Acessibilidade / Reportar erro

Papel do hormônio insulina na modulação dos fenômenos inflamatórios

RESUMO

Evidências demonstram o envolvimento dos hormônios no desenvolvimento da resposta inflamatória. A inflamação evoca alterações estruturais marcantes da microvasculatura, além da migração dos leucócitos da microcirculação para o foco da lesão. Essas alterações são ocasionadas principalmente pela liberação ou ativação de mediadores endógenos, na qual os hormônios participam integralmente desse sistema regulador. Sítios de ligação para muitos hormônios podem ser caracterizados em estruturas vasculares e células hematógenas envolvidas com a resposta inflamatória. Alterações quantitativas dos eventos inflamatórios envolvendo a diminuição da resposta microvascular aos mediadores inflamatórios, deficiência entre a interação leucócito-endotélio, redução da concentração celular no exudato inflamatório e falha na função fagocitária dos mononucleares foram observadas em estados insulino-deficientes. Portanto, a inflamação não é meramente uma resposta local, mas um processo controlado por hormônios, no qual a insulina desempenha um papel essencial modulando esses fenômenos, e assegurando uma reparação e um remodelamento tecidual dentro dos limites da normalidade.

Descritores:
Insulina; Inflamação; Hormônios; Quimiotaxia de leucócito; Microcirculação

ABSTRACT

Evidence demonstrates the involvement of hormones in the development of inflammatory response. Inflammation evokes marked structural alterations of microvasculature, besides migration of leukocytes from microcirculation to the site of lesion. These alterations are caused primarily by release or activation of endogenous mediators, in which hormones play an integral role in this regulatory system. Binding sites for many hormones may be characterized by vascular structures and hematogenous cells involved with the inflammatory response. Quantitative alterations of inflammatory events involving the decrease in microvascular response to inflammatory mediators, deficiency in the leukocyte-endothelium interaction, reduction of cell concentration in the inflammatory exudate, and failure of the phagocyte function of mononuclear cells were observed in insulin- deficient states. Therefore, inflammation is not merely a local response, but rather a process controlled by hormones in which insulin plays an essential role in modulation of these phenomena, and assures tissue repair and remodeling within the limits of normality.

Keywords:
Insulin; Inflammation; Hormones; Chemotaxis, leukocyte; Microcirculation

INTRODUÇÃO

Os organismos do reino animal, particularmente dos vertebrados, estão envolvidos em um constante desafio, no qual fatores agressores externos, como traumas e infecções devem ser neutralizados. Contudo, para responder de forma eficiente ao desafio imposto, o organismo ativa uma série de eventos estritamente condicionados, característicos da resposta inflamatória que incluem as alterações estruturais e funcionais dos vasos, a migração das células hematógenas à área lesada, a fagocitose e a dor local. Além do mais, essa reação pode acentuarse por meio do recrutamento de componentes do sistema imunológico(11. Garcia-Leme J, Farsky SP. Hormonal control of inflammatory responses. Mediat Inflamm. 1993;2(3):181-98.).

Por efeito das manifestações evocadas pelo organismo hospedeiro em resposta ao estímulo patogênico, a inflamação foi considerada até o final do século XVIII uma doença. Entretanto, Hunter, em 1794, descreveu-a como uma resposta inespecífica evocada por todo o tipo de lesão, sendo proposital e de natureza benéfica. Em estudos clássicos, conduzidos por Miles e Niven, bactérias piogênicas foram utilizadas como estímulo nocivo, demonstrando de forma convincente o aspecto defensivo da resposta inflamatória. Nesses experimentos, componentes reconhecidos dos estágios iniciais da resposta inflamatória foram bloqueados por choque sistêmico, isquemia local ou administração de substâncias anticomplemento. Os resultados demonstraram que o efeito da resistência do hospedeiro em desenvolver uma resposta adequada à lesão bacteriana resultou em uma lesão máxima, sendo esta substancialmente maior e mais severa do que as lesões desenvolvidas em animais, nas quais os estágios iniciais da resposta inflamatória não foram bloqueados. Esses experimentos contribuíram para compreender que uma resposta inicial adequada é essencial para prevenir ou limitar a intensidade de uma lesão futura(22. Miles AA, Niven SF. The enhancement of infection during shock produced by bacterial toxins and other agents. Br J Exp Pathol. 1950;31:73-80.55. Leak LV, Burk JF. Early events of tissue injury and the role of the lymphatic system in early inflammation. In: Zweifach BW, Grant L, McCluskey RT, editors. The inflammatory process. 2nd ed. New York: Academic Press;1974. p. 163-265.).

