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Histerectomia vaginal em útero sem prolapso: experiência de 6 anos

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a aplicabilidade da técnica de histerectomia vaginal em úteros sem prolapso. MÉTODOS: Estudo de coorte retrospectivo de 220 pacientes submetidas à histerectomia vaginal no período de janeiro de 2004 a julho de 2010, pela Equipe de Cirurgia Vaginal e do Assoalho Pélvico. A média de idade dos pacientes foi de 44,4 anos e tiveram, em média, 3 partos (0-10 partos). A cirurgia foi realizada mesmo em casos de cirurgias abdominais prévias; a cesárea foi prevalente em 54,6% da amostra. RESULTADOS: O peso médio do útero foi de 278,9g. O tempo cirúrgico médio foi de 93 minutos, e o tempo de internação foi de 24 horas pós-operatórias em 65% dos casos. Não houve nenhum caso de lesão visceral. A complicação pós-operatória mais frequente foi celulite de cúpula, que ocorreu em 11 casos (5%), sendo tratadas com antibioticoterapia. A perda sanguínea foi, em média, de 1,4g/dL de hemoglobina. Foi possível a realização da histerectomia pela via vaginal em 96,8% das pacientes da amostra estudada e em 3,2% foi necessária a conversão para via abdominal. CONCLUSÃO: A histerectomia vaginal é uma cirurgia por orifício natural, minimamente invasiva, com baixas frequência de complicações e morbidade, sendo factível e segura para o tratamento de afecções uterinas benignas.

Histerectomia; Procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos; Histerectomia vaginal; Prolapso uterino


OBJECTIVE: To evaluate the applicability of the technique of vaginal hysterectomy in non-prolapsed uterus. METHODS: A retrospective cohort study with 220 patients submitted to vaginal hysterectomy from January 2004 to July 2010 by the Vaginal Surgery and Pelvic Floor Team. Patients mean age was 44.4 years and they had on average three births (0-10 deliveries). The surgery was performed even in cases of previous abdominal surgery, and cesarean section was prevalent in 54.6% of patients. RESULTS: The mean uterus weight was 278.9g. The mean operative time was 93 minutes, and length of hospital stay was 24 hours after surgery in 65% of cases. There were no cases of visceral injury. The mean postoperative complication was cellulitis of the vaginal vault that occurred in 11 cases (5%) that received antibiotics. Mean blood loss corresponded to 1.4g/dL hemoglobin. From the analyzed sample, vaginal hysterectomy by vaginal route was feasible in 96.8% of patients, and abdominal conversion was necessary in 3.2%. CONCLUSION: Vaginal hysterectomy is a minimally invasive surgery, with fewer complications, and low morbidity. We believe that this procedure should be indicated to treat gynecological benign diseases.

Hysterectomy; Surgical procedures, minimally invasive; Hysterectomy, vaginal; Uterine prolapse


ARTIGO ORIGINAL

IHospital Israelita Albert Einstein - HIAE, São Paulo (SP), Brasil

IIHospital Albert Einstein - HIAE, São Paulo (SP), Brasil; Hospital Pérola Byington - São Paulo (SP), Brasil

Autor correspondente

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a aplicabilidade da técnica de histerectomia vaginal em úteros sem prolapso.

MÉTODOS: Estudo de coorte retrospectivo de 220 pacientes submetidas à histerectomia vaginal no período de janeiro de 2004 a julho de 2010, pela Equipe de Cirurgia Vaginal e do Assoalho Pélvico. A média de idade dos pacientes foi de 44,4 anos e tiveram, em média, 3 partos (0-10 partos). A cirurgia foi realizada mesmo em casos de cirurgias abdominais prévias; a cesárea foi prevalente em 54,6% da amostra.

RESULTADOS: O peso médio do útero foi de 278,9g. O tempo cirúrgico médio foi de 93 minutos, e o tempo de internação foi de 24 horas pós-operatórias em 65% dos casos. Não houve nenhum caso de lesão visceral. A complicação pós-operatória mais frequente foi celulite de cúpula, que ocorreu em 11 casos (5%), sendo tratadas com antibioticoterapia. A perda sanguínea foi, em média, de 1,4g/dL de hemoglobina. Foi possível a realização da histerectomia pela via vaginal em 96,8% das pacientes da amostra estudada e em 3,2% foi necessária a conversão para via abdominal.

