Acessibilidade / Reportar erro

Onde está Waldo Frank? God bless a América Hispânica

Where is Waldo Frank? God bless Hispanic America

Resumos

Este artigo busca apresentar um pouco da biografia pessoal e intelectual do escritor norte-americano Waldo Frank (1889-1967) que, embora nunca traduzido no Brasil, exerceu influência no pensamento latino-americano na primeira metade do século XX. Suas principais ideias são analisadas a partir de três de seus livros publicados no período: Our America (1919), America Hispana (1931) e South American Journey (1943).

Waldo Frank; pensamento latino-americano; América Latina


Cet article essaie présente une brève biographie personnelle et intellectuelle de l'écrivain américain Waldo Frank, qui, même n'ayant jamais été traduit au Brésil, a eu de l'influence sur la pensée latino-américaine de la première moitié du XXème siècle. Ses principales idées sont analysées à partir de trois de ses ouvrages publiés dans cette période: Our America (1919), America Hispana (1931) e South American Journey (1943).

Waldo Frank; pensée latino-américaine; Amérique latine


This article presents a brief personal and intellectual biography of the American writer Waldo Frank, who, although never translated in Brazil, has influenced the Latin American thought of the first half of the 20th century. His main ideas are analyzed from his three books published in this period: Our America (1919), America Hispana (1931) and South American Journey (1943).

Waldo Frank; Latin American thought; Latin America


ARTIGOS

Onde está Waldo Frank? God bless a América Hispânica

Where is Waldo Frank? God bless Hispanic America

Sonia Cristina Lino

RESUMO

Este artigo busca apresentar um pouco da biografia pessoal e intelectual do escritor norte-americano Waldo Frank (1889-1967) que, embora nunca traduzido no Brasil, exerceu influência no pensamento latino-americano na primeira metade do século XX. Suas principais ideias são analisadas a partir de três de seus livros publicados no período: Our America (1919), America Hispana (1931) e South American Journey (1943).

Palavras-chave: Waldo Frank, pensamento latino-americano, América Latina

ABSTRACT

This article presents a brief personal and intellectual biography of the American writer Waldo Frank, who, although never translated in Brazil, has influenced the Latin American thought of the first half of the 20th century. His main ideas are analyzed from his three books published in this period: Our America (1919), America Hispana (1931) and South American Journey (1943).

Key words: Waldo Frank, Latin American thought, Latin America

RÉSUMÉ

Cet article essaie présente une brève biographie personnelle et intellectuelle de l'écrivain américain Waldo Frank, qui, même n'ayant jamais été traduit au Brésil, a eu de l'influence sur la pensée latino-américaine de la première moitié du XXème siècle. Ses principales idées sont analysées à partir de trois de ses ouvrages publiés dans cette période: Our America (1919), America Hispana (1931) e South American Journey (1943).

Mots-clés: Waldo Frank, pensée latino-américaine, Amérique latine

O título escolhido para este artigo sintetiza seus objetivos: apresentar um pouco da biografia e da obra do escritor norte-americano Waldo Frank (1889-1967), cujas ideias tiveram significativa repercussão no meio intelectual latino-americano durante a primeira metade do século XX.

As fontes utilizadas foram, além das memórias do autor, Memoirs of Waldo Frank (1973), textos que fazem referência a ele, e três de suas obras: Our America (1919), America Hispana (1931) e South American Journey (1943). Embora a obra de Frank sobre a América Latina seja composta de outros títulos além destes, a escolha levou em conta, prioritariamente, os anos de publicação. Por terem sido publicadas em décadas diferentes, entre o início da década de 1920 e meados dos anos 1940, as obras escolhidas permitem acompanhar a trajetória do pensamento de Frank entre as duas guerras mundiais, período após o qual ele foi paulatinamente relegado ao esquecimento pelo mercado editorial e as instituições acadêmicas norte-americanas. Além do critério cronológico, a escolha de South American Journey (1943) se deve ao fato de este livro conter dois longos capítulos nos quais o autor descreve sua visita ao Brasil em 1942.

Numa perspectiva geral, o ostracismo que atingiu Frank em vida pode ser associado ao desprestígio conferido à América Latina pela política externa norte-americana imediatamente após a Segunda Guerra Mundial1 1 . Sobre as relações entre os EUA e a America Latina no período do pós-45 até 1989, utilizo a periodização proposta por Pecequilo (2003: 214). e à crítica de Frank à sociedade e à forma assumida pelo capitalismo norte-americano, o que não soava bem aos ouvidos do governo e da sociedade norte-americana em tempos de Guerra Fria.

Segundo Pecequilo (2003: 214), o pós-guerra e a Guerra Fria significaram "uma reversão total nas tendências de concentração das políticas externas dos Estados Unidos em seu continente, levando o país a uma maior e quase exclusiva preocupação com as demais regiões do mundo", o que significou "o declínio das políticas latino-americanas, com uma subordinação, um descaso e interferências crescentes dos Estados Unidos sobre a região" após o final da política da Boa Vizinhança que marcou o período da guerra.

Ao assumir a hegemonia político-econômica, e diante de uma Europa destruída pela guerra, os Estados Unidos iniciam uma nova fase - internacionalista - nas relações externas, se dedicando a ampliar suas áreas de influência para além da América Latina e de algumas regiões do Pacífico norte que, desde o século XIX, já se encontravam dentro de sua órbita.