Mediadores químicos e fatores teciduais, plasmáticos e neurogênicos são fundamentais para o desenvolvimento do processo inflamatório. Entretanto, evidências indicam, de forma relevante, a influência dos hormônios na modulação da resposta inflamatória(11. Garcia-Leme J, Farsky SP. Hormonal control of inflammatory responses. Mediat Inflamm. 1993;2(3):181-98.,66. Garcia-Leme J. Hormones and inflammation. Boca Raton: CRC Press; 1989.).

Os hormônios exercem papel primordial sobre os mecanismos reguladores do processo inflamatório, sendo responsáveis por um ajuste de sintonia fina, o qual se altera de acordo com a intensidade da lesão. Em uma série de estudos conduzidos no início dos anos 1970, por Garcia Leme et al., demonstrou-se claramente que a insulina e os glicocorticoides exercem efeito regulador direto nas reações estruturais da área inflamada. Além do mais, hormônios influenciam importantes funções celulares no desenvolvimento da resposta inflamatória. Evidências indicam que pacientes diabéticos descompensados são mais suscetíveis a infecções, as quais se manifestam com maior gravidade e são mais difíceis de serem erradicadas(11. Garcia-Leme J, Farsky SP. Hormonal control of inflammatory responses. Mediat Inflamm. 1993;2(3):181-98.,77. Alba-Loureiro TC, Munhoz CD, Martins JO, Cerchiaro CA, Scavone C, Curi R, et al. Neutrophil function and metabolism in individuals with diabetes mellitus. Braz J Med Biol Res. 2007;40(8):1037-44,). Concentrações adequadas de insulina parecem ser essenciais para a manifestação das alterações funcionais de células endoteliais e de leucócitos na vigência do processo inflamatório. O presente artigo teve como objetivo evidenciar a interação do hormônio insulina na modulação da resposta inflamatória.

PROCESSO INFLAMATÓRIO

O processo inflamatório caracteriza-se pela resposta do tecido conjuntivo vascularizado a estímulos lesivos endógenos ou exógenos(88. Collins T. Inflamação aguda e crônica. In: Cotran RS, Kumar V, Collins T Patologia estrutural e funcional. 6a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p. 44-78.). Esses estímulos lesivos de natureza química, física ou biológica, desencadeiam uma série de alterações funcionais e morfológicas de células, tecidos, vasos sanguíneos e linfáticos, circunscrevendo a área lesada(66. Garcia-Leme J. Hormones and inflammation. Boca Raton: CRC Press; 1989.).

A resposta inflamatória é fundamental para destruir, diluir ou eliminar o agente agressor, evoluindo para a cicatrização e a reconstituição do tecido danificado. O processo inflamatório apresenta dois padrões distintos de manifestação: a inflamação aguda, caracterizada pela resposta imediata e precoce a um agente nocivo; e a inflamação crônica, caracterizada pela duração prolongada, na qual a inflamação ativa, a destruição tecidual e a tentativa de reparo ocorrem simultaneamente(88. Collins T. Inflamação aguda e crônica. In: Cotran RS, Kumar V, Collins T Patologia estrutural e funcional. 6a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p. 44-78.).

A manifestação da resposta inflamatória aguda envolve alterações do calibre vascular, promovendo o aumento do fluxo sanguíneo, alterações estruturais da microvasculatura, ocasionando o aumento da permeabilidade vascular seguida da formação do exsudato inflamatório, e a emigração dos leucócitos da microcirculação para o foco da lesão(88. Collins T. Inflamação aguda e crônica. In: Cotran RS, Kumar V, Collins T Patologia estrutural e funcional. 6a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p. 44-78.).

