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Prevalência de sedação paliativa no Estado de São Paulo: uma demanda médica emergente

RESUMO

Objetivo

Verificar a prevalência e os fatores associados ao uso de sedação paliativa.

Métodos

Trata-se de estudo observacional realizado a partir do preenchimento de um questionário eletrônico com 23 questões objetivas enviado a médicos paulistas. Foram avaliados os dados demográficos, a prevalência e a frequência de uso da sedação paliativa; o nível de conhecimento a respeito da técnica; e as motivações para sua utilização. Visando minimizar o viés de recordação, questões sobre a frequência de uso e motivações para tal, as respostas deveriam se referir ao último ano em relação à data de preenchimento da pesquisa. Foi utilizada estatística descritiva para sumarizar os resultados.

Resultados

Foram enviados 20.168 e-mails e obtiveram-se 324 respostas válidas, resultando em 2% de adesão. A prevalência de utilização da sedação paliativa ao longo do histórico de atuação profissional foi de 68%, mas apenas 48% utilizaram a sedação paliativa no último ano, motivados, principalmente, pela presença de dor no paciente (35%). A frequência de uso foi de uma a seis vezes (66%), e a principal razão para não empregar a sedação paliativa foi a ausência de pacientes elegíveis (64%). Aproximadamente 83% dos médicos sentiam-se confortáveis quanto ao uso de sedação paliativa, mas apenas 26% possuíam formação teórica específica na área.

Conclusão

A prevalência de uso da sedação paliativa é alta, sendo utilizada, na maioria das vezes, para proporcionar o alívio da dor do paciente. Por outro lado, sua frequência de utilização é baixa, principalmente pela ausência de pacientes elegíveis.

Sedação profunda; Cuidados paliativos; Manejo da dor; Bioética; Assistência terminal; Planejamento antecipado de cuidados

ABSTRACT

Objective

To investigate the prevalence of palliative sedation use and related factors.

Methods

An observational study based on data collected via electronic questionnaire comprising 23 close-ended questions and sent to physicians living and working in the state of São Paulo. Demographic data, prevalence and frequency of palliative sedation use, participant’s familiarity with the practice and related motivating factors were analyzed. In order to minimize memory bias, questions addressing use frequency and motivating factors were limited to the last year prior to survey completion date. Descriptive statistics were used to summarize data.

Results

In total, 20,168 e-mails were sent and 324 valid answers obtained, resulting in 2% adherence. The overall prevalence of palliative sedation use over the course of professional practice was 68%. However, only 48% of respondents reported having used palliative sedation during the last year, primarily to relieve pain (35%). The frequency of use ranged from one to six times (66%) during the study period and the main reason for not using was the lack of eligible patients (64%). Approximately 83% of physicians felt comfortable using palliative sedation but only 26% reported having specific academic training in this field.

Conclusion

The prevalence of palliative sedation use is high, the primary indication being pain relief. However, frequency of use is low due to lack of eligible patients.

Deep sedation; Palliative care; Pain management; Bioethics; Terminal care; Advance care planning

INTRODUÇÃO

A manutenção da qualidade de vida do paciente com doença avançada e sintomas refratários(11. Cherny NI, Portenoy RK. Sedation in the management of refractory symptoms: guidelines for evaluation and treatment. J Palliat Care. 1994;10(2):31-8.) é um grande desafio para os profissionais da saúde.(22. Solano JP, Gomes B, Higginson IJ. A comparison of symptom prevalence in far advanced cancer, AIDS, heart disease, chronic obstructive pulmonary disease and renal disease. J Pain Symptom Manage. 2006;31(1):58-69.,33. Cheung WY, Barmala N, Zarinehbaf S, Rodin G, Le LW, Zimmermann C. The association of physical and psychological symptom burden with time to death among palliative cancer outpatients. J Pain Symptom Manage. 2009;37(3):297-304.) Diante desse cenário, emergem estratégias, como a sedação paliativa, uma das técnicas dos cuidados paliativos que consiste na administração deliberada de fármacos a fim de reduzir o nível de consciência destes indivíduos e aliviar adequadamente um ou mais sintomas refratários.(44. Kira CM. Sedação Paliativa. Manual de Cuidados Paliativos São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). Rio de Janeiro: Diagraphic; 2012. p. 202-13.,55. Ventafridda V, Ripamonti C, De Conno F, Tamburini M, Cassileth BR. Symptom prevalence and control during cancer patients’ last days of life. J Palliat Care. 1990;6(3):7-11.)

A sedação paliativa é utilizada, principalmente, para delirium hiperativo, dispneia, dor intensa intratável, sangramento e mioclonia incontroláveis,(66. Chater S, Viola R, Paterson J, Jarvis V. Sedation for intractable distress in the dying-a survey of experts. Palliat Med. 1998;12(4):255-69.,77. de Graeff A, Dean M. Palliative sedation therapy in the last weeks of life: a literature review and recommendations for standards. J Palliat Med. 2007;10(1):67-85.) sendo seu emprego consentido pelo paciente ou seu responsável. Dados da literatura mostram que a prevalência de utilização da sedação paliativa é de 1% a 88% entre os profissionais da saúde.(88. Claessens P, Menten J, Schotsmans P, Broeckaert B. Palliative sedation: a review of the research literature. J Pain Symptom Manage. 2008;36(3):310-33. Review.,99. Lux MR, Protus BM, Kimbrel J, Grauer P. A Survey of Hospice and Palliative Care Physicians Regarding Palliative Sedation Practices. Am J Hosp Palliat Med. 2017;34(3):217-22.) Esse amplo resultado poderia ser justificado por diferentes definições de sedação paliativa utilizadas nos estudos; diretrizes e culturas dos países em que a sedação paliativa é praticada;(1010. Cherny NI, Radbruch L; Board of the European Association for Palliative Care. European Association for Palliative Care (EAPC) recommended framework for the use of sedation in palliative care. Palliat Med. 2009;23(7):581-93.

