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Morbidade em recém-nascidos de acordo com a via de parto: um estudo comparativo

RESUMO

Objetivo:

Analisar comparativamente os efeitos dos tipos de parto sobre a saúde do recém-nascido em maternidade privada da cidade de São Paulo.

Métodos:

Entre janeiro de 1995 e dezembro de 1998, incluíram-se no estudo transversal retrospectivo todas as pacientes consecutivamente internadas para dar à luz. Foram analisados 8.457 prontuários, excluídas 460 gestações múltiplas e 517 gestantes com afecções obstétricas e/ou clínicas. Foram analisadas as incidências de tocotraumatismo, desconforto respiratório e anoxia, avaliando-se o peso ao nascer, o tipo de parto e a idade gestacional (conforme Näegele e Capurro).

Resultados:

A amostra final constituiu-se de 7.480 recém-nascidos, sendo que 69,6% nasceram por cesárea, 24% por parto normal e 6,4% com auxílio de fórcipe. Houve associação significativa entre anoxia e os três tipos de parto (p < 0,001). O desconforto respiratório foi mais frequente no parto tipo cesárea em recém-nascidos com mais de 37 semanas de idade gestacional e em recém-nascidos com peso maior ou igual a 2.500 g. Essa complicação teve associação significativa com parto cesariano e/ou fórcipe, mas não com parto normal na amostra total. O tocotraumatismo associou-se ao uso do fórcipe. Em recém-nascidos por cesárea, a anoxia associou-se à menor idade gestacional estimada pelo método de Capurro e ao menor peso.

Conclusões:

A via abdominal incorre em maior morbidade para o feto em termos de desconforto respiratório. O parto vaginal mostrou-se mais seguro para recém-nascidos com idade gestacional superior a 37 semanas e em recém-nascidos com peso maior que 2.500 g.

Descritores:
Parto normal; Cesárea; Forceps obstétrico; Morbidade; Complicações do trabalho de parto; Estudo comparativo

ABSTRACT

Objective:

The objective of this study was to compare the effects of the modes of delivery on the health of newborns in a private maternity hospital in the city of São Paulo.

Methods:

Between January 1995 and December 1998, all patients consecutively admitted for deliveries were included in this cross-sectional retrospective study. A total of 8,457 medical records were analyzed, being excluded of the sample 460 multiple pregnancies and 517 pregnant women with obstetric and/or clinical disorders. The incidence of neonatal birth injury, respiratory distress and anoxia was analyzed, as well as birth weight, type of delivery and gestational age (according to Näegele and Capurro).

Results:

The final sample consisted of 7,480 neonates, and 69.6% were born by cesarean section, 24% vaginally and 6.4% through the vagina with the aid of forceps. A significant association was found between anoxia and the three types of delivery (p < 0.001). Respiratory distress was more frequent in cesarean delivery in newborns with gestational age superior to 37 weeks and in newborns weighing more than or equal to 2,500 g. Respiratory distress was significantly associated with cesarean delivery and/or forceps delivery, as compared with vaginal delivery, in the entire sample. Neonatal birth injury was associated with the use of forceps. In neonates born by cesarean section, anoxia was associated with lower gestational age estimated by the Capurro method and with lower weight.

Conclusions:

The abdominal approach is associated with greater morbidity of fetuses due to respiratory distress. Vaginal delivery is safer in newborns with more than 37 weeks of gestation and in those weighing more than 2,500 g.

Keywords:
Natural childbirth; Cesarean section; Obstetrical forceps; Morbidity; Obstetric labor complications; Comparative study

INTRODUÇÃO

Apesar dos alertas lançados pela literatura, ainda não se conseguiu atingir, no Brasil, os índices ideais preconizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), para realização de cesáreas(11. World Health Organization. Appropriate technology for birth. Lancet. 1985;2(8452):436-7.). Estudo brasileiro mostrou taxa de 72% nos hospitais privados e de 31% nos públicos(22. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Proporção de parto cesáreo [Internet] [citado 2009 Maio 20]. Available from: http://www.ans.gov.br/portal/upload/informacoesss/AS1fase.pdf.
http://www.ans.gov.br/portal/upload/info...
). De acordo com a OMS, apenas 15% do total de partos apresentam indicação precisa de cesariana, ou seja, existem situações em que a sua prática é fundamental para a preservação da saúde materna e/ou fetal(11. World Health Organization. Appropriate technology for birth. Lancet. 1985;2(8452):436-7.).