Para as relações entre os Estados Unidos e a América Latina nas primeiras décadas do pós-guerra, Pecequilo (2003) propõe a seguinte periodização: entre 1947-1959, relações marcadas pela negligência dos EUA com relação ao restante do continente. E entre 1959-1969, relações marcadas de um lado pela Revolução Cubana, que trouxe a Guerra Fria para dentro do continente, e de outro pela política de Aliança para o Progresso, acontecimentos que redefiniram as posições dos países latino-americanos diante dos polos da Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética.

Waldo Frank morreu em 1967, quando a política externa norte-americana ainda se empenhava no controle da difusão das ideias comunistas no continente, mas suas dificuldades de trabalho e com a divulgação de suas ideias começaram antes. As críticas de Frank à sociedade americana e sua aproximação com os comunistas não se ajustavam ao período de "caça às bruxas" que se instaurou nos Estados Unidos a partir da criação do Comitê de Atividades Antiamericanas do Congresso, no início dos anos 1950. A publicação e a circulação de seus textos e ideias chegaram ao limite quando ele visitou Cuba em 1960, oferecendo apoio ao governo revolucionário.

Em suas memórias, Frank associa seu esquecimento ao crescimento dos Estados Unidos como potência ocidental após a guerra:

Eu não parei de criar como escritor. Minhas publicações nos anos 50 deixam isso claro:

Birth of a World: Bolívar in Terms of his Peoples,

de 1951;

Not Heaven,

no qual os apreciadores do meu trabalho encontraram algumas de minhas melhores histórias, apareceu em 1953;

The Rediscovery of Man,

em 1958. E apesar do tamanho e das dificuldades,

Editorial Acquilar

foi editado na Espanha em 1961. Entretanto, com respeito à minha carreira individual como escritor, houve maus sinais. Com a Guerra Fria e o senador McCarthy, os convites para palestras diminuíram, particularmente das instituições com mais dinheiro. O público não pagava para ouvir o outro lado. De fato, os ricos não querem ouvir o outro lado. Meu editor, W. Colston Leigh, me disse que minhas viagens pela cultura ocidental estavam entre as mais brilhantes que ele havia publicado, mas que aparentemente minhas ideias já tinham chegado ao limite. Também o número de artigos solicitados por periódicos semanais e mensais começou a cair (...). Eu podia escrever o que desejasse sobre qualquer assunto grande ou pequeno, até que minha defesa da Cuba de Castro me retirou a licença. A tendência se espalhou. A maré baixou e eu fiquei sozinho na areia. (Frank, 1973: 234)

Segundo o depoimento de Lewis Mumford, seu amigo e autor do texto de introdução de suas memórias, o que se perdeu com a Guerra Fria e as posições políticas adotadas pelos Estados Unidos foi o acesso a "um dos maiores escritores da sua geração":

Hoje o nome de Waldo Frank é praticamente desconhecido em seu próprio país. Há meio século, porém, Frank parecia para muitos de seus contemporâneos uma das figuras literárias mais vitais da sua geração, rivalizando apenas com Van Wick Brooks. (Frank, 1973: xv)

2 2 . " Today the name of Waldo Frank is almost unknown in his own country. But half a century ago Frank seemed to many of his contemporaries one of the most vital literary figures of his generation then rivalled only by Van Wick Brooks" (Frank, 1973: xv).

Em seu texto, Mumford atribui o esquecimento de Frank à complexidade de sua personalidade, que se debatia entre a origem aristocrática que lhe havia possibilitado amplo domínio e destaque na cultura ocidental do norte, e a rebeldia que se expressava na insatisfação com os limites impostos por este mundo racional e materialista sobre o qual se erguera a sociedade americana. Complexidade que Mumford afirma só ter entendido completamente após a leitura das memórias que apresentava aos leitores, e depois da percepção de que entre a vida e a obra literária de Frank as fronteiras eram imperceptíveis (Frank, 1972: xxvii).

Em Frank, o senso inato de ser um dos eleitos se opunha totalmente a uma propensão consciente à democracia; mas, infelizmente, era algo mais profundamente arraigado e o levou, como ele mesmo pesarosamente reconheceu no final da vida, a acalentar fantasias tão particulares e altaneiras quanto as de Dom Quixote. Quem além dele poderia supor que, aliando-se ao Partido Comunista nos anos 30, poderia convertê-los do marxismo estalinista ortodoxo ao mais religioso conceito "Waldeano" de "revolução profunda", fundado na expressão da personalidade como um todo? (Frank, 1973: xxii)

Waldo Frank: um rebelde

Waldo Frank nasceu em 1889 em uma família judia e letrada de Nova Jersey. Graduou-se pela Universidade de Yale em 1911, apesar de não ter se diplomado no ensino médio (high school). O diploma lhe foi vetado por não ter se retratado diante de uma professora de literatura cujo método de ensino de Shakespeare ele questionava.

Antes disso, tendo sido expulso de um colégio particular frequentado pelos bem-nascidos da Nova York do início do século, sua família o matriculara na escola pública da comunidade onde morava. Neste colégio, apesar do problema com a professora de literatura inglesa, Frank fez sua escolha profissional, ser escritor. E descobriu que sua inquietação e inadequação diante da vida, que lhe custara o diploma, não era apenas uma característica de sua personalidade em busca constante de entendimento do mundo e de si mesmo, mas também uma inquietação social e a forma por ele encontrada de intervir no mundo.

Entre 1906 e 1907, Frank viajou pela Europa, estudando em Lausanne, Suíça, antes de ir para Yale. Como reconheceu mais tarde, esta primeira viagem à Europa foi ainda uma extensão de casa, dos valores da América e da suposta supremacia da cultura ocidental do norte. Este quadro de fidelidade às origens da cultura ocidental só se alteraria na universidade, período que ele definiu a partir de duas ansiedades: a de chegar à universidade e enfrentar o mundo exterior à proteção doméstica, e o momento de sair de Yale e enfrentar a vida.