11. Dean MM, Cellarius V, Henry B, Oneschuk D, Librach Canadian Society Of Palliative Care Physicians Taskforce SL. Framework for continuous palliative sedation therapy in Canada. J Palliat Med. 2012;15(8):870-9. Review.
-1212. De Lima L, Woodruff R, Pettus K, Downing J, Buitrago R, Munyoro E, et al. International Association for Hospice and Palliative Care Position Statement: Euthanasia and Physician-Assisted Suicide. J Palliat Med. 2017;20(1):8-14.) entendimento dos sintomas refratários; experiência e o conforto dos profissionais de saúde;(99. Lux MR, Protus BM, Kimbrel J, Grauer P. A Survey of Hospice and Palliative Care Physicians Regarding Palliative Sedation Practices. Am J Hosp Palliat Med. 2017;34(3):217-22.) local de aplicação da sedação paliativa; formas de avaliação da prevalência; e tipo de público entrevistado.(88. Claessens P, Menten J, Schotsmans P, Broeckaert B. Palliative sedation: a review of the research literature. J Pain Symptom Manage. 2008;36(3):310-33. Review.)

Apesar de a sedação paliativa ser largamente utilizada para o tratamento dos sintomas físicos dos pacientes,(66. Chater S, Viola R, Paterson J, Jarvis V. Sedation for intractable distress in the dying-a survey of experts. Palliat Med. 1998;12(4):255-69.,77. de Graeff A, Dean M. Palliative sedation therapy in the last weeks of life: a literature review and recommendations for standards. J Palliat Med. 2007;10(1):67-85.) ainda existem inconsistências na literatura quanto ao seu emprego para os sintomas psicoexistenciais,(88. Claessens P, Menten J, Schotsmans P, Broeckaert B. Palliative sedation: a review of the research literature. J Pain Symptom Manage. 2008;36(3):310-33. Review.,1313. Olsen ML, Swetz KM, Mueller PS. Ethical decision making with end-of-life care: palliative sedation and withholding or withdrawing life-sustaining treatments. Mayo Clin Proc. 2010;85(10):949-54. Review.) dada a dificuldade em diferenciar as respostas adequadas à doença e as psicopatologias, como a depressão. Além disso, tal técnica ainda representa um dilema terapêutico desafiador diante da eventual confusão existente entre sedação contínua profunda e eutanásia.(88. Claessens P, Menten J, Schotsmans P, Broeckaert B. Palliative sedation: a review of the research literature. J Pain Symptom Manage. 2008;36(3):310-33. Review.,1414. Nogueira FL, Sakata RK. Palliative sedation of terminally ill patients. Rev Bras Anestesiol. 2012;62(4):586-92. Review.) A sedação paliativa contínua profunda suprime a consciência da pessoa doente até a morte, e a intenção é de aliviar o sofrimento. Já a eutanásia é definida como o ato de acelerar a morte do paciente, por meio de drogas em doses letais, e tem a intenção deliberada de abreviar a vida do paciente para interromper o sofrimento.(1414. Nogueira FL, Sakata RK. Palliative sedation of terminally ill patients. Rev Bras Anestesiol. 2012;62(4):586-92. Review.,1515. Eich M, Verdi MI, Finkler M, Martins PP. Princípios e valores implicados na prática da sedação paliativa e a eutanásia. Interface - Comun Saúde, Educ. 2018;22(66):733-44.)

No Brasil, as discussões sobre essa técnica são recentes,(1616. Fonseca A, Geovanini F. Cuidados paliativos na formação do profissional da área de saúde. Rev Bras Educ Med. 2013;37(1):120-5.) e não existem diretrizes específicas que abordem a indicação de sedação paliativa. Em 2009, o Conselho Federal de Medicina incluiu, no Código de Ética Médica, os cuidados paliativos como princípios fundamentais e, em 2011, formalizou a Medicina Paliativa como especialidade. Recentemente, foi publicada a resolução sobre a organização dos cuidados paliativos, no âmbito de Sistema Único de Saúde (SUS),(1717. Brasil. Resolução no 41 de 31 de Outubro de 2018. Dispõe sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF): Diário Oficial da União; 2018, Seção 1, página 276.) no entanto, ainda não foi observado impacto significativo desta portaria nas práticas médicas.

Da mesma forma, pesquisas científicas relativas aos cuidados paliativos e à sedação paliativa praticadas por profissionais brasileiros são escassas. Sugere-se que a prevalência de sedação paliativa varie entre 17% e 37%,(1818. Ferreira SP. Experiência do programa de cuidados paliativos do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Rev Prática Hosp. 2006;8(47):55-8.,1919. Spineli VM, Kurashima AY, De Gutiérrez MG. The process of palliative sedation as viewed by physicians and nurses working in palliative care in Brazil. Palliat Support Care. 2015;13(5):1293-9.) e as principais causas para sua utilização sejam a presença da dispneia, delirium e dor nos pacientes.(1919. Spineli VM, Kurashima AY, De Gutiérrez MG. The process of palliative sedation as viewed by physicians and nurses working in palliative care in Brazil. Palliat Support Care. 2015;13(5):1293-9.) Ressalta-se que a principal barreira descrita para a implementação de sedação paliativa é a influência da família.(1919. Spineli VM, Kurashima AY, De Gutiérrez MG. The process of palliative sedation as viewed by physicians and nurses working in palliative care in Brazil. Palliat Support Care. 2015;13(5):1293-9.) Tais pesquisas, porém, foram realizadas com um pequeno número amostral e centraram-se em pacientes ou equipes multidisciplinares de centros especializados, carecendo, ainda, de informações exclusivas a respeito da atuação médica frente a esta prática.