Inicia-se por uma vasoconstrição inconstante e transitória seguida de uma vasodilatação envolvendo primeiramente os microvasos adjacentes e, secundariamente, a abertura de novos leitos capilares na área lesada, resultando no aumento do fluxo sanguíneo local. A permeabilidade vascular observada no curso da resposta inflamatória decorre da abertura de junções interendoteliais presentes nas vênulas pós-capilares e do extravasamento de proteínas para o tecido perivascular(66. Garcia-Leme J. Hormones and inflammation. Boca Raton: CRC Press; 1989.,88. Collins T. Inflamação aguda e crônica. In: Cotran RS, Kumar V, Collins T Patologia estrutural e funcional. 6a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p. 44-78.). Uma vez que a velocidade sanguínea diminui, pela vasodilatação, formam-se agregados eritrocíticos que, exibindo massa maior que a dos leucócitos, os deslocam para a periferia dos vasos(99. Wilhelm DL. Inflammation and healing. In: Pathology. 7a ed. St. Louis: WAD Anderson & JM Kissane; 1977. p. 25-89.). Os leucócitos passam a aderir momentaneamente ao endotélio, a princípio de maneira transitória (rolagem) e, num segundo momento, aderem-se firmemente (aderência firme). Após a aderência firme, os leucócitos emitem pseudópodes pelas junções interendoteliais, para então atingirem a região extravascular(1010. Atherton A, Born GVR. Quantitative investigations of the adhesiveness of circulating polymorphonuclear leukocytes to blood vessel walls. J Physiol. 1972;222(2):447-74.).

O aumento da força de adesão depende de alterações estruturais de moléculas responsáveis pela interação da superfície do leucócito com a superfície da célula endotelial. Essas moléculas são chamadas de moléculas de adesão e pertencem, no caso em particular, a estruturas distintas denominadas selectinas, integrinas e moléculas pertencentes à superfamília das imunoglobulinas. As selectinas compreendem a P-selectina presente no endotélio e nas plaquetas, E-selectina confinada ao endotélio e L -selectina expressa por muitos tipos de leucócitos. Os ligantes das selectinas são oligossacarídeos associados a glicoproteínas presentes nas membranas das células adjacentes. As selectinas e seus ligantes são os elementos responsáveis pelo rolamento dos leucócitos sobre o endotélio(1111. Rosen SD. Ligands for L-selectin: homing, inflammation, and beyond. Annu Rev Immunol. 2004;22:129-56.). As moléculas da superfamília das imunoglobulinas incluem as moléculas ICAM-1(intercellular adhesion molecule-1), ICAM-2, VCAM-1 (vascular cell adhesion molecule-1) e PECAM-1 (platelet endothelial cell adhesion molécule-1). Seus ligantes incluem moléculas da família β2-integrinas (CD11a/CD18, CD11b/ CD18)(1212. Mayadas TN, Cullere X. Neutrophil β32-integrins: moderators of life or death decisions. Trends Immunol. 2005;26(7):388-95.).

Inúmeros mediadores do processo inflamatório, como histamina, trombina, fator de ativação plaquetária (PAF) e citocinas, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α) e interleucina (IL)-1β, por exemplo, são os elementos responsáveis pela expressão dessas moléculas de adesão(1313. Pober JS, Cotran RS. Cytokines and endothelial cell biology. Physiol Rev. 1990;70(2):427-51.).

