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Interventores na transição pós-Estado Novo (1945-1947): o elo perdido da descentralização limitada?

Interveners in the post-Estado Novo (1945-1947) transition: the missing link of limited decentralization?

Interventores en la transición pos Estado Nuevo (1945-1947): ¿el perdido eslabón de la descentralización limitada?

Resumo

O estudo dos interventores nos estados no período de 1945 a 1947 tem sido negligenciado pela historiografia, sobretudo acerca da redistribuição de poder na Federação. Este artigo emprega análise contextual e prosopografia para discutir a influência da transição pós-Estado Novo na descentralização limitada de autoridade administrativa e fiscal verificada naquele período. Destacam-se três fatores que contribuíram para esse resultado: a sequência do processo de descentralização, com a eleição dos governadores após o redesenho da Federação pela Constituinte de 1946; a imposição de neutralidade aos interventores, com fiscalização da imprensa e dos responsáveis pelas indicações; e o perfil dos interventores, uma elite posicional com relativa desconexão das comunidades estaduais.

Palavras-chave:
Descentralização; Redemocratização de 1945; Democracia de 1946; Interventores; Governo Linhares; Governo Dutra

Abstract

The study of interveners in the Brazilian states in the period from 1945 to 1947 has been neglected by historiography, especially regarding the redistribution of power in the federation. This article employs contextual analysis and prosopography to discuss the influence of the post-Estado Novo transition on the limited decentralization of administrative and fiscal authority observed in that period. Three factors that contributed to this result stand out: the sequence of the decentralization process, with the election of governors after the redesign of the federation by the 1946 Constituent Assembly; the imposition of neutrality on interveners, with supervision of the press and of those responsible for nominations; and the profile of the interveners, a positional elite with relative disconnection from state communities.

Keywords:
Decentralization; Redemocratization of 1945; Democracy of 1946; Interveners; Linhares Government; Dutra Government

Resumen

El estudio de los interventores en los estados brasileños en el período entre 1945 y 1947 no ha recibido la debida atención por la historiografía, especialmente en lo que se refiere a la redistribución del poder en la federación. Este artículo utiliza el análisis contextual y la prosopografía para discutir la influencia de la transición pos Estado Nuevo en la limitada descentralización de la autoridad administrativa y fiscal que tuvo lugar durante ese período. Destacan tres factores que contribuyeron a ese resultado: la secuencia del proceso de descentralización, con la elección de los gobernadores tras el rediseño de la federación por la Constituyente de 1946; la imposición de neutralidad a los interventores, con la fiscalización de la prensa y de los responsables de los nombramientos; y el perfil de los interventores, una élite posicional con relativa desconexión de las comunidades de los estados.

Palabras clave:
Descentralización; Redemocratización de 1945; Democracia de 1946; Interventores; Gobierno Linhares; Gobierno Dutra

Introdução

As continuidades na transição do Estado Novo para a Democracia de 1946 são em geral explicadas por ações adotadas nos estertores daquela ditadura, a exemplo da legislação eleitoral estratégica e da criação de partidos a partir da clivagem varguismo/antivarguismo. As explicações também costumam tratar, de forma indiscriminada, sob a ideia de manutenção do centralismo, duas dimensões com grande independência: a centralização horizontal de poder no Executivo em detrimento dos outros dois Poderes da União, e a centralização vertical de poder na esfera federal, representada pela limitada descentralização fiscal e administrativa, sobretudo em relação às unidades da Federação.

Este artigo propõe uma interpretação mais refinada dessas dinâmicas ao jogar luz sobre uma fração da elite política cuja ação, ou omissão, pela sua relevância posicional, também contribuiu para os resultados da transição: os interventores indicados pelo poder central para os estados entre a queda do Estado Novo, em outubro de 1945, e a posse de novos governadores eleitos, em fevereiro de 1947. A partir de um estudo prosopográfico, delineia-se em que medida esses interventores tinham características que os tornavam potenciais aliados dos interesses subnacionais e os patrocinariam no redesenho da Federação, marcado pela Constituição de 1946.

A pouca atenção dada a esse segmento da elite sugere pressupostos que merecem ser explicitados e revistos: de que o jogo da transição foi decisivamente jogado em 1945; de que os interventores não teriam como patrocinar os interesses estaduais nas arenas federais por serem nomeados pelo presidente; de que eles tinham a mesma relação com o poder central que os interventores do Estado Novo. Chega a ser surpreendente o baixo interesse sobre os interventores da transição, considerando a vasta produção documentando as forças centrípetas, mas também centrífugas, que as interventorias representaram de 1930 a 1935 e de 1937 a 1945, como se verá adiante.

O objetivo deste estudo é reunir evidências que permitam reavaliar as inferências acima e refinar a compreensão sobre o interregno de 1945 a 1947, definido, em passado recente, como período pouco estudado (Limongi, 2012LIMONGI, Fernando. Eleições e democracia no Brasil: Victor Nunes Leal e a transição de 1945. Dados, Rio de Janeiro, v. 55, n. 1, p. 37-69, 2012. DOI: 10.1590/S0011-52582012000100002.
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: 58). Sinal do potencial de contribuição dessa empreitada é que alguns desses interventores não mereceram verbete no Dicionário histórico-biográfico brasileiro (DHBB), a maior obra de referência sobre a elite política brasileira. Tudo isso a justificar a hipótese de que esses interventores sejam o elo perdido1 1 A mobilização da ideia de "elo perdido" tem, nesse caso, uma camada que não é evidente. Nos estudos sobre evolução, a busca do que seria uma espécie intermediária de Homo, antecessora do Homo sapiens, gerou a concepção de que poderia haver um elo perdido a ser descoberto. No entanto, esse hipotético Homo não foi identificado de forma conclusiva (Eriksen, 2018) da descentralização limitada em favor dos estados que emergiu da mudança de regime — um resultado da transição só constatado com maior rigor em trabalhos recentes (Schlegel, 2022SCHLEGEL, Rogerio. Dynamic de/centralization in Brazil, 1989-2020: the prevalence of punctuated centralization.Regional and Federal Studies, Londres, v. 33, n. 5, p. 637-669, 2022., 2023)SCHLEGEL, Rogerio. Redemocratização de 1945: evidências de uma “quase conjuntura crítica”. Mediações - Revista de Ciências Sociais, Londrina, v. 28, n. 2, p. 1–20, 2023..

A investigação localiza-se na confluência de estudos sobre elites políticas e da análise diacrônica da distribuição territorial de poder em federações. A partir da teoria sequencial da descentralização (Falleti, 2010FALLETI, Tulia G. Decentralization and Subnational Politics in Latin America. New York: Cambridge University Press, 2010.), este estudo defende que a sequência em que ocorre a descentralização é decisiva para seu desenho e extensão. Na América Latina das últimas décadas do século XX, movimentos em que a descentralização política foi posterior à descentralização fiscal e administrativa tenderam a representar menor redistribuição de poder aos entes subnacionais. Teria essa hipótese validade também para o Brasil de meados do século XX? Por quais mecanismos essa dinâmica sistêmica se materializaria, em especial aqueles relacionados à atuação das elites subnacionais?

