Acessibilidade / Reportar erro

Transplante de pâncreas: revisão

RESUMO

O transplante vascularizado de pâncreas é o único tratamento que estabelece normoglicemia e normaliza os níveis séricos de hemoglobina glicosilada em pacientes diabéticos tipo 1. O primeiro transplante de pâncreas vascularizado foi realizado para tratar um paciente diabético tipo 1 em dezembro de 1966, por William Kelly e Richard Lillehei. No Brasil, Edison Teixeira realizou o primeiro transplante de pâncreas segmentar isolado em 1968. Até a década de 1980, os transplantes de pâncreas ficaram restritos a poucos centros dos Estados Unidos e da Europa. A introdução dos imunossupressores tacrolimo e micofenolato mofetila, a partir de 1994, propiciou a melhora significativa dos resultados e a consequente realização de transplantes em escala crescente em vários países. Segundo o Registro Internacional de Transplante de Pâncreas, foram realizados, até 31 de dezembro de 2010, mais de 35 mil transplantes de pâncreas. Sobrevida no primeiro ano dos pacientes e dos enxertos pancreáticos excede, respectivamente, 95 e 83%. A melhor sobrevida dos enxertos pancreático (86%) e renal (93%), no primeiro ano pós-transplante, está na categoria de transplante simultâneo de pâncreas e rim. As perdas imunológicas no primeiro ano pós-transplante para transplante simultâneo de pâncreas e rim, transplante de pâncreas após rim e transplante de pâncreas isolado foram, respectivamente, 1,8, 3,7, e 6%. O transplante de pâncreas apresenta de 10 a 20% de complicações cirúrgicas, necessitando laparotomia. O transplante de pâncreas, além de melhorar a qualidade de vida, proporciona o aumento da sobrevida em diabéticos urêmicos, comparados aos diabéticos em diálise ou transplantados renais.

Descritores:
Transplante de pâncreas; Diabetes mellitus; Imunossupressão; Insuficiência renal

ABSTRACT

Vascularized pancreas transplantation is the only treatment that establishes normal glucose levels and normalizes glycosylated hemoglobin levels in type 1 diabetic patients. The first vascularized pancreas transplant was performed by William Kelly and Richard Lillehei, to treat a type 1 diabetes patient, in December 1966. In Brazil, Edison Teixeira performed the first isolated segmental pancreas transplant in 1968. Until the 1980s, pancreas transplants were restricted to a few centers of the United States and Europe. The introduction of tacrolimus and mycophenolate mofetil in 1994, led to a significant outcome improvement and consequently, an increase in pancreas transplants in several countries. According to the International Pancreas Transplant Registry, until December 31st, 2010, more than 35 thousand pancreas transplants had been performed. The one-year survival of patients and pancreatic grafts exceeds 95 and 83%, respectively. The better survival of pancreatic (86%) and renal (93%) grafts in the first year after transplantation is in the simultaneous pancreas-kidney transplant group of patients. Immunological loss in the first year after transplant for simultaneous pancreas-kidney, pancreas after kidney, and pancreas alone are 1.8, 3.7, and 6%, respectively. Pancreas transplant has 10 to 20% surgical complications requiring laparotomy. Besides enhancing quality of life, pancreatic transplant increases survival of uremic diabetic patient as compared to uremic diabetic patients on dialysis or with kidney transplantation alone.

Keywords:
Pancreas transplantation; Diabetes mellitus; Immunosuppression; Renal insufficiency

INTRODUÇÃO

O transplante vascularizado de pâncreas é o único tratamento que estabelece normoglicemia e normaliza os níveis séricos de hemoglobina glicosilada em pacientes diabéticos tipo 1.(11. Sutherland DE, Gruessner RW, Dunn DL, Matas AJ, Humar A, Kandaswamy R, et al. Lessons learned from more than 1,000 pancreas transplants at a single institution. Ann Surg. 2001;233(4):463-501. Review.,22. Mittal S, Gough SC. Pancreas transplantation: a treatment option for people with diabetes. Diabet Med. 2014;31(5):512-21. Review.) O transplante de ilhotas pancreáticas é uma alternativa de tratamento para o diabetes tipo 1.(33. Pepper AR, Gala-Lopez B, Ziff O, Shapiro AJ. Current status of clinical islet transplantation. World J Transplant. 2013;3(4):48-53.) A evolução do transplante de pâncreas, no tratamento do diabetes tipo 1, foi determinada pelo avanço da tecnologia dos transplantes quanto à técnica cirúrgica, à preservação de órgãos e à imunossupressão.(44. Kandaswamy R, Stock PG, Skeans MA, Gustafson SK, Sleeman EF, Wainright JL, et al. OPTN/SRTR 2011 Annual Data Report: pancreas. Am J Transplant. 2013;13 Suppl 1:47-72.,55. McLaren AJ, Friend PJ. Trends in organ preservation. Transpl Int. 2003; 16(10):701-8. Review.)