Ao recordar os últimos meses na universidade, definiu sua rejeição aos papéis sociais esperados de um jovem da sua origem social nos termos de um "pacto com Deus":

Supunha-se que os estudantes vinham para Yale para aprender a ser bem-sucedidos (...). Mas havia um sujeitinho muito intenso que secretamente enfrentava o fracasso. Fazíamos um contrato com Mefisto para alcançar o sucesso. Eu havia feito um pacto com um Deus que era um negociador mais difícil do que o diabo! (...) Eu seria um escritor. E escritores tinham recompensas. Ganhavam dinheiro (vide Kipling), faziam discípulos (vide Tolstói). Conquistavam fama mundial (vide Hardy, Meredith e Shaw). Eu olhava para esses prêmios com gana. Bem, eu abriria mão deles. A perda desses prêmios seria o meu pagamento na barganha. E o que Deus daria em troca? Deus não prometeu sucesso algum no meu nível. Ele única e simplesmente ficaria aberto para mim enquanto eu trilhasse o caminho de busca pela verdade e ocaminho de esforço incessante para juntar palavras que resultassem na revelação da verdade, que era que Deus está presente. Posso errar o alvo, posso fracassar segundo qualquer definição. O que pactuei com Deus foi abrir mão de todas as recompensas, não em troca do mais alto ou do mais profundo sucesso, mas em troca da chance, enquanto eu viver, de continuar tentando. (Frank, 1973: 45)

Os termos do "pacto" descrito nas memórias concluídas pouco antes da sua morte, em 1967, refletem sem dúvida o olhar de um septuagenário que sobreviveu à imposição de sua morte intelectual e à rejeição de sua obra. Na citação acima, ressalta a presunção e arrogância de Frank ao supor-se capaz de explicar sua trajetória a partir de um diálogo direto com (um) Deus. Uma divindade que significava tão somente o tempo presente - "God is present" - e as escolhas cotidianas que guiam a vida. Implícita está a rejeição à ideia de progresso e à espera pelo futuro de sucesso dos bem nascidos. O paraíso de Frank era presente, era a própria experiência de viver e tentar traduzir a vida em palavras. Ao morrer, Frank deixou dois romances inéditos e as memórias. A leitura de seus textos, sobretudo as memórias, das quais este trecho foi extraído, permite-nos atestar que o pacto foi cumprido de ambos os lados.

Após sua saída de Yale, Frank trabalhou como jornalista e escritor em vários periódicos norte-americanos. Publicou romances3 3 . Seu primeiro romance publicado foi The Unwelcome Man (1917). Cf. < http://www.lib.udel.edu/ud/spec/findaids/frank.htm>. e escreveu ensaios, relatos de viagens e um diário que culminaria na autobiografia citada. Inspirou-se nos literatos do século XIX, Walt Whitman e Henry Thoureau, aprofundou-se em estudos sobre religiões orientais e psicanálise, e buscou em diversas áreas do conhecimento pistas que o convencessem de que, apesar das diferenças físicas e culturais entre os povos, existia algo mais profundo que os unia e os tornava complementares.

Ao olhar para a história norte-americana, marcada pelo segregacionismo étnico, religioso e social, buscou traduzir nas letras algo que pudesse devolver aos norte-americanos a humanidade e a espiritualidade que considerava esquecidas pelo desenvolvimento capitalista. Talvez numa tentativa ingênua de conciliar sua educação erudita e formal com as incertezas impostas pelas guerras que formaram o cenário de sua juventude.

Frederick Pike (1992), preocupado com os mitos e estereótipos criados no continente americano de uma América Anglo-Saxônica "civilizada" e "racional" oposta a uma América Ibérica "natural" e "selvagem", se refere a Frank como um pensador utópico, herdeiro das ideias contestadoras dos splendid drunken years (esplêndidos anos ébrios), a década de 1920. Época na qual surgiram nos Estados Unidos comunidades de intelectuais4 4 . Grupos de brancos que descobriram a cultura negra e periférica de NovaYork nos anos 1920 num movimento de liberalização cultural que se opunha ao moralismo puritano expresso pela Lei Seca. que se rebelaram contra a sociedade norte-americana, que viam como materialista, consumista, repressiva e, sobretudo, segregacionista (Pike, 1992: 229-257).

Esses intelectuais buscavam entender o aspecto "selvagem" e "natural" da América excluída, negra, indígena e latina, para tentar compreender aquilo que acreditavam que os Estados Unidos haviam perdido no caminho das certezas do desenvolvimento puritano. A volta às origens e à espiritualidade guiava o pensamento desses jovens que viveram as incertezas do entre-guerras e o colapso econômico de 1929, além de testemunharem seu "paraíso terrestre" ser colocado em xeque (Pike, 1992: 229-257).