Alguns autores admitem que a taxa aceitável de cesarianas para maternidade de atenção terciária seria entre 10 e 12% para gestações únicas, com a ressalva de que se pode ter uma atitude mais intervencionista na presença de recém-nascidos de muito baixo peso(33. Joffe M, Chapple J, Paterson C, Beard RW. What is the optimal caesarean section rate? An outcome based study of existing variation. J Epidemiol Community Health. 1994;48(4):406-11.). Revisão feita em 2003 sobre a operação cesariana mostrou que as taxas aceitáveis seriam de 15 a 30% para gestações de baixo e médio risco, e de 40% para gestações de alto risco obstétrico e/ou perinatal(44. Duarte G, Figueiró Filho EA, Zola FE, Mauad Filho F. Operação cesariana: breve revisão. Femina. 2003;31(6):489-93.).

É alta a incidência de cesariana nos hospitais brasileiros e, intrigante que seja, mais elevada nas instituições privadas. Foi constatada taxa de 72% de cesarianas nos hospitais privados e de 31% nos públicos estudados no Brasil(22. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Proporção de parto cesáreo [Internet] [citado 2009 Maio 20]. Available from: http://www.ans.gov.br/portal/upload/informacoesss/AS1fase.pdf.
http://www.ans.gov.br/portal/upload/info...
). Segundo dados do DATASUS, a proporção de cesáreas pagas pelo SUS em 2003 foi de 26,39% dos partos. Nesse mesmo período, a média no setor privado foi de 81,69%, conforme informações enviadas pelas operadoras de saúde suplementar ao Sistema de Informações de Produtos (SIP) da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Ministério de Saúde(22. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Proporção de parto cesáreo [Internet] [citado 2009 Maio 20]. Available from: http://www.ans.gov.br/portal/upload/informacoesss/AS1fase.pdf.
http://www.ans.gov.br/portal/upload/info...
).

No Brasil, o órgão que normatiza o funcionamento de convênios e seguros-saúde é a ANS, que adota como um dos indicadores da qualidade de assistência ao parto justamente a proporção de cesáreas por determinada operadora (entende-se por isso operadora de planos de assistência à saúde). Essa proporção é conceituada como a relação entre o número total de cesáreas e o total de partos normais mais cesáreas realizados por uma operadora no período considerado(22. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Proporção de parto cesáreo [Internet] [citado 2009 Maio 20]. Available from: http://www.ans.gov.br/portal/upload/informacoesss/AS1fase.pdf.
http://www.ans.gov.br/portal/upload/info...
). Segundo a ANS, esse indicador permite avaliar a qualidade da assistência prestada, uma vez que o aumento do índice pode estar refletindo um acompanhamento pré-natal inadequado ou indicações equivocadas do parto cirúrgico em detrimento do parto normal(22. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Proporção de parto cesáreo [Internet] [citado 2009 Maio 20]. Available from: http://www.ans.gov.br/portal/upload/informacoesss/AS1fase.pdf.
http://www.ans.gov.br/portal/upload/info...
).

Revisão sistemática da literatura publicada recentemente mostrou que os partos cesarianos fora do trabalho de parto, com idade gestacional menor que 40 semanas, são menos recomendados devido à sua associação com aumento do risco de morbidade respiratória no recém-nascido (RN). Desse modo, crianças nascidas de cesárea eletiva às 37 semanas têm cinco vezes mais chances de ter doença respiratória grave do que o parto a termo; com 38 semanas, essa chance passa a ser quatro vezes maior e, com 39 semanas, é duas vezes maior. Mas o aumento de risco com 39 semanas não é estatisticamente significativo(55. Hansen AK, Wisborg K, Uldbjerg N, Henriksen TB. Risk of respiratory morbidity in term infants delivered by elective caesarean section: cohort study. BMJ. 2008;336(7635):85-7.).

Essas observações levam, naturalmente, ao questionamento a respeito da qualidade da assistência ao parto oferecida pelos hospitais, principalmente os privados. Em documento da ANS, a taxa informada pelas operadoras do setor de saúde suplementar (convênio) foi de 81,69% em 2003, enquanto a de partos cesáreos pagos pelo SUS foi de 26,39% no mesmo ano. A comparação da evolução clínica de recém-nascidos por via vaginal e por via abdominal pode mostrar quais são as morbidades associadas a uma e outra via de parto. Pelo exposto, estudos comparando a evolução no período neonatal de crianças nascidas por via abdominal e via vaginal são pertinentes, visando à obtenção de dados que venham a contribuir para promover a melhor assistência à mãe e ao seu filho.