AÇÃO MODULADORA DO HORMÔNIO INSULINA NA RESPOSTA INFLAMATÓRIA

Concentrações adequadas de insulina parecem ser essenciais para a manifestação das alterações funcionais de células endoteliais e de leucócitos na vigência do processo inflamatório. Estudos conduzidos in vitro com neutrófilos de pacientes diabéticos documentam defeitos de função leucocitária, como redução da capacidade de adesão, fagocitose, atividade bactericida e produção de espécies reativas de oxigênio(1414. Marhoffer W, Stein M, Maeser E, Federlin K. Impairment of polymorphonuclear leukocyte function and metabolic control of diabetes. Diabetes Care. 1992;15(2):256-60.). Em estudo sistemático da função leucocitária em modelo experimental de pleurisia, verificou-se que o infiltrado celular inflamatório neutrofílico encontra-se reduzido em ratos tornados diabéticos pela injeção de aloxana. A falha no recrutamento celular encontra-se associada à presença de uma proteína (> 12 kDa) presente no plasma com efeito inibitório sobre a quimiotaxia dos neutrófilos(1515. Pereira MA, Sannomiya P Garcia-Leme J. Inhibition of leukocyte chemotaxis by factor in alloxan-induced diabetic rat plasma. Diabetes. 1987;36(11):1307-14.). Utilizando-se técnica de microscopia intravital verificouse que proteína análoga associa-se à inibição das interações leucócito-endotélio(1616. Fortes ZB, Farsky SP, Oliveira MA, Garcia-Leme J. Direct vital microscopic study of defective leukocyte-endothelial interactions in diabetes mellitus. Diabetes. 1991;40(10):1267-73.). O tratamento dos animais com insulina relativamente prolongado (12 dias) resulta na recuperação gradual da quimiotaxia avaliada in vivo (pleurisia, microscopia intravital) e in vitro (câmara de Boyden). Entretanto, tratamentos agudos (3 dias) são inefetivos(1515. Pereira MA, Sannomiya P Garcia-Leme J. Inhibition of leukocyte chemotaxis by factor in alloxan-induced diabetic rat plasma. Diabetes. 1987;36(11):1307-14.,1717. Sannomiya P, Pereira MAA, Garcia-Leme J. Inhibition of leukocyte chemotaxis by serum factor in diabetes mellitus: selective depression of cell response mediated by complement-derived chemoattractants. Agents Actions. 1990;30(3-4):369-76.). Associa-se a inibição da quimiotaxia de neutrófilos uma proteína alterada por reação de glicação(1818. Sannomiya P, Oliveira MA, Fortes ZB. Aminoguanidine and the prevention of leukocyte dysfunction in diabetes mellitus: a direct vital microscopic study. Br J Pharmacol. 1997;122(5):894-8.), com atividade supressora sobre a expressão da molécula de adesão ICAM-1 em células endoteliais de vênulas pós-capilares(1919. Anjos-Valota EA, Martins JO, Oliveira MA, Casalori DA, Brito LRG, Tostes RC, et al. Inhibition of tumor necrosis factor-α-induced intercellular adhesion molecule-1 expression in diabetic rats: role of insulin. Inflamm Res. 2006;55(1):16-22.). O tratamento dos animais com insulina restaura a expressão de ICAM-1 no endotélio microvascular a valores normais(1919. Anjos-Valota EA, Martins JO, Oliveira MA, Casalori DA, Brito LRG, Tostes RC, et al. Inhibition of tumor necrosis factor-α-induced intercellular adhesion molecule-1 expression in diabetic rats: role of insulin. Inflamm Res. 2006;55(1):16-22.). Utilizandose técnica microscópica intravital, verificou-se que os leucócitos em contato com o endotélio venular (comportamento de rolar) encontram-se marcadamente reduzidos em ratos tornados diabéticos pela injeção de aloxana, 10, 30 ou 180 dias antes. Sob influência de um estímulo inflamatório, leucócitos migram para o tecido perivascular de animais controle e esse evento acompanha-se de redução no número de células que rolam sobre o endotélio. Nos animais diabéticos, o número de leucócitos que rolam sobre o endotélio não se altera, porém, poucas células migram para o tecido conectivo adjacente. Essas observações não refletem, entretanto, alterações do leucograma. O tratamento relativamente longo (12 dias) dos animais diabéticos com insulina corrige o defeito na interação leucócito-endotélio e, consequentemente, o infiltrado celular inflamatório(1616. Fortes ZB, Farsky SP, Oliveira MA, Garcia-Leme J. Direct vital microscopic study of defective leukocyte-endothelial interactions in diabetes mellitus. Diabetes. 1991;40(10):1267-73.,1717. Sannomiya P, Pereira MAA, Garcia-Leme J. Inhibition of leukocyte chemotaxis by serum factor in diabetes mellitus: selective depression of cell response mediated by complement-derived chemoattractants. Agents Actions. 1990;30(3-4):369-76.,1919. Anjos-Valota EA, Martins JO, Oliveira MA, Casalori DA, Brito LRG, Tostes RC, et al. Inhibition of tumor necrosis factor-α-induced intercellular adhesion molecule-1 expression in diabetic rats: role of insulin. Inflamm Res. 2006;55(1):16-22.).