OBJETIVO

Verificar a prevalência e a frequência de utilização da sedação paliativa no Estado de São Paulo, Brasil, as principais motivações e barreiras encontradas para a implementação da técnica, e se os médicos paulistas possuem formação específica em cuidados paliativos.

MÉTODOS

Desenho experimental

Foram utilizadas as recomendações Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) para a redação deste artigo.(2020. von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. Bull World Health Organ. 2007;85(11):867-72.) Trata-se de pesquisa epidemiológica observacional e transversal, realizada a partir de um questionário eletrônico adaptado de dois estudos anteriores,(99. Lux MR, Protus BM, Kimbrel J, Grauer P. A Survey of Hospice and Palliative Care Physicians Regarding Palliative Sedation Practices. Am J Hosp Palliat Med. 2017;34(3):217-22.,1919. Spineli VM, Kurashima AY, De Gutiérrez MG. The process of palliative sedation as viewed by physicians and nurses working in palliative care in Brazil. Palliat Support Care. 2015;13(5):1293-9.) e implementada pela plataforma Google Formulários. O questionário foi composto por 23 perguntas objetivas e distribuído para uma comunidade de médicos paulistas, entre março e dezembro de 2017 (Anexo 1 Anexo 1 Questionário sedação paliativa Estudo demográfico 1) Gênero: ( ) Feminino ( ) Masculino 2) Idade: ( ) <30 ( ) 30-39 ( ) 40-49 ( ) 50-59 ( ) 60-69 ( ) >70 3) Em qual estado você atua no momento? ( ) São Paulo ( ) Outros 4) Especialidade médica (pode ser utilizada mais que uma especialidade, coloque na ordem de carga horaria). 1. 2. 3. 5) Quantos anos atua na área médica? ( ) 1 ano ( ) 2 a 5 ( ) 6 a 10 ( ) 11 a 16 ( ) >16 anos Cuidados paliativos Definição: “Cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais” (Sepúlveda et al., 2002(21)). 6) Qual é a sua experiência prática com pacientes que recebem cuidados paliativos no hospital? ( ) Nenhuma experiência prática ( ) Pouca experiência prática ( ) Experiência prática moderada ( ) Muita experiência prática 7) Você possui formação em cuidados paliativos (graduação, pós graduação, cursos)? ( ) Sim ( ) Não Sedação paliativa Definição: “É a administração deliberada de fármacos que reduzem o nível de consciência, com o consentimento do paciente ou de seu responsável, que tem como objetivo aliviar adequadamente um ou mais sintomas refratários em pacientes com doença avançada terminal” (Kira, 2012;(4) Ventafridda et al., 1990(5)). 8) Você é a favor da prática clínica de sedação paliativa como opção terapêutica? ( ) Não ( ) Sim 9) Você já utilizou sedação paliativa como opção de tratamento? ( ) Não* ( ) Sim** * Em caso negativo, é direcionado para a pergunta 10: **Em caso afirmativo, é direcionado para a pergunta 11: 10) Por que você não utilizou sedação paliativa? Marque todas que se apliquem. ( ) Não havia pacientes elegíveis ( ) Não conhece o procedimento ( ) Acredita que fere os princípios éticos ( ) Não acredita na eficácia do tratamento ( ) Outro Obs: Após esta pergunta, vá para a pergunta 19. 11) Qual a sua experiência prática no uso de sedação paliativa? ( ) Nenhuma experiência prática ( ) Pouca experiência prática ( ) Experiência prática moderada ( ) Muita experiência prática 12) Você implementou a sedação paliativa nos últimos 12 meses? ( ) Sim* ( ) Não** * Em caso afirmativo, vá para a pergunta 13: **Em caso negativo, vá para a pergunta 18: 13) Porque você implementou a sedação paliativa nos últimos 12 meses? Marque todas que se apliquem. ( ) Havia pacientes elegíveis para o procedimento ( ) Eficácia do tratamento ( ) Único tratamento viável ( ) Proporcionar o alívio da dor ( ) Outros 14) Quantas vezes nos últimos 12 meses, você implementou a sedação paliativa? ( ) 1-6 ( ) 7-12 ( ) 13-18 ( ) 19-24 ( ) >24 15) O quão confortável você se sente com a seleção das drogas quando utiliza a sedação paliativa? ( ) Muito confortável ( ) Um pouco confortável ( ) Confortável ( ) Nem um pouco confortável ( ) Nada confortável 16) Você consulta a família antes de instituir a sedação paliativa? ( ) Sim ( ) Não 17) Você acredita que a família influencia na institucionalização da sedação paliativa? ( ) Sim ( ) Não Obs: Após esta pergunta, vá para a pergunta 19. 18) Porque você não implementou a sedação paliativa nos últimos 12 meses? Marque todas que se apliquem. ( ) Não havia pacientes elegíveis para o procedimento ( ) Ineficácia do tratamento ( ) Não era o único tratamento viável ( ) Não iria proporcionar o alívio da dor ( ) Outros Obs: Após esta pergunta, vá para a pergunta 19. 19) Você acredita que o uso de sedação paliativa abrevia a vida do paciente em processo de morte? ( ) Sim ( ) Não 20) Você acredita que os sintomas físicos influenciam nos sintomas emocionais/psicossociais? ( ) Sim ( ) Não 21) Você faria/fez uso da sedação paliativa em pacientes com sofrimento psicoexistencial? (desesperança, dependência e inabilidade para o autocuidado, medo, ansiedade e pânico da morte, desejo de controlar o momento da morte, isolamento e ausência de suporte social). ( ) Sim ( ) Não 22) Você acredita que a sedação paliativa é equiparada a eutanásia? ( ) Sim ( ) Não 23) No seu meio médico atual, a sedação paliativa está bem institucionalizada? ( ) Sim ( ) Não ).

