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Avaliação prognóstica do tromboembolismo pulmonar por ecocardiograma com Doppler tecidual e peptídeo atrial natriurético tipo B

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o prognóstico do tromboembolismo pulmonar usando o ecocardiograma com Doppler tecidual e o peptídeo atrial natriurético. MÉTODOS: Pacientes com idade acima de 18 anos foram avaliados pelo ecocardiograma bidimensional e Doppler tecidual para medidas das velocidades miocárdicas (s'), strain e índice de performance miocárdica do ventrículo direito até 24 horas da confirmação diagnóstica do tromboembolismo pulmonar (tomografia/ cintilografia), sendo também o peptídeo atrial natriurético obtido até 24 horas. A influência das variáveis na mortalidade até 1 ano foi testada pela regressão de Cox. RESULTADOS: Dos 118 pacientes estudados, 100 foram incluídos, sendo 60 homens, com idade de 55±17 anos. Pelo ecocardiograma bidimensional, 28% dos pacientes apresentavam disfunção do ventrículo direito. As medidas da onda s', strain e deslocamento estiveram diminuídas para tais pacientes, que apresentavam, ainda, índice de performance miocárdica e pressão sistólica pulmonar aumentados. O peptídeo atrial natriurético médio foi de 66±111pg/mL, sendo 136±146pg/mL para pacientes com disfunção do ventrículo direito. A mortalidade foi 11% e pela análise univariada, relacionada à idade, neoplasia e peptídeo atrial natriurético. Entre as variáveis ecocardiográficas, somente a onda s' do Doppler tecidual e a pressão pulmonar associaram-se à maior mortalidade. Pela análise multivariada, entretanto, a presença de neoplasia foi o único preditor de óbito. CONCLUSÃO: Velocidades miocárdicas diminuídas e peptídeo atrial natriurético elevado estão associados a pior prognóstico em pacientes com tromboembolismo pulmonar, mas, nessa população, somente a presença de neoplasia foi capaz de predizer a mortalidade de maneira independente.

Embolia pulmonar; Fator natriurético atrial; Ecocardiografia Doppler; Hipertensão pulmonar


OBJECTIVE: To assess prognosis of pulmonary thromboembolism using tissue Doppler echocardiography and brain natriuretic peptide. METHODS: Patients aged over 18 years were evaluated within 24 hours of confirmed diagnosis (chest tomography/pulmonary scintigraphy) of pulmonary embolism using two-dimensional echocardiography and tissue Doppler for right ventricular systolic (s') velocities, strain, tissue tracking and myocardial performance index. Plasma brain natriuretic peptide was also obtained within 24 hour. The influence of echocardiographic and clinical variables on mortality was examined (up to 12 months) using Cox regression analysis. RESULTS: Out of 118 patients, 100 patients were included in the study (60 males, aged 55±17 years). Right ventricular dysfunction was observed in 28% using two-dimensional echocardiography. Tissue Doppler right ventricular variables (s' velocities, tissue tracking and strain) were decreased only for patients with right ventricular dysfunction, whereas myocardial performance index and systolic pulmonary artery pressure were increased. Mean brain natriuretic peptide value was 66±111pg/mL, also increased in patients with right ventricular dysfunction (136±146pg/mL). Mortality was 11% and related to age, malignancy and brain natriuretic peptide levels. The only echocardiographic variables capable of predicting events by univariate analysis were pulmonary pressure and right ventricular s' velocity. However, multivariate analysis showed only malignancy to predict mortality in this group. CONCLUSION: Lower tissue Doppler systolic velocities and elevated brain natriuretic peptide levels are associated with poorer prognosis in patients with pulmonary thromboembolism; but only malignancy emerged as an independent predictor of mortality.

