde cedo na socialização de Cíntia. Ela diz que a mãe sempre valorizou os estudos de forma indireta, cultivando um entendimento tácito: “ela nunca nos cobrou aqui em casa, eu e a minha irmã, mas ela sempre deixou claro o que ela valorizava, então meio que a gente sabia” (Cíntia). Em sua experiência, aparecem os elementos de cultivo do autocontrole das crianças pelas famílias, em preparação para o ambiente escolar (Lahire, 1997). Essa construção se apoia em vínculos permanentes baseados em autonomia e confiança (Colombo; Rebughini; Domaneschi, 2022). Do relato de Cíntia, depreende-se que ela foi convencida sobre a importância de estudar em uma escola militar para seus projetos futuros:

[...] foi sofrido porque a escola tinha alguns professores que puxavam bastante e tal. [...] Principalmente no primeiro ano, rodou muita gente. Então, tinha um medo. É um ambiente bem competitivo. [...] Eu não gostaria de voltar. Mas eu acho que eu criei uma outra relação com o estudo [...]. Eu fiquei mais autônoma, [...] saber como é que eu estudo, saber como eu aprendo e me organizar também (Cíntia).

Nesse caso, a transmissão da herança exige a ultrapassagem dos pais, a fim não só de conservar o patrimônio acumulado nas trajetórias anteriores, mas de aumentá-lo. Esta forma de persistência do trajeto-projeto familiar explicita que as filhas receberam a incumbência de prolongar as realizações dos antecessores em um projeto compensatório da trajetória dos pais, o qual é idealizado e que pode também ser difícil de realizar, considerando-se as disposições cultivadas (Bourdieu, 2012a; 1997a).

Infelizmente, [...] nesse semestre, eu estou fazendo estágio [curricular], infelizmente. Então, eu não consigo aproveitar tanto os espaços da universidade assim. [...] infelizmente, eu comecei a fazer estágio e tudo meio que se foi, porque as atividades acontecem de tarde e o meu estágio também (Cíntia).

A repetição da palavra “infelizmente” associada ao estágio ao longo da entrevista de Cíntia e a perspectiva negativa em relação a práticas de colegas e de professores conduzem à inferência de que existe um desajuste entre inclinações ligadas ao gosto e sua trajetória acadêmica: “os professores, meio que são um pouco indiferentes [...]. Eu faço [o curso] diurno, às vezes me lembra um pouco escola particular, me cansa um pouco, é meio infantilóide. Mas existe também uma coisa um pouco competitiva [...]” (Cíntia).

Parece ter havido uma incorporação de disposições ascéticas vinculadas à futura prática profissional delimitada pela mãe. Assim, o desapontamento de Cíntia com o estágio parece estar em contradição com as expectativas parentais tomadas como obrigação: “eu quase nunca posso fazer nada por causa da porcaria do estágio. [...] é meio frustrante pelo estágio, [...] fico meio escrava do estágio [...]. Eu prefiro um aprendizado um pouco mais acadêmico” (Cíntia). Esse trajeto-projeto envolve uma renúncia a um percurso mais alinhado às inclinações pessoais, indicando disposições contrariadas, decorrentes da atuação familiar, nesse caso tácita, para fazer escolhas com realismo (Lahire, 2004).

De outra parte, Cíntia também deseja cursar um mestrado, mas na área de sua preferência e não na de seu curso, buscando assim conciliar suas disposições e gosto pessoal e o trajeto-projeto familiar. O depoimento expõe o confronto entre uma obrigação moral, que realiza com certo sofrimento, mas também com desenvoltura, e o gosto que a inclina para outro caminho que ela busca conciliar com o trajeto-projeto familiar.

Acomodação e percalços aos trajetos-projetos familiares

Nesta seção, discutimos os casos de Daniela, Igor, Fernanda e Jorge, cujas trajetórias educacionais satisfazem as expectativas parentais e indicam variações associadas a escolhas racionais frente às oportunidades objetivas de futura inserção laboral.

