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Por que os biossimilares são tão mais complexos do que os genéricos?

As exigências regulatórias para o registro de medicamentos genéricos incluem testes físico-químicos e um ensaio clínico comparativo de biodisponibilidade oral (bioequivalência).(11. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 200, de 26 de dezembro de 2017. Dispõe sobre os critérios para a concessão e renovação do registro de medicamentos com princípios ativos sintéticos e semissintéticos, classificados como novos, genéricos e similares, e dá outras providências [Internet]. Brasília (DF): ANVISA; 2017 [citado 2018 Nov 27]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/3836387/RDC_200_2017_COMP.pdf/3b8c3b31-24cb-4951-a2d8-8e6e2a48702f
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) Esse processo demora cerca de 2 anos, custa entre US$1 e 2 milhões e permite reivindicações para todas as indicações aceitas para a droga original. As exigências para biossimilares incluem uma variedade de testes comparativos caros e demorados, e ensaios clínicos de eficácia para cada indicação. Isso leva de 5 a 9 anos e custa mais de US$100 milhões.(22. Pfizer Biosimilars. Let’s see how Biosimilars are developed [Internet]. New York (NY): Pfizer Biosimilars; 2017 [cited 2018 Nov 27]. Available from: https://www.pfizerbiosimilars.com/biosimilars-development
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)

O conceito de medicamentos genéricos foi desenvolvido para drogas de uso oral, e os biofármacos são, em sua maioria, injetáveis. Além disso, os motivos para essa enorme diferença são a complexidade molecular e o processo de fabricação. Os princípios ativos farmacêuticos (APIs - active pharmaceutical ingredients) dos genéricos consistem de moléculas pequenas, com peso molecular de aproximadamente 500 Daltons. A pureza e a identidade dos APIs dos genéricos são avaliadas principalmente por meio de testes cromatográficos de baixo custo. O ensaio clínico de bioequivalência avalia o impacto farmacocinético da formulação e da fabricação do API.(33. European Medicines Agency (EMA). Science Medicines Health. Committee for Medicinal Products for Human Use (CHMP). Guideline on the Investigation of Bioequivalence. Doc. Ref.: CPMP/EWP/QWP/1401/98 Rev. 1/ Corr** [Internet]. London: EMA; 2010 [cited 2018 Nov 27]. Available from: https://www.ema.europa.eu/documents/scientific-guideline/guideline-investigation-bioequivalence-rev1_en.pdf
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) Já que os APIs são iguais, têm a mesma concentração e biodisponibilidade similar, autoridades reguladoras presumem que o efeito clínico será o mesmo para todas as indicações.

A maioria dos APIs dos biofármacos são proteínas produzidas por cultura celular. Esses APIs são grandes, complexos e variáveis. O peso molecular de um anticorpo monoclonal é de mais de 150.000 Daltons. Sua complexa estrutura é organizada em quatro níveis. A glicosilação é muito importante para a função e não é idêntica para todas as moléculas do mesmo lote. Finalmente, as proteínas formam agregados de tamanhos diferentes. Portanto, um lote de APIs de biofármacos é uma população de proteínas semelhantes, e não um grupo de moléculas idênticas. Há também impurezas das células, meios de cultura e processo de purificação que podem ser biologicamente ativas, o que eleva ainda mais a complexidade.

Portanto, cada biofármaco, seja original ou biossimilar, tem caráter individual com características únicas, que vêm do processo de fabricação. A frase “o processo é o produto” resume o pensamento nessa área. Alguns produtos têm ainda regulações específicas, que podem variar entre os países.

A biotecnologia evolui rapidamente. As novas tecnologias produzem mais do que aquelas disponíveis quando determinado medicamento foi criado. As autoridades regulatórias devem chegar a uma conclusão sobre a intercambialidade clínica de diferentes populações de proteínas terapêuticas produzidas em diversas fábricas.(44. European Medicines Agency (EMA). Science Medicines Health. Committee for Medicinal Products for Human Use (CHMP). Guideline on Similar Biological Medicinal Products. CHMP/437/04 Rev 1 [Internet]. London: EMA; 2014 [cited 2018 Nov 27]. Available from: https://www.ema.europa.eu/documents/scientific-guideline/guideline-similar-biological-medicinal-products-rev1_en.pdf
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5. European Medicines Agency (EMA). Science Medicines Health. Committee for Medicinal Products for Human Use (CHMP). Guideline on Similar Biological Medicinal Products Containing Biotechnology-Derived Proteins as Active Substance: non-clinical and clinical issues. EMEA/CHMP/BMWP/42832/2005 Rev1 [Internet]. London: EMA; 2014 [cited 2018 Nov 27]. Available from: https://www.ema.europa.eu/documents/scientific-guideline/guideline-similar-biological-medicinal-products-containing-biotechnology-derived-proteins-active_en-2.pdf
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-66. European Medicines Agency (EMA). Science Medicines Health. Committee for Medicinal Products for Human Use (CHMP). Guideline on similar biological medicinal products containing biotechnology-derived proteins as active substance: quality issues (revision 1). EMA/CHMP/BWP/247713/2012 [Internet]. London: 2014 [cited 2018 Nov 27]. Available from: https://www.ema.europa.eu/documents/scientific-guideline/guideline-similar-biological-medicinal-products-containing-biotechnology-derived-proteins-active_en-0.pdf
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É por isso que são tantas as exigências regulatórias. Quase todos os testes exigidos para um medicamento biológico inovador devem ser repetidos para um biossimilar, em comparação com a droga de referência.(77. Scheinberg MA, Felix PA, Kos IA, Andrade MD, Azevedo VF. Partnership for productive development of biosimilar products: perspectives of access to biological products in the Brazilian market. einstein (São Paulo). 2018;16(3): eRW4175. Review.,88. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 55, de 16 de dezembro de 2010. Dispõe sobre o registro de produtos biológicos novos e produtos biológicos e dá outras providências [Internet]. Brasília (DF): ANVISA; 2010 [citado 2018 Nov 27]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/RDC_55_2010_COMPpdf/bb86b1c8-d410-4a51-a9df-a61e165b9618
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) Isso é chamado de exercício de comparabilidade e inclui avaliações físico-químicas, ensaios funcionais, testes em animais e ensaios clínicos.

O exercício de comparabilidade pode ser mais complexo do que cumprir as exigências regulatórias para um biofármaco inovador. Os altos custos e risco de insucesso são barreiras para algumas indústrias brasileiras desenvolverem biossimilares. No entanto, isso é parte de uma solução definitiva para a independência brasileira nessa importante área farmacêutica e também para uma inovação radical.

Um método de redução de risco é assegurar a maior similaridade possível dos APIs desde o começo – ou seja, garantir que duas populações de proteínas, produzidas em fábricas diferentes, por processos não idênticos e com equipamentos diferentes sejam suficientemente similares para justificar investimentos futuros. O objetivo é que as diferenças entre um biossimilar e seu biofármaco de referência sejam pequenas o suficiente para não serem clinicamente significativas. Técnicas modernas de estrutura de proteína, como a cristalografia com luz síncrotron, espectrometria de massa, espectroscopia e ensaios funcionais in vitro, são a luz no fim do túnel.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2019
  • Data do Fascículo
    2019
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