Participantes

Participaram desta pesquisa médicos que trabalhavam e moravam no Estado de São Paulo. O único critério de inclusão para a pesquisa foi ser médico com pelo menos 1 ano de experiência na prática clínica. Os voluntários foram excluídos quando não completaram a pesquisa ou duplicaram as respostas. Antes de responder à pesquisa, na primeira página do formulário, os participantes foram informados dos detalhes do estudo e preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Procedimentos

Os participantes foram recrutados por meio de registros do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Foram realizadas três tentativas de envio para cada um dos 20.168 e-mails obtidos, com intervalo de 15 dias entre cada tentativa. Além disso, foi feita tentativa de contato com 32 sociedades médicas, 2 associações e 2 academias, solicitando que essas instituições encaminhassem o link do questionário para seus membros, ou disponibilizassem o acesso à pesquisa em seus sites oficiais.

Questionário

Os participantes responderam ao questionário com 23 questões objetivas em plataforma online. Inicialmente foram questionados quanto aos dados demográficos (sexo, idade, tempo de atuação e especialidade). Na sequência, os participantes foram apresentados aos conceitos de cuidados paliativos e sedação paliativa.(44. Kira CM. Sedação Paliativa. Manual de Cuidados Paliativos São Paulo: Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). Rio de Janeiro: Diagraphic; 2012. p. 202-13.,55. Ventafridda V, Ripamonti C, De Conno F, Tamburini M, Cassileth BR. Symptom prevalence and control during cancer patients’ last days of life. J Palliat Care. 1990;6(3):7-11.,2121. Sepúlveda C, Marlin A, Yoshida T, Ullrich A. Palliative care: the World Health Organization’s global perspective. J Pain Symptom Manage. 2002;24(2):91-6. Review.) Todos os participantes foram perguntados se eram a favor da prática de sedação paliativa; se consideravam essa técnica equiparada à eutanásia e abreviação da vida; se a sedação paliativa estava bem institucionalizada no local de atuação profissional; se os sintomas físicos dos pacientes poderiam influenciar nos sintomas psicoexistenciais; e se fariam indicação de sedação paliativa para tratamento de sintomas não físicos.

Questionou-se também a prevalência de utilização de sedação paliativa. Para minimizar o viés de recordação, determinadas questões foram restritas ao período de 12 meses que antecederam a data de preenchimento do questionário,(2222. Kjellsson G, Clarke P, Gerdtham UG. Forgetting to remember or remembering to forget: a study of the recall period length in health care survey questions. J Health Econ. 2014;35(1):34-46.) tais como a prevalência de uso neste período, os principais motivadores, a frequência de utilização de sedação paliativa, o nível de conforto em relação à administração de fármacos, a formação específica em cuidados paliativos e a influência da família do paciente na decisão de utilizar sedação paliativa. Aos médicos que nunca empregaram sedação paliativa ou não usaram essa técnica no último ano em relação a data de preenchimento do questionário, foi perguntado o principal motivo para tal ação.

Análise estatística

Os resultados foram sumarizados por meio da estatística descritiva e análises de frequência. Todas as análises foram conduzidas no IBM® SPSS® Statistics versão 23.

A pesquisa foi realizada de acordo com as Normas e Diretrizes Éticas, tendo sido aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Francisco (número 1.964.009, CAAE: 65240217.4.0000.5514).

RESULTADOS

Dos 20.168 e-mails enviados e dos contatos realizados com as instituições, obtiveram-se 338 questionários respondidos. Foram excluídos 14 questionários, 12 apresentaram duplicidade, e 2 estavam com campos incompletos, resultando em 324 questionários selecionados para análise.

A caracterização demográfica dos voluntários encontra-se disponível na tabela 1. Dentre os participantes, 51% eram do sexo masculino (n=165). A idade prevalente da amostra se encontrava entre 30 a 39 anos (34%), e 44% possuía mais de 16 anos de atuação profissional. Trezentos e catorze entrevistados eram especialistas em alguma área médica (97%) e, dentre as áreas médicas reportadas, houve predomínio da clínica médica (n=167).

Tabela 1
Características socioprofissionais dos médicos com 1 ano ou mais de atuação

Dentre os entrevistados, 99% relataram que eram favoráveis à prática de sedação paliativa. A maioria dos médicos não acreditava que a sedação paliativa fosse equiparada com a eutanásia (312; 99%) ou que abreviasse a vida do paciente (278; 83%). Porém, cerca de 60% acreditavam que a sedação paliativa não estivesse bem institucionalizada no local onde atuavam (n=195). Todos os médicos acreditavam que os sintomas físicos influenciam em sintomas psicoexistenciais, mas 61% relataram que não indicariam a sedação paliativa para os pacientes com tais sintomas não físicos (n=198).

