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Meu malvado favorito: os memes bolsonaristas de WhatsApp e os acontecimentos políticos no Brasil

Despicable me: Bolsonarist WhatsApp memes and political events in Brazil

Mi villano favorito: memes bolsonaristas de WhatsApp y eventos políticos en Brasil

Resumo

Este artigo investiga o humor em memes de internet que circularam em grupos do WhatsApp de apoiadores de Bolsonaro durante seis meses de seu governo. A análise de conteúdo propõe-se a compreender quais são os elementos retóricos nacionalistas presentes nos memes compartilhados pela extrema-direita brasileira, notadamente aqueles que fazem menção direta a Bolsonaro, quais expressões antidemocráticas esses memes mobilizam e como a sua circulação reflete de alguma forma acontecimentos recentes na vida política do país. Conclui-se que as imagens circuladas nesses grupos ajudam a pavimentar o terreno para um humor visual de extrema-direita, com teor fortemente ideológico e radicalizado.

Palavras-chaves:
Democracia Digital; Imagem e Política; Humor e Política; Memes de Internet; Jair Bolsonaro; WhatsApp

Abstract

This article investigates humor in internet memes that circulated in WhatsApp groups of Bolsonaro supporters during six months of his government. Content analysis aims to understand what are the nationalist rhetorical elements present in memes shared by the Brazilian far-right, notably those that make direct mention to Bolsonaro, what anti-democratic expressions these memes mobilize and how their circulation somehow reflects recent events in the country’s political life. We conclude that the images circulated in these groups help pave the way for a far-right visual humor, with a strongly ideological and radicalized content.

Keywords:
Digital Democracy; Image and Politics; Humor and Politics; Internet Memes; Jair Bolsonaro; WhatsApp

Resumen

Este artículo investiga el humor en los memes de internet que circularon en grupos de WhatsApp de simpatizantes de Bolsonaro durante seis meses de su gobierno. El análisis de contenido tiene como objetivo comprender cuáles son los elementos retóricos nacionalistas presentes en los memes compartidos por la extrema derecha brasileña, en particular los que hacen mención directa a Bolsonaro, qué expresiones antidemocráticas movilizan estos memes y cómo su circulación refleja de alguna manera los hechos recientes. en la vida política del país. Concluimos que las imágenes que circulan en estos grupos ayudan a hacer espacio para un humor visual de extrema derecha, con un contenido fuertemente ideológico y radicalizado.

Palabras clave:
Democracia Digital; Imagen y Política; Humor y Política; Memes de Internet; Jair Bolsonaro; WhatsApp

Introdução

Os grupos de extrema-direita brasileiros vêm ganhando destaque nos últimos anos, notadamente desde a eleição de Bolsonaro como presidente do Brasil nas eleições de 2018 (Chagas, Modesto e Magalhães, 2019CHAGAS, V.; MODESTO, M.; MAGALHÃES, D. O Brasil vai virar Venezuela: medo, memes e enquadramentos emocionais no WhatsApp pró-Bolsonaro. Esferas, Brasília, n. 14, p. 1-17, 2019. http://dx.doi.org/10.31501/esf.v0i14.10374.
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; Penteado e Lerner, 2018PENTEADO, C. L. C.; LERNER, C. A direita na rede: mobilização online no impeachment de Dilma Rousseff. Em Debate, Belo Horizonte, v. 10, n. 1, p. 12-24, 2018.; Santos e Chagas, 2018SANTOS, J. G. B.; CHAGAS, V. Direita transante: enquadramentos pessoais e agenda ultraliberal do MBL. Matrizes, São Paulo, v. 12, n. 3, p. 189-214, 2018. https://doi.org/10.11606/issn.1982-8160.v12i3p189-214.
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; Solano, 2018SOLANO, E. Crise da democracia e extremismos de direita. Análise, São Paulo, v. 42, p. 1-29, 2018.). Composta de vários matizes, a extrema-direita no Brasil junta-se principalmente aos fãs nostálgicos do regime militar autoritário, conservadores neopentecostais, conspiradores anticomunistas, monarquistas e membros de várias outras tendências que estiveram encobertas por anos em razão do avanço da agenda progressista nos governos de esquerda que antecederam o impeachment de Dilma Rousseff em 2016.

A virada à direita brasileira tem sido discutida recentemente por um conjunto importante de autores. Solano (2018SOLANO, E. Crise da democracia e extremismos de direita. Análise, São Paulo, v. 42, p. 1-29, 2018.), por exemplo, chama a atenção para o trabalho de construção de uma “rebeldia conservadora” por parte dos grupos à direita, com um intenso investimento na “memificação da política”. Note-se que expressão semelhante é empregada por Mazzoleni e Bracciale (2019MAZZOLENI, G; BRACCIALE, R. La politica pop online. I meme e le nuove sfide dela comunicazione politica. Bologna: Il Mulino, 2019.) para descrever o contexto italiano, em que grupos de caráter populista têm mobilizado uma estética e uma linguagem entreposta de elementos lúdicos em busca da adesão de diferentes segmentos da sociedade. Rocha (2019ROCHA, C. “Menos Marx, mais Mises”: uma gênese da nova direita brasileira (2006-2018). 2019. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.) identifica nesse esforço um longo processo histórico de organização de “contrapúblicos digitais”, que tem início ainda no segundo mandato do ex-presidente Lula (2006-2010). Esses contrapúblicos formam o que Alves (2019ALVES, M. #vaipracuba!: a gênese das redes de direita no Facebook. Curitiba: Appris, 2019.) denomina de uma “rede de oposição radical”, uma espécie de milícia digital atuante no enfrentamento de setores progressistas da sociedade. Tanto Rocha (2019ROCHA, C. “Menos Marx, mais Mises”: uma gênese da nova direita brasileira (2006-2018). 2019. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.) quanto Alves (2019ALVES, M. #vaipracuba!: a gênese das redes de direita no Facebook. Curitiba: Appris, 2019.) avaliam que a articulação em torno da candidatura de Jair Bolsonaro remonta a alguns anos antes de 2018, talvez ao fim do ciclo eleitoral anterior.

Os motivos pelos quais essa rede se associou a Bolsonaro têm igualmente se tornado objeto de disputa entre os analistas. Nicolau (2020NICOLAU, J. O Brasil dobrou à direita: uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.) aponta para a confluência de diferentes fatores explicativos, como o voto dos eleitores com níveis fundamental e médio de escolaridade, a afinidade conservadora com o segmento evangélico neopentecostal, entre outros. Ele, no entanto, não aprofunda o debate sobre a instrumentalização das mídias sociais feita por uma rede de apoiadores cujo comportamento agressivo e insidioso se tornou uma marca própria do bolsonarismo. Como se sabe, no período do impeachment de Dilma Rousseff já havia um largo contingente de grupos de interesse mobilizados pelo que Rocha (2019ROCHA, C. “Menos Marx, mais Mises”: uma gênese da nova direita brasileira (2006-2018). 2019. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.) identifica como um “amálgama ultraliberal-conservador”, entre eles o Movimento Brasil Livre (MBL), o VemPraRua, o EnDireita, o Revoltados Online e muitos outros. A tese de Avritzer (2020AVRITZER, L. Política e antipolítica: a crise do governo Bolsonaro. São Paulo: Todavia, 2020.) é a de que Bolsonaro soube se apropriar do discurso da antipolítica para derreter o Centro e polarizar o eleitorado. Mas o fato é que, mais uma vez, não há uma avaliação sobre os usos das mídias digitais pelo bolsonarismo. Nesse sentido, a análise de Gomes (2020GOMES, W. Crônica de uma tragédia anunciada: como a extrema-direita chegou ao poder. Salvador: Sagga, 2020.) é mais completa e detalhada ao chamar a atenção para como o ambiente digital serviu de palco para uma forte radicalização dos ânimos.

Entretanto, a despeito de haver diferentes abordagens e perspectivas sobre o recrudescimento da extrema-direita no país nos últimos anos, grande parte delas negligencia o papel desempenhado pelo humor nesse cenário, e mais especificamente pelo caráter lúdico dos memes circulados por simpatizantes dessa direita. Na maior parte das vezes, o humor é tratado como efeito ou sintoma e não como estratégia discursiva. Há, por exemplo, pouquíssimos trabalhos dedicados a compreender a construção histórica do humor no campo conservador no Brasil. E, se é possível reconhecer que os imbricamentos entre humor e política, no Brasil, estão longe de ser novidade, não há, até onde se tem notícia, evidência de que outros atores políticos tenham mobilizado tão fortemente seus apoiadores fazendo uso do humor e da subsequente normalização da barbárie discursiva que ele é capaz de provocar. Some-se a isso o razoável ineditismo não apenas da tecnologia digital, mas de formas específicas de tecnologia, como as plataformas de mensageria privada, que alteram radicalmente a paisagem comunicacional e política no Brasil nos últimos anos.

