Acessibilidade / Reportar erro

Meningoencefalite associada ao Mycoplasma pneumoniae

Resumos

Este relato de caso descreve uma criança com menignoencefalite de etiologia atípica. A paciente desenvolveu a doença após infecção de vias aéreas superiores, com evolução desfavorável. Houve recuperação clínica somente após introdução de antibioticoterapia adequada para o agente etiológico.

Mycoplasma pneumoniae; Meningoencefalite; Meningoencefalite; Diagnóstico diferencial; Relatos de casos


We report a case of a child with meningoencephalitis of atypical etiology. The patient developed the disease after an infection in the upper airways with unfavorable evolution. The clinical recovery was only possible after the administration of adequate antibiotic therapy for the etiological agent. This case report describes a child with meningoencephalitis of atypical etiology. The patient developed the disease after an infection in the superior airways with negative evolution. The clinical recovery was possible only after the introduction of adequate antibiotic therapy for the etiological agent.

Mycoplasma pneumoniae; Meningoencephalitis; Meningoencephalitis; Diagnosis, differential; Case reports


RELATO DE CASO

IUnidade de Pneumologia, Instituto da Criança, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo - USP, São Paulo (SP), Brasil

IIHospital Israelita Albert Einstein - HIAE, São Paulo (SP), Brasil

IIILaboratório de Cirurgia Experimental da Gastrenterologia Pediátrica, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil

IVDepartamento de Pediatria, Hospital Israelita Albert Einstein - HIAE, São Paulo (SP), Brasil

Autor correspondente

RESUMO

Este relato de caso descreve uma criança com menignoencefalite de etiologia atípica. A paciente desenvolveu a doença após infecção de vias aéreas superiores, com evolução desfavorável. Houve recuperação clínica somente após introdução de antibioticoterapia adequada para o agente etiológico.

Descritores: Mycoplasma pneumoniae; Meningoencefalite/complicações; Meningoencefalite/quimioterapia, Diagnóstico diferencial; Relatos de casos

INTRODUÇÃO

Meningoencefalite é um processo inflamatório do parênquima cerebral e das meninges que pode ser caracterizado por febre, convulsão, irritabilidade, sonolência persistente, cefaleia e vômitos(1).

Diversos agentes etiológicos podem ser causadores da doença, sendo os vírus os mais comuns, principalmente o enterovírus e o herpes simples tipo 1 e 2. No entanto outros agentes devem ser considerados como bactérias atípicas (principalmente Mycoplasmapneumoniae), fungos, riquétsias e protozoários, baseando-se em fatores imunes do hospedeiro, sintomas e localidade geográfica(1).

RELATO DO CASO

Escolar, gênero feminino, 5 anos e 8 meses de idade, previamente hígida, encaminhada do consultório médico para internação hospitalar devido à febre há 4 dias e há 3 dias com sonolência, fraqueza em membros inferiores, dificuldade para deambulação e alteração de equilíbrio estático. História prévia de infecção de vias aéreas superiores, com rash cutâneo, 3 semanas antes do início dos sintomas.

À admissão no pronto-atendimento, apresentava-se em regular estado geral, sonolenta, escala de coma de Glasgow igual a 15, pupilas isocóricas e fotorreagentes, sem sinais meníngeos, febril (37,8ºC), pressão arterial 107 x 45 mmHg, frequência cardíaca 106 bpm, saturação de oxigênio em ar ambiente 96%. Evidenciava-se alteração de equilíbrio, teste de Romberg negativo, provas índex-nariz e índex-índex com tremor durante movimento, desequilíbrio ao apoiar em um membro inferior e força muscular preservada. Foi encaminhada para Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica para monitorização, onde permaneceu por 2 dias, sendo transferida para enfermaria, onde permaneceu até a alta hospitalar.

Exames complementares foram realizados no momento da admissão. O hemograma mostrava leucocitose sem desvio à esquerda (leucócitos 17.600/mm3, neutrófilos 80%, linfócitos 15%, monócitos 3%) e plaquetas normais (357.000/mm3); proteína C-reativa 35,6 mg/L; tomografia de crânio sem alterações; líquor cefalorraquidiano (LCR) compatível com meningite linfomonocitária (leucócitos 350/mm3, segmentados 14%, linfócitos 58%, monócitos 28%); bioquímica com proteína 67 mg/dL, glicose 48 mg/dL, cloreto 684 mEq/L, ácido lático 14,6 mg/dL; ressonância magnética com alterações inespecíficas de sinal em ponte (rombencefalite), eletroencefalograma com atividade de base discretamente desorganizada às custas de lentificação difusa e ausência de ondas epileptiformes. Baseada nas alterações neurológicas do exame físico e exames complementares, foi feita a hipótese diagnóstica de meningoencefalite, de etiologia provavelmente viral, e iniciado aciclovir.

Evoluiu com discreta melhora da sonolência, porém, apresentava persistência da febre. Foram realizados novos exames no 5º dia de internação hospitalar, que evidenciaram melhora parcial da celularidade e da dosagem proteica no LCR (leucócitos 231/mm3, segmentados 23%, linfócitos 39%, mononócitos 32%, glicose 38 mg/dL, proteína 55 mg/dL), hemograma com discreto aumento da leucocitose (leucócitos 18.100/mm3, bastonetes 2%, neutrófilos 82%, linfócitos 13%, monócitos 3%, plaquetas 407.000/mm3). Optado por associar ceftriaxone e claritromicina, este último devido ao quadro respiratório prévio e solicitada sorologia para M.pneumoniae. No 10º dia de internação, quinto dia de antibioticoterapia, apresentou melhora significativa do quadro neurológico e da curva febril.