Segundo Pike, a sociedade ideal defendida por Waldo Frank só seria alcançada através de

uma união de intelectuais sem interesses econômicos com as massas, supostamente ainda não contaminadas de modo incorrigível pela ganância. Cultura e natureza se uniriam para criar um novo tipo de civilização na qual elementos não contaminados, naturais e primitivos continuassem a ser um ingrediente vital. (Pike, 1992: 250)

Frank viajou à Europa várias vezes e conheceu cidades do mundo em longas caminhadas antes de descobrir a cultura ibérica, em 1921, ao visitar a Espanha. Em 1926 publicou Virgin Spain (Espanha Virgem) e se convenceu de que na cultura ibérica encontrara seu lugar. Em suas memórias, o capítulo referente a esse período tem o sugestivo título de Autodescoberta na Espanha,5 5 . Self-discovery in Spain (Frank, 1973: 127-134). uma descoberta iniciada com a primeira leitura de Don Quixote em castelhano (ele só havia lido Cervantes em inglês) e que moldaria seu olhar sobre a Espanha visitada: "agora começava o verdadeiro encontro com a Espanha" (1973: 127).

O indivíduo pouco confortável em seu lugar de origem teve uma revelação ao se encontrar com a cultura ibérica, e permitiu-se confessar, referindo-se à cultura anglo-saxônica, que "nunca amei a civilização ocidental do século XX", e que "estava apaixonado" pela Espanha, local que podia lhe oferecer uma qualidade de vida que o "Ocidente" não lhe possibilitava, inclusive a tão idealizada França da sua infância e adolescência. "A Europa Ocidental tinha uma completude (...) uma articulação (...) que deixava algo de fora; algo que senti que estava vivo, embora de forma obsoleta, no homem espanhol" (Frank, 1973: 128).

É interessante ressaltar que já na década de 1920 Frank usa referências não geográficas para caracterizar o "Ocidente", excluindo a Península Ibérica deste conceito, e utiliza-se de uma perspectiva que seria retomada, décadas depois, pelos escritores e ativistas de movimentos de libertação das colônias africanas e asiáticas e pelos movimentos sociais da década de 1960 em diante. (Este "outro" ocidente vai ser melhor definido com a publicação de America Hispana, alguns anos depois.)

A "forma obsoleta" dos espanhóis que conheceu na década de 1920 se refere à persistência de hábitos e práticas cotidianas que foram preservados com a decadência do Império espanhol e com o fechamento e o esforço para se manterem unidos enquanto Estado. A Espanha pela qual Frank se apaixonou era um ramo da civilização que teria escapado, por força da Igreja, ao pragmatismo anglo-saxônico e que havia mantido certo "primitivismo" nas relações sociais, além de uma pluralidade étnica ancestral.

Da descoberta da Espanha para a descoberta da América Hispânica foram seis anos. A primeira edição de America Hispana é de 1931. Sua tese central era a necessidade de integrar o continente americano de forma não hierarquizada, e sim através da complementaridade entre o norte materialista e o sul espiritual e humano. Entre a civilização e a natureza humana.

A integração continental já fazia parte do imaginário da América Ibérica desde o século XIX. Depois da independência de Cuba, seu caráter nacionalista e anticolonialista colocou para a América Ibérica a grande questão que ocupou toda a primeira metade do século XX: a da construção de uma identidade nacional.

Independentemente da filiação ideológica dos pensadores hispânicos que precisaram reconfigurar as relações entre a América independente e suas origens europeias, a questão da construção da nação e os ideais sociais se colocaram como uma prerrogativa que tangenciava ora a cultura, ora a natureza, ora a necessidade de modernização (ver Pike, 1992).

Waldo Frank foi sensibilizado intelectualmente por esse ambiente e manteve contato físico, literário e por correspondência com intelectuais tanto da Espanha como da América Ibérica, do México à Patagonia.6 6 . Entre eles, os espanhóis Unamuno e Ortega y Gasset, o uruguaio Rodó, o mexicano Vasconcellos, o peruano Mariátegui, o argentino Glusberg, o cubano Fernando Ortiz e o brasileiro Gilberto Freyre.

A América segundo Waldo Frank

A trajetória do olhar e as ideias de Waldo Frank sobre a América Latina estão sintetizadas no prólogo que escreveu para a edição chilena de America Hispana, em 1937.7 7 . O exemplar utilizado foi publicado em Santiago do Chile, em 1937, pelo Editorial Ercilla. Nesse texto, sempre dialogando com seus escritos de forma que eles não perdessem a unidade, o autor deixa ver suas posições numa perspectiva temporal que orienta os leitores para as mudanças que os acontecimentos históricos produziram em seu pensamento e em suas ações.

O primeiro movimento é recuar seis anos, quando escreveu a primeira edição de America Hispana, em 1931; depois recua mais seis anos, à edição de Virgin Spain (1925), e faz uma ligação de toda sua obra historiográfica e ficcional desde 1919, quando publicou Our America.

Um dia como hoje, há seis anos, escrevia eu o prólogo para a primeira edição norte-americana de

America Hispana

(...). Quanto terá mudado nestes seis anos o mundo em que vivemos? Como estas mudanças teriam alterado a objetividade deste livro? Para responder, permitam que eu retroceda outros seis anos (...), ou seja, há doze anos a partir de hoje. Então eu me encontrava na Espanha, escrevia

Virgin Spain

, obra que concebi como o drama espiritual de um grande povo (...).