Quando perguntados sobre a utilização da sedação paliativa, 68% relataram já terem empregado essa técnica como opção de tratamento em pacientes elegíveis (n=221). Considerando apenas o período dos últimos 12 meses em relação à data de preenchimento do questionário, a prevalência de utilização da sedação paliativa foi de 48% (n=155). A principal causa reportada para a utilização da sedação paliativa foi proporcionar o alívio da dor do paciente (n=97; 35%) (Figura 1), e a 66% dos entrevistados relataram ter utilizado a sedação paliativa entre uma e seis vezes durante o ano (n=103) (Figura 2). Cerca de 83% dos profissionais que a usaram nos últimos 12 meses, sentiam-se confortáveis ou muito confortáveis com a seleção de drogas (n=129) (Figura 3). No entanto, apenas 26% dos profissionais que já utilizaram sedação paliativa relataram possuir formação específica em cuidados paliativos (n=41). Além disso, 95% dos médicos consultavam ou tinham consultado a família do paciente antes da realização do procedimento (n=148), e 86% acreditavam que esta podia influenciar na institucionalização da prática (n=133).

Figura 1
Distribuição de médicos com 1 ano ou mais de atuação ao responderem sobre as causas para a prática de sedação paliativa

Figura 2
Distribuição de médicos com 1 ano ou mais de atuação ao responderem sobre a frequência de utilização de sedação paliativa

Figura 3
Distribuição de médicos com 1 ano ou mais de atuação ao responderem sobre o nível de conforto em relação à seleção de drogas na prática em sedação paliativa

A principal razão reportada para a não utilização de sedação paliativa dentre aqueles que nunca usaram a técnica ou que não a usaram no período dos últimos 12 meses foi a ausência de pacientes elegíveis − 64% (n=66) e 100% (n=66), respectivamente. O desconhecimento do procedimento (n=35; 34%) e outras razões não especificadas (n=2; 2%) foram outras justificativas listadas para nunca terem utilizado esta técnica.

DISCUSSÃO

O principal achado deste estudo foi o de que a prevalência de utilização da sedação paliativa entre os médicos paulistas é alta. Porém, quando o período de análise foi restrito ao último ano, a prevalência caiu, e a frequência de uso foi relativamente baixa. Observou-se, também, que apenas uma minoria dos médicos possuía formação específica em cuidados paliativos, e a principal razão para o emprego da sedação paliativa era a presença de dor no paciente.

Nossa amostra foi caracterizada predominantemente por pessoas do sexo masculino (51%), por profissionais com mais de 16 anos de atuação, e com idade entre 30 e 39 anos. Além disso, 97% da amostra é especialista em alguma área da medicina. Tais resultados se assemelham aos dados disponibilizados pelo CREMESP, em 2018, segundo os quais 55% dos 126.687 médicos em atividade no Estado de São Paulo eram homens, com média de idade de 45 anos, e com 20,2 anos de tempo de formado, além de 66% possuírem especialidade em alguma área médica.

Apesar de a literatura sugerir que existem limites tênues na distinção entre sedação paliativa e eutanásia, e que pode existir ainda uma confusão no entendimento das duas práticas,(1414. Nogueira FL, Sakata RK. Palliative sedation of terminally ill patients. Rev Bras Anestesiol. 2012;62(4):586-92. Review.,1515. Eich M, Verdi MI, Finkler M, Martins PP. Princípios e valores implicados na prática da sedação paliativa e a eutanásia. Interface - Comun Saúde, Educ. 2018;22(66):733-44.) os resultados deste estudo indicaram que os profissionais da saúde participantes conseguem perceber diferenças entre ambas, fato este que poderia legitimar o uso da sedação paliativa em pacientes elegíveis. Resultados semelhantes foram observados anteriormente,(1515. Eich M, Verdi MI, Finkler M, Martins PP. Princípios e valores implicados na prática da sedação paliativa e a eutanásia. Interface - Comun Saúde, Educ. 2018;22(66):733-44.,1919. Spineli VM, Kurashima AY, De Gutiérrez MG. The process of palliative sedation as viewed by physicians and nurses working in palliative care in Brazil. Palliat Support Care. 2015;13(5):1293-9.) em que os profissionais da saúde que trabalham em um setor hospitalar de cuidados paliativos oncológicos,(1515. Eich M, Verdi MI, Finkler M, Martins PP. Princípios e valores implicados na prática da sedação paliativa e a eutanásia. Interface - Comun Saúde, Educ. 2018;22(66):733-44.) bem como os profissionais que trabalham ou trabalharam em centros especializados de cuidados paliativos,(1919. Spineli VM, Kurashima AY, De Gutiérrez MG. The process of palliative sedation as viewed by physicians and nurses working in palliative care in Brazil. Palliat Support Care. 2015;13(5):1293-9.) conseguem ter clara distinção entre os termos, tendo a ética como alicerce fundamental para o exercício da sedação paliativa.

Ainda que todos os entrevistados acreditem que os sintomas físicos influenciem nos sintomas emocionais, nossos resultados indicaram que a maioria dos profissionais não utilizaria a sedação paliativa para tratar pacientes com dor psicoexistencial. Enquanto alguns autores encontraram aumento na indicação de sedação paliativa para tratar sintomas psicoexistenciais, justificado pelos princípios bioéticos.(2323. Rodrigues P, Crokaert J, Gastmans C. Palliative sedation for existential suffering: a systematic review of argument-based ethics literature. J Pain Symptom Manage. 2018;55(6):1577-90.) Outros autores, porém, contraindicam a sedação paliativa para sintomas não físicos, pois afirmam que nem sempre significa eminência de morte.(2424. Cassell EJ, Rich BA. Intractable end-of-life suffering and the ethics of palliative sedation. Pain Med. 2010;11(3):435-8. Review.)