Pulmonary embolism; Atrial natriuretic factor; Echocardiography Doppler; Hypertension, pulmonary


ARTIGO ORIGINAL

Avaliação prognóstica do tromboembolismo pulmonar por ecocardiograma com Doppler tecidual e peptídeo atrial natriurético tipo B

Ana Clara Tude Rodrigues; Adriana Cordovil; Cláudia Gianini Mônaco; Laise Antônia Bonfim Guimarães; Wércules Antônio Alves de Oliveira; Claudio Henrique Fischer; Edgar Bezerra de Lira-Filho; Marcelo Luiz Campos Vieira; Samira Saady Morhy

Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil

Autor correspondente Autor correspondente: Ana Clara Tude Rodrigues Hospital Israelita Albert Einstein, Setor de Medicina Diagnóstica Preventiva – Ecocardiografia, Avenida Albert Einstein, 627/701 – Morumbi CEP: 05652-900 – São Paulo, SP, Brasil Tel.: (11) 2151-1233 E-mail: claratude@yahoo.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o prognóstico do tromboembolismo pulmonar usando o ecocardiograma com Doppler tecidual e o peptídeo atrial natriurético.

MÉTODOS: Pacientes com idade acima de 18 anos foram avaliados pelo ecocardiograma bidimensional e Doppler tecidual para medidas das velocidades miocárdicas (s'), strain e índice de performance miocárdica do ventrículo direito até 24 horas da confirmação diagnóstica do tromboembolismo pulmonar (tomografia/ cintilografia), sendo também o peptídeo atrial natriurético obtido até 24 horas. A influência das variáveis na mortalidade até 1 ano foi testada pela regressão de Cox.

RESULTADOS: Dos 118 pacientes estudados, 100 foram incluídos, sendo 60 homens, com idade de 55±17 anos. Pelo ecocardiograma bidimensional, 28% dos pacientes apresentavam disfunção do ventrículo direito. As medidas da onda s', strain e deslocamento estiveram diminuídas para tais pacientes, que apresentavam, ainda, índice de performance miocárdica e pressão sistólica pulmonar aumentados. O peptídeo atrial natriurético médio foi de 66±111pg/mL, sendo 136±146pg/mL para pacientes com disfunção do ventrículo direito. A mortalidade foi 11% e pela análise univariada, relacionada à idade, neoplasia e peptídeo atrial natriurético. Entre as variáveis ecocardiográficas, somente a onda s' do Doppler tecidual e a pressão pulmonar associaram-se à maior mortalidade. Pela análise multivariada, entretanto, a presença de neoplasia foi o único preditor de óbito.

CONCLUSÃO: Velocidades miocárdicas diminuídas e peptídeo atrial natriurético elevado estão associados a pior prognóstico em pacientes com tromboembolismo pulmonar, mas, nessa população, somente a presença de neoplasia foi capaz de predizer a mortalidade de maneira independente.

Descritores: Embolia pulmonar; Fator natriurético atrial; Ecocardiografia Doppler/métodos; Hipertensão pulmonar

INTRODUÇÃO

A mortalidade no tromboembolismo pulmonar (TEP) está essencialmente relacionada à instabilidade hemodinâmica resultante da disfunção ventricular direita(1-3), surgindo daí a necessidade da adequada avaliação dessa câmara. O ecocardiograma bidimensional surge como exame de escolha para a análise da performance do ventrículo direito (VD) por ser não invasivo, isento de radiação ionizante, podendo ser realizado à beira do leito e de maneira seriada. No entanto, a avaliação pelo ecocardiograma do VD apresenta limitações em função de sua complexidade estrutural. Alternativamente, o Doppler tecidual (DT) pode ser utilizado para a complementação do ecocardiograma bidimensional(4). Essa metodologia se utiliza da análise das velocidades miocárdicas, no sentido de aumentar a sensibilidade do exame para detecção de disfunção miocárdica(5). Além disso, o DT pode ser utilizado para avaliação prognóstica em determinadas situações, como na identificação de maior mortalidade e de eventos cardiovasculares em pacientes com miocardiopatia e comprometimento do VD associado(6). Não há descrição, no entanto, da influência do DT no prognóstico de pacientes com TEP. Por outro lado, em relação ao peptídeo atrial natriurético tipo B (BNP), embora seja conhecida sua importância para a estratificação de risco em pacientes com insuficiência cardíaca, as informações que associam o BNP ao prognóstico no TEP são limitadas(7,8). Pacientes com TEP e BNP aumentado parecem apresentar maior morbimortalidade(7), porém com limite de corte menor (BNP<50pg/mL) que aquele utilizado para a insuficiência cardíaca. Não há, no entanto, dados conclusivos sobre a contribuição desse biomarcador em relação especificamente à mortalidade no TEP(8,9).