OBJETIVO

O objetivo do presente estudo foi analisar comparativamente os efeitos, sobre o recém-nascido, dos partos realizados por via abdominal e dos partos vaginais em uma grande maternidade privada da cidade de São Paulo.

MÉTODOS

Desenho, local, participantes e tamanho do estudo

O estudo teve desenho transversal, retrospectivo, incluindo as pacientes consecutivamente internadas para darem à luz no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) entre Janeiro de 1995 e Dezembro de 1998.

O HIAE é um hospital privado que atende pacientes com bom poder aquisitivo, que possuem bons planos de saúde ou que pagam particularmente sua internação. Estudos existentes mostram que a totalidade da população de gestantes atendida nesse hospital recebe atenção pré-natal, sendo que 94,6% fazem seis consultas ou mais, 61,1% têm curso superior completo, 97,9% possuem seguro saúde, 0,9% são adolescentes, com média de idade de 31,1 anos(66. Segre CA, Colletto GM, Bertagnon JR. Curvas de crescimento intra-uterino de uma população de alto nível socioeconômico. J Pediatr (Rio J.). 2001;77(3):169-74.).

Foram analisados prontuários de 8.457 gestantes internadas no HIAE para dar à luz, estando ou não em trabalho de parto e em qualquer idade gestacional. Foram excluídas 460 gestações múltiplas e 517 gestantes com afecções obstétricas (tais como pré-eclâmpsia e outras) e/ou clínicas (hipertensão arterial preexistente e cardiopatias, entre outras). A amostra, após as exclusões, foi composta por 7.480 pacientes.

Coleta de dados e variáveis

Os dados foram obtidos dos prontuários perinatais preenchidos pelos pediatras que prestavam atendimento aos recém-nascidos na sala de parto e durante a estada do RN na instituição. Tais dados compõem um banco de dados digitalizado e organizado para este tipo de pesquisa. A coleta dos dados teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do HIAE.

As variáveis estudadas incluíram:

  • incidência de anoxia conforme definição do assistente neonatologista marcada em prontuário;

  • incidência de desconforto respiratório;

Foram considerados como desconforto respiratório os seguintes diagnósticos: taquipneia transitória, membrana hialina, hipertensão pulmonar, broncopneumonia, desconforto respiratório adaptativo, pneumomediastino, pneumonia, pneumonia congênita, pneumotórax.

  • incidência de tocotraumatismo;

    Cada uma dessas variáveis foi avaliada em relação a:

  • tipo de parto (vaginal ou abdominal), intercorrências e uso de manobras e procedimentos, como o auxílio do fórcipe;

  • idade gestacional calculada de acordo com a regra de Näegele;

  • idade gestacional estimada após o nascimento de acordo com o método de Capurro;

  • peso ao nascer em gramas.

Análise estatística dos dados

O teste utilizado para se observar a existência de associações entre duas variáveis qualitativas foi o χ2. As variáveis quantitativas de peso ao nascer, idade gestacional calculada e idade gestacional estimada pelo método de Capurro não seguem a distribuição normal e, portanto, as comparações entre os dois grupos (com afecção e sem afecção) foram realizadas pelo teste nãoparamétrico de Mann-Whitney, representado pelo valor de Z. Foram considerados significativos os valores de probabilidade (p) menor que 5%.

Foi utilizado o programa de computador Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 11.5, para a análise de dados.

RESULTADOS

Amostra geral de recém-nascidos

A amostra total foi constituída de 7.480 recém-nascidos no período do estudo no hospital, dos quais 5.205 (69,6%) nasceram por cesárea, 477 (6,4%) pela via vaginal com aplicação de fórcipe e 1.798 (24%) de parto normal.

Anoxia

A anoxia ocorreu em 388 RN (5,2% do total da amostra). Desses, 240 nasceram por cesárea (3,2% do total de RN com anoxia), 58 (0,8%) com aplicação de fórcipe e 90 (1,2%) por parto normal. O teste de χ2 mostrou que houve associação estatisticamente significativa entre tipo de parto e anoxia (χ2 = 50,78; p < 0,001). Quando comparados dois a dois, verificou-se que não houve diferença entre parto normal e cesariana quanto à ocorrência de anoxia, mas houve associação significativa com o parto por fórcipe, tanto quando comparado com o parto normal (χ2 = 31,72; p < 0,001) como com cesariana (χ2 = 50,10; p < 0,001) (Tabela 1).