Em termos metodológicos, as características desse grupo de atores políticos, selecionados por sua convergência posicional (Perissinotto; Codato, 2015PERISSINOTTO, Renato; CODATO, Adriano (org.). Como estudar elites. Curitiba: Editora UFPR, 2015.), foram tomadas como “variáveis independentes”, a partir das quais haveria potencial para discutir e explicar os resultados da transição em termos de descentralização territorial de recursos de poder. Profissão, nível federativo predominante na carreira e tempo no cargo são algumas das dimensões de interesse com vistas a inferir possíveis relações com as comunidades estaduais. Para mapeá-las, usaram-se fontes bibliográficas, com destaque para o DHBB, e jornais da época a partir de consultas à Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

A análise das biografias revelou dois ciclos de interventores com perfis bem marcados, em sintonia com a sucessão na cadeira presidencial. O indicado por José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) que sucedeu Getúlio Vargas, era tipicamente um interventor do sexo masculino, ligado ao Judiciário, nascido no estado da interventoria, com carreira centrada no estado e permanência de três meses no cargo. O interventor indicado pelo presidente Eurico Gaspar Dutra após sua posse em 1946 também era do sexo masculino, mas com carreira política ou militar, com movimentos entre os níveis da Federação, nascido no estado da interventoria e com permanência média no cargo pouco inferior a seis meses. Além do perfil típico, há outros traços que constituem novos achados, como metade dos indicados por Linhares em sua primeira rodada de nomeações ter ocupado cargos eletivos ou de confiança na administração pública.

Uns e outros precisariam vencer grandes obstáculos para liderar ou integrar uma coalizão pró-interesses subnacionais, como a alta rotatividade no cargo e a menor conexão com as elites locais. Além do perfil dos indicados, outros dois fatores apresentam potencial para terem contribuído para a descentralização limitada: a vigilância sobre sua neutralidade política por parte da imprensa e do “chefe” imediato; e a própria sequência do processo de descentralização, com as eleições estaduais realizadas após o fim dos trabalhos constituintes.

Os resultados sugerem que tensões entre a política nacional e os interesses subnacionais podem resultar em prejuízos para estes últimos e para a própria representatividade do sistema político. Entre 1945 e 1947, a alegada premência de superar uma autocracia nacional atrofiou potenciais canais de representação de interesses em bases estaduais. É possível imaginar dinâmicas semelhantes ocorrendo também na Proclamação da República e na saída do Governo Provisório, nos anos 1930. A redemocratização dos anos 1980, que contou com eleições estaduais que impulsionaram uma descentralização substantiva, é um contraexemplo que ilustra a existência de alternativas para as soluções adotadas na transição dos anos 1940.

A segunda seção do artigo discute as bases analíticas do estudo de elites subnacionais e sintetiza conhecimentos sobre os interventores da Era Vargas. A seção seguinte apresenta a teoria sequencial da descentralização e discute os compromissos que geraram a relativa neutralidade partidária dos interventores. A quarta seção apresenta os resultados da prosopografia, seguida de breves considerações finais.

Que tipo de elites são os interventores?

Oestudo das elites a partir da prosopografia, a análise combinada ou coletiva de biografias, tem a ambição genérica de, a partir das características de um grupo de atores, estabelecer associações e causalidades entre perfis biográficos, de um lado, e processos socioeconômicos e históricos, de outro (Stone, 2011STONE, Lawrence. Prosopografia. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v.19, n. 39, p. 115-137, 2001.). Os polos em que essas dimensões aparecem na pesquisa podem variar. Aqui, as características biográficas são tomadas como “variáveis independentes” a partir das quais se quer entender o processo de descentralização limitada da autoridade em termos territoriais após o Estado Novo. Estudos com essa ambição são mais raros de encontrar e podem ser considerados uma linha emergente (Tronconi, 2018TRONCONI, Filippo. Sub-National Political Elites. In: BEST, Heinrich; HIGLEY, John (ed.). The Palgrave Handbook of Political Elites. London: Palgrave Macmillan, 2018.: 612). Outras propostas poderiam investigar a causalidade em outra direção, pesquisando como a redemocratização impactou a formação de elites subnacionais e a trajetória de suas carreiras, por exemplo. Nessa hipótese, as biografias seriam a “variável dependente”.

Os contornos da elite tomada como objeto é um dos desafios da pesquisa da área. No caso desta pesquisa, optou-se por um recorte posicional, em que prevalece como critério a posição formal dos indivíduos que decidem. O foco é nos detentores do poder formal como interventores nos estados no período de outubro de 1945 a fevereiro de 1947 — em alguns casos, alguns meses além. Recortes decisionais — distinguindo as pessoas que de fato tomam as decisões relevantes ou as influenciam — ou reputacionais — levando em conta a posição formal e a influência socialmente reconhecida — também estão descritos na literatura da área (Putnam, 1973PUTNAM, Robert. D. The Beliefs of Politicians: Ideology, Conflict, and Democracy in Britain and Italy. New Haven, CT: Yale University Press, 1973.) e podem complementar esta investigação no futuro.

Uma questão decisiva para a forma como as elites subnacionais podem influenciar a distribuição vertical de poder é como seus atributos impactam as relações centro-periferia. Duas dinâmicas merecem atenção especial. Elites subnacionais podem compor coalizões em defesa de interesses subnacionais (locais, estaduais, regionais), mas também podem integrar coalizões em favor de interesses nacionais (Falleti, 2010FALLETI, Tulia G. Decentralization and Subnational Politics in Latin America. New York: Cambridge University Press, 2010.). Em geral, as primeiras estão ligadas a movimentos pela descentralização da autoridade, as segundas impulsionam a centralização, mas essa não deve ser uma associação automática. Além de episódios como o do período final da Ditadura de 1964, em que os protagonistas no governo federal fizeram movimentos de descentralização visando controlar a redemocratização, é crescente a literatura sobre “descentralizações autoritárias”, com resultado líquido de centralização da autoridade, sobretudo com foco na Rússia e na China (Landry, 2008LANDRY, Pierre F. Decentralized Authoritarianism in China: The Communist Party’s Control of Local Elites in the Post-Mao Era. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.; Obydenkova; Swenden, 2013OBYDENKOVA, Anastassia.; SWENDEN, Wilfrid. Autocracy-Sustaining versus Democratic Federalism: Explaining the Divergent Trajectories of Territorial Politics in Russia and Western Europe. Territory, Politics, Governance, v. 1, n. 1, p. 86-112, 2013.).

Outras dinâmicas relevantes para as relações centro-periferia são as relativas às carreiras. As trajetórias dos políticos têm potencial para impactar suas atitudes, em especial no que toca à distribuição territorial da autoridade, à alocação de recursos fiscais e às reformas constitucionais (Tronconi, 2018TRONCONI, Filippo. Sub-National Political Elites. In: BEST, Heinrich; HIGLEY, John (ed.). The Palgrave Handbook of Political Elites. London: Palgrave Macmillan, 2018.: 620). Diferentes trajetórias individuais e coletivas são capazes de condicionar reformas na distribuição vertical de poder, tanto por conta das experiências vividas quanto das expectativas futuras.

Mais útil para os objetivos deste artigo é a classificação de carreiras políticas a partir da hierarquia percebida entre os cargos e do movimento entre os níveis, definida a partir de três tipos ideais (Borchert, 2011BORCHERT, Jens. Individual Ambition and Institutional Opportunity: A Conceptual Approach to Political Careers in Multi-level Systems. Regional and Federal Studies, Londres, v. 21, n. 2, p. 117-140, 2011.). A trajetória unidirecional é aquela marcada pela possibilidade de transitar entre níveis e há clara hierarquia entre eles. Se os cargos nacionais são considerados mais atrativos para os políticos, pode-se esperar que a maior parte dos movimentos desejados seja das posições subnacionais para as federais. Os Estados Unidos são considerados o país em que prevalece essa orientação.

Outro tipo é o alternativo, quando não há clara hierarquia entre postos subnacionais e nacionais e há baixo intercâmbio entre os níveis. Alguns grupos investem em carreiras nacionais, outros em carreiras regionais, e a troca entre eles é bastante limitada. O Canadá foi descrito como tendo esse padrão, embora estudos mais recentes tenham detectado aumento do movimento entre os dois grupos.