CONCLUSÃO: A histerectomia vaginal é uma cirurgia por orifício natural, minimamente invasiva, com baixas frequência de complicações e morbidade, sendo factível e segura para o tratamento de afecções uterinas benignas.

Descritores: Histerectomia/métodos; Procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos; Histerectomia vaginal; Prolapso uterino

INTRODUÇÃO

A histerectomia é uma das cirurgias ginecológicas mais realizadas no mundo. Nos Estados Unidos, são realizadas, em média, 600 mil histerectomias por ano(1,2).

As vias de acesso para sua realização são: abdominal, vaginal, laparoscópica e robótica, podendo-se usar duas vias associadas como histerectomia vaginal (HV), com assistência por via laparoscópica. As vias vaginal, laparoscópica e robótica são consideradas minimamente invasivas, por estarem associadas a menor dor no pós-operatório, tempo de internação hospitalar mais curto e uma melhor recuperação das pacientes quando comparadas à via abdominal(3). A HV, cirurgia por orifício natural, tem como vantagem adicional não ter cicatriz visível e utilizar material cirúrgico permanente, o que reduz o custo quando comparada às técnicas laparoscó-pica e robótica(4). Contudo, a histerectomia abdominal ainda é a via mais utilizada em todo o mundo, chegando a 66,1% dos casos nos Estados Unidos em 2003; neste mesmo ano, a via vaginal foi utilizada em apenas 21,8% dos casos e a laparoscópica em 11,8% 2.

Apesar da indicação mais comum da HV ser o prolapso genital, seu uso não deveria estar limitado às cirurgias de reconstrução do assoalho pélvico. A HV tem se mostrado benéfica também no tratamento de úteros com miomas e no sangramento uterino anormal, que são as mais frequentes indicações de histerectomia(5). A via vaginal ainda é pouco utilizada no Brasil para tais indicações o que motivou o grupo a relatar sua experiência em HV, na ausência de prolapso uterino.

OBJETIVO

Avaliar a aplicabilidade da técnica de HV em úteros sem prolapso.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo de coorte retrospectivo, descrevendo o resultado de 6 anos de experiência (janeiro de 2004 a julho de 2010) na realização de HV pela Equipe de Cirurgia Vaginal e do Assoalho Pélvico do Hospital Pérola Byington, em São Paulo (SP). O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do referido hospital (protocolo 049/11).

Foram selecionadas 220 pacientes submetidas à HV pela técnica de Heaney(6); dados foram coletados referentes a seus diagnósticos pré-operatórios, idade, paridade, índice de massa corporal (IMC, dado por peso kg/altura m2), duração da cirurgia, complicações intra e pós-operatórias e tempo de internação hospitalar.

As pacientes foram examinadas clinicamente para eleição da via vaginal, respeitando-se os seguintes critérios: permeabilidade vaginal de pelo menos 4cm, útero móvel com o fundo atingindo no máximo a cicatriz umbilical, fundo de saco vaginal amplo e livre (>3cm) e ausência de prolapso uterino. Foram realizados exames laboratoriais pré-operatórios, colpocitologia oncótica e uma ultrassonografia pélvica transvaginal. As pacientes assinaram um termo de consentimento informado para realização da cirurgia. As cirurgias foram realizadas pelos próprios autores.

Os dados pré-operatórios encontram-se na Tabela 1. As pacientes tinham idade mediana de 44 anos (32 a 75 anos). A paridade mediana foi três partos (zero a dez partos). A distribuição da paridade encontra-se na figura 1: 12 eram nulíparas (5,4%), 88 pacientes tinham apenas partos vaginais (40%), 60 pacientes tinham apenas cesáreas (27,3%) e 60 pacientes tinham parto normal e parto cesárea (27,3%). Das 220 pacientes do estudo, 120 pacientes (54,6%) tinham pelo menos uma cesárea, sendo 56 pacientes (25,4%) com duas ou mais cesáreas.


O IMC médio foi 29,2kg/m2 (18,9 a 64,2kg/m2). Oito pacientes apresentaram IMC>40 (3,6%).