A prevalência de sedação paliativa encontrada nesse estudo foi de 68%, quando considerado todo o histórico de atuação profissional dos voluntários, e de 48%, quando o período de utilização esteve restrito ao último ano. Tais resultados se encontram dentro do sugerido pela literatura, de que a prevalência de sedação paliativa pode variar entre 1% a 88%.(66. Chater S, Viola R, Paterson J, Jarvis V. Sedation for intractable distress in the dying-a survey of experts. Palliat Med. 1998;12(4):255-69.,88. Claessens P, Menten J, Schotsmans P, Broeckaert B. Palliative sedation: a review of the research literature. J Pain Symptom Manage. 2008;36(3):310-33. Review.,99. Lux MR, Protus BM, Kimbrel J, Grauer P. A Survey of Hospice and Palliative Care Physicians Regarding Palliative Sedation Practices. Am J Hosp Palliat Med. 2017;34(3):217-22.) Por outro lado, nossos resultados sugerem maior uso da sedação paliativa em comparação aos demais estudos com profissionais paulistas,(1818. Ferreira SP. Experiência do programa de cuidados paliativos do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Rev Prática Hosp. 2006;8(47):55-8.,1919. Spineli VM, Kurashima AY, De Gutiérrez MG. The process of palliative sedation as viewed by physicians and nurses working in palliative care in Brazil. Palliat Support Care. 2015;13(5):1293-9.) que apontaram prevalência de 37% e 17%.(1818. Ferreira SP. Experiência do programa de cuidados paliativos do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo. Rev Prática Hosp. 2006;8(47):55-8.,1919. Spineli VM, Kurashima AY, De Gutiérrez MG. The process of palliative sedation as viewed by physicians and nurses working in palliative care in Brazil. Palliat Support Care. 2015;13(5):1293-9.) As diferenças entre os resultados poderiam ser justificadas pelos métodos utilizados em cada estudo para mensurar a prevalência de uso e pelos locais de realização, além do número de participantes. Desta forma, pelo melhor do nosso conhecimento, trata-se do primeiro estudo a acessar a real prevalência de utilização da sedação paliativa por profissionais médicos paulistas.

Nossos resultados indicaram que, apesar da prevalência de uso da sedação paliativa ser relativamente alta, sua utilização é pouco frequente, visto que a maioria dos médicos utilizou esta técnica por até seis vezes ao longo do último ano. A literatura corrobora esses achados, pois mostrou que o número de pacientes atendidos por equipes em hospitais ou em unidades de cuidados paliativos é alto,(66. Chater S, Viola R, Paterson J, Jarvis V. Sedation for intractable distress in the dying-a survey of experts. Palliat Med. 1998;12(4):255-69.,88. Claessens P, Menten J, Schotsmans P, Broeckaert B. Palliative sedation: a review of the research literature. J Pain Symptom Manage. 2008;36(3):310-33. Review.) mas poucos pacientes podem necessitar do emprego da sedação paliativa durante o período de internação ou de tratamento,(88. Claessens P, Menten J, Schotsmans P, Broeckaert B. Palliative sedation: a review of the research literature. J Pain Symptom Manage. 2008;36(3):310-33. Review.) indicando que a frequência de uso da técnica, predominantemente, foi de até cinco vezes.(66. Chater S, Viola R, Paterson J, Jarvis V. Sedation for intractable distress in the dying-a survey of experts. Palliat Med. 1998;12(4):255-69.,99. Lux MR, Protus BM, Kimbrel J, Grauer P. A Survey of Hospice and Palliative Care Physicians Regarding Palliative Sedation Practices. Am J Hosp Palliat Med. 2017;34(3):217-22.) Por outro lado, as comparações diretas a respeito da prevalência e da frequência de uso da sedação paliativa entre nossos achados e os resultados de Chater et al.,(66. Chater S, Viola R, Paterson J, Jarvis V. Sedation for intractable distress in the dying-a survey of experts. Palliat Med. 1998;12(4):255-69.) e de Lux et al.,(99. Lux MR, Protus BM, Kimbrel J, Grauer P. A Survey of Hospice and Palliative Care Physicians Regarding Palliative Sedation Practices. Am J Hosp Palliat Med. 2017;34(3):217-22.) devem ser feitas com cautela. Ambos avaliaram especialistas na área dos cuidados paliativos,(66. Chater S, Viola R, Paterson J, Jarvis V. Sedation for intractable distress in the dying-a survey of experts. Palliat Med. 1998;12(4):255-69.,99. Lux MR, Protus BM, Kimbrel J, Grauer P. A Survey of Hospice and Palliative Care Physicians Regarding Palliative Sedation Practices. Am J Hosp Palliat Med. 2017;34(3):217-22.) e nossa amostra foi composta por profissionais médicos de diversas especialidades, de modo que alguns dos participantes podem não atuar diretamente com doenças que possam causar terminalidade.

A principal causa relatada para a implementação da sedação paliativa foi a dor do paciente (35%). A presença de dor no doente em fase terminal ou fora de possibilidades reais de cura parece ser um importante elemento para ser considerado durante os cuidados paliativos, visto que, a dor também foi o principal motivador para a utilização da sedação paliativa nos pacientes elegíveis em estudos anteriores.(66. Chater S, Viola R, Paterson J, Jarvis V. Sedation for intractable distress in the dying-a survey of experts. Palliat Med. 1998;12(4):255-69.,88. Claessens P, Menten J, Schotsmans P, Broeckaert B. Palliative sedation: a review of the research literature. J Pain Symptom Manage. 2008;36(3):310-33. Review.,1919. Spineli VM, Kurashima AY, De Gutiérrez MG. The process of palliative sedation as viewed by physicians and nurses working in palliative care in Brazil. Palliat Support Care. 2015;13(5):1293-9.) Em contrapartida, a ausência de pacientes elegíveis foi o principal fator reportado para a não aplicação de sedação paliativa nos últimos 12 meses ou para nunca ter empregado essa técnica.