Em modelo de hipersensibilidade mediada por IgE em ratos, observou-se redução do número de células presentes no lavado broncoalveolar em animais tornados diabéticos. O tratamento desses animais com dose única de insulina (NPH, 4 UI) imediatamente antes do desafio antigênico corrige completamente essaresposta(2020. Vianna ESO, Garcia-Leme J. Allergen-induced airway inflammation in rats. Role of insulin. Am J Respir Crit Care Med. 1995;151(3 Pt 1):809-14.). Por outro lado, o jejum de 15 horas normaliza a glicemia, mas não modifica as características do lavado broncoalveolar dos ratos diabéticos sensibilizados e broncoprovocados, indicando que a simples correção da glicemia não é suficiente para restaurar a resposta de hipersensibilidade mediada por IgE(2020. Vianna ESO, Garcia-Leme J. Allergen-induced airway inflammation in rats. Role of insulin. Am J Respir Crit Care Med. 1995;151(3 Pt 1):809-14.).

Além do mais, a concentração sérica de corticosterona, glicocorticoide prevalente no rato, não difere entre ratos controles e diabéticos por aloxana, o que reforça a intervenção direta da insulina no controle da lesão(2121. de Oliveira Martins J, Meyer-Pflug AR, Alba-Loureiro TC, Melbostad H, Costa da Cruz JWM, Coimbra R, et al. Modulation of lipopolysaccharide-induced acute lung inflammation: role of insulin. Shock. 2006;25(3):260-6.). A capacidade de resposta do hospedeiro aos agentes patogênicos parece estar associada à integração das funções dos glicocorticoide endógenos e insulina. Quando ocorre uma falha nessa atividade reguladora, o controle e a neutralização do estímulo nocivo são prejudicados e uma reação, a princípio transitória, tende a se tornar sustentada e, muitas vezes, deletéria(11. Garcia-Leme J, Farsky SP. Hormonal control of inflammatory responses. Mediat Inflamm. 1993;2(3):181-98.,66. Garcia-Leme J. Hormones and inflammation. Boca Raton: CRC Press; 1989.).

Verificou-se, ainda, que a redução do infiltrado celular inflamatório no diabetes mellitus associa-se à redução da expressão de ICAM-1, confinado ao endotélio vascular e epitélio alveolar, restabelecendo-se os valores normais após tratamento dos animais com insulina(2222. Sannomiya P Manzolli S, Alves VAF, Martins MA, Vianna EO. Insulin modulates the expression of ICAM-1 (CD54) in allergen-induced airway inflammation. Med Inflamm. 1999;8(Suppl1):S92.). Em estudo recente, empregando-se modelo de hipersensibilidade mediado por IgE em ratos, verificou-se que segmentos de brônquios fonte e intraparenquimatoso, isolados de animais diabéticos, apresentam redução da resposta contrátil à ovalbumina (desafio in vitro) decorrente de menor desgranulação mastocitária. O tratamento dos animais diabéticos com dose única de insulina ou a adição in vitro do hormônio corrige essas alterações(2323. Cavalher-Machado SC, de Lima WT, Damazo AS, de Frias Carvalho V, Martins MA, Silva PM, et al. Down-regulation of mast cell activation and airway reactivity in diabetic rats: role of insulin. Eur Respir J. 2004;24(4):552-8.).