As indicações cirúrgicas encontram-se na Tabela 2: 217 pacientes tinham metrorragia e/ou miomatose uterina, 2 pacientes tinham neoplasia intraepitelial cervical grau 2 (NIC 2) e uma paciente tinha hiperplasia endometrial complexa sem atipias e obesidade (IMC= 64,2kg/m2). Em apenas três casos (1,4%), a indicação cirúrgica não foi metrorragia e/ou miomatose uterina.

RESULTADOS

Os dados intraoperatórios encontram-se na Tabela 3. As cirurgias realizadas tiveram o tempo médio de 93 minutos (30 a 200 minutos). O peso uterino médio foi 278,9g (72 a 950g). Foi realizada salpingectomia bilateral, para prevenção do câncer de ovário e de hidrossalpinge, em 96 pacientes (45%) e em 21 casos (9,5%) foram realizados slings transobturatórios para correção de incontinência urinária.

A perda sanguínea foi estimada pela variação da taxa de hemoglobina no momento da anestesia e repetida 12 horas após a cirurgia. A perda média foi de 1,4g/dL (0 a -5,1g/dL). Em três casos, houve variação de mais de 4g/dL, totalizando 1,4% dos casos. Oito pacientes realizaram transfusão sanguínea intraoperatória (3,6%), dentre as quais quatro pacientes tinham anemia prévia à cirurgia e quatro tiveram sangramento durante o procedimento. O peso uterino médio dessas oito pacientes foi de 508,6g e duas pacientes tiveram a via de acesso convertida para abdominal, por não progressão da cirurgia.

No total, foram sete casos de conversão para via abdominal. O peso uterino médio dessas pacientes foi 618,2g (450 a 683g), cifra acima da média total do estudo 278,9g (72 a 950g).

Os dados pós-operatórios encontram-se na Tabela 4. Não houve nenhum caso de lesão vesical ou intestinal. As pacientes receberam alta no primeiro dia pós-operatório em 65% dos casos, no segundo dia pós-operatório em 30% dos casos e com mais de 48 horas de pós-operatório em 5% dos casos. Ocorreram 2 casos de abscesso pélvico (0,9%), que foram reoperados, e 11 casos de celulite de cúpula (5%), que foram tratados com antibioticopterapia. Quatro pacientes foram reinternadas para tratamento clínico (1,8%). Outras complicações menores, como granuloma de cúpula, ocorreram em 20 casos (9,1%) e foram cauterizados ambulatorialmente.

DISCUSSÃO

A HV é uma cirurgia por orifício natural, minimamente invasiva, com baixa frequência de complicações, baixa morbidade e sem cicatriz visível. Algumas justificativas ou critérios utilizados para contraindicar a HV, como "não há prolapso", "o útero é muito grande", "há cirurgias abdominais prévias", "a paciente não teve parto normal" e "é necessário ooforectomia", não se revelaram efetivos na amostra apresentada(7).

Uma limitação do presente estudo foi que os resultados mostrados resumem os dados obtidos em 6 anos de experiência do grupo, incluindo o período da curva de aprendizado do método. Alguns dados como o tempo cirúrgico, sangramento intraoperatório e necessidade de conversão para via abdominal, vem diminuindo com os anos. Além disso, por se tratar de uma cirurgia conhecida desde os primórdios da ginecologia, há poucos estudos recentes para comparação na literatura.

Em 2004, Paparella et al. publicaram um estudo com 204 pacientes submetidas à HV, em um período de 2 anos, avaliando a aplicabilidade e o índice de complicações da técnica quando realizada em casos de útero moderadamente aumentados e/ou pacientes nulíparas e/ou pacientes com cesárea prévia. Pacientes com prolapso uterino foram excluídas e as indicações cirúrgicas foram patologias uterinas benignas. Os resultados obtidos foram semelhantes aos do presente trabalho. A média da idade das pacientes foi 46,96±4,8 anos (38 a 68 anos), o peso médio do útero foi 427,74±254,75g (150 a 2.000g), o tempo cirúrgico variou de 30 a 140 minutos (média 61,59±21,8) e o índice de complicações foi de 9,8%. Não houve nenhum caso de transfusão sanguínea e nem de reoperação. A conversão para via abdominal ocorreu em 1,9% dos casos por não progressão. A HV foi considerada exequível em 97% dos casos em que a mesma havia sido inicialmente contraindicada(8).