O terceiro tipo é o da carreira integrada. Não há clara hierarquia percebida entre os níveis, e os movimentos “para cima” e “para baixo” são frequentes. O cálculo sobre qual o próximo cargo de interesse varia com os custos e benefícios esperados em cada conjuntura. É o ambiente mais complexo para os políticos, por representar uma competição aberta em que diferentes níveis podem ser atrativos, oferecendo múltiplas oportunidades, mas também múltiplos riscos (Tronconi, 2018TRONCONI, Filippo. Sub-National Political Elites. In: BEST, Heinrich; HIGLEY, John (ed.). The Palgrave Handbook of Political Elites. London: Palgrave Macmillan, 2018.: 620). No Brasil contemporâneo, prevaleceriam as carreiras integradas, estimuladas pelo sistema multipartidário com representação proporcional de lista aberta para Câmaras e Assembleias (Santos; Pegurier, 2011SANTOS, Fabiano; PEGURIER, Fabiano J. H. Political Careers in Brazil: Long-Term Trends and Cross-Sectional Variation. Regional and Federal Studies, v. 21, n. 2, p. 165-183, 2011.: 165).

Essas dimensões de interesse podem ajudar a entender as carreiras de interventores da transição. Igualmente útil é partir do conhecimento anterior sobre o sistema de interventorias. Não é objetivo deste trabalho repisar em detalhes as controvérsias sobre o papel das interventorias em diferentes momentos da Era Vargas, mas cabe resumir o que há de fundamental no conhecimento acumulado em décadas de investigação, sintetizadas no inventário esquemático apresentado no Quadro 1.

Indicados dos períodos de 1930 a 1935 e 1937 a 1945 foram expressão de forças centrípetas, em favor da concentração territorial da autoridade, mas também de forças centrífugas, de manutenção da autonomia estadual diante do empreendimento centralizador. Como mostra o Quadro 1, o melhor conhecimento disponível indica o caráter ambivalente do sistema de interventorias antes da transição dos anos 1940. O arranjo acenava com limites formais à autonomia dos estados, ao mesmo tempo em que dependia fundamentalmente de lealdades pessoais, e pretendia colocar o poder subnacional em linha com o federal, mas admitia estratégias desviantes e derivações do ponto de vista ideológico. Recrutou “outsiders” como interventores, mas sempre pressupôs composição com parte das oligarquias locais, e apostou na alta rotatividade para evitar o encastelamento, embora tenha convivido com a criação de máquinas políticas regionais.

Quadro 1 -
Tendências das interventorias antes da transição (1930-1935 e 1937-1945)

A reflexão do campo, o padrão contemporâneo do Brasil e os estudos anteriores indicam que é uma questão empírica apurar se os interventores da transição de 1945-1947 esposavam, de modo preponderante, interesses estaduais ou nacionais, se apostavam em carreiras integradas ou alternativas e mesmo se podiam ser considerados políticos ou “amadores”. É certo que eram o ponto focal de forças centrípetas e centrífugas. Por serem indicados pelo presidente aumenta a complexidade do cenário, criando dilemas do tipo principal-agente. Há ainda outros complicadores. Na análise contextual da próxima seção, são problematizados a sequência em que ocorreram os passos da redemocratização e o “espírito do tempo”, que levou a eleições atípicas e à priorização das disputas nacionais.

A sequência da descentralização

Por que os interventores da transição, seu perfil e sua atuação, seriam relevantes, em um momento em que as atenções estavam voltadas para a disputa política na capital federal, num primeiro momento com foco nas eleições nacionais e, depois, na Constituinte, a qual redefiniria a convivência democrática no país? A teoria sequencial da descentralização, proposta por Falleti (2010)FALLETI, Tulia G. Decentralization and Subnational Politics in Latin America. New York: Cambridge University Press, 2010., oferece uma resposta. De acordo com ela, a redistribuição vertical de poder entre os níveis da Federação depende da sequência temporal entre as dimensões em que ocorre a descentralização. Há motivos para acreditar que encadeamentos como o da transição de 1945-1947 criam a tendência dos entes subnacionais saírem do processo de reformas sem todo seu potencial de autonomia realizado.

Falleti (2010)FALLETI, Tulia G. Decentralization and Subnational Politics in Latin America. New York: Cambridge University Press, 2010. distingue três dimensões para a distribuição de poder: política, administrativa e fiscal. A primeira diz respeito à autoridade política e envolve espaços de representação das comunidades políticas subnacionais — especialmente votando para governador, mas não apenas isso. A administrativa se refere às políticas públicas e a autoridade para desenhá-las e as implementar. A dimensão fiscal tem a ver com a distribuição das responsabilidades e recursos relativos à arrecadação de impostos. Para a autora, quando a descentralização política ocorre após a descentralização administrativa e fiscal, o poder do Executivo nacional é ampliado e estabeleceu os parâmetros da descentralização nas outras dimensões. Nesses contextos, o movimento de desconcentração de poder tende a ser limitado e pode não acontecer.

O argumento é que as primeiras reformas funcionam como forte constrangimento das oportunidades disponíveis para os atores políticos nas negociações das reformas seguintes. As “origens” do processo de descentralização importam, ainda que os resultados não dependam só da maneira como o processo começa (Falleti, 2010FALLETI, Tulia G. Decentralization and Subnational Politics in Latin America. New York: Cambridge University Press, 2010.: 4). É possível redirecionar a tendência inicial a depender das ações dos atores envolvidos. O tipo de coalizão que predomina nas reformas — se centrada em interesses territoriais nacionais ou subnacionais — é o principal determinante de diferentes estratégias de descentralização.

A teoria pressupõe que governantes subnacionais têm preferência pela descentralização política. Ela conferiria maior liberdade para governar o território e apresentar demandas ao poder central. “Se o Executivo federal não controla a indicação e remoção de governadores e prefeitos, eles podem fazer avançar questões e preocupações de suas unidades territoriais sem medo de retaliação política do centro”, raciocinou Falleti (2010: 45)FALLETI, Tulia G. Decentralization and Subnational Politics in Latin America. New York: Cambridge University Press, 2010.. Além disso, a autonomia de governantes subnacionais aumentaria a dependência dos atores nacionais envolvendo o potencial de mobilização de votos para eleições nacionais. Quando obtêm maior autoridade política, governantes subnacionais podem pressionar por mais descentralização fiscal com maior chance de sucesso.

Essa formulação foi testada para países saindo de ciclos longos de desenvolvimentismo — Argentina, Brasil, Colômbia e México, entre os fins dos anos 1970 e início dos 1990. Tendo em conta o objetivo de comparar essas nações, Falleti (2010)FALLETI, Tulia G. Decentralization and Subnational Politics in Latin America. New York: Cambridge University Press, 2010. restringiu a aplicação da teoria a contextos “analiticamente equivalentes”, isto é, a reformas pós-desenvolvimentismo. Em arranjos oligárquicos ou desenvolvimentistas, as preferências dos atores em termos territoriais poderiam ser diferentes das supostas na teoria, avaliou. Isso aumenta o interesse sobre o tipo de coalizão prevalente na transição dos anos 1940.

Analiticamente, a presente investigação também está amparada no resultado da redemocratização pós-Estado Novo em termos de redistribuição vertical de poder. A interpretação de que muito da centralização do Estado Novo foi mantida no regime inaugurado em 1946 é recorrente, mas é comum que deixe de discriminar entre a centralização de recursos de poder no Executivo, diante de Legislativo e Judiciário, e a centralização de poder na Federação (Skidmore [1992]SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. São Paulo: Paz e Terra, 1992. e Fausto [1998]FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6. ed. São Paulo: Edusp, 1998. ilustram essa tendência).