Tabela 1
Frequência de complicações conforme o tipo de parto na amostra total

Verificou-se que 394 RN (5,3% do total de partos) tinham menos de 37 semanas de idade gestacional e foi possível observar que a anoxia ocorreu em 39 RN dessa faixa de idade, o que corresponde a 10% dos nascidos de pré-termo. Esteve presente também em 27 (6,9%) RN por cesariana, em 5 (1,3%) dos nascidos com complicação de fórcipe e em 7 (1,8%) dos nascidos por parto normal. Não se encontrou significância estatística para essa afecção na comparação entre os três tipos de partos nessa faixa de idade gestacional (χ2 = 2,73; p = 0,256) (Tabela 2).

Tabela 2
Incidência de complicações entre os recém-nascidos com menos de 37 semanas de gestação

No grupo de 7.086 RN que tinham idade gestacional igual ou maior do que 37 semanas, a afecção anoxia atingiu 349 (4,9%) crianças, sendo 213 (3,0%) nascidos de cesariana, 53 (0,7%) nascidos de fórcipe e 83 (1,2%) nascidos de parto normal. Houve associação estatisticamente significativa entre os tipos de parto (χ2 = 48,59; p < 0,001) (Tabela 3), com maior incidência em casos de fórcipe.

Tabela 3
Incidência de complicações entre os recém-nascidos com 37 semanas de gestação ou mais

Entre as crianças com peso entre 1.500 e 2.499 g (317), foram encontradas 29 com anoxia, o que correspondeu a 9,1% dessa faixa de peso. Haviam nascido por cesárea 24 (7,6%), por parto a fórcipe 3 (0,9%) e 2 (0,6%) por parto normal. Foi observada uma associação estatística significativa entre os três tipos de parto e anoxia (χ2 = 8,76; p = 0,013) (Tabela 4), sendo a maior incidência em nascimentos por fórcipe.

Tabela 4
Ocorrência de complicações entre recém-nascidos com peso ao nascer entre 1.500 e 2.499 g

Entre os nascidos com peso igual ou maior do que 2.500 g, foram incluídos 7.163 RN, e encontramos anoxia em 359 (5,0%). Desses, 216 (3,0%) nasceram por cesárea, 55 (0,8%) por fórcipe e 88 (1,2%) por parto normal. Foi encontrada associação estatística significativa entre anoxia e os três tipos de parto (χ2 = 49,12; p < 0,001) (Tabela 5), sendo a maior incidência para fórcipe.

Tabela 5
Ocorrência de complicações entre recém-nascidos com peso ao nascer ≥ 2.500 g

Desconforto respiratório

Verificou-se que desconforto respiratório esteve presente em 260 RN (3,5% do total). A distribuição de sua ocorrência foi: 200 (2,7%) RN nascidos de cesariana, 20 (0,3%) com aplicação de fórcipe e 40 (0,5%) por parto normal. O teste do χ2 mostrou associação estatisticamente significativa entre desconforto respiratório e cesariana e/ou fórcipe quando comparados com o parto normal (χ2 = 10,57; p = 0,001 para normal/cesariana e χ2 = 5,69; p = 0,017 para normal/fórcipe) (Tabela 1).

A afecção desconforto respiratório esteve presente em 89 RN com menos 37 semanas de idade gestacional, ou seja, 22,6% do grupo considerado. Dentre os nascidos por cesariana, esta ocorreu em 64 (16,2%) RN. Entre os nascidos por fórcipe, esteve presente em 7 (1,8%) casos e em 18 (4,6%) dos nascidos por parto normal. Não houve associação estatisticamente significativa entre tipo de parto e desconforto respiratório nessa faixa de idade gestacional (χ2 = 0,33; p = 0,846) (Tabela 2).

Na afecção desconforto respiratório, o número total de RN com idade gestacional igual ou maior do que 37 semanas foi 171 (2,4%), dos quais 136 (1.9%) haviam nascido por cesárea, 13 (0.2%) com uso de fórcipe e 22 (0.3%) por parto normal. Houve associação estatisticamente significativa entre essa afecção e os três tipos de parto (χ2 = 12,43; p = 0,002) para esta faixa de idade gestacional, sendo que o parto normal foi o que apresentou menor incidência (Tabela 3).

