Acessibilidade / Reportar erro

Infecção pelo citomegalovírus no transplante de rim: aspectos clínicos, manejo e perspectivas

Resumos

A infecção pelo citomegalovírus é uma das principais complicações após o transplante de rim, podendo ser classificada em primoinfecção, quando a transmissão ocorre por meio do enxerto, ou em reativação, quando o receptor é soropositivo. Do ponto de vista clínico, pode se apresentar como infecção, na ausência de sintomas, ou como doença, com dois diferentes espectros: a síndrome viral típica ou, menos comumente, a doença invasiva. Os efeitos podem ser diretos, que é o desenvolvimento da doença, ou indiretos, como aumento no risco de rejeição aguda e de disfunção crônica do enxerto. O diagnóstico deve ser feito por pesquisa de viremia por meio de um dos dois métodos padronizados: antigenemia ou PCR − sendo essa última a mais sensível. Os fatores de risco relacionados com a infecção após o transplante são o match sorológico (doador positivo e receptor negativo) e o uso de anticorpos antilinfócitos. Uma das estratégias de redução de risco de doença deve ser escolhida após o transplante nos pacientes de alto risco: tratamento preemptivo ou profilaxia. Recentemente, linhas de pesquisa clínica têm apontado a resistência ao ganciclovir como um problema emergente no manejo da infecção pelo citomegalovírus. Duas formas de mutação que causam resistência são descritas: UL97, que é a mais frequente, e a UL54. Atualmente, sofisticados métodos de monitorização imunológica, como a detecção de clones específicos de células T contra o citomegalovírus podem ser utilizados na prática clínica para o melhor manejo após o transplante renal dos pacientes de alto risco.

Citomegalovírus; Transplante de rim/complicações; Transplante de rim/fisiopatologia; Transplante de rim/tendências


Cytomegalovirus infection is one of most frequent infectious complications after renal transplantation, and can be classified as primo-infection, when the transmission occurs through the graft, or reactivation, when the recipient is cytomegalovirus seropositive. After transplantation, cytomegalovirus can appear as an infection, when the patient presents with evidence of viral replication without symptoms or disease, which has two clinical spectra: typical viral syndrome or invasive disease, which is a less common form. Their effects can be classified as direct, while the disease is developed, or indirect, with an increase of acute rejection and chronic allograft dysfunction risks. Diagnosis must be made based on viremia by one of the standardized methods: antigenemia or PCR, which is more sensitive. The risk factors related to infection after transplantation are the serologic matching (positive donor and negative recipient) and anti-lymphocyte antibody drugs. One of the strategies to reduce risk of disease should be chosen for patients at high risk: preemptive treatment or universal prophylaxis. Recent clinical research has described ganciclovir resistance as an emergent problem in management of cytomegalovirus infection. Two types of mutation that cause resistance were described: UL97 (most frequent) and UL54. Today, sophisticated methods of immunologic monitoring to detect specific T-cell clones against cytomegalovirus are used in clinical practice to improve the management of high-risk patients after renal transplantation.

Cytomegalovirus; Kidney transplantation/complications; Kidney transplantation/physiopathology; Kidney transplantation/trends


INTRODUÇÃO

Citomegalovírus (CMV) é um vírus humano da família dos Herpesviridae, um β-herpes-vírus, assim como o HHV-6 e HHV-7.(1Pass FR. Epidemiology and transmission of cytomegalovirus. J Infect Dis. 1985; 152(2):243-8. Review.) É o maior herpes-vírus humano conhecido, com 150 a 200nm de diâmetro, e é formado por um capsídeo de 162 proteínas, um envelope que contém lipoproteínas e pelo menos 33 proteínas estruturais, das quais a β-glicoproteína é a mais importante, e o core, com uma dupla fita de DNA (de 64nm).(1Pass FR. Epidemiology and transmission of cytomegalovirus. J Infect Dis. 1985; 152(2):243-8. Review.

Brennan DC. Cytomegalovirus in renal transplantation. J Am Soc Nephrol. 2001;12(4):848-55. Review.
-3Humar A, Snydeman D; AST Infectiuos Diseases Community of Pratice. Cytomegalovirus in solid organ transplant recipients. Am J Transplant. 2009;9 Suppl 4:S78-86.) A primeira infecção ocorre, em geral, na infância, sendo a soroprevalência de 70 a 90% da população adulta.(4Kasiske BL, Zeier MG, Chapman JR, Craig JC, Ekberg H, Garvey CA, Green MD, Jha V, Josephson MA, Kiberd BA, Kreis HA, McDonald RA, Newmann JM, Obrador GT, Vincenti FG, Cheung M, Earley A, Raman G, Abariga S, Wagner M, Balk EM; Kidney Disease: Improving Global Outcomes. Clinical practice guideline for the care of kidney transplant recipients: a summary. Kidney International. 2010;77(4):299-311.,5Kuo HT, Ye X, Sampaio MS, Reddy P, Bunnapradist S. Cytomegalovirus serostatus pairing and deceased donor kidney transplant outcomes in adult recipients with antiviral prophylaxis. Transplantation. 2010;90(10):1091-8.) Após a primeira infecção, a presença do vírus pode ser identificada em subpopulações de progenitores mieloides CD34+, bem como em monócitos CD14+, células dendríticas e megacariócitos.(6Paya CV. Prevention of cytomegalovirus disease in recipients of solid-organ transplants. Clin Infect Dis. 2001;32(4):596-603. Review.,7Kotton CN, Fishman JA. Viral infection in the renal transplant recipients. J Am Soc Nephrol. 2005;16(6):1758-74. Review.) Em situações de imunodepressão, como a SIDA (síndrome da imunodeficiência adquirida) e no transplante de órgão sólido, pode ocorrer a reativação do CMV, causando um variado espectro de manifestações clínicas.(6Paya CV. Prevention of cytomegalovirus disease in recipients of solid-organ transplants. Clin Infect Dis. 2001;32(4):596-603. Review.) A infecção pelo CMV é a principal complicação infecciosa no transplante de rim, sendo motivo de alta morbimortalidade.(2Brennan DC. Cytomegalovirus in renal transplantation. J Am Soc Nephrol. 2001;12(4):848-55. Review.)

OBJETIVO

Apresentar uma revisão dos principais aspectos clínicos da infecção pelo citomegalovírus no transplante de rim, tendo como foco principal a abordagem clínica e suas perspectivas.

MÉTODOS

O presente artigo foi um trabalho de revisão crítica e narrativa, tendo como base artigos relevantes publicados sobre a infecção pelo CMV no transplante de rim. Para a revisão do tema, foram selecionadas as publicações mais relevantes, a partir da base PubMed, utilizando como fonte de pesquisa os descritores “cytomegalovirus infection” e “kidney transplantation”. Foram selecionados os artigos de revisão previamente publicados, bem como os estudos desenhados para avaliar os seguintes subtemas: aspectos clínicos, estudos comparativos de métodos diagnósticos que avaliaram antigenemia ou reação em cadeia de polimerase (PCR), resistência ao ganciclovir e monitorização imunológica. Além disso, foram apresentados dados de um estudo de coorte longitudinal, prospectivo, que avaliou a prevalência da infecção pelo CMV e os fatores de risco para sua ocorrência em 209 pacientes transplantados de rim com doador falecido na Unidade de Transplante de Rim do Hospital Israelita Albert Einstein entre 2002 e 2012.