Estudos recentes refinaram a compreensão sobre a limitada descentralização ocorrida naquela transição, em termos de devolução aos estados de autoridade administrativa e fiscal (Schlegel, 2022SCHLEGEL, Rogerio. Dynamic de/centralization in Brazil, 1989-2020: the prevalence of punctuated centralization.Regional and Federal Studies, Londres, v. 33, n. 5, p. 637-669, 2022., 2023)SCHLEGEL, Rogerio. Redemocratização de 1945: evidências de uma “quase conjuntura crítica”. Mediações - Revista de Ciências Sociais, Londrina, v. 28, n. 2, p. 1–20, 2023.. A análise da autonomia estadual em três subdimensões político-institucionais, 22 áreas de políticas públicas e cinco indicadores fiscais, a partir de metodologia comparativa com métodos mistos, revelou muitas continuidades em termos de distribuição de poder na Federação, a ponto de serem arrolados indícios de uma “quase conjuntura crítica” [near-miss critical juncture], expressão consolidada por Capoccia (2015)CAPOCCIA, Giovanni. Critical Junctures and Institutional Change. In: MAHONEY, James; THELEN, Katharine (ed.). Advances in Comparative-Historical Analysis. New York: Cambridge University Press, 2015. p. 147-178. para descrever pontos do tempo em que a mudança é provável e perseguida, mas deixa de se materializar. Ou seja: podia-se esperar maior descentralização em termos territoriais no pós-Estado Novo, que acabou não ocorrendo.

Tudo somado, este artigo considera a ideia de que os Executivos estaduais em princípio teriam potencial para liderar coalizões pela descentralização de autoridade em favor do nível intermediário da Federação. Sabemos que a sequência da transição trabalhou contra essa tendência. As eleições estaduais foram deixadas para o início de 1947, quando atores empoderados pelas eleições nacionais de dezembro de 1945 já tinham tido oportunidade de redistribuir os recursos de poder numa arena federal: a Constituinte, que trabalhou entre 1º de fevereiro e 18 de setembro de 1946.

A sequência que teria a transição na saída do Estado Novo foi uma construção coletiva. Vargas deu sua contribuição ao tentar antecipar, para dezembro de 1945, eleições estaduais a princípio marcadas para maio de 1946 e, assim, levar a oposição a ver, nesse movimento, um esforço continuísta. O paradigma predominante para a Federação teve seu papel ao levar diferentes forças políticas a achar “lógico” priorizar a superação da autocracia no nível federal. Forças da Constituinte e aquelas representadas no governo Dutra completaram o serviço ao concordarem com eleições estaduais para o primeiro domingo após 120 dias da promulgação da nova Constituição, 19 de janeiro de 1947.

Nas eleições federais, o Partido Social Democrático (PSD) foi o grande vitorioso. Além de emplacar Dutra na presidência, ficou com a maioria absoluta da Câmara e, no Senado, fazendo também o presidente da Constituinte — Fernando de Melo Viana, de Minas Gerais — e o vice-presidente da República — Nereu Ramos, de Santa Catarina, escolhido indiretamente ao final da Constituinte. A sigla foi dominante no ministério. Para a União Democrática Nacional (UDN), o desempenho de 1945 foi decisivo para a linha adotada no governo Dutra. O partido fez a segunda maior bancada da Constituinte, mas a derrota para a presidência estimulou a disposição de ocupar ministérios e fazer o acordo PSD-UDN (também incluindo o Partido Republicano [PR]), que contribuiu para relativa calmaria política ao longo da gestão Dutra. O acordo favoreceu a conciliação com os governadores eleitos em 1947, mas falhou em consolidar uma candidatura de “união nacional” capaz de fazer frente a Vargas em 1950 (Benevides, 1978BENEVIDES, Maria V. União Democrática Nacional (UDN). In: CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC). Atlas histórico do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1978. Disponível em: https://atlas.fgv.br/verbete/7796. Acesso em: 3 ago. 2023.
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).

A neutralidade dos interventores nas atípicas eleições da transição

As mãos dos interventores da transição podem ser consideradas parcialmente atadas por conta do compromisso com a neutralidade assumidos pelos dois presidentes do período e sempre cobrado pelos jornais de oposição. Ao assumir, o presidente José Linhares formou seu ministério com adeptos do brigadeiro Eduardo Gomes e políticos em geral hostis à candidatura de Dutra. Todos os interventores nos estados foram substituídos, com os sucessores em geral nomeados nos primeiros dias de novembro. A versão usualmente recontada é que o critério geral foi nomear como novos interventores os presidentes dos Tribunais de Apelação — atualmente Tribunais de Justiça —, com poucas exceções — sete entre vinte estados, na contabilidade de Malin (1978)MALIN, Mario. José Linhares. In: CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC). Atlas histórico do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1978.. Mas, como se verá adiante, a linha entre a magistratura e a política era mais permeável do que supõe a simples menção a essa onda de recrutamento no Judiciário. Os interventores nomeados por Linhares em geral ficaram três meses no cargo — de novembro de 1945 a fevereiro de 1946. Até as eleições nacionais de dezembro, tiveram orientação estrita para serem imparciais (Skidmore, 1992SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. São Paulo: Paz e Terra, 1992.: 79).

Com a vitória de Dutra e sua posse em 31 de janeiro, nova leva de interventores foi nomeada, sem que a data para as eleições estaduais estivesse definida à época. Ainda que “mais políticos”, esses indicados também foram instruídos a serem — ou ao menos parecerem — equidistantes das forças envolvidas no processo eleitoral. Por conta do acordo PSD-UDN, que chegou a ser passado por escrito em 1948, já nas campanhas aos governos estaduais apostou-se na conciliação e mesmo em arranjos que beneficiaram a UDN. Um exemplo é Pernambuco. Ao assumir, Dutra substituiu, na interventoria, o presidente do Tribunal de Apelação, José Neves, pelo procurador da Delegacia Fiscal, José Domingues da Silva. Apesar de filiado ao PSD local, Silva buscou governar de maneira “imparcial”. Naquele tempo já existia uma cisão dentro do PSD local. Correligionários do pessedista Agamenon Magalhães faziam oposição ao governo de Dutra, e isso levou à substituição de Silva pelo general Demerval Peixoto. O militar interveio em municípios em que o PSD era forte e nomeou alguns udenistas para seu secretariado, também como estratégia para combater resquícios de poder de Vargas e seus aliados (Pandolfi, 1984PANDOLFI, Dulce. C. Pernambuco de Agamenon Magalhães: consolidação de uma elite política. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana, 1984.: 120).

Ao se dirigir ao Congresso, em março de 1947, tratando das eleições subnacionais realizadas dois meses antes, o presidente Dutra sustentou que “promoveu o governo a substituição de autoridades que, por suas atitudes ou filiações partidárias, pudessem não oferecer, aos olhos de todos, a segurança de um pleito isento de senões”. Aquele teria sido “o prélio mais representativo da vontade popular” (Dutra, 1947DUTRA, Eurico Gaspar. Mensagem ao Congresso Nacional na abertura do ano parlamentar de 1947. Rio de Janeiro: Presidência da República, 15 mar. 1947. Biblioteca da Presidência da República. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/mensagem-ao-congresso-nacional/mensagem-ao-congresso-nacional-gaspar-dutra-1948/@@download/file/Mensagem%20ao%20Congresso%20Nacional%20Gaspar%20Dutra%20-%201948.pdf. Acesso em: 21 ago. 2023.
http://www.biblioteca.presidencia.gov.br...
).

Há sinais de que, embora cultivada publicamente por quem os indicava, a isenção esperada dos interventores não deveria ser incondicional. No Ceará, a substituição de Pedro Firmeza, em outubro de 1946, foi acompanhada de carta pública de Dutra agradecendo por sua “ação pacificadora, exercida na equidistância das correntes políticas locais” (O pedido…, 1946O PEDIDO de demissão do interventor do Ceará, aceito pelo presidente da República. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 15.936, p. 13, 15 out. 1946.). Porém, no governo do sucessor, o coronel José Machado Lopes, houve substituição sistemática de prefeitos da UDN, e denúncias de uso da polícia estadual para coação eleitoral chegaram ao Tribunal Superior Eleitoral (A JUSTIÇA…, 1947A JUSTIÇA Eleitoral poderá requisitar a força pública. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 16.013, p. 3, 16 jan. 1947.). Machado Lopes foi mantido no cargo por Dutra até depois das eleições estaduais.