Estudos mostram que a decisão pela sedação paliativa deve ser tomada em conjunto entre paciente, família e equipe de saúde, ou de forma individualizada.(88. Claessens P, Menten J, Schotsmans P, Broeckaert B. Palliative sedation: a review of the research literature. J Pain Symptom Manage. 2008;36(3):310-33. Review.,1919. Spineli VM, Kurashima AY, De Gutiérrez MG. The process of palliative sedation as viewed by physicians and nurses working in palliative care in Brazil. Palliat Support Care. 2015;13(5):1293-9.) Dentre os entrevistados neste estudo, 95% consultam ou consultaram a família do paciente antes da realização do procedimento, e 86% acreditam que ela pode influenciar na institucionalização. Da mesma forma, para 43% dos entrevistados no estudo de Spineli et al., a opinião dos familiares pode ser a principal barreira para instituir a sedação paliativa,(1919. Spineli VM, Kurashima AY, De Gutiérrez MG. The process of palliative sedation as viewed by physicians and nurses working in palliative care in Brazil. Palliat Support Care. 2015;13(5):1293-9.) de modo que, a decisão da família do paciente pode interferir na prática de sedação paliativa, e sua relação com a equipe multidisciplinar é imprescindível para evitar o sofrimento dos envolvidos.(1919. Spineli VM, Kurashima AY, De Gutiérrez MG. The process of palliative sedation as viewed by physicians and nurses working in palliative care in Brazil. Palliat Support Care. 2015;13(5):1293-9.)

Quanto ao nível de conforto em relação à utilização de drogas na prática de sedação paliativa, 83% dos médicos relataram se sentirem confortáveis ou muito confortáveis. Por outro lado, apenas 26% dos médicos de nosso estudo possuíam formação teórica específica em cuidados paliativos. Estes resultados sugerem baixa preparação técnica para a atuação profissional em casos específicos que necessitem de sedação paliativa e podem trazer questionamentos éticos quanto essa prática, já que a formação específica serve como competência essencial para realização deste exercício qualificado. Fonseca et al., destacam que a falta de conhecimento pode alicerçar a má conduta, já que a segurança do médico está relacionada ao nível de conhecimento que possui.(1616. Fonseca A, Geovanini F. Cuidados paliativos na formação do profissional da área de saúde. Rev Bras Educ Med. 2013;37(1):120-5.) A baixa quantidade de médicos com formação específica no tema neste estudo poderia ser justificada pela ausência de formalização quanto aos cuidados paliativos,(2525. Oliveira JR, Ferreira AC, Rezende NA. Ensino de bioética e cuidados paliativos nas escolas médicas do Brasil. Rev Bras Educ Med. 2013;37(2):285-90.,2626. de Toledo AP, Priolli DG. Cuidados no fim da vida: o ensino médico no Brasil. Rev Bras Educ Med. 2012;36(1):109-17.) somada às recentes incorporações destas técnicas no SUS.(1717. Brasil. Resolução no 41 de 31 de Outubro de 2018. Dispõe sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF): Diário Oficial da União; 2018, Seção 1, página 276.) Desta forma, ressalta-se a importância de protocolos institucionalizados, evitando a possibilidade de erro médico,(1414. Nogueira FL, Sakata RK. Palliative sedation of terminally ill patients. Rev Bras Anestesiol. 2012;62(4):586-92. Review.) sua utilização sem critério e maiores custos ao sistema de saúde.

Embora existam esforços para ampliar o entendimento da sedação paliativa no Brasil,(1717. Brasil. Resolução no 41 de 31 de Outubro de 2018. Dispõe sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos, à luz dos cuidados continuados integrados, no âmbito Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília (DF): Diário Oficial da União; 2018, Seção 1, página 276.,2727. Hamano J, Morita T, Ikenaga M, Abo H, Kizawa Y, Tunetou S. A Nationwide survey about palliative sedation involving japanese palliative care specialists: intentions and key factors used to determine sedation as proportionally appropriate. J Pain Symptom Manage. 2018;55(3):785-91.) o presente estudo apresenta algumas limitações, que devem ser consideradas no momento de interpretar e extrapolar estes resultados. A amostra foi restrita ao estado de São Paulo, cuja atuação médica é mais concentrada, além de ser um local onde os estudos a respeito dos cuidados paliativos podem estar mais avançados em relação ao restante do país. Além disso, a baixa adesão ao questionário (324; 2%), contrapondo-se à adesão de 69% observada previamente em estudo que utilizou questionário para tratar do tema de cuidados paliativos,(2727. Hamano J, Morita T, Ikenaga M, Abo H, Kizawa Y, Tunetou S. A Nationwide survey about palliative sedation involving japanese palliative care specialists: intentions and key factors used to determine sedation as proportionally appropriate. J Pain Symptom Manage. 2018;55(3):785-91.) não resulta, necessariamente, em uma amostra representativa da população médica atuante no estado de São Paulo. Destaca-se ainda que o questionário pode ter sido respondido somente por profissionais que estejam interessados em contribuir com os avanços das pesquisas científicas na área dos cuidados paliativos. Ademais, a ausência de incentivos,(2828. Leung GM, Ho LM, Chan MF, M Johnston JM, Wong FK. The effects of cash and lottery incentives on mailed surveys to physicians: a randomized trial. J Clin Epidemiol. 2002;55(8):801-7.) a pouca sensibilização sobre o assunto,(2929. Kellerman S. Physician response to surveys: a review of the literature. Am J Prev Med. 2001;20(1):61-7. Review.) ou o fato de ter sido uma pesquisa online, com identificação do participante, podem ter levado a uma diminuição na taxa de respostas.