Daniela expressa frustração com os resultados da liberdade para escolher o curso na área das Ciências Biológicas, Naturais e Agrárias, concedida por sua família e estimulada por sua escola privada alternativa. Embora estivesse continuando os estudos em um mestrado acadêmico no momento da entrevista, preferiria ter escolhido uma profissão com maiores chances de empregabilidade: “meus pais só apoiavam demais qualquer coisa que eu escolhesse. Inclusive agora, que brinco que eu queria que eles não tivessem apoiado. Que agora eu estou desempregada. E aí, fico brincando com eles assim: ‘ah, deviam ter [me] mandado fazer outra coisa’” (Daniela). Ela oscilou ao longo de sua formação entre dois cursos, tendo participado de um projeto de extensão em um curso mais tradicional do que o seu curso de graduação e, realizando mestrado, tentava conciliar essas duas inclinações. Ela pensa em cursar o doutorado ou, talvez, fazer outra graduação, pois verifica que há falta de oportunidades de inserção laboral. Ambas as alternativas prolongam a condição de estudante, mas a segunda pode levá-la a uma carreira mais rentável no mercado de trabalho.

Igor, ao abandonar o mesmo curso que Alex, optou por uma carreira numa área relativamente nova e com oportunidades de emprego. No momento da entrevista, ele tinha a expectativa de ser efetivado em seu local de estágio. Embora sua família apoie suas decisões, relatou que o pai sempre o alertou para a necessidade de formação profissional associada à empregabilidade: “meus pais, em alguma medida, me deram [...] certa liberdade de [...] escolher o curso [...]. Meu pai sempre falava: ‘[...] tu tens que pensar no teu ganha-pão, tu tens que pensar no teu trabalho’. [...] porque eu sou músico e acho que ele tinha medo de que eu fosse fazer Música” (Igor). Diferentemente do caso de Alex, o pai transmitiu a Igor o gosto pelo raciocínio matemático: “meu pai fez um curso de Engenharia. Não concluiu, mas eu aprendi muito de matemática e outras coisas com ele, e acho que isso acabou me influenciando” (Igor). Esse gosto o levou a escolher um segundo curso que tem um currículo com ênfase nessa área. Nesse novo curso, ele construiu uma rede de apoio, sendo o ambiente “muito colaborativo, sempre tive ajuda em muitos níveis e sempre pude ajudar também muito os meus colegas” (Igor). Ele tem interesse em um trabalho sintonizado com os desafios socioambientais contemporâneos, tema que “não está bem situado em nenhum curso”, levando-o a traçar uma trajetória acadêmica singular que envolve a complementação com formações oferecidas em diferentes cursos. Paralelamente, afirma ter se beneficiado de uma oportunidade de iniciação científica com foco em seu campo de interesse. Seu futuro está em aberto, segundo ele, e cogita realizar mais uma graduação para se qualificar para a atuação almejada.

Ainda que os entrevistados vivam uma condição de relativo privilégio, a permanência e a conclusão do curso exigem dedicação e apoio no interior do espaço universitário, como exemplifica o caso de Gabriela, que conta com os colegas de curso.

Aqui, a gente passa o tempo inteiro juntos, a gente não teria como fazer a faculdade sem eles [...]. Porque a gente caminha junto [...]. Cada um vai se ajudando. É um ambiente que pode ser, de vez em quando, um ambiente pesado. Tem muitas vivências que a gente compartilha pra se ajudar (Gabriela).

A socialização em cursos e instituições de prestígio confere vantagem derivada não só da notoriedade institucional, mas da experiência educacional por ela proporcionada, a qual exige muita dedicação (Brown, 2016) e apoio de colegas (Horner, 2022).

Já Fernanda parece ter realizado um trajeto mais próximo de uma escolha calculada. Ela recebeu orientação vocacional, a qual julga que contribuiu para o seu autoconhecimento, pesquisou sobre as possibilidades de atuação profissional de três cursos distintos, todos com ênfase em matemática e abordagens técnico-científicas: “eu busquei, por conta própria, no terceiro ano do ensino médio, conversar com professores [...] dos cursos [em] que eu tava interessada” (Fernanda). A partir desse contato, tomou uma decisão com a qual está satisfeita. Ela relata que sua família concedeu liberdade e a apoiou em sua escolha de curso. Não lhe foi imposto seguir as mesmas escolhas parentais ou uma profissão que “desse mais dinheiro”. Porém, não sabe se seus pais agiriam do mesmo modo caso ela tivesse escolhido um curso de menor prestígio ou com poucas oportunidades de emprego. Assim, ela, como herdeira, apropriou-se do senso de investimento em sua trajetória educacional por meio de opções acadêmicas rentáveis no mercado de trabalho de modo a recusar campos desvalorizados (Bourdieu, 2011; Bourdieu; Champagnet, 1997). Com o curso escolhido, na área de Exatas e Tecnológicas, tem boas expectativas de inserção no mercado profissional. Vislumbra a continuidade de sua trajetória acadêmica em um programa de pós-graduação. Almeja realizá-lo em outra instituição, embora reconheça que o valor baixo da bolsa de mestrado poderia inviabilizar esse plano.