Em grupos de ferramentas de mensagem instantânea, como o WhatsApp, circulam memes e conteúdos virais com motivos mitológicos e bíblicos, referências à bandeira nacional e ao exército ou simplesmente referências a personagens da cultura pop, como o Capitão América, dando à figura do presidente elementos sobre-humanos. Bolsonaro aparece como um super-herói de quadrinhos lutando contra o mal ou de mãos dadas com Jesus em uma cruzada contra os infiéis. Também há referências com tom mais nitidamente misógino, seja no ataque a opositores políticos e ex-aliados, como a deputada federal de direita Joice Hasselmann, seja em referência a momentos e discursos da trajetória pessoal de Bolsonaro. Em todos os casos, destaca-se o caráter lúdico e diversionista das imagens, embora, especialmente para um observador de tendência democrática, elas nem sempre sejam efetivamente cômicas.

De orientação nacionalista, a extrema-direita bolsonarista tem-se destacado por uma retórica inusitada, que investe na justificativa de seus atos como não ameaça, tática que combina avançar e retroceder, sempre que há questionamento a suas ações e declarações por parte do público (Chagas, 2020aCHAGAS, V. Dolce farmeme: a retórica da brincadeira política. In: ENCONTRO ANUAL DA COMPÓS, 29., 2020, Campo Grande. Anais [...]. Campo Grande: Compós, 2020a. (Trabalho apresentado no GT de Comunicação e Política da Compós).). O resultado é uma forma de humor que exalta a liberdade de expressão em detrimento da justiça social. E isso fica evidente principalmente nas questões relacionadas às minorias, como gênero e etnia, em diversos aspectos do cotidiano brasileiro. Tornou-se rotineiro ouvir do poder público que a interpretação de seus atos estava errada, pois se tratava apenas de uma brincadeira (Chagas, 2020aCHAGAS, V. Dolce farmeme: a retórica da brincadeira política. In: ENCONTRO ANUAL DA COMPÓS, 29., 2020, Campo Grande. Anais [...]. Campo Grande: Compós, 2020a. (Trabalho apresentado no GT de Comunicação e Política da Compós).; 2020bCHAGAS, V. Making amends with memes. In: PHILLIPS, W. Media literacy toolkit. Commonplace. Cambridge: MIT Press, 2020b. Disponível em: <Disponível em: https://doi.org/10.21428/6ffd8432.ac155a53 >. Acesso em: 1 set. 2020.
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; cf. tb. Billig, 2001BILLIG, M. Humour and hatred: the racist jokes of the Ku Klux Klan. Discourse & Society, Loughborough, v. 12, n. 3, p. 267-289, 2001. https://doi.org/10.1177/0957926501012003001.
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; Weaver, 2011WEAVER, S. Jokes, rhetoric and embodied racism: a rhetorical discourse analysis of the logics of racist jokes on the internet. Ethnicities, Bristol, v. 11, n. 4, p. 413-435, 2011. https://doi.org/10.1177/1468796811407755.
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). Os partidários da extrema-direita do governo não só se regozijam com cada um desses discursos, mas exaltam, episódio após episódio, as características peculiares de seu humor nacionalista, com piadas que constroem a figura de Bolsonaro como herói nacional da liberdade ou, como vulgarmente ele é chamado, um mito. Essas piadas são frequentemente materializadas nas redes sociais como memes compartilhados pelos usuários. Ao mesmo tempo, os altos e baixos na circulação desses conteúdos sugerem que a análise histórica pode, de alguma forma, permitir conhecer a situação política brasileira em nuances. Entender, por exemplo, como esses memes da internet refletem eventos políticos pode ajudar a mapear um pouco o clima de opinião entre os usuários de uma determinada plataforma e, simultaneamente, captar leituras sobre a imagem pública de um determinado ator ou instituição.

Ao mesmo tempo, o fato de o WhatsApp ter-se tornado uma das principais plataformas sociais do país, com uma base de mais de 120 milhões de contas ativas (Santos, 2019SANTOS, J. G. B. Mobile networks and the Brazilian 2018 presidential election: from technological design to social appropriation. Brazil Studies Program One Pager, Oklahoma, n. 2, p. 1-2, 2019.), tem contribuído muito para a disseminação de um tipo peculiar de humor nas mídias sociais. Uma vez que a rede é construída de modo opaco por grupos relativamente restritos, em uma topologia muitas vezes descrita por especialistas como uma câmara de eco (Caetano et al., 2018CAETANO, J. A. et al. Analyzing and characterizing political discussions in WhatsApp public groups. ArXiv, abr. 2018. Disponível em: <Disponível em: https://arxiv.org/abs/1804.00397 >. Acesso em: 1 set. 2020.
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; Evangelista e Bruno, 2019EVANGELISTA, R.; BRUNO, F. WhatsApp and Political Instability in Brazil: Targeted Messages and Political Radicalisation. Internet Policy Review, Berlin, v. 8, n. 4, p. 1-23, 2019. https://doi.org/10.14763/2019.4.1434.
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; Resende et al., 2019RESENDE, G. et al. (Mis)Information dissemination in WhatsApp: gathering, analyzing and countermeasures. In: INTERNATIONAL WORLD WIDE WEB CONFERENCE COMMITTEE (WWW’19), 28., 2019, San Francisco. Proceedings […]. San Francisco: maio 2019. Disponível em: <Disponível em: https://people.mpi-sws.org/~johnme/pdf/resende_www2019_whatsapp.pdf >. Acesso em: 1 set. 2020.
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), é possível e até provável que essa estrutura tenha favorecido a difusão de um estilo humorístico duvidoso, que seria criticado em outras esferas mais abertas ao público (ver Pérez, 2013PÉREZ, R. Learning to make racism funny in the “color-blind” era: stand-up comedy students, performance strategies, and the (re)production of racist jokes in public. Discourse & Society, Thousand Oaks, v. 24, n. 4, p. 478-503, 2013. https://doi.org/10.1177/0957926513482066.
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). Portanto, a arquitetura e as affordances do WhatsApp também podem desempenhar um papel importante nesse cenário.

Por fim, como estudos anteriores sugerem, as mensagens trocadas em grupos de discussão política no WhatsApp por apoiadores de Bolsonaro intensificam-se conforme o político é confrontado por situações desfavoráveis. Chagas e Carreiro (2020CHAGAS, V.; CARREIRO, R. Macarthismo no zap: como se comporta a rede anticomunista de apoiadores de Jair Bolsonaro. In: CERVI, E.; WEBER, M. H. Impactos político-comunicacionais nas eleições brasileiras de 2018. Curitiba: Carvalho Comunicação/CPOP, 2020. p. 201-227.), por exemplo, demonstram que, sempre que uma pesquisa de intenção de votos nas eleições de 2018 apontava estagnação de Bolsonaro ou crescimento da candidatura de Fernando Haddad, havia um fluxo maior de mensagens de teor anticomunista nos grupos bolsonaristas. Desse modo, a tônica da desinformação e do humor de proselitismo político acompanha de perto a comunicação nesses ambientes. São várias as hipóteses para o uso político da desinformação, que abrangem desde o efeito cortina de fumaça, usado para desviar atenção das polêmicas em que o governo está envolvido, até o áspero clima político e os retrocessos morais e culturais que supostamente favorecem o presidente e seus aliados. Não é muito diferente com conteúdos humorísticos. Os memes podem ser empregados com o objetivo de distrair o público, mas também de cultivar um forte senso de identidade e pertencimento (Phillips e Milner, 2017PHILLIPS, W.; MILNER, R. The ambivalent internet: mischief, oddity, and antagonism online. Cambridge: MIT Press , 2017.), capaz até de suplantar as identidades minoritárias. Por isso, o nacionalismo, o folclore e a tradição religiosa são motivos fortes para os criadores desses conteúdos imagéticos. Compreender, portanto, quais são as características desse tipo de piada e avaliar como o humor conservador é construído tornou-se um desafio relevante.

Este artigo investiga o humor em memes de internet que circularam em grupos do WhatsApp de apoiadores de Bolsonaro durante seis meses de seu governo. As questões de pesquisa levantadas por este trabalho são as seguintes:

RQ1 - Quais são os principais elementos retóricos nacionalistas presentes nos memes compartilhados pela extrema-direita brasileira, notadamente aqueles que fazem menção direta à figura de Bolsonaro?