Aspectos clínicos

No transplante, a infecção pode ocorrer sob a forma de primoinfecção ou de reativação, após um longo período de latência. Em todos os candidatos a transplante de rim, bem como em todos os doadores, deve-se estabelecer o status sorológico, por meio da identificação de anticorpos da classe IgG.(3Humar A, Snydeman D; AST Infectiuos Diseases Community of Pratice. Cytomegalovirus in solid organ transplant recipients. Am J Transplant. 2009;9 Suppl 4:S78-86.) Estudo que avaliou mais de 20 mil pacientes transplantados encontrou a seguinte distribuição de matchs sorológicos, quanto ao status IgG (D=doador e R=receptor): D+/R+=47,7%, D-/R+=24,1%, D+/R-=18,2% e D-/R-=10,3%.(5Kuo HT, Ye X, Sampaio MS, Reddy P, Bunnapradist S. Cytomegalovirus serostatus pairing and deceased donor kidney transplant outcomes in adult recipients with antiviral prophylaxis. Transplantation. 2010;90(10):1091-8.) O status sorológico é um marcador de prognóstico a longo prazo, independente do desenvolvimento de doença. Quando D+/R- são comparados com D-/R-, há um aumento de 28% no risco perda do enxerto, 36% no risco de morrer por todas as causas e em oito vezes o risco de morrer por infecção viral. A tipagem sorológica, então, está indicada para todos os doadores e receptores.(4Kasiske BL, Zeier MG, Chapman JR, Craig JC, Ekberg H, Garvey CA, Green MD, Jha V, Josephson MA, Kiberd BA, Kreis HA, McDonald RA, Newmann JM, Obrador GT, Vincenti FG, Cheung M, Earley A, Raman G, Abariga S, Wagner M, Balk EM; Kidney Disease: Improving Global Outcomes. Clinical practice guideline for the care of kidney transplant recipients: a summary. Kidney International. 2010;77(4):299-311.

Kuo HT, Ye X, Sampaio MS, Reddy P, Bunnapradist S. Cytomegalovirus serostatus pairing and deceased donor kidney transplant outcomes in adult recipients with antiviral prophylaxis. Transplantation. 2010;90(10):1091-8.
-6Paya CV. Prevention of cytomegalovirus disease in recipients of solid-organ transplants. Clin Infect Dis. 2001;32(4):596-603. Review.)

A primoinfecção ocorre em receptores D+/R-, nos quais a infecção viral é transmitida pelo órgão transplantado.(3Humar A, Snydeman D; AST Infectiuos Diseases Community of Pratice. Cytomegalovirus in solid organ transplant recipients. Am J Transplant. 2009;9 Suppl 4:S78-86.

Kasiske BL, Zeier MG, Chapman JR, Craig JC, Ekberg H, Garvey CA, Green MD, Jha V, Josephson MA, Kiberd BA, Kreis HA, McDonald RA, Newmann JM, Obrador GT, Vincenti FG, Cheung M, Earley A, Raman G, Abariga S, Wagner M, Balk EM; Kidney Disease: Improving Global Outcomes. Clinical practice guideline for the care of kidney transplant recipients: a summary. Kidney International. 2010;77(4):299-311.

Kuo HT, Ye X, Sampaio MS, Reddy P, Bunnapradist S. Cytomegalovirus serostatus pairing and deceased donor kidney transplant outcomes in adult recipients with antiviral prophylaxis. Transplantation. 2010;90(10):1091-8.

Paya CV. Prevention of cytomegalovirus disease in recipients of solid-organ transplants. Clin Infect Dis. 2001;32(4):596-603. Review.
-7Kotton CN, Fishman JA. Viral infection in the renal transplant recipients. J Am Soc Nephrol. 2005;16(6):1758-74. Review.) Em receptores portadores do vírus, pode ocorrer a reativação viral, sendo os principais fatores de risco identificados o uso de anticorpos depletores de linfócitos (ALA), o tipo de protocolo de imunossupressão utilizado (tipo de droga, dose e duração), o tratamento de rejeição aguda e alguns fatores relacionados com o receptor, como idade, comorbidades e desenvolvimento de neutropenia.(8Ozaki KS, Pestana JO, Granato CF, Pacheco-Silva A, Camargo LF. Sequential cytomegalovirus antigenemia monitoring in kidney transplant patients treated with antilymphocyte antibodies. Transplant Infec Dis. 2004;6(2):63-8.,9Asberg A, Jardine AG, Bignamini AA, Rollag H, Pescovitz MD, Gahlemann CC, Humar A, Hartmann A; VICTOR Study Group. Effects of the Intensity of Immunosuppressive Therapy on Outcome of Treatment for CMV Disease in Organ Transplant Recipients. Am J Transplant. 2010;10(8):1881-8.) A reativação está relacionada com a redução da atividade imune celular, especialmente das células CD8+, resultado do estado de imunossupressão, mas também pela atividade de citocinais, que induzem o vírus a sair do estado de latência, especialmente o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e a interleucina 1β (IL-1β).(7Kotton CN, Fishman JA. Viral infection in the renal transplant recipients. J Am Soc Nephrol. 2005;16(6):1758-74. Review.

Ozaki KS, Pestana JO, Granato CF, Pacheco-Silva A, Camargo LF. Sequential cytomegalovirus antigenemia monitoring in kidney transplant patients treated with antilymphocyte antibodies. Transplant Infec Dis. 2004;6(2):63-8.

Asberg A, Jardine AG, Bignamini AA, Rollag H, Pescovitz MD, Gahlemann CC, Humar A, Hartmann A; VICTOR Study Group. Effects of the Intensity of Immunosuppressive Therapy on Outcome of Treatment for CMV Disease in Organ Transplant Recipients. Am J Transplant. 2010;10(8):1881-8.

10 Roayaie S, Sheiner PA, Emre S, Guy S, Schwartz ME, Boros P, et al. Cytokine profiles in early rejection following OKT3 treatment in liver transplant patients. Mediators Inflamm. 2000;9(3-4):141-6.
-1111 Sadegal S, Nordal KP, Hartmann A, Sund S, Scott H, Degré M, et al. The impact of cytomegalovirus infection and disease on rejection episodes in renal allograft recipients. Am J Transplant. 2002;2(9):850-6.) O uso de ALA, além de causar intensa e duradoura linfopenia, está relacionado com a liberação de citocinas, especialmente o TNF-α.(3Humar A, Snydeman D; AST Infectiuos Diseases Community of Pratice. Cytomegalovirus in solid organ transplant recipients. Am J Transplant. 2009;9 Suppl 4:S78-86.