A afecção desconforto respiratório foi observada em 56 RN com peso entre 1.500 e 2.499 g (17,7%), dentre os quais 44 (13,9%) nasceram por cesárea, um (0,3%) a fórcipe e 11 (3,5%) por parto normal. Não houve associação estatística entre desconforto respiratório e tipo de parto para essa faixa de peso ao nascer (χ2 = 0,30; p = 0,859) (Tabela 4).

Entre os nascidos com peso igual ou maior que 2.500 g para a afecção desconforto respiratório, 204 crianças (2,8%) fizeram parte desse grupo. Cento e cinquenta e seis (2,2%) nasceram por cesárea, 19 (0,2%) por fórcipe e 29 (0,4%) por parto normal. Houve associação estatisticamente significativa entre os três tipos de parto e o desconforto respiratório (χ2 = 12,85; p = 0,002), sendo que a incidência dessa afecção foi menor no parto normal (Tabela 5).

Tocotraumatismo

A afecção tocotraumatismo esteve presente em 536 RN, o que correspondeu a 7,1% do total considerado. Esteve presente em 294 (3,9%) RN por cesariana. Nos que foram submetidos à aplicação de fórcipe, ocorreu em 133 (1,8%) e nos de parto normal ocorreu em 109 (1,4%). O teste de χ2 revelou uma associação entre essa afecção e o uso de fórcipe tanto quando comparado com normal (χ2 = 188,82; p < 0,001), como com cesariana (χ2 = 310,80; p < 0,001) (Tabela 1).

A afecção tocotraumatismo esteve presente em 33 RN com menos de 37 semanas de idade gestacional, equivalendo a 8,3% das crianças estudadas no grupo considerado, assim distribuídos: 19 (4,8%) RN nascidos de cesariana, 8 (2,0%) nascidos por fórcipe e 6 (1,5%) nascidos por parto normal. Houve associação estatisticamente significativa entre tocotraumatismo e os três tipos de parto (χ2 = 18,29; p < 0,001) (Tabela 2), sendo que a maior incidência foi de tocotraumatismo em aplicações de fórcipe.

Nesta afecção, o número de crianças com idade gestacional igual ou maior do que 37 semanas acometidas foi 503 (7,1%), sendo 275 (3,9%) nascidos de parto cesárea, 125 (1,8%) de fórcipe e 103 (1,4%) de parto normal. Houve uma associação estatisticamente significativa com os três tipos de parto (χ2 = 310,77; p < 0,001) (Tabela 3), com maior incidência em fórcipe.

A afecção foi encontrada em 14 RN com peso entre 1.500 e 2.499 g, sendo que 10 (3,1%) nasceram de parto cesárea e 4 (1,3%) de parto normal. Nesta faixa de peso, não houve parto realizado com fórcipe. O teste do χ2 não foi estatisticamente significativo (χ2 = 1,29; p = 0,524) (Tabela 4).

Entre os nascidos com peso igual ou maior do que 2.500 g para a afecção tocotraumatismo, 522 deles (7,3%) fizeram parte desse grupo, sendo 284 (4.0%) nascidos de cesárea, 133 (1,8%) de fórcipe e 105 (1,5%) de parto normal, havendo associação estatisticamente significativa entre tocotraumatismo e os três tipos de parto (χ2 = 331,11; p < 0,001) (Tabela 5), com maior incidência no parto com fórcipe.

Idade gestacional calculada e idade gestacional estimada pelo método de Capurro

Não houve diferença significativa quanto à idade gestacional, idade gestacional estimada pelo método de Capurro e peso entre os RN que apresentaram ou não tocotraumatismo, tanto no parto vaginal quanto na cesariana.

Considerando os partos do tipo “vaginal” (normal mais fórcipe), o teste de Mann-Whitney não revelou associação entre anoxia e idade gestacional (Z = 1,001; p = 0,313). O mesmo teste foi aplicado para idade gestacional estimada pelo método de Capurro versus presença de anoxia, e aqui também não se encontrou associação significativa (Z = 1,37; p = 0,170); e para o peso (Z = 0,77; p = 0,439), também não houve associação significativa.

Para as cesáreas, foi aplicado o mesmo teste e encontrou-se diferença significativa da presença de anoxia nos RN com menor idade gestacional estimada pelo método de Capurro (Z = 2,67; p = 0,007), assim como menor peso (Z = 2,65; p = 0,008).