HISTÓRICO

O primeiro transplante de pâncreas vascularizado foi realizado simultaneamente com um enxerto renal para tratar um paciente diabético tipo 1 com uremia em dezembro de 1966, por William Kelly e Richard Lillehei, no Hospital da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.(66. Kelly WD, Lillehei RC, Merkel FK, Idezuki Y, Goetz FC. Allotransplantation of the pancreas and duodenum along with the kidney in diabetic nephropathy. Surgery. 1967;61(6):827-37.) No Brasil, Edison Teixeira et al. realizaram o primeiro transplante de pâncreas segmentar isolado, em 1968, no Rio de Janeiro.(77. Teixeira E, Monteiro G, De Cenzo M, Teixeira A, Bergan JJ. Transplantation of the isolated pancreas: report on the first human case. Bull Soc Int Chir. 1970;29(6):337-44.)

Em 1974, foi realizado o primeiro transplante clínico de ilhotas de Langerhans, na Universidade de Minnesota.(88. Sutherland DE, Matas AJ, Najarian JS. Pancreatic islet cell transplantation. Surg Clin North Am. 1978;58(2):365-82.) Em 1979, para superar os problemas imunológicos, David Sutherland realizou o primeiro transplante de pâncreas segmentar intervivos.(99. Sutherland DE, Goetz FC, Najarian JS. Living-related donor segmental pancreatectomy for transplantation. Transplant Proc. 1980;12(4 Suppl 2):19-25.)

Até a década de 1980, os transplantes de pâncreas ficaram restritos a poucos centros dos Estados Unidos e da Europa. A introdução dos imunossupressores tacrolimo e micofenolato mofetila, a partir de 1994, bem como a evolução da técnica cirúrgica e o uso rotineiro da solução de preservação da Universidade de Wisconsin, culminou com uma melhora significativa dos resultados e com a consequente crescente realização de transplantes em escala em vários países.(1010. Gruessner AC, Sutherland DE. Pancreas transplant outcomes for United States (US) and non-US cases as reported to the United Network for Organ Sharing (UNOS) and the International Pancreas Transplant Registry (IPTR) as of June 2004. Clin Transplant. 2005;19(4):433-55. Review.)

No Brasil, o transplante de pâncreas teve impulso no final da década de 1990, com a autorização da realização do procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Os objetivos principais do transplante de pâncreas são a melhora na qualidade de vida do diabético tipo 1, promovendo independência de insulina exógena, e a prevenção das complicações secundárias desse tipo de diabetes (retinopatia, neuropatia, nefropatia e doença vascular, além de proteger o rim transplantado do desenvolvimento da nefropatia diabética).(1111. Mauer M, Fioretto P. Pancreas transplantation and reversal of diabetic nephropathy lesions. Med Clin North Am. 2013;97(1):109-14.)

MODALIDADES DE RECEPTORES DE TRANSPLANTE DE PÂNCREAS E INDICAÇÕES

As modalidades de receptores de transplante de pâncreas são: transplante simultâneo de pâncreas e rim (TSPR); transplante de pâncreas após rim (TPAR); e transplante de pâncreas isolado (TPI).

A nomenclatura “pâncreas solitário” compreende as categorias TPAR e TPI. A categoria TSPR constitui a mais frequentemente realizada, seguida do TPAR e, mais raramente, do TPI.