Kasiske BL, Zeier MG, Chapman JR, Craig JC, Ekberg H, Garvey CA, Green MD, Jha V, Josephson MA, Kiberd BA, Kreis HA, McDonald RA, Newmann JM, Obrador GT, Vincenti FG, Cheung M, Earley A, Raman G, Abariga S, Wagner M, Balk EM; Kidney Disease: Improving Global Outcomes. Clinical practice guideline for the care of kidney transplant recipients: a summary. Kidney International. 2010;77(4):299-311.

Kuo HT, Ye X, Sampaio MS, Reddy P, Bunnapradist S. Cytomegalovirus serostatus pairing and deceased donor kidney transplant outcomes in adult recipients with antiviral prophylaxis. Transplantation. 2010;90(10):1091-8.

Paya CV. Prevention of cytomegalovirus disease in recipients of solid-organ transplants. Clin Infect Dis. 2001;32(4):596-603. Review.
-7Kotton CN, Fishman JA. Viral infection in the renal transplant recipients. J Am Soc Nephrol. 2005;16(6):1758-74. Review.) A rejeição aguda, além de exigir intensificação da imunossupressão, causa aumento da expressão de IL-1β, citocina que estimula a replicação viral (Figura 1).(7Kotton CN, Fishman JA. Viral infection in the renal transplant recipients. J Am Soc Nephrol. 2005;16(6):1758-74. Review.)

Figura 1
Espectros da infecção pelo citomegalovírus no transplante

Após a ocorrência da ativação viral (quer seja na primoinfecção ou na reativação), a infecção pelo CMV pode ser classificada de duas formas, de acordo com sua apresentação clínica: infecção ou doença.(1212 Kotton CN, Kumar D, Caliendo AM, Asberg A, Chou S, Snydman DR, Allen U, Humar A; Transplantation Society International CMV Consensus Group. International consensus guidelines on the management of cytomegalovirus in solid organ transplantation. Transplantation. 2010;89(7):779-95.,1313 Kotton CN, Kumar D, Caliendo AM, Asberg A, Chou S, Danziger-Isakov L, Humar A; Transplantation Society International CMV Consensus Group. Updated international consensus guidelines on the management of cytomegalovirus in solid-organ transplantation. Transplantation. 2013;96(4):333-60.) Na infecção pelo CMV, há evidências de replicação viral na ausência de sintomas. Essa apresentação é diferente da latência, porque, nesta, não há evidência de replicação viral ativa. A doença pelo CMV, por outro lado, é caracterizada pela síndrome clínica, na qual há sintomas como febre, astenia, mialgia, leucopenia, trombocitopenia ou alterações das enzimas hepáticas, ou pela doença invasiva, na qual há evidências de inclusão viral em células de órgãos ou tecidos, como no trato gastrintestinal, fígado, no próprio enxerto renal, pulmão, medula óssea e retina. Já os efeitos da infecção pelo CMV podem ser classificados em diretos ou indiretos (Figura 1). Os efeitos diretos são a infecção e a doença, mencionados acima. Os efeitos indiretos observados são: aumento no risco de infecções secundárias, como pneumocistose e outros herpes-vírus; e aumento no risco de rejeição aguda e de disfunção crônica do enxerto.(7Kotton CN, Fishman JA. Viral infection in the renal transplant recipients. J Am Soc Nephrol. 2005;16(6):1758-74. Review.) A infecção pelo CMV pode provocar uma resposta imunoestimulatória geral, com concomitante estimulação antigênica. Dessa forma, o CMV sempre foi considerado um potencial fator de risco para rejeição aguda de enxertos, especialmente no transplante de pulmão. Em um estudo com 477 pacientes transplantados de rim, com prevalência de 38% de rejeição aguda comprovada por biópsia, 64% de infecção pelo CMV e 24% de doença, os autores observaram que a infecção e a doença pelo CMV aumentaram o risco de rejeição aguda em 1,6 e 2,5 vezes, respectivamente.(1111 Sadegal S, Nordal KP, Hartmann A, Sund S, Scott H, Degré M, et al. The impact of cytomegalovirus infection and disease on rejection episodes in renal allograft recipients. Am J Transplant. 2002;2(9):850-6.)

Há evidências que o CMV pode estar relacionado com alterações vasculares crônicas, podendo influenciar no desenvolvimento de bronquiolite obliterante no transplante de pulmão; doença arterial coronariana acelerada no transplante de coração; e vasculopatia crônica no transplante de rim.(1414 Kroshus TJ, Kshettry VR, Savik K, John R, Hertz MI, Bolman RM 3rd. Risk factors for the development of bronchiolitis obliterans syndrome after lung transplantation. J Thorac Cardiovasc Surg. 1997;114(2):195-202.

15 Helanterä I, Koskinen P, Tõrnroth T, Loginov R, Gronhagen-Riska C, Lautenschlager I. The impact of cytomegalovirus infections and acute rejection episodes on the development of vascular changes in 6-month protocol biopsy specimens of cadaveric kidney allograft recipients. Transplantation. 2003;75(11):1858-64.
-1616 Potena L, Valantine HA. Cytomegalovirus-associated allograft rejection in heart transplant recipients. CurrOpin Infect Dis. 2007;20(4):425-31. Review.) O impacto dos efeitos indiretos do CMV nos diversos compartimentos renais ainda é objeto de especulação. Reischig al. demonstraram que a viremia pelo CMV, medida pela PCR, esteve relacionada ao aumento no risco de fibrose intersticial e atrofia tubular (FI/AT) em biópsias protocolares 3 meses após o transplante de rim.(1717 Reischig T, Jindra P, Hes O, Bouda M, Kormunda S, Treska V. Effect of cytomegalovirus viremia on subclinical rejection or interstitial fibrosis and tubular atrophy in protocol biopsy at 3 months in renal allograft recipients managed by preemptive therapy or antiviral prophylaxis. Transplantation. 2009;87(3):436-44.) Nesse estudo, entretanto, pacientes que tiveram alterações crônicas foram aqueles que tiveram mais rejeição aguda, não sendo possível creditar à infecção pelo CMV um fator indutor de fibrose.

No programa de transplante de rim do Hospital Israelita Albert Einstein, avaliamos 209 pacientes transplantados de rim com doador falecidos de forma consecutiva em uma década, todos induzidos com timoglobulina, um ALA, ou seja, sob risco de desenvolver a infecção. Apenas 11,5% dos receptores tinham IgG negativa para o CMV antes do transplante. A prevalência de infecção pelo CMV entre esses pacientes foi de 63,4%, e quando as características dos pacientes que tiveram infecção foram comparadas com às daqueles que não a tiveram (Tabela 1), observamos apenas um maior tempo de isquemia fria entre os que tiveram a infecção (22,9±5,7 versus 21,2±5,9 horas; p=0,03). O tempo para o diagnóstico de infecção foi de 45,0±15,6 dias, sendo que 11 pacientes a apresentaram após 3 meses de transplante, com prevalência de infecção tardia de 7,3%. Em relação ao quadro clínico, 43,7% tiveram infecção e 52,3% doença, sendo que, destes, 9,3% tiveram doença invasiva (Figura 2). O diagnóstico foi realizado com uma média de 80,0±136,0 células infectadas na antigenemia para o pp65. Um único episódio de infecção ocorreu em 55,8% dos pacientes; houve pelo menos uma recidiva em 33,3%; e mais de uma recidiva em 10,9% (Figura 2).