Jorge estudou em uma escola privada em outro estado brasileiro e havia sido aprovado pelo ENEM em instituições privadas e uma pública em seu estado de origem. O contexto da pandemia possibilitou que utilizasse essa nota para ingresso por meio de vestibular no Sul, em uma instituição que, segundo ele, era “a terceira melhor” em seu curso. Assim, decidiu se mudar de um estado da federação distante, em parte, porque desejava morar sozinho, “[...] eu não queria mais morar com meus pais. [...] são duas pessoas que estão juntas, mas que deveriam estar separadas. [...] eles são pessoas que brigam muito” (Jorge). Os pais, sem curso superior, começaram a trabalhar ainda crianças e conferem a ele apoio financeiro, tendo menos recursos para garantir também apoio emocional. Jorge sempre foi dedicado aos estudos, considerando que o seu futuro depende de sua formação: “[...] quando eu cheguei no primeiro ano do ensino médio, eu já estudava igual um louco porque eu sei que a área de Saúde é muito difícil de entrar” (Jorge). Depois de formado, pensa em fazer um curso de especialização, seguir a carreira militar ou ir para o exterior como o irmão. Na cidade do Sul, sofre preconceito em função de seu sotaque: “então, eu sofri certo preconceito com algumas situações, o que me fez pensar que eu não fosse pertencente, entendeu?” (Jorge). Ele tem receio de se aproximar de pessoas fora do ambiente universitário e conta que foi difícil fazer amigos no curso, embora tenha já estabelecido alguns vínculos. Horner (2022), ao analisar a realidade na África do Sul, refere que estudantes de outras províncias, distantes do campus universitário, podem se intimidar diante das diferenças linguísticas e precisar de um período de observação antes de se arriscar a interagir. No Brasil, as diferenças de sotaque podem produzir discriminação social, como foi percebido por Jorge.

Caminhos tortuosos em relação ao trajeto-projeto familiar

Nesta seção, discutimos os casos de Bruno, Eliane e Henrique, os quais indicam conflitos entre as suas aspirações, as trajetórias educacionais e as expectativas parentais. Bruno relata que seus bons professores e o gosto pela área de Ciências Humanas e Sociais o influenciaram em sua escolha pelo curso. Ele cogitou cursar uma profissão de maior prestígio, considerando realizar o mesmo curso dos pais, bacharéis e profissionais liberais. Entretanto, ingressou em uma licenciatura.

[...] ah, eu quero, sei lá, fazer Direito. Quero fazer Engenharia... Psicologia. No final, eu acabei fazendo [licenciatura]. [...] eu tinha terminado o ensino médio, tinha feito um ano de cursinho, [...]. Demorou um pouco para chegar a essa conclusão. [...]. Mas agora, falando, eu lembrei que eu tive professores muito bons no colégio. E lá pelo final do ensino médio [...], eu sabia que eu queria dar aula, queria ser professor [...] (Bruno).

É possível que o desempenho escolar de Bruno não tenha permitido aprovação em cursos mais concorridos, uma vez que ele compara sua maior organização na universidade com o modo como realizou os estudos no nível médio, quando procrastinava:

Então, aos poucos, eu fui me organizando mais e melhor, [...] muito melhor do que eu era no ensino médio [...]. Eu já não procrastino [...]. Eu faço com antecedência [...]. A faculdade ainda é difícil, né? [...] Pesa bastante. Acho que também por ser um curso que eu gosto, eu dou muita importância. No colégio, tinha [...] que estudar a matéria que eu não gostava, não me importava [...]. Aí eu acabava empurrando com a barriga mesmo. Mas na faculdade, não (Bruno).