As indicações para transplante de pâncreas por modalidade são: TSPR que é destinado a diabéticos tipo 1 em uremia (insuficiência renal crônica em fase pré-dialítica ou em diálise com depuração de creatinina <20mL/min); o TPAR geralmente realizado em diabéticos tipo 1 com transplante renal prévio funcionante; e o TPI que é destinado a diabéticos tipo 1, não urêmicos. Conforme recomendação da American Diabetes Association , O TPI está indicado nos casos de história frequente de complicações metabólicas agudas e graves (hipoglicemia, hiperglicemia e cetoacidose), que necessitam de cuidados médicos; problemas emocionais com insulinoterapia exógena, que são tão graves a ponto de serem incapacitantes; e de falha consistente em prevenir complicações agudas com tratamento baseado em insulina. Protocolos para assegurar uma avaliação multidisciplinar objetiva das condições clínicas e a elegibilidade para o transplante devem ser estabelecidos e acompanhados.(1212. Robertson P, Davis C, Larsen J, Stratta R, Sutherland DE; American Diabetes Association. Pancreas transplantation in type 1 diabetes. Diabetes Care. 2004; 27 Suppl 1:S105.)

SELEÇÃO DOS RECEPTORES

Os critérios para a seleção dos receptores são: diabético tipo 1; faixa etária entre 18 e 55 anos; ausência de complicações generalizadas secundárias ao diabetes; insuficiência orgânica não renal; ausência de doença maligna ou critério de cura; ausência de contraindicação à imunossupressão; estabilidade emocional e social (para entender os riscos e benefícios da cirurgia e da necessidade da imunossupressão e de seus efeitos colaterais).

Os critérios de exclusão dos receptores são: comprometimento da função cardíaca (infarto agudo do miocárdio recente, angina com obstrução coronariana intratável e ecocardiograma com fração de ejeção <50%); instabilidade emocional e social (distúrbio psiquiátrico, dependência de álcool ou drogas ilícitas e falta de motivação); presença de infecção ativa ou sepse (infecção de parede/peritonite); presença de tumor maligno; e obesidade com índice de massa corporal >30kg/m2.

Constituem critérios de exclusão relativos aos receptores com achados de doença irreversível ou grave (coração, pulmão e fígado); sorologia positiva para o vírus da imunodeficiência adquirida; prova cruzada positiva (células T); e diabetes tipo 2.

SELEÇÃO DE DOADORES

A seleção de doadores falecidos deve ser a mais próxima possível do doador ideal para se obterem os melhores resultados. Assim, a manutenção adequada do potencial doador em morte encefálica é fundamental para evitar principalmente a instabilidade hemodinâmica. Além da compatibilidade sanguínea no sistema ABO e da prova cruzada negativa, a faixa etária para a doação de pâncreas tem sido considerada entre 5 e 50 anos de idade. O peso do doador deve ser entre 30 a 50kg se houver retirada de pâncreas sem o fígado e >50kg se houver retirada do pâncreas e do fígado.(1313. Krieger NR, Odorico JS, Heisey DM, D'alessandro AM, Knechtle SJ, Pirsch JD, et al. Underutilization of pancreas donors. Transplantation. 2003;75(8): 1271-6.)

A avaliação macroscópica do pâncreas considera a presença da existência de sinais de pancreatite aguda, edema glandular, hematoma, infiltração gordurosa e/ou consistência endurecida, pois tais fatores constituem risco aumentado de complicações pós-transplante e, nessas condições, os enxertos devem ser descartados.

Outras condições que podem determinar a exclusão de doadores são o diabetes tipo 1; doença pancreática; cirurgia prévia duodenal, pancreática ou esplenectomia; tumor maligno; sorologia positiva para doenças infecciosas (síndrome da imunodeficiência adquirida, hepatites B e C), doença hepática crônica; obesidade mórbida com índice de massa corpórea >40kg/m2 e antecedente de etilismo crônico.

TÉCNICA CIRÚRGICA

Doador

A retirada do enxerto pancreático geralmente é uma parte da retirada de múltiplos órgãos intra-abdominais. A retirada de enxerto hepático e pancreático combinados requer uma técnica própria.(1414. Marsh CL, Perkins JD, Sutherland DE, Corry RJ, Sterioff S. Combined hepatic and pancreaticoduodenal procurement for transplantation. Surg Gynecol Obstet. 1989;168(3):254-8.) Após a retirada do enxerto hepático, o enxerto pancreático é retirado en bloc , juntamente do duodeno e do baço, preservando-se os cotos vasculares das artérias mesentérica superior e esplênica, e da veia porta. Os enxertos pancreático e vasculares devem ser imersos em 1L da solução de Belze (Figura 1).

Figura 1
Aspecto do enxerto pancreático após a retirada

Enxerto

Na mesa de cirurgia, o enxerto pancreatoduodenal é preparado basicamente pela remoção do baço, encurtamento do segmento duodenal, sutura e invaginação das bordas duodenais, mobilização da veia porta e realização de enxerto vascular em Y (artérias ilíacas do doador com os pedículos vasculares das artérias mesentérica superior e esplênica do enxerto pancreático) (Figura 2).