Tabela 1
Características clínicas de 209 receptores de transplante com doador falecido, de acordo com a infecção pelo citomegalovírus, no Programa de Transplante do Hospital Israelita Albert Einstein

Figura 2
Apresentação clínica e necessidade de retratamento da infecção pelo citomegalovírus no Programa de Transplante de Rim do Hospital Israelita Albert Einstein

DIAGNÓSTICO: ANTIGENEMIA E PCR

Utilizadas com muita frequência no passado como métodos para o diagnóstico de CMV, a histopatologia, a sorologia (IgM) e a cultura de células não devem ser mais utilizadas, pela baixa sensibilidade e dificuldades técnicas.(1212 Kotton CN, Kumar D, Caliendo AM, Asberg A, Chou S, Snydman DR, Allen U, Humar A; Transplantation Society International CMV Consensus Group. International consensus guidelines on the management of cytomegalovirus in solid organ transplantation. Transplantation. 2010;89(7):779-95.,1313 Kotton CN, Kumar D, Caliendo AM, Asberg A, Chou S, Danziger-Isakov L, Humar A; Transplantation Society International CMV Consensus Group. Updated international consensus guidelines on the management of cytomegalovirus in solid-organ transplantation. Transplantation. 2013;96(4):333-60.) A histopatologia requer biópsia tecidual e, apesar de ser definitiva quando as inclusões virais são encontradas, é muito pouco sensível e só permite o diagnóstico de doença invasiva.(3Humar A, Snydeman D; AST Infectiuos Diseases Community of Pratice. Cytomegalovirus in solid organ transplant recipients. Am J Transplant. 2009;9 Suppl 4:S78-86.) Pode ser útil nos casos de suspeita clínica quando a viremia é negativa. A detecção de IgM não deve ser utilizada para o diagnóstico da infecção ativa no transplante porque os títulos de IgM não são detectados precocemente, estando relacionados com início tardio de tratamento. A cultura de células tem boa sensibilidade, indicando atividade do CMV quando positiva, entretanto necessita de 1 a 3 semanas para ter a confirmação do resultado negativo.(3Humar A, Snydeman D; AST Infectiuos Diseases Community of Pratice. Cytomegalovirus in solid organ transplant recipients. Am J Transplant. 2009;9 Suppl 4:S78-86.

Kasiske BL, Zeier MG, Chapman JR, Craig JC, Ekberg H, Garvey CA, Green MD, Jha V, Josephson MA, Kiberd BA, Kreis HA, McDonald RA, Newmann JM, Obrador GT, Vincenti FG, Cheung M, Earley A, Raman G, Abariga S, Wagner M, Balk EM; Kidney Disease: Improving Global Outcomes. Clinical practice guideline for the care of kidney transplant recipients: a summary. Kidney International. 2010;77(4):299-311.

Kuo HT, Ye X, Sampaio MS, Reddy P, Bunnapradist S. Cytomegalovirus serostatus pairing and deceased donor kidney transplant outcomes in adult recipients with antiviral prophylaxis. Transplantation. 2010;90(10):1091-8.

Paya CV. Prevention of cytomegalovirus disease in recipients of solid-organ transplants. Clin Infect Dis. 2001;32(4):596-603. Review.
-7Kotton CN, Fishman JA. Viral infection in the renal transplant recipients. J Am Soc Nephrol. 2005;16(6):1758-74. Review.)

As metodologias mais sensíveis e recomendadas para o diagnóstico são baseadas na pesquisa da carga viral, podendo ser realizadas por antigenemia para o pp65 ou PCR.(1818 Rhee JY, Peck KR, Lee NY, Song JH. Clinical usefulness of plasma quantitative polymerase chain reaction assay: diagnosis of cytomegalovirus infection in kidney transplant recipients. Transplant Proc. 2011;43(7):2624-9.,1919 Camargo LF, Uip DE, Simpson AA, Caballero O, Stolf NA, Vilas-Boas LS, et al. Comparison between antigenemia and a quantitative-competitive polymerase chain reaction for the diagnosis of cytomegalovirus infection after heart transplantation. Transplantation. 2001;71(3):412-7.) Carga viral positiva por um desses dois métodos é um indicador independente de risco para doença pelo CMV. A viremia é uma ferramenta indispensável para iniciar e acompanhar o tratamento. Durante a replicação viral, há produção de três tipos de antígenos: imediatos, precoces e tardios.(2020 Gandhi MK, Khanna R. Human cytomegalovirus: clinical aspects, immune regulation, and emerging treatments. Lancet Infect Dis. 2004;4(12):725-38. Review.) Os antígenos imediatos aparecem no núcleo de células infectadas 1 a 3 horas após a infecção e persistem presentes durante a infecção latente. Os antígenos precoces aparecem no citoplasma 3 horas após a infecção, antes mesmo do início da síntese de DNA. Os antígenos tardios são proteínas estruturais e só aparecem após a síntese de DNA, estando, portanto, associados à infecção ativa. O antígeno pp65 é um dos antígenos tardios e pode ser identificado dentro do citoplasma de leucócitos por imunofluorescência − técnica chamada de “antigenemia para o pp65”.(1919 Camargo LF, Uip DE, Simpson AA, Caballero O, Stolf NA, Vilas-Boas LS, et al. Comparison between antigenemia and a quantitative-competitive polymerase chain reaction for the diagnosis of cytomegalovirus infection after heart transplantation. Transplantation. 2001;71(3):412-7.

20 Gandhi MK, Khanna R. Human cytomegalovirus: clinical aspects, immune regulation, and emerging treatments. Lancet Infect Dis. 2004;4(12):725-38. Review.

21 Gerna G, Baldanti F, Lilleri D, Parea M, Torsellini M, Castiglioni B, et al. Human cytomegalovirus pp67 mRNAemia versus pp65 antigenemia for guiding preemptive therapy in heart and lung transplant recipients: a prospective, randomized, controlled, open-label trial. Transplantation. 2003;75(7):1012-9.

22 Schröeder R, Michelon T, Fagundes I, Bortolotto A, Lammerhirt E, Oliveira J, et al. Antigenemia for cytomegalovirus in renal transplantation: choosing a cut off for the diagnosis criteria in cytomegalovirus disease. Transplant Proc. 2005;37(6):2781-3.
-2323 Baldanti F, Lilleri D, Gerna G. Monitoring human cytomegalovirus infection in transplant recipients. J Clin Virol. 2008;41(3):237-41. Review.) A antigenemia tem a vantagem de ser rápida, com resultado no mesmo dia da coleta, entretanto necessita de equipe treinada, e a sensibilidade reduz se o processamento do sangue ultrapassar 6 horas.