A escolha talvez um pouco forçada pela licenciatura, em razão de seu desempenho escolar, poderia vir a produzir um declínio no status ou na trajetória familiar. Segundo Bourdieu (1997a), os vereditos escolares impactam a transmissão da herança cultural. No caso de Bruno, observa-se um ajuste nas aspirações subjetivas decorrente das condições objetivas de aprovação ou não nos exames de ingresso (Caldeira; Alves, 2021). O pai tentou orientá-lo para um curso mais rentável no mercado de trabalho numa área técnica, sem qualquer relação com as preferências do filho, mas a mãe o apoiou em sua escolha: “ele veio comentar comigo, ‘ah, por que que tu não faz um curso de programação [...]. Alguma coisa que dá bastante dinheiro no mercado?’. E eu ‘tá, mas não tem nada a ver com o que eu quero’. Sabe...? Tirou isso meio que do nada. Eu fiquei meio perplexo” (Bruno).

No percurso escolar, os agentes podem não dar continuidade ao projeto inscrito na trajetória parental (Bourdieu, 1997a). Assim, Bruno, ao dizer que preferiu o curso de licenciatura em que está matriculado, poderia estar realizando uma espécie de “racionalização protetora” (Lahire, 2004), negando uma interpretação de possível desclassificação. Uma possível desclassificação corresponderia à impossibilidade de realização da reprodução de status. Tal processo pode ser perpassado por conflito de gerações decorrente da oposição entre valores e estilos de vida: “porque a princípio eu gostaria de seguir no ambiente acadêmico. Fazer um mestrado, um doutorado, fazer ciência. Mas… quem sabe ser professor universitário. Mas eu também quero ter uma experiência de docência em escola” (Bruno).

Bruno, na universidade, passou a se organizar e a ter um bom desempenho nos estudos, projetando uma possível carreira como docente em uma instituição de educação superior pública, o que pode ser uma forma de manter a sua posição no espaço social e de se mostrar digno da herança familiar (Singly, 2009). Aqui, é interessante notar a rentabilidade da herança cultural de herdeiros sem grande sucesso escolar (Bourdieu, 2012a, mas que possuem um capital cultural suficiente para fazer frente aos desafios de um curso menos concorrido, como o de licenciatura, e projetar boas perspectivas.

As disposições em relação ao futuro parecem pautadas pelas oportunidades objetivas no caso de Bruno, com a possibilidade de seguir a carreira docente na educação superior; ou de Fernanda, de seguir os estudos de pós-graduação e de encontrar um espaço no mercado de trabalho; a exploração de uma nova profissão e de uma nova área de atuação no caso de Igor; ou, ainda, a incerteza de Daniela quanto à sua possibilidade de empregabilidade futura. Desse modo, as estratégias de reprodução das posições sociais dependem do volume e da estrutura do capital a ser mantido ou aumentado, mas também do contexto econômico e sócio-histórico (Bourdieu, 2012b). Diante de limites estruturais, os estudantes vivem experiências conflituosas e traçam estratégias por vezes tortuosas em seus processos de individuação.

Eliane sempre desejou realizar o curso em que está matriculada na área da Saúde, mas, no terceiro ano do ensino médio, decidiu fazer vestibular para uma profissão de maior prestígio e não passou no exame. A irmã mais velha é valorizada pela mãe por ser formada nessa profissão que ela almejou. Diz que algumas pessoas consideram o seu curso, na área de Biológicas, Naturais e Agrárias, menos sério do que outros e particularmente do que o da irmã. Esse detalhe pode indicar frustração do projeto familiar no seu caso. Horner (2022) refere as pressões parentais e o receio que alguns estudantes universitários têm de não corresponder a elas. No caso de Eliane, o medo de não corresponder às expectativas da família pode ter produzido propensão ao estudo intensivo, dedicando muitas horas semanais às demandas do curso de graduação.

Eliane pretende concluir o curso em que está matriculada e deseja trabalhar em uma subárea que costuma ser ocupada por homens, um espaço que é preconceituoso com profissionais mulheres. Além dela, Daniela e Fernanda também fizeram referência a desigualdades de gênero no interior de suas áreas de formação: “a minha bolsa de iniciação científica é uma bolsa [...] só para cursos com menos de 40% de mulheres e dá pra contar nos dedos o número de alunos negros que tem [no curso]” (Fernanda). As universidades se constituem como espaços assimétricos que oferecem oportunidades diferenciadas e desiguais para distintos segmentos sociais (Villa-Lever, 2019).