CONCLUSÃO

A prevalência de utilização de sedação paliativa na amostra avaliada foi elevada, sendo empregada, na maioria das vezes, em situações de dor no paciente. Por outro lado, sua frequência de utilização foi baixa, principalmente pela ausência de pacientes elegíveis. Apesar da maioria dos participantes apresentarem atuações médicas distintas e não possuírem formação específica em cuidados paliativos, trata-se de uma prática emergente, e mais estudos ainda se fazem necessários para seu completo entendimento.

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    Kellerman S. Physician response to surveys: a review of the literature. Am J Prev Med. 2001;20(1):61-7. Review.

Anexo 1

Questionário sedação paliativa
Estudo demográfico
1) Gênero:
( ) Feminino
( ) Masculino
2) Idade:
( ) <30
( ) 30-39
( ) 40-49
( ) 50-59
( ) 60-69
( ) >70
3) Em qual estado você atua no momento?
( ) São Paulo
( ) Outros
4) Especialidade médica (pode ser utilizada mais que uma especialidade, coloque na ordem de carga horaria).
1.
2.
3.
5) Quantos anos atua na área médica?
( ) 1 ano
( ) 2 a 5
( ) 6 a 10
( ) 11 a 16
( ) >16 anos
Cuidados paliativos
Definição: “Cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais” (Sepúlveda et al., 2002(21)).
6) Qual é a sua experiência prática com pacientes que recebem cuidados paliativos no hospital?
( ) Nenhuma experiência prática
( ) Pouca experiência prática
( ) Experiência prática moderada
( ) Muita experiência prática
7) Você possui formação em cuidados paliativos (graduação, pós graduação, cursos)?
( ) Sim
( ) Não
Sedação paliativa
Definição: “É a administração deliberada de fármacos que reduzem o nível de consciência, com o consentimento do paciente ou de seu responsável, que tem como objetivo aliviar adequadamente um ou mais sintomas refratários em pacientes com doença avançada terminal” (Kira, 2012;(4) Ventafridda et al., 1990(5)).
8) Você é a favor da prática clínica de sedação paliativa como opção terapêutica?
( ) Não
( ) Sim
9) Você já utilizou sedação paliativa como opção de tratamento?
( ) Não*
( ) Sim**
* Em caso negativo, é direcionado para a pergunta 10:
**Em caso afirmativo, é direcionado para a pergunta 11:
10) Por que você não utilizou sedação paliativa? Marque todas que se apliquem.
( ) Não havia pacientes elegíveis
( ) Não conhece o procedimento
( ) Acredita que fere os princípios éticos
( ) Não acredita na eficácia do tratamento
( ) Outro
Obs: Após esta pergunta, vá para a pergunta 19.
11) Qual a sua experiência prática no uso de sedação paliativa?
( ) Nenhuma experiência prática
( ) Pouca experiência prática
( ) Experiência prática moderada
( ) Muita experiência prática
12) Você implementou a sedação paliativa nos últimos 12 meses?
( ) Sim*
( ) Não**
* Em caso afirmativo, vá para a pergunta 13:
**Em caso negativo, vá para a pergunta 18:
13) Porque você implementou a sedação paliativa nos últimos 12 meses? Marque todas que se apliquem.
( ) Havia pacientes elegíveis para o procedimento
( ) Eficácia do tratamento
( ) Único tratamento viável
( ) Proporcionar o alívio da dor
( ) Outros
14) Quantas vezes nos últimos 12 meses, você implementou a sedação paliativa?
( ) 1-6
( ) 7-12
( ) 13-18
( ) 19-24
( ) >24
15) O quão confortável você se sente com a seleção das drogas quando utiliza a sedação paliativa?
( ) Muito confortável
( ) Um pouco confortável
( ) Confortável
( ) Nem um pouco confortável
( ) Nada confortável
16) Você consulta a família antes de instituir a sedação paliativa?
( ) Sim
( ) Não
17) Você acredita que a família influencia na institucionalização da sedação paliativa?
( ) Sim
( ) Não
Obs: Após esta pergunta, vá para a pergunta 19.
18) Porque você não implementou a sedação paliativa nos últimos 12 meses? Marque todas que se apliquem.
( ) Não havia pacientes elegíveis para o procedimento
( ) Ineficácia do tratamento
( ) Não era o único tratamento viável
( ) Não iria proporcionar o alívio da dor
( ) Outros
Obs: Após esta pergunta, vá para a pergunta 19.
19) Você acredita que o uso de sedação paliativa abrevia a vida do paciente em processo de morte?
( ) Sim
( ) Não
20) Você acredita que os sintomas físicos influenciam nos sintomas emocionais/psicossociais?
( ) Sim
( ) Não
21) Você faria/fez uso da sedação paliativa em pacientes com sofrimento psicoexistencial? (desesperança, dependência e inabilidade para o autocuidado, medo, ansiedade e pânico da morte, desejo de controlar o momento da morte, isolamento e ausência de suporte social).
( ) Sim
( ) Não
22) Você acredita que a sedação paliativa é equiparada a eutanásia?
( ) Sim
( ) Não
23) No seu meio médico atual, a sedação paliativa está bem institucionalizada?
( ) Sim
( ) Não

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2019
  • Aceito
    10 Jan 2020
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