O padrão-ouro para o dianóstico do CMV é o teste de detecção quantitativa de ácido nucleico (QNAT, do inglês quantitative nucleic acid testing). O QNAT-CMV tem sido feito preferencialmente por PCRe em tempo real (RT-PCR), podendo ser utilizado plasma ou sangue total. O padrão qualitativo indica CMV em atividade, mas não tem relação direta com a presença de doença, requerendo a quantificação. A carga viral detectada pela PCR, portanto, tem alto poder preditivo de doença e deve ser preferida. Ao contrário da antigenemia, a sensibilidade não é alterada pelo estocamento de sangue, que pode ser transportado para a realização em centros distantes. Tem como desvantagens a falta de padronização entre os centros, havendo discordância quanto aos resultados em análise intercentros e necessita de um tempo maior para realização, quando comparados com a antigenemia.(2424 Lao WC, Lee D, Burroughs AK, Lanzani G, Rolles K, Emery VC, et al. Use of polymerase chain reaction to provide prognostic information of human cytomegalovirus disease after liver transplantation. J Med Virol. 1997;51(3):152-8.

25 Caliendo AM, St George K, Allega J, Bullotta AC, Gilbane L, Rinaldo CR, et al. Distinguishing cytomegalovirus (CMV) infection and disease with CMV nucleic acid assays. J Clin Microbiol. 2002;40(5):1581-6

26 Rollag H, Sagedal S, Kristiansen KI, Kvale D, Holter E, Degré M, et al. Cytomegalovirus DNA concentration in plasma predicts development of cytomegalovirus disease in kidney transplant recipients. Clin Microbiol Infect. 2002; 8(7):431-4.
-2727 Razonable RR, van Cruijsen H, Brown RA, Wilson JA, Harmsen WS, Wiesner RH, et al. Dynamics of cytomegalovirus replication during preemptive therapy with oral ganciclovir. J Infect Dis. 2003;187(11):1801-8.)

ESTRATÉGIA DE REDUÇÃO DE RISCO E TRATAMENTO DA INFECÇÃO

Duas estratégias de redução de risco da doença pelo CMV estão disponíveis e devem ser adotas em pacientes de alto risco: o tratamento preemptivo e a profilaxia universal.(4Kasiske BL, Zeier MG, Chapman JR, Craig JC, Ekberg H, Garvey CA, Green MD, Jha V, Josephson MA, Kiberd BA, Kreis HA, McDonald RA, Newmann JM, Obrador GT, Vincenti FG, Cheung M, Earley A, Raman G, Abariga S, Wagner M, Balk EM; Kidney Disease: Improving Global Outcomes. Clinical practice guideline for the care of kidney transplant recipients: a summary. Kidney International. 2010;77(4):299-311.,6Paya CV. Prevention of cytomegalovirus disease in recipients of solid-organ transplants. Clin Infect Dis. 2001;32(4):596-603. Review.,1212 Kotton CN, Kumar D, Caliendo AM, Asberg A, Chou S, Snydman DR, Allen U, Humar A; Transplantation Society International CMV Consensus Group. International consensus guidelines on the management of cytomegalovirus in solid organ transplantation. Transplantation. 2010;89(7):779-95.,1313 Kotton CN, Kumar D, Caliendo AM, Asberg A, Chou S, Danziger-Isakov L, Humar A; Transplantation Society International CMV Consensus Group. Updated international consensus guidelines on the management of cytomegalovirus in solid-organ transplantation. Transplantation. 2013;96(4):333-60.) São considerados pacientes de alto risco aqueles com match sorológico D+/R- ou os que receberam algum tipo de ALA. Os receptores IgG positivo são considerados de médio risco e também podem se beneficiar de uma das estratégias. A profilaxia universal consiste em administração de um antiviral pelo período de 3 a 6 meses. As evidências atuais demonstram que o uso do valaciclovir não é adequado para a profilaxia, ficando reservados o ganciclovir (via oral) e o valganciclovir. Além da exposição prolongada à droga, que pode aumentar o risco de resistência e de efeitos colaterais, a profilaxia universal está associada à doença de início tardio, com incidência de até 18%, após a descontinuação da medicação. O tratamento preemptivo consiste em monitorização intensa da viremia semanalmente, entre o 21º e o 90º pós-operatório (podendo ser continuado por mais tempo, a depender da evolução do paciente e da intensidade de imunossupressão), iniciando o tratamento com ganciclovir intravenoso ou valganciclovir nos pacientes com viremia positiva. Além de menor custo e menor exposição à droga, o tratamento preemptivo está associado com menor risco de doença tardia. Uma potencial desvantagem dessa estratégia é que ela permite a exposição à viremia com mais frequência do que a profilaxia, o que não evitaria os efeitos indiretos do vírus, entretanto os estudos comparativos demonstram que a viremia pode ocorrer também durante a profilaxia, mas em menor prevalência.

O tratamento da infecção pelo CMV deve ser feito com ganciclovir intravenoso por 14 a 28 dias. Pacientes assintomáticos ou com doença, mas sem critérios de gravidade, podem ser tratados com valganciclovir. Caso a pesquisa de viremia seja feita com antigenemia, sugerimos manter o tratamento 1 semana após sua negativação, porque é o período em que o PCR persistiria positivo. Pacientes com doença invasiva devem ser tratados por 21 a 28 dias. Em crianças, ou nos casos de primeira infecção, bem como nos pacientes com dosagem de imunoglobulinas baixa, pode-se utilizar a imunoglobulina policlonal ou a específica contra o CMV, como tratamentos adjuvantes.