Segundo a revisão Cochrane 2011 e Doganay et al. 2011, a HV demonstra-se claramente mais vantajosa, em relação às técnicas abdominal e laparoscópica, quanto à recuperação cirúrgica, sangramento, lesões de vias urinárias, infecções e tempo cirúrgico e deveria ser a via preferencialmente indicada(4,9).

Em um estudo retrospectivo realizado por Tu et al., nos Estados Unidos, das 94.599 pacientes submetidas à histerectomia no período de 2000 a 2005, 78% dos casos foram pela via abdominal. Esse estudo realizou uma comparação entre a utilização da via abdominal nos hospitais escola e nos hospitais regionais (82% versus 78% respectivamente), demonstrando que as vias vaginal e laparoscópica têm sido pouco ensinadas nas instituições, mesmo com seus benefícios demonstrados na literatura(1). O número de cirurgiões habilitados em utilizar a via vaginal vem caindo ao longo das décadas. Há crescente necessidade em se retomar o uso da via vaginal e diferenciar o ginecologista de um cirurgião geral(7,10). A HV é uma via segura e simples. Cabe aos ginecologistas, em geral, estimularem o desenvolvimento e a prática da via vaginal: "histerectomia por orifício natural" ou "histerectomia sem cicatriz visível". O sucesso na realização da HV depende de indicação e técnica corretamente aplicadas(11).

CONCLUSÃO

A HV foi uma cirurgia factível na maioria dos casos apresentados. Revelou baixa frequência de complicações intra e pós-operatórias, curto tempo de internação e morbidade. No presente estudo, a via vaginal foi bem-sucedida na maioria dos casos, não houve nenhuma complicação grave e, por isso, essa via poderia ter uma maior indicação no meio ginecológico.

REFERÊNCIAS

  • 1. Tu FF, Beaumont JL, Senapati S, Gordon TE. Route of hysterectomy influence and teaching hospital status. Obstet Gynecol. 2009;114(1):73-8.
  • 2. Wu JM, Wechter ME, Geller EJ, Nguyen TV, Visco AG. Hysterectomy rates in the United States, 2003. Obstet Gyencol. 2007;110(5):1091-5.
  • 3. Einarsson JI, Matteson KA, Schulkin J, Chavan NR, Sangi-Haghpeykar H. Minimally invasive hysterectomies - a survey on attitudes and barriers among practicing gynecologists. J Minim Invasive Gynecol. 2010;17(2):167-75.
  • 4. Nieboer TE, Johnson N, Lethaby A, Tavender E, Curr E, Garry R, et al. Surgical approach to hysterectomy for benign gynaecological disease. Cochrane Database Syst Rev. 2009;(3):CD003677.
  • 5. Moen MD, Noone MB, Elser DM; Urogynecology Network. Natural orifice hysterectomy. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2008;19(9):1189-92.
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  • 7. Salcedo FL. Vaginal hysterectomy in non-prolapsed uteruses: "no scar hysterectomy". Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct. 2009;20(9):1009-12.
  • 8. Paparella R, Sizzi O, Rossetti A, De Benedittis F, Paparella R. Vaginal hysterectomy in generally considered contraindications to vaginal surgery. Arch Gynecol Obstet. 2004;270(2):104-9.
  • 9. Doganay M, Yildiz Y, Tonguc E, Var T, Karayalcin R, Eryılmaz OG, et al. Abdominal, vaginal and total laparoscopic hysterectomy: perioperative morbidity. Arch Gynecol Obstet. 2011;284(2):385-9.
  • 10. Obiechina NJ, Ugboaja JO, Onyegbule OA, Eleje GU. Vaginal hysterectomy in a Nigerian tertiary health facility. Niger J Med. 2010;19(3):324-5.
  • 11. Mettler L, Reich H, Feng L, Puntambekar S, Gallinat A, Stark M. Hysterectomy: current methods and alternatives [editorial]. Obstet Gynecol Int. 2010;2010:705073.
  • Histerectomia vaginal em útero sem prolapso - experiência de 6 anos

    Thomaz Rafael GollopI; Adriana Grandesso dos SantosII; Alexandre Guilherme Zabeu RossiII; Rogério Francisco BianchiII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jan 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      08 Dez 2011
    • Aceito
      22 Nov 2012
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