America Hispana

foi a consequência inevitável da visão de todos os meus primeiros trabalhos. (Frank, 1937: ix-x)

E qual seria essa visão? O próprio Frank se questiona:

Em essência, qual foi a visão que eu comecei a expressar intuitivamente em Our América, nos capítulos referentes aos indígenas e ao Novo México? Foi um sentido de valoração da vida indígena dos continentes americanos e do tradicional gênio dos povos hispânicos. Foi um sentido de revalorização, uma fé na importância destes valores unidos (Espanha e América) (...) de sua suprema importância cultural diante do moderno mundo industrial e capitalista da Europa e dos Estados Unidos. (Frank, 1937: x)

Em Our América, Frank apresenta aos franceses o que considera ser a principal característica dos Estados Unidos, o pioneirismo e o contato direto com a natureza. E considera que, se aos ancestrais coube estabelecer um contato físico com o novo continente e a natureza, à sua geração caberia o pioneirismo espiritual, a redescoberta de uma nova civilização. Ideia que reafirmaria mais tarde, em The Re-discovery of America (1929), ao identificar na arte e na ciência modernas a restauração dos valores intuitivos da América, se referindo ao modernismo. Lewis Mumford se refere ao pensamento de Frank sobre sua geração como "uma das mais positivas e vigorosas críticas já feitas da nossa civilização" (Frank, 1973: xvii).

A semelhança de ideias entre Waldo Frank e o Movimento Antropofágico de São Paulo, liderado por Oswald de Andrade, seu contemporâneo, chama a atenção. As trajetórias intelectual e de vida de ambos tiveram correspondência em muitos pontos. Nos escritos de Oswald, desde os manifestos da década de 1920 até os ensaios que precedem sua morte em 1954, são inúmeras as citações que fazem referência à América Ibérica, em particular ao Brasil, como a América da espiritualidade que precisava resgatar criativamente a modernidade do norte através da antropofagia.8 8 . Ver Domingues e Lino (2008: 37-56). Como exemplifica a observação de Oswald ao livro de Paulo Barreto, As religiões do Rio: "Ainda creio que nossa cultura religiosa venha a vencer no mundo moderno a gélida concepção calvinista, que faz da América do Norte uma terra inumana, que expulsa Carlitos e cultiva McCarthy".9 9 . Citação do texto "A marcha das utopias" (Andrade, 1995: 163). Esta citação, apenas ilustrativa da proximidade de ideias entre os autores, se encontra de forma recorrente na obra de Oswald de Andrade, sobretudo nos ensaios escritos pouco antes de sua morte, em 1954. Além disso, há a trajetória pessoal que, na juventude, aponta para a genialidade e irreverência dos sujeitos que, após um período de aproximação, militância e decepção com o partido comunista, são marginalizados no meio intelectual em que viviam.10 10 . Sobre Oswald de Andrade, ver Fonseca (2007) e Boaventura (1995).

De volta a America Hispana, Frank busca reescrever a história da América Latina a partir da mitologia que envolve o relevo e as montanhas que cruzam o continente do Alasca à Patagônia e se encontram no Panamá: "Panamá é a eminência de uma serra que o destino selou. A ciência vaga dos geólogos e a arte exata dos mitos nos dizem que em outro tempo houve dois continentes que o mar engoliu. Um se chamava Atlântida e o outro Lemuria" (Frank, 1937: 5).

Numa análise que parte da geologia e da mitologia que envolvem a formação dos continentes, Frank coloca o foco central sobre o continente americano, dividindo-o entre, de um lado, um ocidente de "terras ancestrais", que ia das montanhas do Alasca aos Andes, à Patagônia e à Terra do Fogo e se estendia até a África e a Europa (Península Ibérica) e, de outro, um oriente que unia o oeste do Alasca, Chile e Japão ao resto da Ásia ao norte e Madagascar ao sul. Em suma, ele resgata as teses em torno da separação dos continentes e da formação dos oceanos para concluir que "o Panamá era o resto da ligação entre dois mundos legendários que ocupavam da Ibéria a Catão" (Frank, 1937: 6). É, portanto, a partir do Panamá ou do canal (El canal) que empreende sua viagem histórica pela América Ibérica, ligando o relevo montanhoso e a formação histórica desde a chegada dos conquistadores espanhóis aos dois lados das montanhas.

O capítulo quarto, no entanto, é reservado ao Brasil e se chama "A selva" (La selva). Partindo do Amazonas, em quatro sub-capítulos ele chega ao Rio de Janeiro (I. El Amazonas, II. El destino del Brasil, III. São Paulo, IV. Rio de Janeiro). A inclusão do Brasil num livro intitulado America Hispana causaria, mais tarde, em 1942, quando esteve no Brasil, certo desconforto entre Frank e o então ministro Oswaldo Aranha, que teria feito críticas ao livro em razão desta inclusão. Entretanto, no prólogo da primeira edição, de 1931, o autor se explica dizendo que "Hispana é um nome que compreende toda a Península Ibérica. Os povos portugueses são hispânicos, tanto quanto os povos espanhóis, e Camões, o poeta lusitano, usou o termo para incluí-los a todos". E conclui dizendo que a divisão política não exclui o sentido étnico e cultural (Frank, 1937: xxi).

Entre a primeira edição de America Hispana (1931) e a edição chilena aqui utilizada, seis anos transcorreram, e a Espanha pela qual Frank se apaixonara passava pela Guerra Civil que levou à ditadura franquista. A crise econômica de 1929 havia mudado o cenário otimista e a liberdade artística e de pensamento do início da década. Frank não se omite em rever seus escritos:

Pouco depois da primeira edição de

America Hispana,

o mundo e meu próprio país entraram em uma fase de profundo deslocamento econômico. Eu próprio me vi obrigado, por exigências de minha integridade, a tomar parte, como nunca antes, na "ação social". Isto trouxe uma dialética que mudou minha atenção. Em 1919, quando escrevi

Our America

, reconheci que Marx era um grande profeta. Mas agora me refiro a ele como um pensador político e histórico. O corpo de meus interesses, senão dos meus valores, ganhou uma nova dimensão. (Frank, 1937: xv)

Segue-se uma crítica à própria obra, na qual admite que houve uma "debilidade nos cálculos políticos" quando escreveu o último capítulo, The Creating of America Hispana (A criação da América Hispânica), no qual sugeria a "necessidade de aparição de grupos revolucionários sem atenção adequada a seus estatutos políticos e econômicos, o que os tornaria por si só 'dinâmicos' através da ação" (Frank, 1937: xv).