PESQUISA DE RESISTÊNCIA

Uma vez que tanto a profilaxia universal, quanto o tratamento preemptivo, têm exposto os pacientes ao uso frequente e prolongado do ganciclovir, há o risco do desenvolvimento de resistência do CMV à droga (CMV-R). Além do uso prolongado do antiviral, o match sorológico D+/R- e a erradicação viral tardia após o início do tratamento são apontados como os principais fatores de risco para o desenvolvimento de resistência.(2828 Limaye AP, Corey L, Koelle DM, Davis CL, Boeckh M. Emergence of ganciclovir-resistent cytomegalovirus disease among recipients of solid-organ transplant. Lancet. 2000;356(9230):645-50. Review.) A resistência é causada pela mutação em dois genes, o UL97 e o UL54, sendo o primeiro o mais importante e o mais frequente. A incidência de CMV-R chega a ser de 20% em pacientes com SIDA com retinite após 9 meses de tratamento, podendo estar relacionado ao tempo de exposição à droga.(2929 Jabs DA, Martin BK, Forman MS, Dunn JP, Davis JL, Weinberg DV, Biron KK, Baldanti F; Cytomegalovirus Retinitis and Viral Resistance Study Group. Mutations conferring ganciclovir resistance in a cohort of patients with acquired immunodeficiency syndrome and cytomegalovirus retinitis. J Infect Dis. 2001;183(2):333-7.) Em um estudo que avaliou 1.244 receptores de transplante de rim, Myhre et al. identificaram resistência ao ganciclovir em 27 pacientes (2,2%), sendo que 26 deles tinham match sorológico D+/R-.(3030 Myhre HA, Dorenberg DH, Kristiansen KI, Rollag H, Leivestad T, Asberg A, et al. Incidence and outcomes of ganciclovir-resistant cytomegalovirus infections in 1244 kidney transplant recipients. Transplantation. 2011;92(2):217-23.) O tratamento do CMV-R pode ser feito com altas doses de ganciclovir intravenoso (até 10 mg/kg/dose), ou mais adequadamente com foscarnet ou cidofovir. A limitação para o uso dessas duas últimas drogas é seu potencial de toxicidade renal. Câmara et al. avaliaram uma série de nove pacientes transplantado de rim ou pâncreas-rim com CMV-R, nos quais o inibidor da calcineurina ou o micofenolato foi substituído pelo sirolimo, um inibidor da mammalian target of rapamycin (mTOR). O tratamento com ganciclovir foi mantido e, entre esses pacientes, apenas um necessitou usar foscarnet, demonstrando que os inibidores da mTOR podem ter uma função adjuvante no tratamento da infecção pelo CMV-R.(3131 Câmara NO, Ozaki KS, Nogueira E, Pereira MG, Granato C, Melaragno C, et tal. The use of sirolimus in ganciclovir-resistant cytomegalovirus infections in renal transplant recipients. Clinical Transplantation. 2007;21(5):675-80.)

PERSPECTIVA: A MONITORIZAÇÃO IMUNOLÓGICA

Após o transplante, alguns marcadores imunológicos podem ser utilizados para definir pacientes com maior suscetibilidade para a infecção e, nos últimos tempos, a determinação desses marcadores por meio de testes laboratoriais sofisticados tem se tornado uma ferramenta frequente em pesquisa, devendo alcançar a prática clínica nos próximos anos.(1212 Kotton CN, Kumar D, Caliendo AM, Asberg A, Chou S, Snydman DR, Allen U, Humar A; Transplantation Society International CMV Consensus Group. International consensus guidelines on the management of cytomegalovirus in solid organ transplantation. Transplantation. 2010;89(7):779-95.,1313 Kotton CN, Kumar D, Caliendo AM, Asberg A, Chou S, Danziger-Isakov L, Humar A; Transplantation Society International CMV Consensus Group. Updated international consensus guidelines on the management of cytomegalovirus in solid-organ transplantation. Transplantation. 2013;96(4):333-60.) Há linhas de pesquisas com resultados promissores tanto em marcadores da imunidade inata, quanto na imunidade adaptativa do tipo celular.

As células natural killer (NK), componentes do sistema imune inato, têm um papel importante no clearance do vírus em modelos experimentais de infecção pelo CMV. Camundongos com ablação de NK são suscetíveis à infecção letal. Camundongos adultos resistentes à infecção pelo CMV tornam-se suscetíveis quando são depletados de células NK.(3232 Polic B, Hengel H, Krmpotic A, Trgovcich J, Pavić I, Luccaronin P, et al. Hierarchical and redundant lymphocyte subset control precludes cytomegalovirus replication during latent infection. J Exp Med. 1998;188(6):1047-54.) Pacientes com deficiência nas células NK apresentam infecção herpética recorrente, incluindo pneumonite por CMV. Em um estudo com 43 pacientes submetidos a transplante de medula óssea que apresentaram reativação do CMV, a capacidade de se recuperar da infecção esteve associada à atividade das células NK.(3333 Quinnan GV, Kirmani N, Rook AH, Manischewitz JF, Jackson L, Moreschi G, et al. Cytotoxic T cells in cytomegalovirus infection: HLA-restricted T-lymphocyte and non-T-lymphocyte cytotoxic responses correlate with recovery from cytomegalovirus infection in bone-marrow-transplant recipients. N Eng J Med. 1982;307(1):7-13.)

Um outro componente do sistema imune inato que pode estar relacionado com a infecção pelo CMV é a terceira via do complemento. Essa via, chamada de “via da lecitina ligadora de manose” (MBL, sigla do inglês mannose-binding lectin), é ativada pela própria MBL, que tem características semelhantes à molécula C1q, com quatro subunidades denominadas MASP (MBL – associated serine protease). Por meio das MASP 1 e 2, as frações C2 e C4 do complemento são clivadas até C3-convertase, ativando, assim, a via comum.(3434 Janeway CA, Travers P, Walport M, Shlomchik MJ. Munobiologia: o sistema imune na saúde e na doença. 6a ed. São Paulo: Artmed; 2006. Imunidade adaptativa contra infecção. p. 357-66) Essa via parece desempenhar um papel importante na resposta inata de crianças e de indivíduos imunodeprimidos. A MBL circulante está organizada em estruturas oligoméricas, facilitando a ligação multivalente com componentes microbianos. Polimorfismo da MBL2 pode produzir uma MBL defeituosa no processo de polimerização, estando associado a baixos níveis séricos e à redução da sua atividade.(3535 Madsen HO, Garred P, Kurtzhals JA, Lamm LU, Ryder LP, Thiel S, et al. A new frequent allele is the missing link in the structural polymorphism of the human mannan-binding protein. Immunogenetics.1994;40(1):37-44.) A deficiência da MBL está relacionada com meningite recorrente por HSV-2, herpes genital sintomático, suscetibilidade à infecção pelo HIV, bem como desenvolvimento mais precoce de SIDA em pacientes infectados, à doença meningocócica e a infecções bacterianas no transplante de fígado.(3636 Hibberd ML, Sumiya M, Summerfield JA, Booy R, Levin M. Association of variants of the gene for mannose-binding lectin with susceptibility to meningococcal disease. Meningococcal Research Group. Lancet. 1999;353(9158):1049-53.

37 Peterslund NA, Koch C, Jensenius JC, Thiel S. Association between deficiency of mannose-binding lectin and severe infections after chemotherapy. Lancet. 2001;358(9282):637-8.
-3838 Bouwman LH, Roos A, Terpstra OT, de Knijff P, van Hoek B, Verspaget HW, et al. Mannose binding lectin gene polymorphisms confer a major risk for severe infections after liver transplantation. Gastroenterology. 2005;129(2):408-14.) Em estudo realizado com pacientes transplantados de rim, Manuel et al. identificaram que os níveis séricos de MBL eram significativamente menores nos pacientes que tiveram infecção pelo CMV (2,445mg/mL versus 97mg/mL; p=0,004; ponto de corte 500mg/mL). Nesse mesmo estudo, onde todos os indivíduos incluídos eram D+/R-, a deficiência foi diagnosticada em 71% dos casos de doença invasiva, enquanto não houve nenhum paciente com a deficiência entre aqueles que não apresentaram a infecção após o transplante, a despeito do match sorológico de alto risco.(3939 Manuel O, Pascual M, Trendelenburg M, Meylan PR. Association between mannose-binding lectin deficiency and cytomegalovirus infection after kidney transplantation. Transplantation. 2007;83(3):359-62.)