OBJETIVO

Avaliar, de maneira prospectiva, a função do ventrículo direito pelo ecocardiograma bidimensional com Doppler tecidual em pacientes com tromboembolismo pulmonar, analisando sua relação com o peptídeo atrial natriurético tipo B e o prognóstico.

MÉTODOS

Pacientes

De agosto de 2007 a janeiro de 2010, os pacientes que deram entrada na Unidade de Pronto Atendimento e aqueles internados em hospital terciário com suspeita clínica de TEP (dor/dispneia de início súbito na última semana) foram convidados a participar no estudo. O TEP foi confirmado pela tomografia multislice de tórax mostrando defeito de enchimento total ou parcial em ramos pulmonares ou pela cintilografia pulmonar com alta probabilidade de TEP. Foram excluídos do estudo pacientes com disfunção ventricular esquerda (fração de ejeção <55% pelo ecocardiograma) para evitar sua influência sobre o BNP(10). Outros critérios de exclusão foram: doença pulmonar obstrutiva crônica, arritmias (fibrilação atrial ou extrassístoles frequentes), janela ecocardiográfica inadequada e pacientes que não conseguiram realizar o BNP. Todos os pacientes foram tratados com anticoagulação (heparina não fracionada ou de baixo peso molecular, a critério do clínico assistente); pacientes com instabilidade hemodinâmica (pressão arterial <90/60mmHg e sinais de má perfusão periférica) receberam trombolítico (ativador do plasminogênio tecidual, 100mg endovenoso, por 2 horas). Os pacientes foram avaliados prospectivamente durante a internação hospitalar e seguidos após a alta, por contato telefônico, até 12 meses para avaliação da mortalidade. O estudo foi aprovado pela comissão de ética institucional (CAAE 0064.0.028.000-07), e todos os pacientes deram consentimento informado por escrito para participação no mesmo.

Ecocardiografia

Os pacientes realizaram um ecocardiograma completo (Vivid 7, GE Medical Systems, Horten, Norway) em até 24 horas após o evento, com medidas dos diâmetros do ventrículo esquerdo (VE) e fração de ejeção a partir das recomendações da American Society of Echocardiography(11). A análise dos fluxos foi feita pelo Doppler pulsado e contínuo, e o mapeamento colorido foi utilizado para avaliação de presença e grau de refluxo valvar. Medidas adicionais dos diâmetros diastólicos dos ventrículos foram obtidas a partir do corte apical 4 câmaras para obtenção da razão VD/VE. Os cortes paraesternal, apical e subcostal foram utilizados para a avaliação da contratilidade sistólica do VD. Foi considerada disfunção do VD pelo ecocardiograma bidimensional a presença de hipocinesia do VD associada ao movimento anormal do septo (retificação) e/ ou dilatação do VD (VD/VE >1). A pressão pulmonar

foi obtida a partir do refluxo tricúspide, pelo gradiente VD-átrio direito adicionado à pressão atrial direita, estimada pela colapsabilidade da veia cava inferior. Medidas de Doppler transmitral foram obtidas para avaliação da função diastólica (ondas E e A, e tempo de desaceleração da onda E).