Ao se aplicar o teste de Mann-Whitney para o grupo de RN com desconforto respiratório, verificou-se que, nos partos vaginais, esses RN tinham idade gestacional significativamente menor (Z = 7,319; p < 0,004), menor idade gestacional estimada pelo método de Capurro (Z = 7,63; p < 0,001) e menor peso (Z = 6,25; p < 0,001). Também nos RN de cesariana, os resultados foram significativos: Z = 12,19; p < 0,001 para idade gestacional; Z = 12,78; p < 0,001 para idade gestacional estimada pelo método de Capurro e Z = 8,46; p < 0,001 para peso.

DISCUSSÃO

Ao analisar as afecções estudadas na amostra total deste estudo, isto é, independentemente da idade gestacional ou do peso, constatou-se que anoxia teve presença significativamente maior em crianças nascidas de parto a fórcipe. O achado da associação da morbidade ao uso de fórcipe se deve provavelmente à própria indicação de seu uso. Por exemplo, uma das indicações maternas seria o período expulsivo prolongado, em que o fórcipe é utilizado para ultimar o parto, principalmente se o feto está apresentando sinais de sofrimento. Segundo o manual da FEBRASGO(77. Camano L. Manual de orientação FEBRASGO: Assistência ao parto e tocurgia. São Paulo: Ponto; 2002.), as indicações fetais são as manifestações de sofrimento fetal agudo (condição na qual os batimentos cardíacos fetais não voltam ao normal 30 segundos após o fim das contrações ou batimentos cardíacos fetais que permaneçam abaixo de 100 bpm na pausa contratural)(88. Rezende J. Obstetrícia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1974.), prolapso de cordão umbilical e a proteção do crânio do feto prematuro, evitando-se que a descompressão súbita venha a ser causa de hematoma intracraniano. É clássico o aforismo, “não há fórcipe inócuo”(88. Rezende J. Obstetrícia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1974.).

Entre os afetados por anoxia, quando se comparam tipos de parto, peso, idade gestacional calculada e idade gestacional estimada pelo método de Capurro, somente no grupo de RN nascidos por cesariana observou-se menor média da idade gestacional estimada pelo método de Capurro e menor peso, não havendo essa diferença nos outros tipos de parto. Isso sugere que cirurgias estão provavelmente sendo realizadas e marcadas antes da hora ideal para o nascimento. Seria só a presença de sofrimento fetal nesse grupo de crianças que explicaria a presença de anoxia ao nascer? Vale a pena questionar a diferença citada, já que o número total de nascidos por essa via foi de 5.205, e a percentagem de cesariana foi de 69,6%. Quantas dessas crianças não nasceram antes do momento adequado, ou seja, a denominada prematuridade iatrogênica, como já referido exaustivamente(99. Flaksman RJ, Vollman JH, Benfield DG. Iatrogenic prematurity due to elective termination of the uncomplicated pregnancy: a major perinatal health care problem. Am J Obstet Gynecol. 1978;132(8):885-8.1313. Maranhão AG, Joaquim MM, Siu C. Mortalidade perinatal e neonatal no Brasil. Tema. 1999;17:6-17.).

Ao se analisar a afecção ‘desconforto respiratório’ na amostra total sem considerar idade gestacional, houve associação estatística entre a síndrome e o parto por cesariana e/ou com aplicação de fórcipe. Houve também maior incidência dessa afecção nos partos com fórcipe e cesariana em RN com mais de 37 semanas de idade gestacional ou peso acima ou igual a 2.500 g. Portanto, o parto normal mostrou-se mais seguro para esses RN, o que já foi explicado por trabalhos acerca da ação das catecolaminas nos pulmões fetais durante o trabalho de parto(1414. Jones CM 3rd, Greiss FC Jr. The effect of labor on maternal and fetal circulating catecholamines. Am J Obstet Gynecol. 1982;144(2):149-53.1818. Hägnevik K, Lagercrantz H, Sjöqvist BA. Establishment of functional residual capacity in infants delivered vaginally and by elective cesarean section. Early Hum Dev. 1991;27(1-2):103-10.).