A atividade da resposta adaptativa também pode ser medida.(4040 Radha R, Jordan S, Puliyanda D, Bunnapradist S, Petrosyan A, Amet N, et al. Cellular immune response to cytomegalovirus in renal transplant recipients. Am J Transplant. 2005;5(1):110-7.) Em um elegante estudo, Radha et al., descreveram que, após a primoinfecção, o CMV deixa sua impressão digital em pools de células T CD8+ e CD4+. A resposta dessas células na presença de determinados antígenos do CMV pode ser medida por algumas metodologias, como tetrâmeros de major histocompatibility complex (MHC), Enzyme-Linked ImmunoSpot (ELISPOT) e citometria de fluxo de citocinas, sendo essa última a mais frequentemente utilizada. Quando células CD4+ e CD8+ de pacientes que já tiveram a infecção são tratadas com lisados de antígenos, como o pp65 e o EI, o pool de células específicas contra o CMV pode ser identificado por meio da quantidade de interferon gama (IFN-δ) produzido. Em um estudo que avaliou 108 pacientes transplantados de órgãos sólidos, com prevalência de infecção de 16,7%, Humar et al. descreveram que a medida da atividade do sistema imune (CMI cell- mediated immunity) específica contra o CMV cai significativamente logo após o transplante e aumenta progressivamente nos meses subsequentes.(3Humar A, Snydeman D; AST Infectiuos Diseases Community of Pratice. Cytomegalovirus in solid organ transplant recipients. Am J Transplant. 2009;9 Suppl 4:S78-86.) No pré-transplante, em torno de 50% dos pacientes tinham CMI positivo, o que ocorreu em apenas 15,7 e 27,6% no primeiro e no terceiro meses após o transplante, respectivamente. A capacidade de recuperação do CMI esteve relacionada com o risco de desenvolver infecção. A frequência de doença pelo CMV foi de 20% entre os pacientes com CMI negativo, enquanto naqueles com CMI positivo foi de menos de 5% (p=0,04).

CONCLUSÕES

A infecção pelo citomegalovírus é uma das principais morbidades infecciosas após o transplante renal, levando a efeitos diretos, como a doença, caracterizada pela síndrome viral ou pela doença invasiva, e a efeitos indiretos, como aumento no risco de rejeição aguda e disfunção crônica do enxerto. O diagnóstico deve ser feito de forma proativa, utilizando formas sensíveis de identificação da viremia: a antigenemia ou a reação em cadeia de polimerase. Um problema emergente no manejo de pacientes com citomegalovírus é a infecção resistente ao gancilcovir, que pode ser tratada com outros antivirais ou inibidores da mTOR. A monitorização imunológica tem papel promissor em identificar pacientes com potencial de evoluir de forma desfavorável e é uma ferramenta que deve ser agregada à prática clínica em larga escala.