Doppler tecidual

O DT foi obtido a partir do corte apical 4 câmaras do anéis septal, lateral e do VD (anel tricúspide) para medidas das velocidades das ondas sistólica (s') e diastólicas (e' e a'), com o cursor paralelo à parede ventricular, para minimizar a influência do ângulo sobre o Doppler (Figura 1). A estimativa das pressões de enchimento do VE foi dada pela razão E/e' (média das paredes septal e lateral). Foi considerada disfunção diastólica a presença de pressões de enchimento do VE elevadas (E/e'>13), com função sistólica normal(12). Os pacientes foram solicitados a respirar mais pausadamente durante a obtenção das medidas de Doppler. O DT com mapeamento colorido foi realizado partir do corte apical 4 câmaras, com a abertura setorial e a profundidade otimizadas para obtenção de um número mínimo de 100 quadros/s, para medidas das variáveis deslocamento, strain e strain rate. O índice de performance miocárdica (IPM) foi obtido pelo DT do VD e dado como a razão entre o tempo de contração isovolumétrica (TCI) + tempo de relaxamento isovolumétrico (TRI) dividido pelo tempo de ejeção (TE): IPMVD=(TCI+ TRI)/TE(13). A média de três medidas de Doppler foi usada para análise, e os dados foram digitalizados para análise posterior.


Medidas do peptídeo atrial natriurético tipo B

O BNP plasmático foi medido até 24 horas após a confirmação do TEP. O sangue foi coletado num tubo contendo ácido etilenodiaminotetracético e, em seguida, foi separado por centrifugação. O BNP foi medido por radioimunoensaio (Advia Centaur assay®, Siemens Heathcare Diagnostics, Bayswater, Austrália).

Estatística

As variáveis contínuas são apresentadas como média±desvio padrão (DP), e as categóricas em proporções. A análise univariada foi realizada para avaliação da influencia das variáveis clínicas e ecocardiográficas sobre a mortalidade até 12 meses após o TEP, sendo utilizado o χ2 e o teste t de Student para variáveis categóricas e contínuas, respectivamente. A análise de regressão multivariada de Cox foi utilizada para a avaliação da influência das variáveis de maneira independente sobre a sobrevida até 12 meses. A análise estatística foi realizada com o programa Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 17.0 (SPSS, Inc, Chicago, IL). O nível de significância estatística foi determinado por p<0,05. Medidas de velocidades miocárdicas do DT, deslocamento, strain e strain rate foram repetidas após 3 meses para avaliação da variabilidade inter e intraobservador e testadas pelo coeficiente de correlação intraclasse.

RESULTADOS

Do total de 118 pacientes com diagnóstico confirmado de TEP pela tomografia (n=114) ou cintilografia de ventilação/perfusão pulmonar (n=4), 7 tinham janela ecocardiográfica inadequada, 5 se recusaram a participar do estudo, 2 não coletaram BNP, 2 tinham disfunção ventricular esquerda associada e 2 apresentavam arritmia. Dessa forma, o grupo final se constituiu de 100 pacientes, nenhum deles perdido durante o seguimento. Trombose venosa profunda (29%) foi o fator predisponente mais frequente, seguido de neoplasia (24%), cirurgia (22%) e voo de longa distância (6%). A maior parte dos pacientes foi submetida a tratamento convencional, sendo somente quatro pacientes tratados com trombólise. Houve uma predominância do gênero masculino (60%), sendo a idade média de 55±17 anos. O valor médio do BNP encontrado foi de 66±111pg/mL. Refluxo tricúspide esteve presente em 66 pacientes, com pressão pulmonar estimada em 41±13mmHg. Dos 100 pacientes analisados, 28 apresentavam disfunção do VD de acordo com os critérios preestabelecidos: as medidas das variáveis derivadas do DT do VD (onda s´, strain e deslocamento) estiveram diminuídas somente para os pacientes com disfunção dessa câmara, sendo que estes apresentavam ainda IPM e pressão sistólica pulmonar aumentados. O BNP, por sua vez, foi de 30±39pg/mL (mediana=12pg/mL) para pacientes sem disfunção do VD (Figura 2), sendo aumentado na presença de disfunção do VD pelo ecocardiograma (136±146pg/mL, mediana=64pg/mL). A mortalidade foi de 11% e, pela análise univariada, relacionada à idade, à neoplasia e ao BNP (valor absoluto e BNP>50pg/mL). Como predeterminado, nenhum paciente apresentava disfunção sistólica ventricular esquerda; em relação à função diastólica, a média das pressões de enchimento (estimada pela E/e') do VE esteve dentro dos limites normais previamente descritos, e foi semelhante para os pacientes com e sem disfunção do VD. As variáveis ecocardiográficas estudadas estão descritas no quadro 1.