Uma conclusão bem mais utópica que a da edição cujo prólogo reescrevia seis anos depois:

Neste livro, o capítulo final sugere uma classe de tentativa de agrupamento das nações da América Hispânica com, creio agora, uma ingênua ignorância da "economia", a única que poderia tornar factíveis estes grupos ou, se chegaram a ser, dinâmicos. Mas, este capítulo final não está escrito em tom dogmático, permanece no reino da sugestão (...) os agrupamentos e as federações não podem "por si só" produzir a integração interior que a America Hispana é a única que pode "criar". (Frank, 1937: xv)

O autor segue apontando "mudanças nas forças de qualidade" de muitos pontos do texto que atribui ao seu "crescimento pessoal", o que coincide com sua aproximação dos comunistas. E termina afirmando que só naquele momento entendia que todos que lessem o livro seriam seus "irmãos em ação". A essas conclusões se referia Lewis Mumford quando falava sobre o quixotismo de Frank e a sua "revolução profunda baseada na expressão de toda a personalidade". O mesmo Mumford que considera que o melhor da obra de Frank não está nos livros de ficção literária, mas na "representação imaginativa de outras culturas, particularmente em Virgin Spain, em South American Journey e na biografia de Bolívar" (Frank, 1973). Ou seja, na capacidade de perceber a cultura e a história dos locais por onde passou, a partir de um olhar próprio.

South American Journey e o Brasil

As ideias de Frank foram bem recebidas e divulgadas na América Latina. Em 1929 fez, com bastante sucesso, um ciclo de palestras no México, Argentina e Peru, que Fredrick Pike (1992: 254) considerou como "palestras que diziam o que os intelectuais hispânicos queriam ouvir". Ou seja, em vez de ressaltar o "atraso" econômico e convocá-los a seguir os caminhos modernizantes da América do Norte, Frank enaltecia a "sensibilidade mística" dos intelectuais do sul e seu papel na "recriação" de um continente mais igualitário. Seu contato com Mariátegui marcou sua trajetória intelectual. Ao amigo peruano foi dedicada America Hispana (1931). Manteve correspondência com muitos intelectuais, alguns dos quais mais tarde se tornaram políticos, como Lázaro Cadernas e José Vasconcellos, a quem não poupou das críticas no prólogo da edição chilena de America Hispana, em 1937, ao revisar o texto original:

Poderia seguir mencionando as mudanças nas forças de qualidade de muitos pontos tanto no Retrato quanto na Perspectiva. Poderia, por exemplo, desenvolver as debilidades ideológicas e de caráter de José Vasconcellos (...) relatando como isso o empurrou inevitavelmente ao campo degradado (ao qual não pertence) dos fascistas. (Frank, 1937: xv)

O contato com a intelectualidade latino-americana lhe possibilitou outros convites para palestras na América Latina, e seus livros circularam na proporção das correspondências e dos convites. Em 1942, financiado pelo Departamento de Estado norte-americano e motivado pelo avanço das tropas nazistas na Europa, pelo ataque japonês a Pearl Harbor e pelas notícias de campos de extermínio na Europa, aceita o convite de amigos sul-americanos para um ciclo de palestras.

A ideia inicial era fazer uma escala na Amazônia e depois no Rio de Janeiro, onde seria recebido pela amiga e poetiza chilena Gabriela Mistral, que, na ocasião, morava em Petrópolis. Lá pretendia descansar por uns dias e preparar as palestras que realizaria na Argentina, Chile e Peru. Não tinha nada marcado para o Brasil, senão conhecer la selva. Quando sobrevoou a Amazônia ao sair de Belém, sua primeira parada, foi interpelado por alguém que não acreditava que aquela fosse a primeira visita dele ao Brasil e que, tendo lido America Hispana, comparava o capítulo sobre a Amazônia ao Nordeste de Gilberto Freyre em Casa grande & senzala. "Preciso fazer uma confissão. Eu acredito que esta é a primeira vez em minha carreira literária que me sinto culpado pelo que escrevi. Eu descrevi o Amazonas sem nunca tê-lo visto"(Frank, 1943: 16-17). O impacto da visão do Amazonas real o faria voltar e, no final da viagem, dedicar à região um capítulo do livro.

Ao desembarcar no Rio de Janeiro, depois de alguns dias em Belém do Pará, foi surpreendido com uma recepção oficial no aeroporto. Intelectuais e políticos ligados ao governo de GetúlioVargas, em pleno Estado Novo, aguardavam-no solenemente no saguão do aeroporto.

Frank acabou por retardar as palestras nos países da América Hispânica e percorreu todas as regiões do Brasil sendo ciceroneado por Vinicius de Moraes e Sérgio Correa da Costa, entre outros diplomatas. Chegou ao Rio de Janeiro no dia 23 de abril e imediatamente foi levado por Vinicius de Moraes à festa de São Jorge, o "santo guerreiro". Em sua descrição da festa, compara o Saint George britânico e o São Jorge brasileiro, que, para sua agradável surpresa, ajudou-o a interpretar, na mistura do povo nas ruas a beijar as fitas que enfeitavam o santo, a comprovação de que nos "atrasados" latinos do sul ainda pulsava a sensibilidade e a espiritualidade primitiva que procurava.