RQ2 - Quais características antidemocráticas esses memes compartilham?

RQ3 - A circulação desses memes reflete de alguma forma os acontecimentos recentes na vida política do país?

Esta investigação foi desenvolvida usando uma abordagem metodológica que combina análise de conteúdo e análise quanti-qualitativa de dados extraídos de uma amostra de imagens veiculadas em grupos públicos de discussão política no WhatsApp. Foram coletados e monitorados conteúdos de aproximadamente 150 grupos diferentes, que compõem a amostra construída pelo Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Culturas Políticas e Economia da Colaboração da Universidade Federal Fluminense desde o primeiro semestre de 2018. Os memes imagéticos que remetem a Bolsonaro foram selecionados e avaliados segundo eixos que buscam medir a presença de elementos retóricos, como a apresentação de símbolos nacionais, a referência a expressões e valores antidemocráticos, entre outras características. Também se identificaram quais representações eram mais frequentemente atribuídas ao presidente como herói, mártir, salvador, guerreiro e assim por diante. Por fim, procurou-se estabelecer uma série histórica de acontecimentos políticos recentes, a fim de encontrar correlações entre os picos presentes em cada um desses momentos e as representações acionadas pelos memes. Espera-se que a pesquisa esclareça algumas características apresentadas pelo humor de extrema-direita dos apoiadores de Bolsonaro no Brasil e chame a atenção para como o ambiente opaco do WhatsApp é capaz de favorecer a constituição de uma atmosfera pouco propensa a valores democráticos.

O papel do humor na construção da imagem de Bolsonaro

O humor assumiu papel fundamental na vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais brasileiras em 2018. O então deputado federal não apenas ganhou enorme visibilidade em programas humorísticos e de auditório, aproveitando-se de certa aura de político folclórico que lhe garantia passe livre para proferir ofensas e defender ideias controversas e de caráter fortemente antidemocrático, como incorporou ele próprio um personagem caricatural, comum apenas a azarões na política brasileira, como o candidato que sabe rir de si mesmo.

O Brasil sempre foi pródigo em personagens folclóricos na política. Grande parte de seus políticos de maior expressão teve certa faceta pitoresca ou extravagante. Chama a atenção, por exemplo, o modo como atores políticos sistematicamente mobilizam artifícios lúdicos e popularescos em suas respectivas campanhas eleitorais, a fim de persuadir o eleitorado. Um dos casos mais notáveis, sob o ponto de vista histórico recente, é o de Jânio Quadros na década de 1960, que conduziu uma campanha eleitoral de caráter marcadamente populista, em que brandia uma vassoura nas mãos e dizia que iria varrer a corrupção do país (Queler, 2010QUELER, J. J. Quando o eleitor faz a propaganda política: o engajamento popular na campanha eleitoral de Jânio Quadros (1959-1960). Tempo, Niterói, v. 14, n. 28, p. 59-84, 2010. https://doi.org/10.1590/S1413-77042010000100003.
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). O trocadilho foi também empregado em seu jingle na ocasião, e Jânio distribuiu a seus eleitores uma espécie de kit promocional com uma ampola de vidro e uma miniatura de vassoura em seu interior, que chamava de vassouricilina, um jogo de palavras com o antibiótico penicilina.

No período da redemocratização, outro político acabou surpreendendo nas urnas ao alcançar um imprevisível terceiro lugar no pleito presidencial em 1989. Com uma campanha praticamente sem recursos e muito pouco tempo de televisão, ele não apenas apelava a uma plataforma nacionalista e conservadora, mas empregava recursivamente um bordão entonado enfaticamente: “Meu nome é Enéas”. Embora não se tratasse de uma peça com qualquer tipo de humor implícito, a propaganda de Enéas Carneiro acabou dando vazão a uma “imagem e alternativa que transitavam entre o voto de protesto, autoritário e/ou folclórico”, como destaca Caldeira Neto (2016CALDEIRA NETO, O. “Nosso nome é Enéas!”: Partido de Reedificação da Ordem Nacional (1989-2006). 2016. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.: 81). Cabe lembrar que episódio semelhante ocorre com a eleição do palhaço Tiririca a deputado federal por São Paulo, em 2010, após uma campanha em que ele próprio caçoava do sistema político brasileiro em seu slogan “pior que tá não fica”.

Embora não seja o objetivo deste artigo recompor de forma acontecimental os usos e apropriações do humor por parte de atores políticos, é importante registrar que, em praticamente todos os ciclos eleitorais mais recentes, um candidato tem-se destacado por incorporar estrategicamente o humor como parte de seu discurso. Os exemplos mais notáveis, no âmbito da corrida ao Executivo Federal, geralmente estão associados a candidatos provenientes de partidos de pouca expressão. Isso sugere que o humor tem servido como forma de disputar visibilidade midiática, ainda que, em grande medida, ele não necessariamente se reverta em votos. É como se uma batalha subjacente à principal fosse travada entre os candidatos nanicos, e, especialmente nos últimos anos, as mídias digitais têm desempenhado um papel importante na absorção dessa disputa.

Foi o caso, por exemplo, de Plínio de Arruda Sampaio, do partido Socialismo e Liberdade, em 2010. A campanha de Plínio conseguiu reverter a imagem de que o candidato não teria penetração entre os jovens, apostando intensamente nas mídias sociais (Boechat, 2010BOECHAT, Y. Punk aos 80. IstoÉ, n. 2127, 18 ago. 2010. Disponível em: <Disponível em: https://istoe.com.br/95210_PUNK+AOS+80/ >. Acesso em: 1 set. 2020.
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). Ao ver-se alijado dos debates televisivos, o presidenciável convocou tuitaços e debates paralelos, que o fizeram rapidamente assumir certo protagonismo entre usuários das redes sociais on-line e da assim chamada memesfera brasileira. Um fenômeno semelhante, mas de ainda maior proporção, deu-se no ciclo seguinte, quando o então candidato do Partido Verde, Eduardo Jorge, tornou-se alvo de chacota pelo gestual exagerado e por tiradas cômicas e improvisadas proferidas durante sua participação no primeiro debate televisionado. Como sustenta Freire (2016FREIRE, F. Memes, humor e política nas eleições presidenciais de 2014. 2016. Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.), a campanha de Jorge soube se apropriar do humor, revertendo o deboche a seu favor e criando um slogan que misturava um bordão seu em um dos debates (“Quero!”) com o mote da campanha vitoriosa de Barack Obama em 2008, dando origem a uma série de peças bem-humoradas com a frase “Yes We Quero”.

Nas eleições presidenciais mais recentes, o lugar ocupado por Plínio Sampaio e Eduardo Jorge coube a Cabo Daciolo, candidato igualmente de pouca expressão, que se notabilizou por declarações de cunho fundamentalista e conspiracionista que logo foram ridicularizadas em memes na internet. A campanha de Daciolo procurou surfar na onda, investindo em transmissões de lives diretamente de um suposto retiro espiritual que o candidato fez durante o pleito. Mas não houve um esforço claro de tentar incorporar a chacota e revertê-la a seu favor.

Esse esforço esteve mais evidente na campanha de Jair Bolsonaro à presidência da República, no mesmo ano. Tendo despontado como um dos favoritos na corrida eleitoral, o candidato investiu pesadamente em uma estratégia que procurava suavizar sua imagem como sujeito conservador e de tendência autoritária fazendo uso do humor. Bolsonaro era não apenas retratado como um político que levava na esportiva piadas sobre si próprio, mas que recorria insistentemente a uma retórica da brincadeira (Chagas, 2020aCHAGAS, V. Dolce farmeme: a retórica da brincadeira política. In: ENCONTRO ANUAL DA COMPÓS, 29., 2020, Campo Grande. Anais [...]. Campo Grande: Compós, 2020a. (Trabalho apresentado no GT de Comunicação e Política da Compós).) para justificar declarações preconceituosas e inadequadas. Some-se a isso um longo histórico de participações prévias em programas de caráter popular na televisão, sempre defendendo posições conservadoras e se aproveitando de uma repercussão por sua figura folclórica, o candidato mobilizou simultaneamente um voto de protesto e insatisfação e um voto conservador.