Avaliação de eventos

No período de seguimento até 12 meses, houve 11 óbitos, sendo 3 deles até 1 mês do TEP. De acordo com análise univariada, os óbitos estiveram relacionados ao BNP plasmático (tanto valor absoluto como BNP>50pg/mL), à idade e à presença de malignidade. Das variáveis ecocardiográficas, somente a onda s' do DT do VD e a pressão pulmonar tiveram correlação com a mortalidade. Nenhuma outra variável derivada do DT, ou mesmo o IPM, apresentou influência significativa em relação a sobrevida (Tabela 1). A análise multivariada, no entanto, demonstrou que somente a presença de neoplasia esteve associada à mortalidade de forma independente nesse grupo de pacientes (Tabela 2).

Variação inter e intraobservador

O coeficiente de correlação intraclasse foi de 0,98 (intraobservador) e 0,97 (interobservador) para a velocidade da onda s' do VD; 0,98 (intraobservador) e 0,96 (interobservador) para o deslocamento; e 0,95 (intraobservador) e 0,94 (interobservador) para as medidas de strain. As medidas de strain rate não foram utilizadas para análise em função de sua expressiva variabilidade.

DISCUSSÃO

O TEP agudo é uma doença com elevada prevalência, frequentemente subdiagnosticada, resultando em falhas de tratamento e complicações. O prognóstico do TEP está relacionado à doença cardiovascular preexistente, ao grau de hipertensão/obstrução pulmonar e, principalmente, à presença de resultante disfunção ventricular direita. O ecocardiograma bidimensional é utilizado rotineiramente para a avaliação da performance do VD no TEP, para identificar pacientes com maior risco de morbimortalidade e, portanto, com indicação de tratamento mais agressivo(2,3). A nossa prevalência de disfunção do VD foi relativamente baixa (28%) em relação à da literatura(1,3). Dois fatores podem ter contribuído para tal achado: em primeiro lugar, como pacientes com disfunção ventricular esquerda foram excluídos, pacientes com comprometimento miocárdio do VD preexistente, associado a miocardiopatia, podem ter sido igualmente eliminados. Adicionalmente, múltiplos critérios têm sido utilizados para avaliação do VD pelo ecocardiograma: diâmetro e hipocinesia dessa câmara em planos diversos, presença de hipertensão pulmonar, dilatação da veia cava inferior, hipertrofia da parede livre, entre outros, utilizados em conjunto ou isoladamente, o que levaria a uma maior sensibilidade (e, consequentemente, menor especificidade) do método. Para a caracterização de disfunção do VD no nosso estudo, não incluímos a presença de hipertensão pulmonar, dilatação da veia cava inferior ou hipertrofia da câmara.