No Brasil conheceu as ruas e visitou os salões políticos e literários das cidades por onde passou. Foi recebido oficial e extraoficialmente por artistas, intelectuais e pela elite sociopolítica, mas também entrou em contato com o cotidiano das ruas, festas e bairros populares (Frank, 1943). A aventura resultou na escrita de South American Journey, que foi publicado no ano seguinte, 1943, logo após sua volta aos Estados Unidos.

Na visita a Minas Gerais, além de uma "paixão de viagem" com uma jovem mulata descrita no livro e citada por Pike (1992: 254), Frank conclui:

Por que há uma diferença tão grande entre o negro explorado no Brasil e o explorado nos Estados Unidos? Porque os últimos conheceram a luxúria e a ganância dos senhores; os primeiros conheceram não menos luxúria e ganância, mas ternura também. (Frank, 1943: 50-51)

Ao ser lida fora do contexto no qual foi escrita, a conclusão é passível de várias críticas, entre as quais a grave acusação de construir uma imagem idealizada da sociedade brasileira, contribuindo para a crença em uma suposta "democracia racial" que teria servido apenas para desviar a atenção da questão central: a desigualdade econômica, racial e cultural dessa sociedade. Esta crítica, aliás, pode ser estendida a vários intelectuais brasileiros contemporâneos de Waldo Frank e que com ele tiveram contato, particularmente a Gilberto Freyre. Mas, ao se ler um pouco mais sobre a "representação imaginativa" de Frank acerca da América do Sul, percebe-se que ele escolhia interlocutores que o ajudassem a tornar mais nítida a imagem que queria ou gostaria de ver.

Nas palavras do próprio Frank, a proximidade de ideias com os brasileiros que teve contato por aqui não abrangia a totalidade dos intelectuais e políticos. Depois de dissertar sobre um almoço com Paulo Bittencourt e Maurício Nabuco, no qual se discutiu de Euclides da Cunha ao futuro do Brasil, e de descrever de forma crítica os dois companheiros de almoço, Frank escolhe seus interlocutores no Brasil:

Nem todos os brasileiros concordam com Nabuco e Bittencourt e o pessimista da Cunha; certamente não com Vianna, que se corrompeu pela doutrina racial nazista. Homens como Portinari, Couto, Vinicius de Moraes, Freyre

11 11 . Maurício Nabuco, Paulo Bittencourt, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, Candido Portinari, Ribeiro Couto, Gilberto Freyre.

(alguns tão aristocráticos como Nabuco) corroboram com minha visão do Grande Brasil cujos símbolos serão os dois rios

escuros

: o Amazonas e o São Francisco. (Frank, 1937)

12 12 . Este comentário vem a propósito da conversa que o autor teve em almoço com o embaixador Maurício Nabuco e Paulo Bittencourt, dono do jornal Correio da Manhã.

À primeira leitura do livro, duas observações se destacam: a primeira diz respeito à circulação de ideias entre os hemisférios norte e sul entre os anos 20 e 40 do século XX. Essa circulação era complementada pela possibilidade de os próprios intelectuais serem porta-vozes de suas ideias, apesar das dificuldades de tempo e custo na locomoção (e talvez em função disto, uma vez que a intelectualidade americana de norte a sul, em sua grande maioria, provinha da elite sociopolítica). Desta forma, os intelectuais tinham também oportunidade de passar mais tempo nos locais cujos temas eram seus objetos de estudo e de observá-los de diversas perspectivas. No prólogo da primeira edição de America Hispana (1931), Waldo Frank se refere a esta possibilidade de locomoção:

Mas, para ganhar a experiência em América Hispânica encarnada em meu livro, muito mais que todas as palavras escritas, o que me ajudou foram minhas amizades e a peregrinação por estas terras. E, o mais essencial de tudo, minhas relações com os homens e mulheres da América Hispânica. (Frank, 1937)

13 13 . Este texto de Waldo Frank faz parte de "Gratitud. Prólogo de 1931" (America Hispana, Santiago, Ercilla, 1931), p. xx: "Pero a ganar experiencia de la America Hispana que encarna mi libro, me han ayudado mucho mas que todas las palavras escritas, mis amistades y el peregrinaje por estas tierras. Mis relaciones, lo más esencial de todo, con los hombres y con las muje res de la Ameri ca His pa na" (Frank, 1937).

A segunda observação diz respeito às idealizações da latinidade feitas por Frank, que minimizou, inclusive, a agressão física que sofreu no quarto do hotel em que se hospedou em Buenos Aires e que foi atribuída por ele a "fascistas" de direita, mas cuja imagem (1973) mostra razões suficientes para a hospitalização que sofreu e para a mudança no curso da viagem. Além disso, o uso que foi feito de suas ideias e das palestras proferidas durante a viagem teve um duplo papel negativo para sua carreira como escritor. Por um lado, foram úteis para convencer os países da América Latina a apoiarem os Estados Unidos na guerra, o que explica o financiamento recebido por ele do Departamento de Estado para a viagem. Por outro, contribuíram para seu isolamento no pós-guerra e para a certeza de que seu "pacto com Deus" seria cumprido.

As palestras teriam sido usadas estrategicamente por Nelson Rockfeller, quando este dirigiu o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs - OCCIA (Birô do Coordenador de Relações Interamericanas), órgão do governo de Franklin Delano Roosevelt responsável pela fundamentação ideológica da Política de Boa Vizinhança, para consolidar o apoio da América Latina à entrada dos Estados Unidos na guerra (Tota, 2000: 35).