Figura 2
Aspecto anterior do enxerto pancreático após esplenectomia, redução do duodeno (A), e aspecto posterior do enxerto pancreático após a realização do enxerto arterial em Y (B)

Receptor

A via de acesso preferencial é a laparotomia mediana. O implante do pâncreas é preferencialmente realizado na fossa ilíaca direita do receptor, uma vez que os vasos ilíacos direitos são mais acessíveis. O implante do pâncreas pode ser realizado pela drenagem sanguínea venosa sistêmica ou portal.(1515. Rogers J, Farney AC, Orlando G, Farooq U, Al-Shraideh Y, Stratta RJ. Pancreas transplantation with portal venous drainage with an emphasis on technical aspects. Clin Transplant. 2014;28(1):16-26. Review.) A drenagem da secreção exócrina pancreática do enxerto pode ser entérica (anastomose laterolateral duodeno-jejunal) ou vesical (anastomose laterolateral duodeno-vesical) (Figura 3).

Figura 3
Aspecto imediato da revascularização do enxerto pancreático (A) e derivação entérica (B)

IMUNOSSUPRESSÃO

Atualmente, os esquemas de imunossupressão mais frequentemente utilizados incluem o uso de indução e manutenção. Os medicamentos utilizados para indução são soros antilinfocitários, como anticorpos anticélulas T policlonais (ATG), ou com anticorpos monoclonais antirreceptores de interleucina (IL) 2 (basiliximabe e daclizumabe). A manutenção baseia-se na utilização de inibidor de calcineurina (tacrolimo) associado a um antimetabólito (micofenolato mofetil) e corticoide (prednisona).

SOBREVIDA

Segundo o Registro Internacional de Transplante de Pâncreas, foram realizados, até 31 de dezembro de 2010, mais de 35 mil transplantes de pâncreas, sendo 24 mil nos Estados Unidos e 12 mil nos demais países. A modalidade de transplante de pâncreas mais frequentemente realizada foi o TSPR (75%), seguida do TPAR (12%) e, por fim, do TPI (7%). O número de transplantes de pâncreas cresceu até 2004 e, desde então, tem diminuído gradativamente.(1616. Israni AK, Skeans MA, Gustafson SK, Schnitzler MA, Wainright JL, Carrico RJ, et al. OPTN/SRTR 2012 Annual Data Report: pancreas. Am J Transplant. 2014;14 Suppl 1:45-68.) Nos Estados Unidos, a sobrevida de pacientes no primeiro e no quinto ano pós-transplante de pâncreas foi, respectivamente, maior que 95 e 88%. A sobrevida do enxerto pancreático no primeiro e no quinto ano pós-transplante foram, respectivamente, 84 e 60%. A melhor sobrevida do enxerto pancreático (86%) e renal (93%) no primeiro ano pós-transplante está na categoria de TSPR. A perda imunológica no primeiro ano pós-transplante para TSPR, TPAR e TPI foi, respectivamente, de 1,8, 3,7 e 6%.(1717. Gruessner AC. 2011 update on pancreas transplantation: comprehensive trend analysis of 25,000 cases followed up over the course of twenty-four years at the International Pancreas Transplant Registry (IPTR). Rev Diabet Stud. 2011; 8(1):6-16. Review.,1818. Gruessner RW, Gruessner AC. The current state of pancreas transplantation. Nat Rev Endocrinol. 2013;9(9):555-62. Review.)

COMPLICAÇÕES

De maneira geral, a principal complicação relacionada à perda de enxerto pancreático é falha técnica, seguida de rejeição aguda ou crônica. Entende-se por falha técnica a perda do enxerto nos primeiros 3 meses de transplante devido a trombose vascular (50%), pancreatite (20%), infecção (18%), fístulas (6,5%) e hemorragia (2,4%). Entretanto, receptores de TPAR e TPI apresentam a rejeição como a principal complicação relacionada à perda do enxerto pancreático. Outras complicações são a infecção e a deiscência de parede abdominal.(1919. Humar A, Ramcharan T, Kandaswamy R, Gruessner RW, Gruessner AC, Sutherland DE. Technical failures after pancreas transplants: why grafts fail and the risk factors––a multivariate analysis. Transplantation. 2004;78(8): 1188-92.)