As sorologias para herpes vírus, citomegalovírus, enterovírus, varicela zóster e M. pneumoniae no LCR foram negativas. A sorologia para M. pneumoniae no sangue foi positiva (IgG 1: 1.726 e IgM 1: 3.452 pelo método de ensaio imunoenzimático). Foi feito diagnóstico de meningoencefalite provavelmente desencadeada por M. pneumoniae, sendo suspenso o uso de ceftriaxone e mantido claritromicina e aciclovir para completar o tratamento.

A paciente recebeu alta hospitalar após 15 dias de internação, porém voltou apresentar sonolência. Optou-se pelo uso de corticoterapia com prednisolona 2 mg/kg/dia por 10 dias e redução gradual da dose, com evolução assintomática e sem sequelas neurológicas.

DISCUSSÃO

O M. pneumoniae acomete frequentemente o trato respiratório, com maior incidência em escolares e adolescentes. O período de incubação varia entre 1 a 3 semanas e a transmissão sendo documentada apenas por indivíduos sintomáticos. A infecção pode ocorrer também em locais extrapulmonares, como pele, coração, articulações e sistema nervoso central por ação direta, por produção de neurotoxinas ou por mecanismos autoimunes, sendo esse o mecanismo mais aceito, pois o M. pneumoniae possui, em seu citoplasma, substâncias imunogênicas como glicoproteínas(2,3). Estudos mostraram que aproximadamente 2,6 a 4,8% dos pacientes com infecção por M. pneumoniae apresentaram manifestações clínicas neurológicas, como encefalite (30%), mielite transversa (30%), meningite (20%), acometimento de pares cranianos (20%), cerebelite (14%), alterações psiquiátricas (8%), e 67% apresentaram pródromo com infecções de vias aéreas(3,4).

O diagnóstico da infecção neurológica por M. pneumoniae pode ser obtido por meio de exames laboratoriais, sendo a sorologia por ELISA o método mais utilizado. A quimiocitologia do LCR mostra pleocitose moderada com predomínio linfomonocitário, proteína aumentada e glicose normal. O agente etiológico pode ser encontrado nesses locais em cerca de 2% dos casos(3,5). O antibiótico de escolha para infecção pulmonar em crianças é o macrolídeo; no entanto, não existe consenso com relação ao tratamento para sistema nervoso central. Sabe-se que essa classe de antibióticos não atravessa adequadamente a barreira hematoencefálica. Porém, como esse tem ação bacteriostática e imunomoduladora, e um dos possíveis mecanismos fisiopatológicos da doença é o imunológico, ele seria uma opção de tratamento. Além disso, o uso de corticosteroides deve ser considerado como imunossupressor, dependendo do grau de acometimento neurológico, como utilizado neste caso(6,7).

CONCLUSÃO

A infecção por M. pneumoniae é comum na faixa etária pediátrica e, portanto, o diagnóstico diferencial de quadros neurológicos, que não respondem satisfatoriamente à antibioticoterapia inicial, deve considerar esse agente. A identificação correta de um agente atípico possibilita o tratamento mais específico e precoce.

REFERÊNCIAS

  • 1. Willoughby Jr RE. Encephalitis, meningoencephalitis, and postinfectious encephalomyelitis. In: Long SS, Pickering LK, Prober CG, editors. Principles and practice of pediatric infectious diseases. Philadelphia: Elsevier Science; 2003. p. 291-2.
  • 2. Foy HM, Kenny GE, Cooney MK, Allan ID, van Belle G. Naturally acquired immunity to pneumonia due to Mycoplasma pneumoniae. J Infect Dis. 1983;147(6):967-73.
  • 3. Christie LJ, Honarmand S, Talkington DF, Gavali SS, Preas C, Pan CY, et al. Pediatric encephalitis: what is the role of Mycoplasma pneumoniae? Pediatrics. 2007;120(2):305-13.
  • 4. New and notes. Epidemiology: Mycoplasma pneumoniae, 1977. Br Med J. 1978;1(6114):725-9.
  • 5. Cherry JD. Mycoplasma and ureaplasma infections. In: Feigin RD, Cherry JD, Demmter-Harrison GJ, Kaplan SL. Textbook of pediatric infectious diseases. 6rd ed. Philadelphia: WB Saunders; 2009. Vol. 2; p. 2685-2714.
  • 6. Narita M. Pathogenesis of neurologic manifestations of Mycoplasma pneumoniae infection. Pediatr Neurol. 2009;41(3):159-66.
  • 7. Daxboeck F, Blacky A, Seidl R, Krause R, Assadian O. Diagnosis, treatment, and prognosis of Mycoplasma pneumoniae childhood encephalitis: systematic review of 58 cases. J Child Neurol. 2004;19(11):865-71.
  • Meningoencefalite associada ao Mycoplasma pneumoniae

    Isabella Batista de LaliberaI; Guilherme de Abreu SilveiraII; Ricardo Katsuya TomaIII; Jack Yung KuoII; Eduardo Juan TrosterIV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Mar 2012

    Histórico

    • Recebido
      02 Jul 2011
    • Aceito
      02 Mar 2012
    Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@einstein.br