Cabe ressaltar que, muito embora a campanha de Jair Bolsonaro à presidência tenha sido hábil em mobilizar o eleitorado pelas mídias sociais, ela certamente não se resume a esse ambiente. Nesse sentido, ainda que ela se insira na terceira fase histórica das campanhas on-line, tais como descritas por Aggio (2010AGGIO, C. Campanhas online: o percurso de formação das questões, problemas e configurações a partir da literatura produzida entre 1992 e 2009. Opinião Pública, Campinas, v. 16, n. 2, p. 426-445, 2010. https://doi.org/10.1590/S0104-62762010000200006.
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), em que é predominante a mobilização do eleitorado com o uso de e-mails, sites e mídias sociais e em que, como reconhece Penney (2015PENNEY, J. The citizen marketer: promoting political opinion in the social media age. Oxford: Oxford University Press , 2015.), o “cidadão-marqueteiro” ganha relevo, não é possível desconsiderar o ecossistema integrado (Chadwick, 2013CHADWICK, A. The hybrid media system: politics and power. Oxford: Oxford University Press , 2013.) em que se desenvolve. Dessa forma, a passagem de Bolsonaro por inúmeros programas de auditório fornecia insumo histórico para a constituição de um imaginário em torno do candidato que, em última instância, apelava ao humor como recurso para sua aceitação.

Assim é que a passagem de Bolsonaro pelo programa de humor CQC era lembrada. Em 2011, quando chamado para responder a questões de pessoas comuns em um quadro, afirmações de cunho homofóbico e racista foram encaradas com naturalidade em função do perfil conservador do político. Na ocasião, ao ser perguntado sobre o que faria se um filho se apaixonasse por uma negra, respondeu dizendo que não iria discutir promiscuidade. E, ao ser indagado sobre o que faria se um filho se assumisse gay, respondeu que seus filhos eram muito bem educados por ele para respeitar os bons costumes1 1 Ver: <https://www.youtube.com/watch?v=Z4CoY_82LAQ>. Acesso em: 1 set. 2020. .

Em inúmeros quadros polêmicos similares em programas de auditório como Superpop2 2 Ver: <https://tv.uol/17UhV>. Acesso em: 1 set. 2020. , Raul Gil3 3 Ver: <https://www.youtube.com/watch?v=Znb957Gqwz8>. Acesso em: 1 set. 2020. , Ratinho4 4 Ver: <https://www.youtube.com/watch?v=TWq-BuJUfW4>. Acesso em: 1 set. 2020. , Datena5 5 Ver: <https://bit.ly/34ZT5Ad>. Acesso em: 1 set. 2020. e Pânico6 6 Ver: <https://www.youtube.com/watch?v=xpqgmnhmJao>. Acesso em: 1 set. 2020. , Bolsonaro acumulou um portfólio de declarações que, apesar de lhe renderem notificações extrajudiciais e processos, jamais tiveram qualquer repercussão mais séria. Assim, o político acabou por se beneficiar enormemente da visibilidade midiática adquirida na televisão tabloide, sempre retratado como pessoa conservadora, mas simples e bem-humorada.

O fato de que talk shows como Pânico e CQC gozaram, durante muitos anos, de grande audiência entre a população mais jovem fez com que Bolsonaro rapidamente alcançasse popularidade entre um estrato específico do eleitorado. Somando-se ainda o apelo entre os segmentos mais conservadores, como os de militares e evangélicos neopentecostais, o candidato rapidamente se tornou um dos favoritos na corrida eleitoral. Reverenciado como “mito” por seus apoiadores, um reflexo do caráter folclórico que ele assumiu em face dessa exposição, o político repetidamente fez uso de expressões misóginas, racistas e homofóbicas não apenas durante a campanha, mas depois dela, já no governo.

O humor de Bolsonaro é discutível e agressivo, mas em grande medida é o seu apelo para o senso comum, que o legitima como um sujeito que diz o que pensa, sem constrangimentos. A cruzada de Bolsonaro contra o assim chamado “politicamente correto” é notória, aliás. Já em seu discurso de posse como presidente ele dizia que iria libertar o Brasil do politicamente correto (Brígido e Gulino, 2019BRÍGIDO, C.; GULINO, D. “Vamos libertar o povo do socialismo e do politicamente correto”, diz Bolsonaro. O Globo, Rio de Janeiro, 1 jan. 2019. Disponível em: <Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/vamos-libertar-povo-do-socialismo-do-politicamente-correto-diz-bolsonaro-23339518 >. Acesso em: 1. set. 2020.
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). Em várias de suas provocações, quando confrontado pela opinião pública, Bolsonaro tem retroagido e se justificado, afirmando se tratar de meras brincadeiras. O artifício vem sendo reconhecido como estratégia retórica reacionária adicional às três teses levantadas por Hirschman de que não apenas o presidente, mas um conjunto expressivo de seus admiradores e apoiadores, vêm fazendo uso recentemente (Chagas, 2020aCHAGAS, V. Dolce farmeme: a retórica da brincadeira política. In: ENCONTRO ANUAL DA COMPÓS, 29., 2020, Campo Grande. Anais [...]. Campo Grande: Compós, 2020a. (Trabalho apresentado no GT de Comunicação e Política da Compós).). A retórica da brincadeira consiste amiúde em se lançar mão de um argumento que encobre o caráter antidemocrático e reacionário de outro com um véu de ludicidade, normalmente a posteriori, a fim de se eximir de responsabilidade pelos efeitos provocados por tal declaração. Desse modo, o humor vem sendo incorporado por segmentos conservadores e até extremistas, interessados em desqualificar eventuais questionamentos de seus adversários políticos.

A literatura que procura observar o entrecruzamento entre humor e política tem-se preocupado sobremaneira com os usos subversivos do humor. Especialmente no que respeita à sociabilidade no ambiente digital, a metáfora da carnavalização empregada por Bakhtin (1987BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 1987.) no contexto da Idade Média vem sendo frequentemente revisitada por pesquisadores afeitos aos estudos sobre comunidades on-line e memes de internet (Beyer, 2014BEYER, J. Expect us: online communities and political mobilization. Oxford: Oxford University Press, 2014.; Milner, 2016MILNER, R. The world made meme. Cambridge: MIT Press , 2016.). Muitos deles referem-se à sátira a autoridades públicas nas mídias sociais na dimensão da polifonia e exaltam o uso do humor como instrumento para a crítica ao poder. Não à toa, o conceito de brincadeira política desenvolvido por Bennett (1979BENNETT, W. L. When politics becomes play. Political Behavior, Washington, v. 1, n. 4, p. 331-359, 1979. https://doi.org/10.1007/BF00989808.
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; cf. tb. Chagas e Fonseca, 2020CHAGAS, V.; FONSECA, V. L. Faster, higher, stronger: Sports fan activism and mediatized political play in the 2016 Rio Olympic Games. Transformative Works and Cultures, [S.l.], v. 32, 2020. https://doi.org/10.3983/twc.2020.1707.
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) reforça o aspecto de que a brincadeira seria performada por grupos marginalizados. Entretanto, mais do que uma condição natural, esse caráter é fruto de um viés analítico pelo qual historiadores e cientistas sociais têm-se guiado ao privilegiarem, em suas pesquisas, a análise sobre o comportamento do campo progressista em detrimento dos segmentos conservadores, como se estes não possuíssem um humor que lhes é peculiar.

Somente mais recentemente, estudos têm reconhecido o backlash cultural e o ativismo troll como táticas consagradas de grupos de interesse e atuação política (Norris e Inglehart, 2019NORRIS, P.; INGLEHART, R. Cultural backlash: Trump, Brexit, and authoritarian populism. Cambridge: Cambridge University Press, 2019.; Phillips e Milner, 2017PHILLIPS, W.; MILNER, R. The ambivalent internet: mischief, oddity, and antagonism online. Cambridge: MIT Press , 2017.). Mas a corrente dos estudos críticos do humor tem enfatizado há algum tempo que o humor racista e misógino, por exemplo, pode auxiliar na construção de preconceitos e reforçar estereótipos opressivos (Billig, 2001BILLIG, M. Humour and hatred: the racist jokes of the Ku Klux Klan. Discourse & Society, Loughborough, v. 12, n. 3, p. 267-289, 2001. https://doi.org/10.1177/0957926501012003001.
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; Weaver, 2011WEAVER, S. Jokes, rhetoric and embodied racism: a rhetorical discourse analysis of the logics of racist jokes on the internet. Ethnicities, Bristol, v. 11, n. 4, p. 413-435, 2011. https://doi.org/10.1177/1468796811407755.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
). O humor empregado por Jair Bolsonaro e seus correligionários pode ser classificado como de um tipo que reproduz esses estereótipos, aplicando sobre eles um verniz nacionalista, e que dilui identidades. Seu objetivo é disseminar uma imagem populista que recusa o atendimento a pautas e agendas das minorias e exalta, como é típico em regimes autoritários, a figura do líder como expressão metonímica da própria nação.