O transplante de pâncreas apresenta de 10 a 20% de complicações cirúrgicas, necessitando relaparotomia. Os fatores de risco para complicações cirúrgicas incluem tempo prolongado em diálise peritoneal, doador ou receptor com índice de massa corporal >28kg/m2, doador ou receptor com idade acima de 45 anos, doença cerebrovascular com causa de óbito do doador, tempo de preservação prolongada (>20 horas), retransplante e cirurgia abdominal prévia.(11. Sutherland DE, Gruessner RW, Dunn DL, Matas AJ, Humar A, Kandaswamy R, et al. Lessons learned from more than 1,000 pancreas transplants at a single institution. Ann Surg. 2001;233(4):463-501. Review.,1010. Gruessner AC, Sutherland DE. Pancreas transplant outcomes for United States (US) and non-US cases as reported to the United Network for Organ Sharing (UNOS) and the International Pancreas Transplant Registry (IPTR) as of June 2004. Clin Transplant. 2005;19(4):433-55. Review.,2020. Stratta RJ, Taylor RJ, Gill IS. Pancreas transplantation: a managed cure approach to diabetes. Curr Probl Surg. 1996;33(9):709-808. Review.2424. Humar A, Ramcharan T, Kandaswamy R, Gruessner RW, Gruessner AG, Sutherland DE. The impact of donor obesity on outcomes after cadaver pancreas transplants. Am J Transplant. 2004;4(4):605-10.)

O transplante de pâncreas com drenagem vesical implica em frequentes e graves complicações urológicas e metabólicas. Cerca de 10 a 25% dos doentes submetidos ao transplante de pâncreas com drenagem duodeno-vesical necessitam ser submetidos à conversão intestinal da drenagem exócrina do enxerto.(2525. Stratta RJ. Surgical nuances in pancreas transplantation. Transplant Proc. 2005;37(2):1291-3. Review.) As principais complicações metabólicas são a acidose metabólica, e a desidratação por perda de água e bicarbonato de sódio na urina. Os pacientes devem receber reposição hídrica e de bicarbonato adequadas no seguimento do transplante de pâncreas com derivação vesical.

O transplante de pâncreas com drenagem entérica tem a fístula entérica como uma das complicações mais temidas, pois coloca em risco a sobrevivência do paciente. A incidência de fístula entérica varia de 5 a 8%, e a maioria ocorre durante o pós-operatório imediato. A fístula precoce relaciona-se com problemas técnicos, como o comprometimento da irrigação sanguínea e a isquemia. Os fatores de risco potenciais para a ocorrência de fístula entérica precoce são tempo prolongado de isquemia fria, trauma duodenal, pancreatite pós-reperfusão e infecção intra-abdominal. Geralmente, seu tratamento acarreta a retirada do enxerto pancreático.(2626. Sansalone CV, Maione G, Aseni P, Mangoni I, De Roberto A, Soldano S, et al. Surgical complications are the main cause of pancreatic allograft loss in pancreas-kidney transplant recipients. Transplant Proc. 2005;37(6):2651-3.2929. Corry RJ, Chakrabarti P, Shapiro R, Jordan ML, Scantlebury VP, Vivas CA. Comparison of enteric versus bladder drainage in pancreas transplantation. Transplant Proc. 2001;33(1-2):1647-51.)

No início da experiência com transplante de pâncreas, observou-se que cerca de 80% dos doentes submetidos ao TSPR apresentavam quadro de rejeição aguda no primeiro ano após o transplante. Desses, 27% apresentavam rejeição isolada do enxerto pancreático. A perda do enxerto pancreático por rejeição chegava até 20% dos casos. Os critérios utilizados para o diagnóstico de rejeição do enxerto pancreático são elevação dos níveis de creatinina sérica (TSPR), diminuição da amilasúria (drenagem vesical) e elevação dos níveis séricos de lipase. A biópsia pancreática (punção guiada por ultrassom) é o padrão-ouro para o diagnóstico de rejeição.(3030. de Kort H, Roufosse C, Bajema IM, Drachenberg CB. Pancreas transplantation, antibodies and rejection: where do we stand? Curr Opin Organ Transplant. 2013;18(3):337-44. Review.,3131. Dong M, Parsaik AK, Kremers W, Sun A, Dean P, Prieto M, et al. Acute pancreas allograft rejection is associated with increased risk of graft failure in pancreas transplantation. Am J Transplant. 2013;13(4):1019-25.)