Ainda que experimente conflitos em relação às expectativas familiares e também se ressinta de desigualdades de gênero em seu curso, Eliane percebe a riqueza do espaço-tempo acadêmico que proporciona convivência com colegas “fora da bolha” como explicitado no seguinte trecho:

A universidade te dá uma perspectiva social muito maior, muito mais ampla. Tu consegues conviver com pessoas com mais backgrounds, com as mais diversas origens e pensamentos. [...] E quanto mais pessoas diversas a gente entra em contato, a gente conversa, a gente convive, mais aberta fica a nossa mente, maior nosso repertório de informações para tomar as melhores decisões (Eliane).

Henrique foge à regra entre os entrevistados. Embora tenha sido aprovado no vestibular aos 17 anos, em uma cidade média de outro estado do sul do país, precisou trabalhar para se manter, adiando o projeto de realizar um curso superior até os 30 anos, quando, após obter um emprego estável por aprovação em concurso público, ingressou em um curso de graduação a distância. Ele não concluiu esse curso e ingressou pelo vestibular, aos 37 anos, na modalidade presencial noturna. Escolheu a instituição por ser pública, gratuita e pela qualidade do curso. Matriculava-se em poucas disciplinas por semestre para conciliar os estudos, a vida profissional e pessoal. No momento da entrevista, estava finalizando a graduação, depois de quase 10 anos do ingresso.

[...] sempre vivi longe da minha família, [...] eu não tive uma influência direta por eles. Todos eles, os meus parentes mais próximos, eram graduados, eram pessoas bem-sucedidas. Mas nós sempre tivemos vidas muito independentes. Mesmo eu, como filho, desde o ensino médio eu fui morar sozinho, dividir apartamento com outros estudantes. Então, eu nunca quis ter muito essa influência, a sua influência financeira, [pois temia que] a ajuda financeira que eu recebi eventualmente influenciasse nas minhas escolhas. [...] Então, eu sempre tive um pensamento muito independente [...] (Henrique).

O ingresso já adulto e o tempo de quase 10 anos dispendido para concluir os estudos de graduação pode ser interpretado como uma desvantagem social (Nogueira; Nogueira, 2015) e parece ter decorrido de uma ruptura com a família ocorrida ainda durante o ensino médio, quando foi morar em outra cidade. Mas também pode se tratar de um ambiente familiar mais associado ao acúmulo de capital econômico do que cultural.

Henrique parece ter realizado uma forma de desfiliação (Singly, 2009), no sentido de ter evitado os percursos e recursos parentais, tornando-se independente na fase inicial de sua condição juvenil. Assim, parece ter o sentimento de não dever nada à geração precedente. Ele poderia estar melhor profissionalmente se tivesse concluído o curso superior mais cedo, mas valoriza a própria experiência e considera que o curso de graduação não é tão central em sua desenvoltura profissional. Marca sua independência não só em relação à família, mas em relação à própria universidade: “eu perdi essa visão de que a universidade é a chave do sucesso” (Henrique). O entrevistado também oferece indícios de experimentar um percurso marcado pelo isolamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As trajetórias dos estudantes, objeto de análise neste artigo, mostram que tratamos de fato de herdeiros do ponto de vista da posição social familiar e da herança cultural com a qual contam. Filhos de um segmento social bem-posicionado pela escolarização e renda dos genitores, dentro de padrões brasileiros, os entrevistados percebem-se pertencentes à universidade pública. Esse segmento social depende fortemente do sistema escolar para a manutenção da posição de classe com contínua incorporação de capital cultural e, em alguns casos, com expectativa de ascensão social.

Visamos entender como ocorre a mobilização familiar e o processo de ação individual na relação com a posição social apresentada e constatamos que os trajetos-projetos familiares de fato existem e são precoces nas vidas dos estudantes. Há mobilização e investimentos familiares, assim como há uma relação ativa, no cotidiano de cada um dos entrevistados, entre a herança e a acomodação ou ajuste forçado para a manutenção ou superação do trajeto projetado. A análise dos processos de individuação mostrou variações nas formas de mobilização familiar e individual em processos de transmissão e de apropriação da herança e de afirmação de autonomia por meio de reflexividade.