Quando adequadamente tratado, a mortalidade do TEP é baixa (<5%). Pacientes instáveis hemodinamicamente apresentam maior risco em decorrência da disfunção do VD, com mortalidade superior a 25%(1,2). Em nossa população, constituída, em sua maioria, de pacientes hemodinamicamente estáveis, a mortalidade em até 1 ano foi de 11%. A disfunção isolada do VD avaliada pelo ecocardiograma bidimensional, no entanto, não foi capaz de discriminar um grupo de pacientes com maior mortalidade. Apesar do risco estabelecido para pacientes com TEP e instabilidade hemodinâmica decorrente do comprometimento ventricular direito, uma revisão sistemática dos estudos com TEP em pacientes hemodinamicamente estáveis não confirmou a utilidade do ecocardiograma bidimensional para predizer maior risco de óbito(14). O poder da disfunção do VD, pelo eco, em prever mortalidade intra-hospitalar foi baixo (65% de sensibilidade, valor preditivo positivo de 4%)(15). Isso é importante porque, embora haja um consenso em relação ao tratamento mais agressivo para a presença de instabilidade hemodinâmica, alguns centros direcionam o mesmo tratamento para disfunção ecocardiográfica do VD, trazendo os riscos da exposição à trombólise. Por outro lado, diferentemente do ecocardiograma bidimensional, o DT, por meio das velocidades miocárdicas do VD, foi capaz de identificar os pacientes com maior risco de óbito até 1 ano após o evento. O DT tem se mostrado uma técnica bastante útil para a avaliação quantitativa da função diastólica e sistólica do VE, sendo mais sensível na detecção de alterações miocárdicas funcionais mais precoces(16,17). Em estudos mais recentes envolvendo outras doenças (incluindo insuficiência cardíaca e hipertensão), velocidades sistólicas miocárdicas foram capazes de predizer mortalidade ou a presença de eventos cardiovasculares(18). As velocidades do DT têm sido utilizadas de maneira rápida e simples para o estudo da função do VD e o prognóstico em situações em que se observa o comprometimento dessa câmara(4,19), porém, não há estudos relacionando o DT ao prognóstico no TEP. No entanto, mesmo tendo se mostrado mais sensíveis para a avaliação prognóstica em nosso estudo, ainda assim as velocidades miocárdicas não foram capazes de predizer óbito de maneira independente. O DT é influenciado pela idade, com diminuição das velocidades em pacientes idosos, o que pode ter contribuído para a menor acurácia do método. Outras variáveis derivadas do DT (strain e deslocamento) não foram capazes de predizer eventos mesmo na análise univariada.

Em relação ao IPM, observou-se que esta medida se apresentou aumentada para pacientes com disfunção do VD, porém não foi observada correlação com o prognóstico do TEP a médio prazo nesta população. O aumento da resistência pulmonar, como ocorre no TEP, levaria a um prolongamento do tempo de contração isovolumétrica do VD e, consequentemente, a um aumento do IPM dessa câmara. As medidas do IPM pelo DT podem ser tecnicamente difíceis em pacientes com disfunção, explicando parcialmente esse achado.

Em relação ao BNP, observou-se sua elevação em pacientes com disfunção do VD, e a associação com a mortalidade na análise univariada, confirmando achados da literatura(8). A vasoconstrição pulmonar após o TEP resulta em maior trabalho do coração direito; na dependência do grau de aumento da pressão pulmonar, pode ocorrer falência do VD, com aumento das pressões nessa câmara. Como o BNP é secretado em resposta ao estresse atrial ou ventricular aumentados, reflete a sobrecarga de pressão ou volume(20). Pieralli et al.(8) estudaram pacientes com TEP hemodinamicamente estáveis e mostraram que o BNP>50pg/mL, juntamente com o ecocardiograma, identificaria um grupo de pacientes com maior número de complicações adversas (óbito, uso de ventilação mecânica ou embolectomia). Na população do presente estudo, foi testada somente sua associação com mortalidade, e não com complicações, sendo que a significância estatística não se manteve na análise multivariada. A relação do BNP com as pressões do VD não é linear, e vários fatores influenciam a secreção e a eliminação desse biomarcador, entre eles a disfunção sistólica ventricular esquerda com pressões de enchimento aumentadas. Para evitar essa influência sobre o BNP, foram excluídos os pacientes com disfunção ventricular sistólica. Estudos prévios onde o BNP é apresentado como um fator independente para maior risco de eventos no TEP, ou carecem de referência à função ventricular esquerda(8) ou incluem pacientes com insuficiência cardíaca(9), o que certamente influenciaria no nível do BNP. Na ausência de disfunção ventricular esquerda, a associação do BNP com a mortalidade no TEP é provavelmente limitada, e sua importância deveria ser cuidadosamente avaliada. A disfunção diastólica se correlaciona de forma modesta com o BNP, sendo mais adequada em casos de disfunção diastólica importante ou na presença de disfunção sistólica associada(21,22). Neste estudo, como não seria possível excluir pacientes com disfunção diastólica(23), foram estimadas as pressões de enchimento do VE. Os valores de E/e' encontrados sugerem a ausência de disfunção diastólica importante; acredita-se que a influência da disfunção diastólica sobre os valores de BNP possa assim ser minimizada.