Estudos conduzidos em modelo de inflamação pulmonar aguda induzida por lipopolissacarídeo (LPS) de Escherichia coli indicam, de modo consistente, a participação da insulina na regulação de variados aspectos dessa resposta. Verificou-se que ratos, tornados diabéticos pela injeção de aloxana, exibem redução da geração de íons superóxido por leucócitos presentes no lavado broncoalveolar(2424. Boichot E, Sannomiya P Escofier N, Germain N, Fortes ZB, Lagente V. Endotoxin-induced acute lung injury in rats. Role of insulin. Pulm Pharmacol Therap. 1999;12(5):285-90.); redução do consumo de ácido araquidônico e liberação de prostaglandina E (77. Alba-Loureiro TC, Munhoz CD, Martins JO, Cerchiaro CA, Scavone C, Curi R, et al. Neutrophil function and metabolism in individuals with diabetes mellitus. Braz J Med Biol Res. 2007;40(8):1037-44,); redução da produção de citocinas pró-inflamatórias (TNF-α, IL -1β) e anti-inflamatória (IL -10)(2121. de Oliveira Martins J, Meyer-Pflug AR, Alba-Loureiro TC, Melbostad H, Costa da Cruz JWM, Coimbra R, et al. Modulation of lipopolysaccharide-induced acute lung inflammation: role of insulin. Shock. 2006;25(3):260-6.), eventos associados à redução do infiltrado celular inflamatório pulmonar(77. Alba-Loureiro TC, Munhoz CD, Martins JO, Cerchiaro CA, Scavone C, Curi R, et al. Neutrophil function and metabolism in individuals with diabetes mellitus. Braz J Med Biol Res. 2007;40(8):1037-44,). O tratamento dos animais com insulina restaura por completo essas anormalidades.

Esses estudos contribuíram para se compreender porque pacientes diabéticos descompensados são mais suscetíveis a infecções, que se manifestam com maior gravidade e são mais difíceis de serem erradicadas(11. Garcia-Leme J, Farsky SP. Hormonal control of inflammatory responses. Mediat Inflamm. 1993;2(3):181-98.,77. Alba-Loureiro TC, Munhoz CD, Martins JO, Cerchiaro CA, Scavone C, Curi R, et al. Neutrophil function and metabolism in individuals with diabetes mellitus. Braz J Med Biol Res. 2007;40(8):1037-44,) e porque, poucos anos após a introdução da insulina em terapêutica, constatou-se que a mortalidade decorrente de processos infecciosos, no paciente diabético, decrescera.

A resposta inflamatória não é meramente um evento de expressão local, mas uma reação complexa e extensa do organismo como um todo. Existem amplas evidências para o papel regulador de sistemas hormonais no processo inflamatório. Sítios de ligação para muitos hormônios podem ser caracterizados em estruturas vasculares e células hematógenas envolvidas com a resposta inflamatória; disfunções endócrinas afetam etapas fundamentais da resposta à lesão; as concentrações plasmáticas de vários hormônios alteram-se no decorrer do processo inflamatório; ações hormonais podem representar aspectos relevantes na defesa do organismo contra infecções(66. Garcia-Leme J. Hormones and inflammation. Boca Raton: CRC Press; 1989.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, a inflamação não é meramente uma resposta local, mas um processo controlado por hormônios, no qual o hormônio insulina exerce papel fundamental na modulação do desenvolvimento da resposta inflamatória, assegurando uma reparação e um remodelamento tecidual dentro dos limites da normalidade. Assim sendo, uma resposta inicial adequada é essencial para prevenir ou limitar a intensidade de uma lesão futura.