A despeito da melhora dos resultados do transplante de pâncreas, as complicações infecciosas permanecem as principais causas de morbidade e mortalidade. A etiologia mais frequente é do tipo bacteriano, sendo a infecção de parede e a urinária as mais comuns. Os pacientes submetidos ao transplante de pâncreas têm alto risco de desenvolverem infecção por citomegalovírus devido à utilização de soros antilinfocitários em protocolos de imunossupressão. A incidência é, em média, de 25%.

O diagnóstico precoce do tipo de infecção, principalmente as infecções por fungo, é fundamental para o sucesso do tratamento. A administração de antibióticos, antifúngicos e agentes antivirais é recomendada.

Tardiamente, as principais complicações estão relacionadas com quadro de rejeição crônica e complicações infecciosas, sendo causas importantes de mortalidade o infarto do miocárdio e a morte súbita.

CONCLUSÃO

O transplante vascularizado de pâncreas permanece como o tratamento mais efetivo do diabetes tipo 1. Há complicações cirúrgicas e a imunossupressão é obrigatória. Entretanto, há melhora na qualidade de vida e maior sobrevida dos pacientes diabéticos urêmicos com transplante de pâncreas. O transplante de pâncreas isolado é o tratamento apropriado para os pacientes com diabetes lábil e deve ser indicado, segundo as recomendações da American Diabetes Association . O desenvolvimento do transplante de ilhotas deve diminuir as complicações cirúrgicas, e o sucesso da obtenção de tolerância pode eliminar a imunossupressão.