Outros fatores que se associaram a maior mortalidade foram as pressões pulmonares aumentadas e a idade mais avançada. A persistência de pressões pulmonares elevadas está associada a maior prevalência de TEP crônico e disfunção ventricular direita(24). A idade avançada foi um fator adjuvante para maior comorbidade por outras doenças.

Sobre a associação do TEP com neoplasia, o tromboembolismo venoso e arterial são frequentemente encontrados em associação com câncer, constituindo causas potenciais de morbimortalidade nesse grupo e preditores de maior de risco(25,26). Pacientes com TEP e neoplasia mais frequentemente têm doença avançada e cursam com pior prognóstico(27). Nesta casuística, um número expressivo de pacientes com TEP apresentava neoplasia (24% da população estudada), sendo sua influência sobre a mortalidade inevitável, principalmente em função da baixa prevalência de hipotensão ou choque no grupo: somente um dos óbitos foi diretamente atribuído a TEP maciço, com instabilidade hemodinâmica e falência ventricular direita. Entre os 11 óbitos ocorridos, 10 pacientes apresentavam neoplasia. A mortalidade esteve relacionada à doença de base em todos, exceto um dos pacientes (infecção). A médio prazo, o TEP foi mais provavelmente um contribuinte crucial para a mortalidade do que o causador direto do óbito nesta população. É importante enfatizar, no entanto, que, diferentemente de outros estudos, esta população apresentava-se, em sua maior parte, hemodinamicamente estável, e que não foram incluídos pacientes com insuficiência cardíaca.

Devem ser ressaltadas algumas limitações ao estudo: somente o segmento basal do VD foi analisado pelo DT. No entanto, sabe-se que o acometimento do VD no TEP ocorre em toda a parede livre, excluindo eventualmente o ápex(28), permitindo, dessa forma, a análise adequada pelo DT. Adicionalmente, em relação à técnica, o DT é dependente da qualidade da imagem, sendo necessário elevado número de quadros para sua aquisição adequada. Embora o DT pulsado tenha se mostrado de excelente qualidade, provavelmente em decorrência de interferência relacionada ao padrão respiratório, outras medidas de DT (strain rate) podem ter sofrido maior influência sobre a qualidade da imagem.

CONCLUSÃO

A presença de neoplasia relaciona-se à maior mortalidade nos pacientes com tromboembolismo pulmonar agudo. Na população estudada, o Doppler tecidual e o peptídeo atrial natriurético tipo B não se correlacionaram com pior prognóstico de maneira independente.

AGRADECIMENTOS

Este estudo teve apoio financeiro do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa (IIEP) do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), para medidas de BNP e análise estatística.

Agradecemos a todo o corpo de enfermagem do ecocardiograma, que contribuiu de maneira inestimável para a realização do estudo.

Data de submissão: 16/9/2012

Data de aceite: 5/7/2013

Conflito de interesse: não há.

Trabalho realizado no Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil.

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  • Autor correspondente:

    Ana Clara Tude Rodrigues
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      16 Set 2012
    • Aceito
      05 Jul 2013
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