A vigilância dos jornais também se aplicou ao interventor de São Paulo, o pessedista José Carlos de Macedo Soares, indicado por Linhares e mantido por Dutra. Paradoxalmente, Macedo Soares era tão enfronhado na política, no sentido de já ter se associado a diferentes correntes, que naquele contexto acabava ficando acima de suspeitas, apesar de ligado ao PSD. De família tradicional na política, em particular no Distrito Federal (Rio de Janeiro), Macedo Soares era paulistano, radicado no estado e tinha apoiado a Revolução de 1930; embaixador de Vargas, estava fora do Brasil em 1932, no levante de São Paulo; coordenou a montagem da Chapa Única dos paulistas para a eleição de 1933 contra os interesses do Catete, tendo sido eleito deputado federal constituinte; voltou ao ministério de Vargas, havendo sinais de que, naquela condição, ter ao menos consentido com a preparação do Golpe de 1937; em 1945, apoiou Dutra, que o recomendou como interventor quando ainda era apenas candidato à presidência.

Editorial de O Jornal, que pertencia aos Diários Associados de Assis Chateaubriand e, àquela altura, apoiava a candidatura da UDN, trouxe repercussão positiva da indicação de Macedo Soares por Linhares:

O critério de colocação dos governos nas mãos de pessoas que soubessem pairar acima dos conflitos partidários — neste caso, a membros da Justiça — não sofreu, quanto a São Paulo, nenhuma modificação substancial. É o sr. José Carlos de Macedo Soares, uma das figuras mais dignas de homem público e um penhor inequívoco de serenidade. […] Nesta conjuntura decisiva para a apuração de nossa maioridade política, quando do governante são requeridas qualidades especiais de tolerância e firmeza, e, notadamente, absoluta isenção de ânimos, poderia causar estranheza o fato de se ir buscar, nas hostes de uma organização partidária, um de seus próceres de maior providência e a ele entregar o comando da Unidade Política que apresenta o mais expressivo coeficiente eleitoral. Tal, no entanto, não ocorre em relação ao sr. José Carlos de Macedo Soares. As oposições paulistanas manifestam-se confiantes na atuação serena do novo interventor e o seu passado político é o documento de que se servem para ajuizar de seu comportamento neste instante

(Escolha…, 1945ESCOLHA acertada. O Jornal, Rio de Janeiro, n. 7.829, p. 4, 4 nov. 1945.: 4).

De toda forma, Macedo Soares teve de assumir, privada e publicamente, o compromisso de isenção como interventor e o teve supervisionado pela imprensa. Em 7 de novembro de 1945, ao assumir a interventoria, Macedo Soares convocou os jornalistas para dar entrevista coletiva em que disse que os prefeitos do estado seriam mantidos em seus postos “contanto que não se prevaleçam dos seus cargos para fins políticos”. Só os “transgressores dos princípios democráticos” seriam substituídos. Na ocasião, o novo chefe do Executivo paulista pediu que os jornalistas anunciassem que ele criaria uma câmara com os líderes de todos os partidos, que se reuniria diariamente e serviria para opinar sobre a administração paulista. Ao mesmo tempo, declarou voto em Dutra. No discurso de posse, mais um compromisso: disse que seu voto em Dutra em nada enfraquecia seu “dever de imparcialidade e justiça” diante dos paulistas. “Presidiremos eleições rigorosamente livres”, prometeu (As primeiras…, 1945AS PRIMEIRAS declarações do novo interventor em São Paulo. O Jornal, Rio de Janeiro, n. 7.832, p. 8, 8 nov. 1945.: 8).

A julgar pela reação de seus companheiros de PSD, Macedo Soares cumpriu o prometido. Com a vitória de Dutra, lideranças pessedistas reclamaram de seu “afastamento” do partido. Chegaram a promover reuniões da Executiva Estadual e a renovar, à revelia de Macedo Soares. Em seguida, fizeram chegar a Dutra sua insatisfação com a maneira como o embaixador mantinha o partido afastado da gestão e pediram sua substituição como interventor. Macedo Soares chegou a colocar o cargo à disposição, mas Dutra, após a posse, o manteve como interventor. Durou no cargo até março de 1947.

Escrevendo à quente, Victor Nunes Leal reconheceu a prevalência da neutralidade nas eleições da transição. Em Coronelismo, enxada e voto, que tem por base texto de 1947, o autor registra que “circunstâncias excepcionais em nossa história política” distinguiram essas eleições das ocorridas até então no Brasil (Leal, 1975 [1949]LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975 [1949].: 236). “As eleições de 1945 e 1947 apresentaram certas peculiaridades que lançaram perturbação na tradicional alternativa eleitoral no Brasil: governo e oposição”, resumiu Leal. Quanto às de 1945, seu caráter excepcional teria decorrido da neutralidade do governo Linhares, já que “o chefe de Estado e os interventores, via de regra, recomendaram aos seus subordinados isenção de ânimo na direção da eleição federal” (Leal, 1975 [1949]LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975 [1949].: 237). Na visão de Leal, o excepcional da situação foi os governantes não terem procurado influir no resultado eleitoral e a possibilidade de que o governo fosse derrotado nas urnas, como já observou Limongi (2012LIMONGI, Fernando. Eleições e democracia no Brasil: Victor Nunes Leal e a transição de 1945. Dados, Rio de Janeiro, v. 55, n. 1, p. 37-69, 2012. DOI: 10.1590/S0011-52582012000100002.
https://doi.org/10.1590/S0011-5258201200...
).

Nas eleições de 1945, a vitória de Dutra esteve longe de ser dada como certa. Na campanha para as eleições estaduais, o acordo PSD-UDN criou um clima de entendimento que tornou desinteressante para Dutra favorecer o partido governista, “com raras exceções”, segundo Leal (1975 [1949]LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975 [1949].: 239). Nas votações de janeiro de 1947, o situacionismo foi de fato derrotado em muitos estados. O PSD elegeu onze dos vinte governadores.2 2 O Partido Social Democrático (PSD) venceu em Alagoas, Mato Grosso, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Santa Catarina, Sergipe e Rio de Janeiro, além de ter apoiado o udenista Otávio Mangabeira na Bahia (Hipólito, 1978) “O presidente da República revelou, em regra, louvável imparcialidade”, atestou Leal. O autor registrou que as eleições municipais realizadas ao longo de 1947 já tiveram a volta de velhas práticas de manipulação governista.

Como se observa, determinados paradigmas sobre a Federação e coalizões entre atores centrais atuaram para que a superação do regime autoritário nas arenas federais fosse priorizada. Ao mesmo tempo, compromissos recíprocos entre os polos em disputa encolheram a margem de manobra dos interventores no pós-Estado Novo.

O perfil dos interventores da transição

Aprosopografia dos interventores do período de 1945 a 1947 tomou como base o DHBB, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getulio Vargas (FGV), mas não se resumiu a ele. Fontes bibliográficas e fontes primárias, a exemplo de publicações em jornais, foram mobilizadas para complementar, checar e, em alguns casos, oferecer as informações básicas sobre os biografados. No caso dos jornais, as consultas foram operacionalizadas a partir da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

Vale localizar em especial o papel do DHBB entre os documentos consultados. Em texto que acompanhou a primeira edição, Israel Beloch (1984BELOCH, Israel. Introdução [à primeira edição]. In: CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC). Dicionário histórico-biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1984. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/acervo/dhbb/introducao1. Acesso em: 3 set. 2023.
https://cpdoc.fgv.br/acervo/dhbb/introdu...
), idealizador do Dicionário, definiu assim o principal critério de inclusão dos verbetes: “Entidades e personagens das áreas econômica, administrativa, cultural, artística etc. só foram admitidas na obra a partir de uma avaliação de sua relevância política [para o período histórico iniciado com a Revolução de 1930]”. Mais adiante, acrescentou que as biografias se referem a “todos os ocupantes dos mais relevantes cargos políticos e de repercussão política, omitindo-se apenas os interinos e os suplentes de curto exercício do mandato”.