Grande parte dos memes bolsonaristas, portanto, apresenta o presidente como seu protagonista, seja na condição de herói, de ungido ou de vítima de uma sociedade perversa e dividida pelo campo progressista. Muitos desferem ataques aos adversários políticos ou à mídia, facilitando um ambiente de campanha negativa apócrifa promovido não por agentes políticos mas por usuários comuns, cidadãos ordinários, o que dificulta em alguma medida a tomada de ações em represália. Além disso, a relação entre os acontecimentos políticos e a circulação de conteúdos como esses memes nas mídias sociais é bastante evidente. Em períodos de maior agitação social e crises no governo, há frequentemente uma intensificação na produção e no compartilhamento dessas peças, de modo que estudar os memes é compreender, em algum sentido, os reflexos da conjuntura política nas redes.

Os memes de internet no WhatsApp

No Brasil, dados do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), sob os auspícios da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), dão conta de que o ritmo de adesão a serviços de comunicação com ênfase em mensagens privadas aumentou de modo substancial de 2012 para cá. Naquele ano, quando perguntadas sobre que usos de serviços de comunicação on-line faziam, 59% dos entrevistados disseram utilizar aplicativos de mensagens instantâneas. Para efeito de comparação, 73% deles disseram fazer uso de redes sociais on-line. Em 2019, dado mais recente até o momento, a utilização de redes sociais on-line permanece na faixa de 76% de adesão, ao passo que os aplicativos de mensagens alcançaram 92%.

Nas eleições em 2018, a estratégia eleitoral de Jair Bolsonaro baseou-se em um ecossistema integrado de grupos de discussão política no WhatsApp, responsável por disseminar informações sobre a campanha, mobilizar eleitores para carreatas, vender camisetas e adesivos de apoio, entre outras ações. Ainda que outros candidatos também possuíssem grupos e listas de transmissão no aplicativo, a rede bolsonarista no WhatsApp beneficiou-se de articulações preexistentes e estruturas de grupos de diferentes movimentos de direita que já vinham se organizando por meio da plataforma. Como resultado, os grupos de apoio a Bolsonaro compuseram uma rede de altíssima capilaridade, que se tornou um de seus principais trunfos na corrida eleitoral. Além da intensa troca de mensagens, esses grupos notabilizaram-se por difundir mensagens com caráter de desinformação, muitas vezes com teor conspiratório e apelo notável ao humor, como é comum nos memes de internet.

Conquanto seja frequentemente encarado como novidade, o conceito de meme tem uma longa tradição acadêmica, que remonta à década de 1970, quando foi criado e desenvolvido pelo biólogo Richard Dawkins7 7 Neste artigo, em virtude das limitações de espaço a que estamos sujeitos, não aprofundaremos a revisão deste conceito. Para mais detalhes, sugerimos consultar Chagas (2020c). . Nos últimos anos, porém, autores como Shifman (2014SHIFMAN, L. Memes in digital culture. Cambridge: MIT Press , 2014.) e Chagas et al. (2017CHAGAS, V.; FREIRE, F.; RIOS, D.; MAGALHÃES, D. A política dos memes e os memes da política: proposta metodológica de análise de conteúdo de memes dos debates eleitorais de 2014. Intexto, Porto Alegre, n. 38, p. 173-196, 2017. https://doi.org/10.19132/1807-8583201738.173-196.
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) têm procurado reorientar o debate para fazê-lo assumir a perspectiva nativa, com base na leitura que os usuários de mídias sociais passaram a fazer ao designar por meme um fenômeno próprio do ambiente digital. Assim, o meme é descrito por Patrick Davison (2020 DAVISON, P. A linguagem dos memes de internet: dez anos depois. In: CHAGAS, V. A cultura dos memes: aspectos sociológicos e dimensões políticas de um fenômeno do mundo digital. Salvador: EdUFBA , 2020. p. 139-155.) como uma peça digital, tipicamente uma piada, que ganha influência por meio de sua transmissão on-line. Ainda que haja questionamentos sobre a condição desses conteúdos como peças de humor, este artigo ancora-se na definição de Davison para analisar as imagens circuladas em grupos bolsonaristas no WhatsApp.

De acordo com Chagas et al. (2017CHAGAS, V.; FREIRE, F.; RIOS, D.; MAGALHÃES, D. A política dos memes e os memes da política: proposta metodológica de análise de conteúdo de memes dos debates eleitorais de 2014. Intexto, Porto Alegre, n. 38, p. 173-196, 2017. https://doi.org/10.19132/1807-8583201738.173-196.
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), cuja proposta taxonômica se baseia em categorias previamente definidas por Shifman (2014SHIFMAN, L. Memes in digital culture. Cambridge: MIT Press , 2014.) e outros pesquisadores, os memes de internet podem desempenhar uma função persuasiva na expectativa de angariar simpatizantes a uma determinada corrente ideológica, estimular ações populares coletivamente performadas no ambiente digital, ou ainda favorecer um processo regular de sociabilização com a política e o debate público. Essa compreensão pode auxiliar no reconhecimento de que os memes políticos que circulam no WhatsApp podem guardar diferenças em relação aos que circulam por outras plataformas, especialmente em função da arquitetura com que a do WhatsApp se apresenta ao usuário.

O WhatsApp é caracterizado como uma plataforma de mensagens privadas. Não há perfil público para usuários nem métricas sociais, como número de curtidas ou compartilhamentos (Chagas, Modesto e Magalhães, 2019CHAGAS, V.; MODESTO, M.; MAGALHÃES, D. O Brasil vai virar Venezuela: medo, memes e enquadramentos emocionais no WhatsApp pró-Bolsonaro. Esferas, Brasília, n. 14, p. 1-17, 2019. http://dx.doi.org/10.31501/esf.v0i14.10374.
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; Evangelista e Bruno, 2019EVANGELISTA, R.; BRUNO, F. WhatsApp and Political Instability in Brazil: Targeted Messages and Political Radicalisation. Internet Policy Review, Berlin, v. 8, n. 4, p. 1-23, 2019. https://doi.org/10.14763/2019.4.1434.
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; Moura e Michelson, 2018MOURA, M.; MICHELSON, M. R. WhatsApp in Brazil: mobilising voters through door-to-door and personal messages. Internet Policy Review, Berlin, v. 6, n. 4, p. 1-18, 2018. https://doi.org/10.14763/2017.4.775.
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). Nenhuma informação na plataforma permite a identificação do circuito de disseminação do conteúdo. A aplicação assenta-se num sistema de criptografia ponta a ponta, que na mesma proporção em que garante a inviolabilidade do sistema favorece a opacidade na troca de mensagens (Chagas, 2019CHAGAS, V. Eleições no WhatsApp: a atuação de redes conservadoras em ambientes de campanha opaca e ecossistemas midiáticos híbridos. In: CONGRESO INTERNACIONAL ALAS, 32., 2019, Lima. Anais [...]. Lima: Universidad Nacional Mayor de San Marcos, 2019.; Santos, 2019SANTOS, J. G. B. Mobile networks and the Brazilian 2018 presidential election: from technological design to social appropriation. Brazil Studies Program One Pager, Oklahoma, n. 2, p. 1-2, 2019.). Grosso modo, uma vez que é virtualmente impossível ao usuário identificar a trajetória dos conteúdos e as redes de afiliação dos membros de cada grupo, já que o aplicativo não fornece essas informações com clareza, o que se tem é um espaço marcado por um tom fortemente ideológico nas mensagens compartilhadas, em que toda e qualquer tendência à dissonância é sumariamente eliminada ou silenciada. Os memes refletem essa configuração. No WhatsApp, é comum e até certo ponto rotineiro encontrar memes que privilegiam uma mensagem persuasiva em detrimento do humor situacional. Muitos deles, ainda que apresentem tom lúdico, não podem claramente ser definidos como piadas.

Além disso, o WhatsApp muitas vezes parece servir como uma espécie de hub para outras plataformas sociais, de modo que os conteúdos compartilhados por meio de seus grupos têm fontes diversas, como o YouTube e blogs de viés conservador ou que disseminam abertamente desinformação. Os memes imagéticos circulados nesses grupos muitas vezes dialogam diretamente com esse tipo de prática. Outro aspecto que chama a atenção é a utilização reiterada de cores e motivos nacionais nos memes compartilhados, como forma de caracterizar o ambiente como sendo de apoio irrestrito ao governo. Todos esses fatores contribuem para que os memes de WhatsApp sejam compreendidos como uma memesfera particular em relação àquelas que se constituem em outros ambientes e a respeito de outros temas. Nas páginas a seguir, discute-se como os memes bolsonaristas articulam humor e nacionalismo em suas mensagens e como retratam o presidente Jair Bolsonaro.