A acomodação ao trajeto-projeto familiar mostra que, em geral, a herança foi incorporada, que os recursos e as competências adquiridos puderam se realizar revelando adaptação e gratidão em relação ao esforço parental. No caso do ajuste forçado, revela-se uma disposição incorporada e evidenciada na capacidade de realizar um curso de prestígio e de adiar o prazer que seria proporcionado pela realização do gosto em outra formação de menor destaque. Se essa não é a regra em todos os casos, há também escolhas que podem ser vistas como mais autônomas a partir de socialização familiar que, em geral, preparou os filhos para a educação superior, mediante uma escolarização competitiva. Essa estratégia habilitou-os a viver os desafios da universidade com naturalidade, combinando dedicação aos estudos e autocultivo à fruição da convivência em uma instituição formada por um público com origens sociais, culturais e geográficas diversas. De modo geral, os investimentos individuais de afirmação no espaço social da universidade denotam relações de interdependência em trajetórias de individuação que valorizam a experiência presente e o espaço plural da universidade.

Identificamos preocupação com a segurança profissional, que não parece estar definitivamente garantida e, ao mesmo tempo, projeções relativamente confortáveis quanto ao futuro. Nesse sentido, é possível afirmar que, conquanto sejam herdeiros, há intenso trabalho dos indivíduos para se afirmar no espaço no qual se inserem e para manter ou aprimorar a posição social.

Verificamos que o processo de individuação é atravessado por diversos elementos contextuais: (1) convivência no espaço universitário com públicos heterogêneos e diversificados regional e culturalmente; (2) valorização da diversidade cultural e reconhecimento de experiências variadas; (3) investimento em cursos de línguas, viagens ao exterior e programas de intercâmbio, práticas de formação internacionalizada; (4) insegurança relativa à perspectiva de exercício profissional; (5) modos de reflexividade constituídos socialmente pelos indivíduos e participação em redes de colaboração e apoio; e (6) tentativas de fruição da experiência universitária com base no gosto desenvolvido de modo próprio na relação com a socialização familiar.

Os entrevistados, em sua maioria pessoas brancas, além de se sentirem pertencentes à universidade pública, percebem os próprios privilégios. Entretanto, no grupo entrevistado, também houve relatos de situações de preconceito e de discriminação social, associados a gênero e origem regional, marcada no sotaque. Há também relações conflituosas associadas às hierarquias entre os cursos e aos seus níveis de exigência. Os desafios são variados em universidades tradicionais elitizadas, as quais têm responsabilidades de oferecer apoios à permanência e à conclusão dos estudos por todos os estudantes.

O estudo contou substancialmente com a análise de trajetórias a partir de um grupo social delimitado. Permite considerar que colocar atenção sobre as trajetórias de estudantes que frequentam universidades públicas brasileiras proporciona uma melhor compreensão sobre o universo dos estudantes herdeiros e não herdeiros. Ao fazê-lo, suscita a continuidade e o aprofundamento de investigações e discussões sobre os avanços relativos em termos de democratização do acesso e da permanência nas instituições de educação superior públicas federais.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao CNPq, que financiou o projeto de pesquisa, e à Fapergs, que concedeu a bolsa de iniciação científica do terceiro autor.

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  • 1
    Artigo publicado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq/Brasil para os serviços de edição, diagramação e conversão de XML.
  • 2
    A soma das frações relativas aos grupos não totaliza 100% porque 6% dos respondentes não declararam renda familiar.
  • 3
    O salário-mínimo em 2021 correspondia a R$1.100,00 (Brasil, 2020).
  • 4
    O Observatório das Metrópoles brasileiras produziu os seguintes extratos de acordo com o rendimento médio mensal das famílias em 2022: o grupo mais pobre (40%) com rendimento médio R$ 510,66; o grupo intermediário (50%) com R$1.857,82 e o extrato superior (10%) com R$ 8.514,91 (Salata; Ribeiro, 2023, p. 17). A delimitação de “segmento social elevado”, estabelecida na pesquisa inicialmente por meio da renda familiar, converge com os dados do Observatório, uma vez que nossos entrevistados compõem o estrato superior, ocupado por 10% da população.
  • 5
    O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade, conforme o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) 25927619.1.0000.5347 e os participantes foram devidamente informados e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

DECLARAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

  • DECLARAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA
    O conjunto de dados que sustenta os resultados deste estudo não está disponível publicamente para não expor detalhes e informações que possam identificar os entrevistados, em cumprimento à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018).
  • 6
    Foram adotados nomes fictícios de modo a preservar o anonimato dos participantes.
  • 7
    As categorias socioprofissionais foram organizadas em cinco grupos a partir da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) instituída pela Portaria nº 397 do Ministério do Trabalho, de 10/10/2002. A organização em cinco grupos é utilizada no questionário socioeconômico do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

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