É revelador que uma fração dos interventores do período de 1945 a 1947 não tenha biografia entre os verbetes disponíveis. Tomado como monumento, no sentido legoffiano do termo, o DHBB informa com isso que se trata de personagens negligenciáveis. Se os grandes dicionários biográficos nacionais são contribuição para “construir uma figura inteligível da sociedade e da política” (Stone, 2011STONE, Lawrence. Prosopografia. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v.19, n. 39, p. 115-137, 2001.: 117), isso é indício de que, no julgamento de especialistas com reconhecida contribuição para a historiografia sobre o Brasil político do século XX, alguns dos interventores eram dispensáveis para o entendimento do período.

O DHBB consultado para esta pesquisa era em versão digital, mas as omissões foram confirmadas na versão impressa de 2001. Houve duas atualizações do DHBB nos cinquenta anos de CPDOC, completados em 2023: os 4.493 verbetes originais foram ampliados para 6.620 na edição de 2001, e para 7.553 na edição digital de 2010 (CPDOC, 2023CPDOC – CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL. Edições. In: CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC). Dicionário histórico-biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2023. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/acervo/dicionarios. Acesso em: 1 set. 2023.
https://cpdoc.fgv.br/acervo/dicionarios...
). Dada a dificuldade em mapear nomeações que não vingaram, esta investigação optou por coletar dados apenas dos interventores que tenham ficado mais de cinco dias no cargo. O Quadro 2 traz os campos com que contou a matriz biográfica.

Quadro 2 -
Quesitos da matriz biográfica dos interventores de 1945-1947

A matriz resultante tem onze colunas com características (além da identificação do estado) e 71 linhas com interventores, sendo que dois deles (João Nogueira da Mata, do Amazonas, e Felipe Antonio Francisco Xavier, de Goiás) aparecem duas vezes por terem sido substituídos interinamente. A matriz está disponível como material suplementar no repositório institucional da Unifesp (https://repositorio.unifesp.br).

A primeira dimensão de interesse na análise diz respeito às fontes utilizadas na prosopografia. Na busca na base de dados do DHBB, 7,2% (N=5) dos interventores não tiveram seus verbetes localizados (Gráfico 1). As ausências são ligeiramente mais frequentes entre os indicados por Linhares (8,7% contra 6,5% no período Dutra). Em todos os casos, são personagens com carreiras estaduais àquela altura e que cumpriram períodos menores do que um mês no cargo. Com uma exceção: Benedito Martins Napoleão do Rego, secretário-geral que governou o Piauí por três meses, entre dezembro de 1945 e março de 1946, quando o interventor Antônio Leôncio Pereira Ferraz teve problemas de saúde. Essas lacunas são evidência da menor atenção dada às interventorias da transição.

A segunda dimensão de interesse, mais diretamente relacionada ao perfil dos nomeados, é o sexo dos indicados. Todos do sexo masculino.

Gráfico 1 -
Presença dos interventores entre os verbetes do DHBB (em %)

A elevada rotatividade dos interventores é revelada pelo número de ocupantes do cargo no período de menos de dois anos observado. É verdade que a moda — o número mais frequente — de interventores no período Linhares é um, pois, em dezoito dos vinte estados existentes à época, os nomeados pelo presidente permaneceram por três meses em ação. Em apenas dois estados esse padrão não foi seguido: Piauí, que teve dois interventores — por conta da substituição mencionada de Antônio Leôncio Pereira Ferraz — e Ceará, que teve três — Benedito “Beni” Augusto Carvalho dos Santos, Tomás Pompeu de Sousa Brasil Filho e Acrísio Moreira da Rocha.

No período Dutra, o padrão é diferente. Apenas seis estados (Alagoas, Maranhão, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo) tiveram um único interventor. Cinco estados tiveram dois interventores nomeados, outros cinco registraram três interventores, e dois, quatro interventores. Os casos extremos foram Goiás e Amazonas, com cinco nomeados no período de pouco mais de um ano.

O caso do Ceará ilustra como a busca — efetiva ou aparente — de neutralidade do interventor está associada à rotatividade. Nesse estado, as tensões começaram ainda durante o Estado Novo, com o interventor Meneses Pimentel substituído por não se empenhar na campanha de Dutra — demissão supostamente pedida pelo próprio general (Tem novo…, 1946TEM NOVO interventor o Ceará. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 15.730, p. 28, 10 fev. 1946.). Beni Carvalho foi o primeiro indicado por Linhares. Não se tratava de magistrado: era professor, tinha trabalhado com Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Cultura, pasta que dirigira interinamente, e atuava no Colégio Militar do Rio de Janeiro antes da interventoria. Enquanto ocupava a interventoria, decidiu pela campanha que o levou a se eleger deputado federal pela UDN do Ceará em dezembro de 1945. Carvalho dos Santos não cumpriu os habituais três meses à frente da interventoria. Foi substituído por Tomás Pompeu de Sousa Brasil Filho, que, depois, deu lugar a Acrísio Moreira da Rocha, cada um ocupando o cargo por menos de um mês.

Gráfico 2 -
Frequência de unidades de Federação por número de interventores (N)

Após a posse de Dutra, a saída de Moreira da Rocha, descrito como fazendeiro “sem partidarismo político”, selou uma crise na Executiva estadual do PSD. Foi substituído por Pedro Firmeza, que era ministro do Tribunal de Contas do Distrito Federal (Rio de Janeiro) desde sua criação, em julho de 1937, depois de carreira política que incluiu o cargo de deputado federal constituinte pelo Ceará. Firmeza ficou como interventor até outubro de 1946 e definiu sua tarefa como a de “um elemento moderado, estranho às lutas partidárias, que agisse com isenção” (Tem novo…, 1946TEM NOVO interventor o Ceará. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 15.730, p. 28, 10 fev. 1946.). Sua demissão expressou a dificuldade de conciliação no estado entre PSD e UDN, particularmente com vistas à eleição para o governo em 1947. Setores udenistas o apoiavam e setores pessedistas ligados a Meneses Pimentel o rejeitavam. “Um dos dois grupos em que se divide o PSD cearense […] entende que a continuidade no cargo do atual interventor significa um estorvo à conciliação desejada”, escreveu no telegrama com pedido de demissão enviado a Dutra em 7 de outubro de 1946 (O pedido…, 1946O PEDIDO de demissão do interventor do Ceará, aceito pelo presidente da República. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 15.936, p. 13, 15 out. 1946.).

Em seguida, assumiu José Machado Lopes, militar nascido no Rio de Janeiro, que foi comandante de batalhão da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e atuava como interventor da estrada de ferro Leopoldina, após uma greve em maio de 1946. Machado Lopes mexeu no equilíbrio de forças do estado, inclinando-o em favor do PSD. Ilustra esse movimento a substituição de prefeitos: Pedro Firmeza deixou 34 prefeituras nas mãos do PSD e o mesmo número com a UDN. Em dezembro, com pouco mais de um mês de interventoria, seu sucessor já havia demitido onze prefeitos da UDN. A alta temperatura da campanha cearense também é sugerida pelo fato de denúncias de uso da polícia estadual para coação eleitoral terem chegado ao Tribunal Superior Eleitoral em janeiro de 1947, e o então presidente da corte, José Linhares, ter tirado do ministro da Justiça o compromisso de “isenção de ânimo” e “não intervenção no pleito” por parte do interventor (A Justiça…, 1947A JUSTIÇA Eleitoral poderá requisitar a força pública. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 16.013, p. 3, 16 jan. 1947.). José Machado Lopes só foi substituído após a eleição. No estado, venceu o candidato da UDN ao governo, desembargador Faustino de Albuquerque Sousa, com Meneses Pimentel apontado, de modo indireto, como vice-governador posteriormente.