Metodologia

No presente artigo, analisa-se um conjunto de imagens extraído de grupos bolsonaristas no WhatsApp. Essas imagens integram uma amostra dos conteúdos coletados por meio de um monitoramento sistemático desenvolvido em grupos públicos de discussão política disponíveis no ecossistema do aplicativo. Os grupos compõem uma amostra não probabilística e foram selecionados com o uso de uma metodologia de bola de neve. Em um grupo público de discussão política, o pesquisador observa a circulação de links de convites a outros grupos e pode então acessá-los. O tamanho da amostra foi definido ao se alcançar um ponto de saturação na circulação dos convites públicos. Esta metodologia é descrita em mais detalhes em Chagas, Modesto e Magalhães (2019CHAGAS, V.; MODESTO, M.; MAGALHÃES, D. O Brasil vai virar Venezuela: medo, memes e enquadramentos emocionais no WhatsApp pró-Bolsonaro. Esferas, Brasília, n. 14, p. 1-17, 2019. http://dx.doi.org/10.31501/esf.v0i14.10374.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.315...
). Como a pesquisa em um ambiente como o WhatsApp lida constantemente com dados de natureza privada, nenhuma informação referente aos grupos ou aos usuários pesquisados é apresentada, se não em nível agregado. Por essa razão, os dados trabalhados ao longo dessa investigação são, em grande medida, investidos de um esforço de análise quantitativo e estatístico-descritivo, muito embora a análise de conteúdo consista, como advoga Krippendorf (2010KRIPPENDORF, K. H. Content analysis: an introduction to its methodology. Thousand Oaks: Sage, 2010.), mormente em uma interpretação quanti-qualitativa dos dados.

O monitoramento é realizado desde o primeiro semestre de 2018 em 150 grupos de apoiadores de Jair Bolsonaro, mas, para esta investigação, utilizou-se uma amostra reduzida aleatoriamente de cerca de 40 grupos integrantes da base monitorada. Esses grupos comportam no máximo 256 usuários cada, limite estabelecido pela própria plataforma, e têm em média cerca de 120 usuários. A rede é composta de 5,4 mil usuários associados aos grupos monitorados.

O WhatsApp é composto de uma estrutura de grupos e listas de transmissão. Neste último caso, somente administradores podem publicar conteúdos, ao passo que nos primeiros, a discussão é aberta e horizontal entre os membros. Os grupos dividem-se entre os públicos e os privados, caracterizando-se os primeiros como aqueles cujos convites circulam publicamente na plataforma e permitem o ingresso indiscriminado de qualquer usuário.

Os grupos têm composição volátil e um fluxo constante de usuários e moderadores. Além disso, grupos novos são criados a todo momento e outros são extintos ou têm o seu nome alterado, a depender de situações particulares. Essas questões tornam o monitoramento temporalmente dilatado desses ambientes de difícil operação. Some-se a isso o fato de que a rede bolsonarista é reconhecidamente um ambiente hostil à pesquisa. Por essa razão, utilizou-se uma metodologia conhecida como pesquisa encoberta, em que o pesquisador não se apresenta como tal aos sujeitos observados. Esse método é respaldado por decisões anteriores do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa no Brasil e a presente investigação foi devidamente aprovada por esse órgão.

A fim de compor uma amostra dos conteúdos imagéticos circulados nesses grupos, estabeleceu-se o período entre os meses de janeiro a junho de 2020 como recorte capaz de compreender não apenas um período suficientemente distante da corrida eleitoral e, portanto, de suposta calmaria política, mas também que abrangesse os acontecimentos recentes relacionados à pandemia de COVID-19. Isso por que estes, na prática, terminaram por impulsionar sucessivas crises no governo, entre elas a saída de pelo menos quatro ministros, que deixaram o governo por motivos diversos.

Definida a abrangência da análise, o passo seguinte foi coletar as imagens circuladas nesse período. O total de 11.374 imagens foi compartilhado nesses grupos, entretanto optou-se por trabalhar especificamente com memes imagéticos que representassem e fizessem referência direta a Jair Bolsonaro. Excetuaram-se, ainda, capturas de tela e conteúdos que apenas divulgavam manifestações em favor do presidente e utilizavam sua imagem como forma de captar atenção de outros usuários.

No fim, chegou-se a um corpus de exatos 200 memes imagéticos, que perfazem um documento de seu tempo. A partir daí, procedeu-se a uma análise de conteúdo sobre essas imagens, levando-se em consideração quatro variáveis principais, conforme se segue.

A primeira variável de análise diz respeito à classe ou gênero de um meme. Este pode ser classificado alternadamente como persuasivo, de ação popular ou de discussão pública, conforme taxonomia definida por Chagas et al. (2017CHAGAS, V.; FREIRE, F.; RIOS, D.; MAGALHÃES, D. A política dos memes e os memes da política: proposta metodológica de análise de conteúdo de memes dos debates eleitorais de 2014. Intexto, Porto Alegre, n. 38, p. 173-196, 2017. https://doi.org/10.19132/1807-8583201738.173-196.
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) em estudos anteriores. Uma quarta classe indica quando há casos em que fica patente alguma ambiguidade ou ambivalência entre os demais gêneros. O objetivo dessa variável é permitir que se avalie se os conteúdos que circulam pelo WhatsApp são mais frequentemente de caráter persuasivo e marcadamente ideológico, como se supõe.

A variável seguinte diz respeito ao modo como Bolsonaro é representado visual e semanticamente nos memes analisados. Para isso, construiu-se um conjunto de categorias que procurou dar conta de todas as representações acionadas nas imagens. Bolsonaro apareceu representado como:

  • herói ou líder, isto é, um sujeito que expressa força e vontade superiores, que se opõe a um vilão ou que simplesmente é capaz de liderar as massas;

  • vítima, ou seja, um sujeito que sofre ataques, é ferido ou violentado por outrem;

  • mártir ou injustiçado, isto é, um sujeito submetido a suplícios, ou executado, pela recusa de renunciar à sua fé ou aos seus princípios;

  • salvador ou ungido, pessoa que recebeu uma benção, foi escolhida por uma divindade ou apresenta-se como a divindade ela mesma, e, portanto, é capaz de operar milagres;

  • guerreiro ou justiceiro, pessoa que faz justiça de modo rigoroso, que luta e aplica sanções de forma muitas vezes impiedosa;

  • abnegado ou honesto, sujeito dotado de moral ímpar, que não busca acumular bens materiais, é incorruptível;

  • pícaro, sujeito esperto, sagaz, dotado de bom humor e capaz de despertar o riso nas situações que encena;

  • pessoa comum, ou seja, um cidadão como outro qualquer, parte do povo, em oposição às elites;

  • pai dos pobres, que ou aquele que representa os desvalidos, benemérito.

A terceira variável é de natureza objetiva e não excludente e procura apreender se o conteúdo apresenta visualmente alguma referência às cores nacionais (verde e amarelo), ao brasão de armas da República e à faixa presidencial, à bandeira nacional, ao mapa do Brasil, a motivos da História imperial ou republicana, às forças armadas, aos recursos naturais brasileiros, a alguma evocação de patriotismo, ou a ídolos do esporte nacional.

E a quarta variável, também não excludente, procurou identificar expressões antidemocráticas nas imagens analisadas, como misoginia, homofobia, racismo, apologia à ditadura militar e a restrições de liberdades, apologia ao armamento civil, anticomunismo e antiterrorismo, discurso antidrogas, ataques a adversários e instituições políticas, ou ainda ataques aos meios de comunicação. Por fim, os dados foram também analisados de acordo com a data de circulação das imagens. Ressalte-se que esta investigação leva em conta apenas imagens únicas, isto é, sem considerar conteúdos que se repetem ao longo do tempo.

Para a análise da série histórica de circulação dos memes, levaram-se em conta os dados relativos à data original da primeira publicação das imagens. Esses dados permitem estabelecer uma comparação entre as crises por que atravessou o governo Bolsonaro nos últimos meses, repercutidas nos principais meios de comunicação do país, e os dados extraídos do WhatsApp, com o objetivo de avaliar se, de algum modo, a frequência de compartilhamento de memes sobre Bolsonaro espelha esses acontecimentos. De posse dessas informações, passou-se então à fase final de análise dos resultados.