REFERENCES

  • 1
    Garcia-Leme J, Farsky SP. Hormonal control of inflammatory responses. Mediat Inflamm. 1993;2(3):181-98.
  • 2
    Miles AA, Niven SF. The enhancement of infection during shock produced by bacterial toxins and other agents. Br J Exp Pathol. 1950;31:73-80.
  • 3
    Miles AA. Nonspecific defense reactions in bacterial infections. Ann NY Acad Sci. 1956;66:356-61.
  • 4
    Miles AA, Miles EM, Burke JF. The value and duration of defense reactions of the skin to the primary lodgment of bacteria. Br J Exp Patol. 1957;38:79-96.
  • 5
    Leak LV, Burk JF. Early events of tissue injury and the role of the lymphatic system in early inflammation. In: Zweifach BW, Grant L, McCluskey RT, editors. The inflammatory process. 2nd ed. New York: Academic Press;1974. p. 163-265.
  • 6
    Garcia-Leme J. Hormones and inflammation. Boca Raton: CRC Press; 1989.
  • 7
    Alba-Loureiro TC, Munhoz CD, Martins JO, Cerchiaro CA, Scavone C, Curi R, et al. Neutrophil function and metabolism in individuals with diabetes mellitus. Braz J Med Biol Res. 2007;40(8):1037-44,
  • 8
    Collins T. Inflamação aguda e crônica. In: Cotran RS, Kumar V, Collins T Patologia estrutural e funcional. 6a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p. 44-78.
  • 9
    Wilhelm DL. Inflammation and healing. In: Pathology. 7a ed. St. Louis: WAD Anderson & JM Kissane; 1977. p. 25-89.
  • 10
    Atherton A, Born GVR. Quantitative investigations of the adhesiveness of circulating polymorphonuclear leukocytes to blood vessel walls. J Physiol. 1972;222(2):447-74.
  • 11
    Rosen SD. Ligands for L-selectin: homing, inflammation, and beyond. Annu Rev Immunol. 2004;22:129-56.
  • 12
    Mayadas TN, Cullere X. Neutrophil β32-integrins: moderators of life or death decisions. Trends Immunol. 2005;26(7):388-95.
  • 13
    Pober JS, Cotran RS. Cytokines and endothelial cell biology. Physiol Rev. 1990;70(2):427-51.
  • 14
    Marhoffer W, Stein M, Maeser E, Federlin K. Impairment of polymorphonuclear leukocyte function and metabolic control of diabetes. Diabetes Care. 1992;15(2):256-60.
  • 15
    Pereira MA, Sannomiya P Garcia-Leme J. Inhibition of leukocyte chemotaxis by factor in alloxan-induced diabetic rat plasma. Diabetes. 1987;36(11):1307-14.
  • 16
    Fortes ZB, Farsky SP, Oliveira MA, Garcia-Leme J. Direct vital microscopic study of defective leukocyte-endothelial interactions in diabetes mellitus. Diabetes. 1991;40(10):1267-73.
  • 17
    Sannomiya P, Pereira MAA, Garcia-Leme J. Inhibition of leukocyte chemotaxis by serum factor in diabetes mellitus: selective depression of cell response mediated by complement-derived chemoattractants. Agents Actions. 1990;30(3-4):369-76.
  • 18
    Sannomiya P, Oliveira MA, Fortes ZB. Aminoguanidine and the prevention of leukocyte dysfunction in diabetes mellitus: a direct vital microscopic study. Br J Pharmacol. 1997;122(5):894-8.
  • 19
    Anjos-Valota EA, Martins JO, Oliveira MA, Casalori DA, Brito LRG, Tostes RC, et al. Inhibition of tumor necrosis factor-α-induced intercellular adhesion molecule-1 expression in diabetic rats: role of insulin. Inflamm Res. 2006;55(1):16-22.
  • 20
    Vianna ESO, Garcia-Leme J. Allergen-induced airway inflammation in rats. Role of insulin. Am J Respir Crit Care Med. 1995;151(3 Pt 1):809-14.
  • 21
    de Oliveira Martins J, Meyer-Pflug AR, Alba-Loureiro TC, Melbostad H, Costa da Cruz JWM, Coimbra R, et al. Modulation of lipopolysaccharide-induced acute lung inflammation: role of insulin. Shock. 2006;25(3):260-6.
  • 22
    Sannomiya P Manzolli S, Alves VAF, Martins MA, Vianna EO. Insulin modulates the expression of ICAM-1 (CD54) in allergen-induced airway inflammation. Med Inflamm. 1999;8(Suppl1):S92.
  • 23
    Cavalher-Machado SC, de Lima WT, Damazo AS, de Frias Carvalho V, Martins MA, Silva PM, et al. Down-regulation of mast cell activation and airway reactivity in diabetic rats: role of insulin. Eur Respir J. 2004;24(4):552-8.
  • 24
    Boichot E, Sannomiya P Escofier N, Germain N, Fortes ZB, Lagente V. Endotoxin-induced acute lung injury in rats. Role of insulin. Pulm Pharmacol Therap. 1999;12(5):285-90.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2011

Histórico

  • Recebido
    29 Nov 2009
  • Aceito
    03 Ago 2011
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br