Nos 22 anos entre o final da guerra e sua morte, como ele mesmo disse, "a maré baixou" e ficou "sozinho na areia", buscando entender sua trajetória:

Não fui um político nem um economista ou um pregador. Eu fui um poeta. Meu método era simplesmente contar histórias que revelassem - com o coração partido, com a escuridão e o terrível mistério de ter nascido e vivido - a alegria da presença de Deus que se torna conhecida para além do conhecimento. (Frank, 1973)

Se a volta ao diálogo com Deus era apenas a necessidade do velho poeta de dar sentido à existência diante da proximidade da morte, não se pode afirmar. Mas a poesia com que descreveu uma de suas musas, a América Ibérica, para além das suas visíveis imperfeições e defeitos, contribuiu para criar sobre ela um novo olhar, mais sedutor e esperançoso.

Notas

Artigo recebido em 6 de agosto de 2009 e aprovado para publicação em 18 de setembro de 2009.

Sonia Cristina Lino é professora do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Brasil (slino08@gmail.com).

  • AMARAL, Leila & GEIGER, Amir (org). In vitro, in vivo, in silício. Ensaios sobre a relação entre arte, ciência, tecnologia e o sagrado São Paulo: Attar, 2008.
  • ANDRADE, Oswald de. A utopia antropofágica 2Ş ed. Rio de Janeiro: Globo, 1995.
  • BOAVENTURA, Maria Eugenia. O salão e a selva. Uma biografia ilustrada de Oswald de Andrade. Campinas: Ex Libris/Unicamp, 1995.
  • DOMINGUES, Beatriz H. & LINO, Sonia C. Oswald de Andrade: utopia antropofágica e espiritualidade. In: AMARAL, Leila & GEIGER, Amir (org). In vitro, in vivo, in silício. Ensaios sobre a relação entre arte, ciência, tecnologia e o sagrado São Paulo: Attar, 2008, p. 37-56.
  • FONSECA, Maria Augusta. Oswald de Andrade.Biografia São Paulo: Globo, 2007.
  • FRANK, Waldo. Our America. New York: Duell, Sloan and Pearce, 1919.
  • ______. America Hispana Santiago: Ercilla, 1937.
  • ______. South American Journey New York: Duell, Sloan and Pearce, 1943.
  • ______. Memoirs of Waldo Frank MA: University of Massachusetts Press, 1973.
  • PECEQUILO, Cristina S. A política externa dos Estados Unidos Porto Alegre: UFRGS, 2003.
  • PIKE, Fredrick B. The United States and Latin America. Myths and Stereotypes of Civilization and Nature. Austin: University of Texas Press, 1992.
  • TOTA, Antonio P. O imperialismo sedutor. A americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.
  • 1
    . Sobre as relações entre os EUA e a America Latina no período do pós-45 até 1989, utilizo a periodização proposta por Pecequilo (2003: 214).
  • 2
    . "
    Today the name of Waldo Frank is almost unknown in his own country. But half a century ago Frank seemed to many of his contemporaries one of the most vital literary figures of his generation then rivalled only by Van Wick Brooks" (Frank, 1973: xv).
  • 3
    . Seu primeiro romance publicado foi
    The Unwelcome Man (1917). Cf. <
  • 4
    . Grupos de brancos que descobriram a cultura negra e periférica de NovaYork nos anos 1920 num movimento de liberalização cultural que se opunha ao moralismo puritano expresso pela Lei Seca.
  • 5
    .
    Self-discovery in Spain (Frank, 1973: 127-134).
  • 6
    . Entre eles, os espanhóis Unamuno e Ortega y Gasset, o uruguaio Rodó, o mexicano Vasconcellos, o peruano Mariátegui, o argentino Glusberg, o cubano Fernando Ortiz e o brasileiro Gilberto Freyre.
  • 7
    . O exemplar utilizado foi publicado em Santiago do Chile, em 1937, pelo Editorial Ercilla.
  • 8
    . Ver Domingues e Lino (2008: 37-56).
  • 9
    . Citação do texto "A marcha das utopias" (Andrade, 1995: 163). Esta citação, apenas ilustrativa da proximidade de ideias entre os autores, se encontra de forma recorrente na obra de Oswald de Andrade, sobretudo nos ensaios escritos pouco antes de sua morte, em 1954.
  • 10
    . Sobre Oswald de Andrade, ver Fonseca (2007) e Boaventura (1995).
  • 11
    . Maurício Nabuco, Paulo Bittencourt, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, Candido Portinari, Ribeiro Couto, Gilberto Freyre.
  • 12
    . Este comentário vem a propósito da conversa que o autor teve em almoço com o embaixador Maurício Nabuco e Paulo Bittencourt, dono do jornal
    Correio da Manhã.
  • 13
    . Este texto de Waldo Frank faz parte de "Gratitud. Prólogo de 1931" (America Hispana, Santiago, Ercilla, 1931), p. xx: "Pero a ganar experiencia de la America Hispana que encarna mi libro, me han ayudado mucho mas que todas las palavras escritas, mis amistades y el peregrinaje por estas tierras. Mis relaciones, lo más esencial de todo, con los hombres y con las muje res de la Ameri ca His pa na" (Frank, 1937).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jul 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      18 Set 2009
    • Recebido
      06 Ago 2009
    Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas Secretaria da Revista Estudos Históricos, Praia de Botafogo, 190, 14º andar, 22523-900 - Rio de Janeiro - RJ, Tel: (55 21) 3799-5676 / 5677 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: eh@fgv.br