Discussão

Os memes de Bolsonaro circulados em grupos de WhatsApp cumprem prioritariamente uma função persuasiva, em detrimento de uma expressão de ação popular ou discussão pública. Do total de memes analisados, 54,5% (n=109) foram enquadrados desse modo, o que implica que a grande maioria desses memes conserva características propagandísticas em relação à figura do Presidente da República (Tabela 1).

Tabela 1 -
Funções dos memes analisados.

É também notável a incidência de uma representação de Bolsonaro nessas imagens como um grande herói ou líder (13%), muitas vezes se atribuindo ao presidente virtudes pessoais como coragem e força de caráter. Bolsonaro aparece representado recorrentemente também como vítima (11,5%) ou mártir (10%), conforme se nota na Tabela 2. Entretanto, é importante ressaltar que os memes persuasivos sobre Bolsonaro estão geralmente mais associados a outros papéis, como o guerreiro, o salvador ou o abnegado. Essa descoberta sugere que os memes não são apenas marcadamente ideológicos, mas também apologéticos, exaltando a figura do presidente por meio de representações benignas. Bolsonaro tem invariavelmente seu caráter, sua bravura, sua masculinidade, ou sua honestidade - esta última em contraste com as acusações de corrupção usualmente feitas aos adversários políticos. Os memes reforçam essa linguagem e contribuem para a construção da imagem pública do próprio presidente.

Tabela 2 -
Representações arquetípicas.

A análise de correspondência canônica apresentada no Gráfico 1 indica que a representação de Bolsonaro como herói ou líder é geralmente mais associada a memes de ação popular, com imagens que geralmente trazem exortações majestáticas, com pedidos e chamados à ação para o destinatário (“Estamos com você até o fim”). Os memes de discussão pública normalmente estão mais associados a representações picarescas de Bolsonaro ou como uma pessoa comum, e encontram-se em oposição direta às imagens persuasivas.

Gráfico 1 -
Análise de correspondência canônica entre funções dos memes e representações de Bolsonaro.

Com relação aos motivos nacionalistas, as cores nacionais (33,5%) e a bandeira do Brasil (29,5%) são os elementos mais reiteradamente acionados nos memes. Mas chama a atenção também o uso do brasão de armas da República Federativa do Brasil (13,5%) e de referências às Forças Armadas (13%), entre outras alusões (Tabela 3). A correlação entre essa variável e as representações sobre a imagem de Bolsonaro, mais uma vez, é capaz de elucidar pontos interessantes. Por exemplo, a figura do herói ou líder, assim como a do guerreiro ou justiceiro, está mais associada ao uso de referências às Forças Armadas no meme, ao passo que o mártir, o salvador, o abnegado e a vítima estão mais frequentemente associados à bandeira e/ou ao brasão (Gráficos 2 e 3). As correlações mostram mais uma vez que os memes em defesa do governo Bolsonaro frequentemente evocam uma retórica nacionalista e belicista. Embora a maioria dos materiais analisados busque simultaneamente fazer rir e persuadir, pode-se inferir que o humor nesses memes é oposto ao humor satírico e à profanação bakhtiniana. Eles apresentam uma defesa apaixonada do governo, baseada em uma construção metonímica da nação.

Tabela 3 -
Motivos nacionalistas.

Gráfico 2 -
Análise de correspondência canônica entre representações de Bolsonaro e motivos nacionalistas.

Gráfico 3 -
Representações de Bolsonaro e motivos nacionalistas (valores absolutos).

Os memes sobre Bolsonaro compartilhados em grupos de discussão política no WhatsApp, por vezes, expressam valores antidemocráticos. A análise de conteúdo procurou codificar alguns desses casos, na expectativa de mapear situações em que o presidente era associado a episódios ou declarações de caráter homofóbico, racista, misógino e assim por diante. Na maior parte das vezes, no entanto, memes com pendor explicitamente antidemocrático não estão associados à imagem do presidente, de modo que circulam nos grupos de WhatsApp de forma difusa, como parte do ambiente bolsonarista, sem evocar diretamente o presidente. É como se, a fim de preservá-la, a imagem de Bolsonaro não pudesse ser conspurcada com temas escancaradamente controversos. Por outro lado, há alguns poucos memes que trazem piadas racistas ou homofóbicas, mesmo que não as reconheçam como tais. No rol de expressões antidemocráticas, os memes que perfazem ataques diretos a adversários, ex-aliados ou instituições políticas são a absoluta maioria (23,5%). Outros 10% (n=20) fazem apologia à ditadura militar, e 7,5% (n=15) atacam os meios de comunicação (Tabela 4).

Tabela 4 -
Expressões antidemocráticas.

A alta incidência de memes que trazem ataques virulentos contra oponentes e instituições políticas sugere que esses conteúdos são literalmente veículos de uma retórica antagônica, cujo principal prejudicado é o pluralismo político. Os memes que fazem apologia à ditadura militar mobilizam o discurso militarista atrelado ao negacionismo histórico com o intuito claro de redimir o regime autocrático. Na prática, portanto, mesmo quando não são portadores diretos de valores antidemocráticos, esses memes fazem parte de um ecossistema de discursos perigosos e afirmam um senso de humor tipicamente associado à perspectiva hobbesiana do riso como forma de dominação.

Um aspecto adicional da análise diz respeito à relação entre a circulação de memes bolsonaristas e os acontecimentos políticos concernentes ao governo. Em um primeiro momento, chama atenção que os conteúdos circulados por usuários no WhatsApp encontram picos em algumas semanas, como as de número 17 (20 a 26 de abril de 2020) e 21 (18 a 24 de maio de 2020). Pode-se inferir pelo Gráfico 4 que o período entre essas duas semanas corresponde a intensa atividade nos grupos de WhatsApp da rede bolsonarista. Trata-se também de um período de acirramento das relações institucionais, que se inicia com o pedido de demissão do então Ministro da Justiça Sérgio Moro na manhã de 24 de abril de 2020. Moro ganhou notoriedade por ter sentenciado o ex-presidente Lula à prisão, impedindo-o de concorrer mais uma vez nas eleições presidenciais em 2018. Com o resultado favorável a Bolsonaro, Moro foi procurado pelo então presidente eleito ainda no fim de 2018 e, logo em seguida, nomeado ministro. Ao demitir-se do governo, o ex-ministro acusou Bolsonaro de interferência em órgãos de investigação federal e citou uma reunião ministerial ocorrida alguns dias antes como uma evidência do que argumentava. A gravação do vídeo da reunião ministerial veio a público, sob autorização do Ministro do Superior Tribunal Federal Celso de Mello, em 22 de maio, e deu origem a um novo pico de movimentação nas mídias sociais.

Gráfico 4 -
Séries históricas (Memes de Bolsonaro vs Declarações de Bolsonaro).

Desse modo, como se pode observar, sempre que há uma crise aguda enfrentada pelo governo, intensifica-se a circulação de memes sobre Bolsonaro em grupos de apoio ao governo no WhatsApp. Algumas dessas crises têm relação direta com declarações e iniciativas do próprio presidente ou de seus correligionários, como é o caso do pico de memes enviado na semana 12 (16 a 22 de março de 2020), que cobre não apenas o dia seguinte a manifestações de apoio ao governo em diferentes cidades do país (em 15 de março), mas também o aniversário do presidente (21 de março).

O Gráfico 4 também evidencia que a tática assumida pelo presidente é a de silenciar sobre alguns episódios. As informações apresentadas no gráfico compilam ainda dados de um projeto mantido pelo site jornalístico Aos Fatos, que reúne declarações dadas por Bolsonaro aos meios de imprensa. Como se pode notar no episódio em que Moro deixou o governo, o presidente manifestou-se poucas vezes em público, deixando, de certo modo, que os memes falassem por si.

Aplicando-se o corte por outras variáveis, é possível aferir que, na semana 17, Bolsonaro é representado, na maior parte das vezes, como mártir ou como herói nos memes. Já na semana 21, quando o vídeo da reunião ministerial traz a público um presidente que fala muitos palavrões e comporta-se de modo destemperado e agressivo, a representação mais mobilizada é a do guerreiro ou justiceiro. Em contrapartida, naquilo que parece ser uma constante, os ataques a adversários e instituições políticas elevam-se em todos os episódios agudos por que passa o governo. Outro refúgio seguro dos grupos de extrema-direita no WhatsApp é a apologia à ditadura militar, que aparece com destaque em algumas semanas, como a 17. Na semana 21, em decorrência de o próprio Bolsonaro exaltar o armamento da população civil no vídeo da reunião ministerial, alguns memes ressaltam essa questão. Os dados chamam a atenção para o quanto a circulação de memes políticos em grupos bolsonaristas no WhatsApp está alinhada com eventos que se desenrolam paralelamente na cena política nacional (ver Gráficos 5 e 6).