No caso de parto a fórcipe, podem ser utilizadas as mesmas considerações feitas anteriormente. É importante lembrar que, nesta amostra, não foram incluídas as gestantes de médio e alto risco, portanto não é possível atribuir a presença aumentada dessa afecção a essa possibilidade. A cesariana é utilizada em situações de sofrimento fetal ou distócias, entre outras indicações já citadas, mas todas essas indicações não justificam a taxa da referida cirurgia nesse hospital e nem a percentagem aumentada da afecção em estudo. Esse aumento pode estar relacionado com a cirurgia em si e/ou com o momento em que ela é realizada: de maneira eletiva, sem que o trabalho de parto tenha se instalado(1010. Miller JM Jr. Maternal and neonatal morbidity and mortality in cesarean section. Obstet Gynecol Clin North Am. 1988;15(14):629-38.,1818. Hägnevik K, Lagercrantz H, Sjöqvist BA. Establishment of functional residual capacity in infants delivered vaginally and by elective cesarean section. Early Hum Dev. 1991;27(1-2):103-10.2323. Morrison JJ, Rennie JM, Milton PJ. Neonatal respiratory morbidity and mode of delivery at term: influence of timing of elective caesarean section. Br J Obstet Gynaecol. 1995;102(2):101-6.). Aqui, mais do que na anoxia, pode-se correlacionar a presença de desconforto respiratório com a realização precoce da cirurgia, antes de atingida a maturidade pulmonar, novamente caracterizando a prematuridade iatrogênica(99. Flaksman RJ, Vollman JH, Benfield DG. Iatrogenic prematurity due to elective termination of the uncomplicated pregnancy: a major perinatal health care problem. Am J Obstet Gynecol. 1978;132(8):885-8.1313. Maranhão AG, Joaquim MM, Siu C. Mortalidade perinatal e neonatal no Brasil. Tema. 1999;17:6-17.).

Houve incidência aumentada de tocotraumatismo nos partos com fórcipe e entre crianças com 2.500 g ou mais de peso ao nascer e nos neonatos de todas as idades gestacionais estudadas. É importante lembrar que é considerado tocotraumatismo qualquer marca ou sinal encontrado na criança após o parto, mesmo que seja só uma escarificação leve na pele. Diferentes graus de tocotraumatismos são geralmente registrados nos prontuários, de acordo com a progressiva gravidade, mas optou-se por não analisar separadamente cada grau. Portanto, esta afecção pode ser considerada praticamente inerente ao tipo de instrumento utilizado, já que quase sempre o fórcipe deixa marca na criança, por mínima ou mais transitória que possa ser(88. Rezende J. Obstetrícia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1974.).

O presente estudo baseou-se em dados disponíveis do arquivo do berçário em formato de planilhas e, como tal, envolveu algumas deficiências no registro dos partos, sendo a principal delas a indicação precisa da cesariana. Apesar da alta incidência de parto cirúrgico, como o prontuário obstétrico era preenchido pela enfermeira obstétrica, a indicação nem sempre foi preenchida adequadamente, seja por não ter sido corretamente informada pelo obstetra, seja por outros motivos desconhecidos por nós.

Outra questão que pode suscitar dúvidas e/ou discussões neste estudo se relaciona à idade gestacional. O registro nos prontuários utilizados neste trabalho é o referido pelo obstetra, pela regra de Nägele. A idade gestacional por exame de ultrassonografia não foi um dado constante em todos os prontuários. Por isso, foi realizada também a análise dos registros de idade gestacional estimada pelo método de Capurro.

CONCLUSÕES

Pode-se então concluir, pelos dados apresentados, que a anoxia, o tocotraumatismo e o desconforto respiratório associam-se com o tipo de parto sendo que anoxia tem associação significativa com parto por fórcipe, tanto quando comparado com parto normal quanto com o cesariano. O desconforto respiratório foi mais frequente em partos do tipo cesárea ou com fórcipe, e que o parto normal é o mais seguro para recém-nascidos com idade gestacional maior que 37 semanas e em recém-nascidos com peso maior ou igual a 2.500 g. Em recém-nascidos com idade gestacional menor que 37 semanas, o tocotraumatismo associou-se ao tipo de parto, sendo que a maior incidência da complicação ocorreu em casos de parto tipo fórcipe. Em recém-nascidos com baixo peso ao nascer (entre 1.500 e 2.499 g), ocorreu associação entre anoxia e tipo de parto, com maior incidência no fórcipe. Considerando-se apenas os recém-nascidos por parto cesariano, a anoxia esteve associada à menor idade gestacional estimada pelo método de Capurro e ao menor peso.

  • Trabalho realizado no Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2010

Histórico

  • Recebido
    05 Mar 2010
  • Aceito
    09 Jun 2010
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