REFERENCES

  • 1
    Sutherland DE, Gruessner RW, Dunn DL, Matas AJ, Humar A, Kandaswamy R, et al. Lessons learned from more than 1,000 pancreas transplants at a single institution. Ann Surg. 2001;233(4):463-501. Review.
  • 2
    Mittal S, Gough SC. Pancreas transplantation: a treatment option for people with diabetes. Diabet Med. 2014;31(5):512-21. Review.
  • 3
    Pepper AR, Gala-Lopez B, Ziff O, Shapiro AJ. Current status of clinical islet transplantation. World J Transplant. 2013;3(4):48-53.
  • 4
    Kandaswamy R, Stock PG, Skeans MA, Gustafson SK, Sleeman EF, Wainright JL, et al. OPTN/SRTR 2011 Annual Data Report: pancreas. Am J Transplant. 2013;13 Suppl 1:47-72.
  • 5
    McLaren AJ, Friend PJ. Trends in organ preservation. Transpl Int. 2003; 16(10):701-8. Review.
  • 6
    Kelly WD, Lillehei RC, Merkel FK, Idezuki Y, Goetz FC. Allotransplantation of the pancreas and duodenum along with the kidney in diabetic nephropathy. Surgery. 1967;61(6):827-37.
  • 7
    Teixeira E, Monteiro G, De Cenzo M, Teixeira A, Bergan JJ. Transplantation of the isolated pancreas: report on the first human case. Bull Soc Int Chir. 1970;29(6):337-44.
  • 8
    Sutherland DE, Matas AJ, Najarian JS. Pancreatic islet cell transplantation. Surg Clin North Am. 1978;58(2):365-82.
  • 9
    Sutherland DE, Goetz FC, Najarian JS. Living-related donor segmental pancreatectomy for transplantation. Transplant Proc. 1980;12(4 Suppl 2):19-25.
  • 10
    Gruessner AC, Sutherland DE. Pancreas transplant outcomes for United States (US) and non-US cases as reported to the United Network for Organ Sharing (UNOS) and the International Pancreas Transplant Registry (IPTR) as of June 2004. Clin Transplant. 2005;19(4):433-55. Review.
  • 11
    Mauer M, Fioretto P. Pancreas transplantation and reversal of diabetic nephropathy lesions. Med Clin North Am. 2013;97(1):109-14.
  • 12
    Robertson P, Davis C, Larsen J, Stratta R, Sutherland DE; American Diabetes Association. Pancreas transplantation in type 1 diabetes. Diabetes Care. 2004; 27 Suppl 1:S105.
  • 13
    Krieger NR, Odorico JS, Heisey DM, D'alessandro AM, Knechtle SJ, Pirsch JD, et al. Underutilization of pancreas donors. Transplantation. 2003;75(8): 1271-6.
  • 14
    Marsh CL, Perkins JD, Sutherland DE, Corry RJ, Sterioff S. Combined hepatic and pancreaticoduodenal procurement for transplantation. Surg Gynecol Obstet. 1989;168(3):254-8.
  • 15
    Rogers J, Farney AC, Orlando G, Farooq U, Al-Shraideh Y, Stratta RJ. Pancreas transplantation with portal venous drainage with an emphasis on technical aspects. Clin Transplant. 2014;28(1):16-26. Review.
  • 16
    Israni AK, Skeans MA, Gustafson SK, Schnitzler MA, Wainright JL, Carrico RJ, et al. OPTN/SRTR 2012 Annual Data Report: pancreas. Am J Transplant. 2014;14 Suppl 1:45-68.
  • 17
    Gruessner AC. 2011 update on pancreas transplantation: comprehensive trend analysis of 25,000 cases followed up over the course of twenty-four years at the International Pancreas Transplant Registry (IPTR). Rev Diabet Stud. 2011; 8(1):6-16. Review.
  • 18
    Gruessner RW, Gruessner AC. The current state of pancreas transplantation. Nat Rev Endocrinol. 2013;9(9):555-62. Review.
  • 19
    Humar A, Ramcharan T, Kandaswamy R, Gruessner RW, Gruessner AC, Sutherland DE. Technical failures after pancreas transplants: why grafts fail and the risk factors––a multivariate analysis. Transplantation. 2004;78(8): 1188-92.
  • 20
    Stratta RJ, Taylor RJ, Gill IS. Pancreas transplantation: a managed cure approach to diabetes. Curr Probl Surg. 1996;33(9):709-808. Review.
  • 21
    Humar A, Kandaswamy R, Granger D, Gruessner RW, Gruessner AC, Sutherland DE. Decreased surgical risks of pancreas transplantation in the modern era. Ann Surg. 2000;231(2):269-75.
  • 22
    Troppmann C, Gruessner AC, Dunn DL, Sutherland DE, Gruessner RW. Surgical complications requiring early relaparotomy after pancreas transplantation: a multivariate risk factor and economic impact analysis of the cyclosporine era. Ann Surg. 1998;227(2):255-68.
  • 23
    Humar A, Kandaswamy R, Drangstveit MB, Parr E, Gruessner AG, Sutherland DE. Prolonged preservation increases surgical complications after pancreas transplants. Surgery. 2000;127(5):545-51.
  • 24
    Humar A, Ramcharan T, Kandaswamy R, Gruessner RW, Gruessner AG, Sutherland DE. The impact of donor obesity on outcomes after cadaver pancreas transplants. Am J Transplant. 2004;4(4):605-10.
  • 25
    Stratta RJ. Surgical nuances in pancreas transplantation. Transplant Proc. 2005;37(2):1291-3. Review.
  • 26
    Sansalone CV, Maione G, Aseni P, Mangoni I, De Roberto A, Soldano S, et al. Surgical complications are the main cause of pancreatic allograft loss in pancreas-kidney transplant recipients. Transplant Proc. 2005;37(6):2651-3.
  • 27
    Hanish SI, Petersen RP, Collins BH, Tuttle-Newhall J, Marroquin CE, Kuo PC, et al. Obesity predicts increased overall complications following pancreas transplantation. Transplant Proc. 2005;37(8):3564-6.
  • 28
    Nath DS, Gruessner A, Kandaswamy R, Gruessner RW, Sutherland DE, Humar A. Late anastomotic leaks in pancreas transplant recipients - clinical characteristics and predisposing factors. Clin Transplant. 2005;19(2):220-4.
  • 29
    Corry RJ, Chakrabarti P, Shapiro R, Jordan ML, Scantlebury VP, Vivas CA. Comparison of enteric versus bladder drainage in pancreas transplantation. Transplant Proc. 2001;33(1-2):1647-51.
  • 30
    de Kort H, Roufosse C, Bajema IM, Drachenberg CB. Pancreas transplantation, antibodies and rejection: where do we stand? Curr Opin Organ Transplant. 2013;18(3):337-44. Review.
  • 31
    Dong M, Parsaik AK, Kremers W, Sun A, Dean P, Prieto M, et al. Acute pancreas allograft rejection is associated with increased risk of graft failure in pancreas transplantation. Am J Transplant. 2013;13(4):1019-25.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2014
  • Aceito
    08 Fev 2015
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br