No quesito sobre rotatividade, o caso de São Paulo também é singular. Como dito, o político e empresário José Carlos de Macedo Soares foi o único interventor a atravessar os dois períodos, tendo ocupado a interventoria entre novembro de 1945 e março de 1947.

Uma conta aproximada permite chegar à média de permanência de cada interventor no governo Dutra antes da posse dos governadores eleitos. Considerando a duração do período como sendo de treze meses (de fevereiro de 1946 a março de 1947), houve 260 meses de interventoria nas vinte unidades da federação; como houve 49 interventores nomeados por Dutra, a média atinge 5,3 meses por interventor. No governo Linhares, a média é pouco inferior a quatro meses, uma vez que apenas duas das unidades da federação tiveram mais de um indicado de novembro a fevereiro.

A partir das informações de Codato (2013)CODATO, Adriano. Os mecanismos institucionais da ditadura de 1937: uma análise das contradições do regime de Interventorias Federais nos estados. História (São Paulo), São Paulo, v. 32, n. 2, p. 189-208, 2013., a média aproximada de permanência para cada interventor do Estado Novo supera cinquenta meses. A comparação revela o tamanho do desafio de interventores da transição que quisessem criar coalizões com forças estaduais ou mobilizar redes pró-interesses subnacionais, por conta da exiguidade de tempo no cargo.

Passando a tratar do local de nascimento, um quinto dos interventores da transição nasceu fora do estado para o qual foram indicados. A proporção é menor para o período Linhares, em que 73,9% (N=17) eram nativos do estado da interventoria. Entre os indicados por Dutra, essa taxa é de 61,7% (N=10). A taxa é relevante ao sugerir o grau de conexão do interventor com as comunidades estaduais. Em média, veio de fora do estado um em cada seis ocupantes do Executivo estadual no período Linhares e um em cada cinco do período Dutra. É mais uma indicação de dificuldade para cultivar redes estaduais capazes de mobilizar coalizões em favor de interesses subnacionais.

Gráfico 3 -
Local de nascimento dos interventores (em %)

Gráfico 4 -
Idade dos interventores ao tomarem posse (em % por faixa)

Os nomeados por Linhares tendiam a ser mais velhos do que os indicados por Dutra. Nos dois grupos, a faixa com maior proporção reunia interventores que assumiram com idades entre 51 e 60 anos. Enquanto 65,2% (N=15) dos ocupantes do cargo com Linhares tinham mais de 50 anos, essas faixas de idade reuniam 45,7% (N=21) no governo Dutra. A concentração de presidentes de tribunais no primeiro ciclo ajuda a explicar essa diferença.

Em matéria de ocupações, esta investigação chega a resultado que contraria o que se tornou a interpretação convencional sobre as nomeações do presidente Linhares. É indiscutível que os interventores com profissões ligadas ao Judiciário foram a maioria entre os vinte indicados inicialmente, mas seis deles tinham alguma carreira política pregressa. Embora os interventores de Espírito Santos, Mato Grosso, Paraná, Paraíba e Sergipe presidissem os respectivos Tribunais de Apelação e o interventor de Santa Catarina fosse procurador federal, todos tinham ligações anteriores com a política, tendo ocupado cargos eletivos ou de confiança na administração pública. O Quadro 3 sintetiza essas vinculações.

Nesse grupo estão, por exemplo, Hunald Santaflor Cardoso, interventor saído do Tribunal de Apelação de Sergipe, que era filho de deputado estadual, sobrinho de deputado federal, irmão de deputado federal por dois estados e tinha sido eleito deputado estadual em 1923 e prefeito de Aracaju em 1925. Também Severino de Albuquerque Montenegro, presidente do tribunal paraibano, foi deputado estadual entre 1912 e 1915, exerceu de forma concomitante a presidência da Câmara de Alagoa Grande e foi prefeito da cidade entre 1923 e 1929.

Quadro 3 -
Interventores indicados por Linhares ligados à Justiça e à política

As ligações políticas do catarinense Luís Gallotti passavam pela esfera federal. Eleito deputado estadual constituinte em 1927 em Santa Catarina, tornou-se procurador da República no Distrito Federal (Rio de Janeiro) em 1929. Em fevereiro de 1930, foi escolhido, pelo presidente Washington Luiz, para acompanhar as investigações sobre o choque armado entre a caravana de campanha do vice-presidente Fernando de Melo Viana e as forças que defendiam a Aliança Liberal em Montes Claros, Minas Gerais. Gallotti endossou as conclusões da investigação local, e assim foi evitada intervenção federal no governo mineiro. Apesar de vinculado ao governo deposto pela Revolução de 1930, foi mantido no cargo de procurador; em 1934, com a reconstitucionalização do país, foi designado membro da Comissão Revisora dos Atos do Governo Provisório. Com o fim do Estado Novo, foi nomeado interventor.

Outros três nomeados por Linhares tinham perfil político. Edgar de Góis Monteiro governou Alagoas de novembro de 1945 a maio de 1946 e é irmão de Pedro Aurélio de Góis Monteiro, um dos militares mais influentes do Brasil no século XX. Entre outras coisas, Edgar foi prefeito indicado de União dos Palmares e Maceió entre 1934 e 1935; interventor no estado entre março e maio de 1935; chefe de Polícia e secretário do Interior em 1935 (Ticianeli, 2017TICIANELI, Edberto. Famílias na política alagoana do século XX (III): Góis Monteiro. História de Alagoas, Alagoas, 8 nov. 2017. Personalidades. Disponível em: https://www.historiadealagoas.com.br/familias-na-politica-alagoana-do-seculo-xx-iii-gois-monteiro.html. Acesso em: 13 nov. 2023.
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); vereador de Maceió em 1935. Eleito deputado federal em 1930, o político e professor Beni Carvalho foi interventor do Ceará entre novembro de 1945 e janeiro de 1946; concorreu a deputado federal pela UDN no cargo, que deixou para assumir sua cadeira na Constituinte. Completa o trio de personagens com vínculos predominantes com a política o paulista José Carlos de Macedo Soares. Há ainda no grupo um coronel da reserva que concorreu à Constituinte de 1933-1934, elegendo-se segundo suplente de deputado federal: Antônio Leôncio Pereira Ferraz, que governou o Piauí entre novembro e dezembro de 1945, quando questão de saúde o fez passar o cargo a seu secretário-geral.

Portanto, dez dos vinte indicados por Linhares na primeira onda de nomeações tinham vínculos com a política antes de se tornarem interventores, inclusive os vindos de carreiras ligadas ao Judiciário.3 3 Os números do Gráfico 5 incluem também os substitutos indicados por cada presidente - daí a soma de políticos e de pessoas com profissões ligadas à Justiça com vínculos políticos anteriores não repetirem exatamente os 50% da primeira onda de nomeações de Linhares. Quando houve necessidade de substituição, duas outras pessoas com perfil político foram designadas para o Ceará e uma com carreira no Judiciário foi indicada para o Piauí.

De toda forma, a predominância das carreiras ligadas ao Judiciário, como magistrado, procurador ou advogado, marcou a gestão Linhares, como já registrado nos estudos sobre o período. Nada menos que 73,9% (N=17) do grupo têm esse perfil. Os militares são o grupo mais numeroso no governo Dutra, mas apenas superam ligeiramente 30% dos interventores. Em cinco casos, representando 7,2% dos interventores da transição, não foi possível identificar a ocupação anterior.