REFERENCES

  • 1
    Pass FR. Epidemiology and transmission of cytomegalovirus. J Infect Dis. 1985; 152(2):243-8. Review.
  • 2
    Brennan DC. Cytomegalovirus in renal transplantation. J Am Soc Nephrol. 2001;12(4):848-55. Review.
  • 3
    Humar A, Snydeman D; AST Infectiuos Diseases Community of Pratice. Cytomegalovirus in solid organ transplant recipients. Am J Transplant. 2009;9 Suppl 4:S78-86.
  • 4
    Kasiske BL, Zeier MG, Chapman JR, Craig JC, Ekberg H, Garvey CA, Green MD, Jha V, Josephson MA, Kiberd BA, Kreis HA, McDonald RA, Newmann JM, Obrador GT, Vincenti FG, Cheung M, Earley A, Raman G, Abariga S, Wagner M, Balk EM; Kidney Disease: Improving Global Outcomes. Clinical practice guideline for the care of kidney transplant recipients: a summary. Kidney International. 2010;77(4):299-311.
  • 5
    Kuo HT, Ye X, Sampaio MS, Reddy P, Bunnapradist S. Cytomegalovirus serostatus pairing and deceased donor kidney transplant outcomes in adult recipients with antiviral prophylaxis. Transplantation. 2010;90(10):1091-8.
  • 6
    Paya CV. Prevention of cytomegalovirus disease in recipients of solid-organ transplants. Clin Infect Dis. 2001;32(4):596-603. Review.
  • 7
    Kotton CN, Fishman JA. Viral infection in the renal transplant recipients. J Am Soc Nephrol. 2005;16(6):1758-74. Review.
  • 8
    Ozaki KS, Pestana JO, Granato CF, Pacheco-Silva A, Camargo LF. Sequential cytomegalovirus antigenemia monitoring in kidney transplant patients treated with antilymphocyte antibodies. Transplant Infec Dis. 2004;6(2):63-8.
  • 9
    Asberg A, Jardine AG, Bignamini AA, Rollag H, Pescovitz MD, Gahlemann CC, Humar A, Hartmann A; VICTOR Study Group. Effects of the Intensity of Immunosuppressive Therapy on Outcome of Treatment for CMV Disease in Organ Transplant Recipients. Am J Transplant. 2010;10(8):1881-8.
  • 10
    Roayaie S, Sheiner PA, Emre S, Guy S, Schwartz ME, Boros P, et al. Cytokine profiles in early rejection following OKT3 treatment in liver transplant patients. Mediators Inflamm. 2000;9(3-4):141-6.
  • 11
    Sadegal S, Nordal KP, Hartmann A, Sund S, Scott H, Degré M, et al. The impact of cytomegalovirus infection and disease on rejection episodes in renal allograft recipients. Am J Transplant. 2002;2(9):850-6.
  • 12
    Kotton CN, Kumar D, Caliendo AM, Asberg A, Chou S, Snydman DR, Allen U, Humar A; Transplantation Society International CMV Consensus Group. International consensus guidelines on the management of cytomegalovirus in solid organ transplantation. Transplantation. 2010;89(7):779-95.
  • 13
    Kotton CN, Kumar D, Caliendo AM, Asberg A, Chou S, Danziger-Isakov L, Humar A; Transplantation Society International CMV Consensus Group. Updated international consensus guidelines on the management of cytomegalovirus in solid-organ transplantation. Transplantation. 2013;96(4):333-60.
  • 14
    Kroshus TJ, Kshettry VR, Savik K, John R, Hertz MI, Bolman RM 3rd. Risk factors for the development of bronchiolitis obliterans syndrome after lung transplantation. J Thorac Cardiovasc Surg. 1997;114(2):195-202.
  • 15
    Helanterä I, Koskinen P, Tõrnroth T, Loginov R, Gronhagen-Riska C, Lautenschlager I. The impact of cytomegalovirus infections and acute rejection episodes on the development of vascular changes in 6-month protocol biopsy specimens of cadaveric kidney allograft recipients. Transplantation. 2003;75(11):1858-64.
  • 16
    Potena L, Valantine HA. Cytomegalovirus-associated allograft rejection in heart transplant recipients. CurrOpin Infect Dis. 2007;20(4):425-31. Review.
  • 17
    Reischig T, Jindra P, Hes O, Bouda M, Kormunda S, Treska V. Effect of cytomegalovirus viremia on subclinical rejection or interstitial fibrosis and tubular atrophy in protocol biopsy at 3 months in renal allograft recipients managed by preemptive therapy or antiviral prophylaxis. Transplantation. 2009;87(3):436-44.
  • 18
    Rhee JY, Peck KR, Lee NY, Song JH. Clinical usefulness of plasma quantitative polymerase chain reaction assay: diagnosis of cytomegalovirus infection in kidney transplant recipients. Transplant Proc. 2011;43(7):2624-9.
  • 19
    Camargo LF, Uip DE, Simpson AA, Caballero O, Stolf NA, Vilas-Boas LS, et al. Comparison between antigenemia and a quantitative-competitive polymerase chain reaction for the diagnosis of cytomegalovirus infection after heart transplantation. Transplantation. 2001;71(3):412-7.
  • 20
    Gandhi MK, Khanna R. Human cytomegalovirus: clinical aspects, immune regulation, and emerging treatments. Lancet Infect Dis. 2004;4(12):725-38. Review.
  • 21
    Gerna G, Baldanti F, Lilleri D, Parea M, Torsellini M, Castiglioni B, et al. Human cytomegalovirus pp67 mRNAemia versus pp65 antigenemia for guiding preemptive therapy in heart and lung transplant recipients: a prospective, randomized, controlled, open-label trial. Transplantation. 2003;75(7):1012-9.
  • 22
    Schröeder R, Michelon T, Fagundes I, Bortolotto A, Lammerhirt E, Oliveira J, et al. Antigenemia for cytomegalovirus in renal transplantation: choosing a cut off for the diagnosis criteria in cytomegalovirus disease. Transplant Proc. 2005;37(6):2781-3.
  • 23
    Baldanti F, Lilleri D, Gerna G. Monitoring human cytomegalovirus infection in transplant recipients. J Clin Virol. 2008;41(3):237-41. Review.
  • 24
    Lao WC, Lee D, Burroughs AK, Lanzani G, Rolles K, Emery VC, et al. Use of polymerase chain reaction to provide prognostic information of human cytomegalovirus disease after liver transplantation. J Med Virol. 1997;51(3):152-8.
  • 25
    Caliendo AM, St George K, Allega J, Bullotta AC, Gilbane L, Rinaldo CR, et al. Distinguishing cytomegalovirus (CMV) infection and disease with CMV nucleic acid assays. J Clin Microbiol. 2002;40(5):1581-6
  • 26
    Rollag H, Sagedal S, Kristiansen KI, Kvale D, Holter E, Degré M, et al. Cytomegalovirus DNA concentration in plasma predicts development of cytomegalovirus disease in kidney transplant recipients. Clin Microbiol Infect. 2002; 8(7):431-4.
  • 27
    Razonable RR, van Cruijsen H, Brown RA, Wilson JA, Harmsen WS, Wiesner RH, et al. Dynamics of cytomegalovirus replication during preemptive therapy with oral ganciclovir. J Infect Dis. 2003;187(11):1801-8.
  • 28
    Limaye AP, Corey L, Koelle DM, Davis CL, Boeckh M. Emergence of ganciclovir-resistent cytomegalovirus disease among recipients of solid-organ transplant. Lancet. 2000;356(9230):645-50. Review.
  • 29
    Jabs DA, Martin BK, Forman MS, Dunn JP, Davis JL, Weinberg DV, Biron KK, Baldanti F; Cytomegalovirus Retinitis and Viral Resistance Study Group. Mutations conferring ganciclovir resistance in a cohort of patients with acquired immunodeficiency syndrome and cytomegalovirus retinitis. J Infect Dis. 2001;183(2):333-7.
  • 30
    Myhre HA, Dorenberg DH, Kristiansen KI, Rollag H, Leivestad T, Asberg A, et al. Incidence and outcomes of ganciclovir-resistant cytomegalovirus infections in 1244 kidney transplant recipients. Transplantation. 2011;92(2):217-23.
  • 31
    Câmara NO, Ozaki KS, Nogueira E, Pereira MG, Granato C, Melaragno C, et tal. The use of sirolimus in ganciclovir-resistant cytomegalovirus infections in renal transplant recipients. Clinical Transplantation. 2007;21(5):675-80.
  • 32
    Polic B, Hengel H, Krmpotic A, Trgovcich J, Pavić I, Luccaronin P, et al. Hierarchical and redundant lymphocyte subset control precludes cytomegalovirus replication during latent infection. J Exp Med. 1998;188(6):1047-54.
  • 33
    Quinnan GV, Kirmani N, Rook AH, Manischewitz JF, Jackson L, Moreschi G, et al. Cytotoxic T cells in cytomegalovirus infection: HLA-restricted T-lymphocyte and non-T-lymphocyte cytotoxic responses correlate with recovery from cytomegalovirus infection in bone-marrow-transplant recipients. N Eng J Med. 1982;307(1):7-13.
  • 34
    Janeway CA, Travers P, Walport M, Shlomchik MJ. Munobiologia: o sistema imune na saúde e na doença. 6a ed. São Paulo: Artmed; 2006. Imunidade adaptativa contra infecção. p. 357-66
  • 35
    Madsen HO, Garred P, Kurtzhals JA, Lamm LU, Ryder LP, Thiel S, et al. A new frequent allele is the missing link in the structural polymorphism of the human mannan-binding protein. Immunogenetics.1994;40(1):37-44.
  • 36
    Hibberd ML, Sumiya M, Summerfield JA, Booy R, Levin M. Association of variants of the gene for mannose-binding lectin with susceptibility to meningococcal disease. Meningococcal Research Group. Lancet. 1999;353(9158):1049-53.
  • 37
    Peterslund NA, Koch C, Jensenius JC, Thiel S. Association between deficiency of mannose-binding lectin and severe infections after chemotherapy. Lancet. 2001;358(9282):637-8.
  • 38
    Bouwman LH, Roos A, Terpstra OT, de Knijff P, van Hoek B, Verspaget HW, et al. Mannose binding lectin gene polymorphisms confer a major risk for severe infections after liver transplantation. Gastroenterology. 2005;129(2):408-14.
  • 39
    Manuel O, Pascual M, Trendelenburg M, Meylan PR. Association between mannose-binding lectin deficiency and cytomegalovirus infection after kidney transplantation. Transplantation. 2007;83(3):359-62.
  • 40
    Radha R, Jordan S, Puliyanda D, Bunnapradist S, Petrosyan A, Amet N, et al. Cellular immune response to cytomegalovirus in renal transplant recipients. Am J Transplant. 2005;5(1):110-7.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    5 Maio 2014
  • Aceito
    26 Fev 2015
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br