Gráfico 5 -
Representações de Bolsonaro por semana (valores absolutos).

Gráfico 6 -
Expressões antidemocráticas por semana (valores absolutos).

O que esse paralelo entre alguns acontecimentos políticos e o humor dos memes bolsonaristas no WhatsApp mostra é que esse tipo de manifestação jocosa é geralmente contextual e situacional, mesmo quando imbuído de um tom predominantemente moral. Há geralmente uma relação estreita com os acontecimentos em voga, de modo que o timing dos memes humorísticos é fugaz e muitas vezes acompanha as crises enfrentadas pelo governo, frequentemente se convertendo em peça de defesa e propaganda. Moro, que era antes um protagonista nesses memes ao lado de Bolsonaro, é simplesmente abandonado como coadjuvante preterido no momento em que anuncia sua saída do governo. Ele passa, daí em diante, a ser tratado como um traidor, e Bolsonaro é então representado como mártir. Assim, esses memes ajudam, de certa forma, a construir para seus públicos não apenas um imaginário popular, mas certo espírito do tempo, uma coleção de referências muitas vezes distorcidas sobre a realidade, pronta para ser acionada por apologistas do governo.

O humor desses memes é questionável e duvidoso, como se observa na Figura 1A, na qual se lê uma legenda que caracteriza a militância de esquerda como homossexual e os apoiadores de Bolsonaro como patriotas. Em outras ocasiões, como ilustra a Figura 1B, adversários políticos como o ex-presidente Lula são associados à homossexualidade como signo de maus costumes, em comparação com a ordem e hierarquia militaristas. Mas há elementos constituintes do ambiente bolsonarista que sugerem a identificação não apenas com as camadas conservadoras da população brasileira, mas com um movimento transnacional de direita. É o que se vê na Figura 1C, em que Bolsonaro, trajando uma farda militar, é esfaqueado pelas costas por Sérgio Moro e ameaçado frontalmente pela mídia e pelo Supremo Tribunal Federal. A imagem em questão é uma adaptação de um meme conhecido como “Silent Protector”, que circula desde 2016 em diferentes versões, sempre com uma exaltação às forças armadas.

Figura 1 (A, B, C) -
Humor e memes de direita.

São comuns as referências que posicionam Bolsonaro junto a alusões da cultura pop, marcadamente do cinema hollywoodiano, ora sendo representado como o justiceiro John Rambo (Figura 2A) ou um herói virtuoso ao lado dos Vingadores (Figura 2B), ora surgindo como o vilão picaresco Felonius Gru (Figura 2C). Há, ainda, ocasionalmente, referências menos cômicas mas visualmente espirituosas a episódios da História nacional, como a Independência do Brasil (Figuras 3A e 3B), e a releituras religiosas diversas (Figura 3C).

Figura 2 (A, B, C) -
Referências à cultura pop em memes de Bolsonaro.

Figura 3 (A, B, C) -
Releituras históricas e religiosa.

Em todos esses casos, o humor dos memes sobre Bolsonaro no WhatsApp incorpora de modo eficaz diferentes matizes dos segmentos que o apoiam, como os dos militares, monarquistas, religiosos neopentecostais, entre outros. Dessa forma, o imaginário constituído em torno da figura mítica do presidente é capaz de mobilizar elementos do senso comum, referências à cultura pop e a valores nacionalistas como pano de fundo para a construção da imagem pública do presidente. O fato de que muitos desses memes circulam prioritariamente pelo WhatsApp permite que os usuários se beneficiem de certa liberdade, conferida pelo caráter privado da ferramenta de mensagens instantâneas e que favorece o teor adulador dos memes, sem que qualquer tipo de contraponto seja sequer apresentado.

Considerações finais

A identidade brasileira nos memes é largamente atravessada por um humor muito peculiar, que faz uso intenso de motes autodepreciativos, como se risse da própria desgraça (Lunardi e Burgess, 2020LUNARDI, G. M.; BURGESS, J. “É zoeira”: as dinâmicas culturais do humor brasileiro na internet. In: CHAGAS, V. A cultura dos memes: aspectos sociológicos e dimensões políticas de um fenômeno do mundo digital. Salvador: EdUFBA , 2020. p. 427-457.). Esse infortúnio compartilhado em grande medida alimenta o orgulho nacional. Mas o que se nota, quando se observa o humor conservador exprimido pelos memes bolsonaristas, é não apenas uma forte constrição da liberdade de expressão, desaguando por vezes em manifestações antidemocráticas, mas também um apelo nacionalista exacerbado, que termina por reverter o humor em mero proselitismo político.

Os memes bolsonaristas têm-se constituído como veículos materiais e imagéticos para esse humor de extrema-direita. Eles atuam no sentido de conformar uma audiência que não apenas está sujeita cotidianamente a essa retórica mas a reverbera em ambientes que têm sido descritos como câmaras de eco, como os grupos de discussão política no WhatsApp. Assim, o humor tem servido como válvula de escape para normalizar discursos extremistas, e as plataformas de comunicação privada têm sido palco para a disseminação desses discursos em largas camadas da população, por meio dos memes.

O presente artigo abordou inicialmente três questões. Na primeira delas, buscou-se explorar quais os principais elementos retóricos que integram a construção da imagem de Bolsonaro a partir dos memes no WhatsApp. Na segunda, destacaram-se os valores e características antidemocráticos realçados por esses mesmos memes. E, na terceira, traçou-se um paralelo entre a série histórica de circulação desses memes e os acontecimentos políticos recentes, ressaltando-se que os picos de intensidade no compartilhamento dessas imagens correspondem a episódios de crise aguda do governo.

Há um conjunto importante de limitações que não permitem, neste primeiro momento, a generalização das conclusões a outros cenários. Em primeiro lugar, trata-se de um corpus relativamente pequeno, correspondente a apenas seis meses da atividade desses grupos, e de um período de crise não apenas política, mas também na saúde pública federal, o que pode ocasionar alguns vieses relevantes. Além disso, pela natureza privada dos dados e por uma série de limitações técnicas concernentes aos métodos empregados, optou-se por não se trabalhar com dados relacionais, que poderiam, por exemplo, elucidar fatores como a ação coordenada de alguns usuários desses grupos no que tange ao compartilhamento de memes. Por fim, a pesquisa com memes políticos requer diferentes aproximações, que muitas vezes borram a fronteira conceitual de algumas de suas premissas, como a definição de humor, já que muitos desses conteúdos têm natureza marcadamente ideológica e não necessariamente cômica.

Em que pesem as limitações apresentadas, acredita-se que o artigo em questão pode representar um primeiro avanço para a compreensão mais apurada sobre o modo como Bolsonaro vem sendo representado nos grupos de apoiadores do governo federal no WhatsApp. Nesse sentido, como se procurou ressaltar, o cenário político brasileiro, especialmente no que concerne ao uso das mídias sociais por fartas camadas do eleitorado, é absolutamente singular. Se Facebook, Twitter e YouTube, muitas vezes, são acusados de promover o discurso de ódio e valorizar mensagens extremistas e de caráter exacerbadamente nacionalista, o WhatsApp pode dar margem a uma escalada dos usos nocivos dessas ferramentas, dada a opacidade em que se fundamenta. Nesse sentido, torna-se ainda mais urgente uma experiência ampliada de letramento midiático, capaz de orientar o cidadão comum sobre os efeitos de ambientes comunicacionais que privilegiam a distribuição de conteúdo viral e a composição de grupos homofílicos que recusam a diversidade. Os memes que circulam por esses ambientes são apenas uma expressão dos públicos que os conformam. O que um estudo como este observa é que os memes produzidos e circulados com a imagem de Bolsonaro acionam representações específicas, a depender de contextos e conjunturas particulares. Além disso, embora existam muitas formas de humor em disputa por diferentes setores da sociedade brasileira, a extrema-direita apropriou-se das redes privadas de comunicação para levar uma mensagem que, ao incorporar humor e nacionalismo, omite lutas por reconhecimento e adota uma identidade nacional achatada e perigosamente simplificada.

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  • Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2020
  • Aceito
    23 Nov 2020
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