Gráfico 5 -
Ocupações predominantes antes da indicação a interventor (em %)

No quesito sobre a carreira, o estudo discriminou entre aquelas com trajetória alternativa e as de trajetória integrada (Borchert, 2011BORCHERT, Jens. Individual Ambition and Institutional Opportunity: A Conceptual Approach to Political Careers in Multi-level Systems. Regional and Federal Studies, Londres, v. 21, n. 2, p. 117-140, 2011.). Dado que o posto de interventor pertence ao nível subnacional, as carreiras alternativas — isto é, que se desenrolam em apenas um nível — foram entendidas como as que não envolveram cargos federais anteriores. São essas que predominam no período Linhares, com 73,9% (N=17) das trajetórias identificadas, coincidindo em geral com profissões do Judiciário. Entre as exceções, há casos como os dos já citados coronel da reserva Antônio Leôncio Pereira Ferraz, eleito suplente de deputado federal em 1933 e nomeado interventor do Piauí em novembro de 1945, e do professor Beni Carvalho, do Ceará.

No governo Dutra, a grande presença de militares ajuda a entender a maioria observada para as carreiras integradas — com migração entre os níveis federal e estadual. Nada menos que 47,8% (N=22) dos interventores tiveram sua trajetória interpretada como integrada. A proximidade com o PSD e com cargos no regime anterior também contribuiu — casos como o de Noraldino Lima, de Minas Gerais, José Gomes da Silva, da Paraíba, Brasil Pinheiro Machado, do Paraná, e de José Carlos de Macedo Soares, de São Paulo. Ainda que o tipo de carreira não permita afirmações taxativas sobre as preferências do interventor sobre a distribuição vertical de poder, é verossímil que carreiras integradas, com passagens por outros estados ou cargos federais, indiquem menor conexão com as comunidades políticas estaduais. Indicados por Dutra em média ficaram mais meses no cargo, mas tendiam a ter mais laços nacionais.

Gráfico 6 -
Trajetória da carreira até a indicação a interventor (em %)

A interpretação conjunta de local de nascimento, profissão, carreira e outras características ajuda a compor o perfil dos interventores da transição. As características predominantes nos períodos Linhares e Dutra diferem bastante. No primeiro, o interventor típico era do sexo masculino, ligado ao Judiciário, nascido no estado da interventoria, com carreira alternativa e permanência de três a quatro meses no cargo. No segundo, indicado do sexo masculino, de carreira política ou militar tendendo a integrada, também nascido no estado da interventoria e com permanência no cargo superior a cinco meses.

Percebe-se que não foram apenas obstáculos contextuais, como o calendário eleitoral ou os compromissos recíprocos que geraram neutralidade, que sinalizavam com dificuldades para interventores que quisessem mobilizar coalizões em favor dos interesses estaduais. Alta rotatividade, origem fora do estado e carreiras com etapas nacionais são indícios de maior desconexão do perfil deles com projetos eventualmente destinados a ampliar as competências administrativas e fiscais dos estados na partilha de poder da transição.

Considerações finais

Este artigo buscou, a partir da análise conjunta das biografias dos interventores do período de 1945 a 1947 e dos condicionantes contextuais para sua atuação, discutir e entender a possível contribuição desse segmento da elite política para a descentralização limitada, em termos de devolução de poder aos estados, registrada no pós-Estado Novo.

Constatou-se que a sequência da descentralização que acompanhou a redemocratização tendeu a desfavorecer uma atuação dos ocupantes dos Executivos estaduais em favor de mais poder aos estados. Compromissos entre atores relevantes favoreceram a defesa da neutralidade e da reforma da federação “por cima”. Da mesma forma, traços dos perfis dos interventores, como sua relativa desconexão com as comunidades estaduais, não revelaram potencial para reverter a tendência inicial de manutenção da centralização, em termos territoriais, desenhada ainda em 1945.

A análise dessa transição sugere que parte do potencial das comunidades políticas estaduais para impactar a redistribuição de poder na federação não se realizou, apesar de a redemocratização em princípio se apresentar como uma conjuntura crítica nessa dimensão. Na saída de uma ditadura, realizar eleições nacionais no primeiro momento e deixar as subnacionais para depois de redefinido o pacto federativo representa uma forma de déficit democrático — e com efeitos duradouros. Entre 1945 e 1947, a alegada premência de superar uma autocracia nacional atrofiou potenciais canais de representação de interesses em bases estaduais. É possível imaginar dinâmicas semelhantes ocorrendo também na Proclamação da República e na saída do Governo Provisório, nos anos 1930. O contraexemplo é a redemocratização dos anos 1980, quando as eleições aos governos estaduais em 1982 criaram atores políticos empoderados para atuar na Constituinte de 1987-1988, tendo como resultado maior impulso pela descentralização administrativa e fiscal.

Há um subtexto recorrente nos estudos sobre a política brasileira da primeira metade do século XX: representar os estados significa representar suas elites políticas. No entanto, é mais difícil naturalizar as escolhas da transição de 1945 quando se recorda que a estrutura federativa cria múltiplas cidadanias e que comunidades políticas estaduais podem ter sido negligenciadas a partir de lógicas da política nacional.

Por fim, duas limitações no escopo deste trabalho devem ser explicitadas. A descentralização de recursos de poder a que ele se refere diz respeito apenas ao nível intermediário, dos estados; segundo alguns balanços, os municípios ganharam autoridade e recursos fiscais de forma relevante em 1946 (Leal, 1975 [1949]LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975 [1949].). Além disso, em alguma medida, o estudo trabalha com uma questão contrafactual: o que teria ocorrido se, na transição, os Executivos estaduais estivessem ocupados por lideranças empoderadas pelo processo eleitoral? Análises comparativas, de casos com e sem a ocorrência dessa característica, sugerem ser um desenho de pesquisa promissor para levar adiante questões levantadas neste artigo.

Referências

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  • 1
    A mobilização da ideia de "elo perdido" tem, nesse caso, uma camada que não é evidente. Nos estudos sobre evolução, a busca do que seria uma espécie intermediária de Homo, antecessora do Homo sapiens, gerou a concepção de que poderia haver um elo perdido a ser descoberto. No entanto, esse hipotético Homo não foi identificado de forma conclusiva (Eriksen, 2018ERIKSEN, Zachary. Oldest Human Fossil Found Outside of Africa Throws Popular Theory into Doubt. Blog Science on the News, Cambridge, MA, 29 Jan. 2018. Disponível em: https://sitn.hms.harvard.edu/flash/2018/oldest-human-fossil-found-outside-africa-sheds-light-behavior-early-homo-sapiens/. Acesso em: 11 ago. 2023.
    https://sitn.hms.harvard.edu/flash/2018/...
    )
  • 2
    O Partido Social Democrático (PSD) venceu em Alagoas, Mato Grosso, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Santa Catarina, Sergipe e Rio de Janeiro, além de ter apoiado o udenista Otávio Mangabeira na Bahia (Hipólito, 1978HIPÓLITO, Lúcia. Partido Social Democrático (PSD, 1945-1965). In: CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC). Atlas histórico do Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1978. Disponível em: https://atlas.fgv.br/verbete/6231. Acesso em: 3 ago. 2023.
    https://atlas.fgv.br/verbete/6231...
    )
  • 3
    Os números do Gráfico 5 incluem também os substitutos indicados por cada presidente - daí a soma de políticos e de pessoas com profissões ligadas à Justiça com vínculos políticos anteriores não repetirem exatamente os 50% da primeira onda de nomeações de Linhares.
  • Fonte de financiamento: Projeto FAPESP nº 2021/08773-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2023
  • Aceito
    27 Out 2023
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