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Impacto de um programa de promoção da saúde na qualidade de vida do idoso

RESUMO

Objetivo:

Avaliar os efeitos na qualidade de vida de idosos matriculados no Grupo de Assistência Multidisciplinar ao Idoso Ambulatorial (GAMIA) do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Métodos:

Nos 83 idosos participantes do grupo entre 2000 e 2002, a qualidade de vida foi avaliada pelo World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-bref) no início e no fim do programa. A funcionalidade foi avaliada pelas Escalas de Katz e Lawton e os dados sociodemográficos foram obtidos nos prontuários.

Resultados:

Houve predomínio do sexo feminino (79,5%) e a média geral de idade foi de 69,30 anos. A análise dos dados mostraram uma redução no domínio físico do WHOQOL-bref (p = 0,014) e a elevação dos domínios psicológico e meio ambiente (p = 0,029 e p = 0,007, respectivamente), detectando-se tendência de elevação nos domínios relações sociais e geral (p = 0,062 e p = 0,052, respectivamente).

Conclusões:

Como a avaliação clínica desses idosos revelou doenças desconhecidas previamente e determinou a utilização de novos medicamentos, a percepção que os idosos tinham, em relação à sua saúde, pode ter sido o fator preponderante para a piora no domínio físico. A melhora dos domínios psicológico e meio ambiente pode estar relacionada ao suporte psicológico e social que o idoso recebeu dos colegas e profissionais e dos benefícios das atividades em grupo, bem como às tendência de elevação observada nos domínios relações sociais e geral. A participação em um programa de promoção do envelhecimento saudável mostrou-se eficaz na melhora da qualidade de vida do idoso.

Descritores:
Idoso; Qualidade de vida; Promoção da saúde; Questionários; Envelhecimento

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the effect on quality of life of elderly people enrolled in GAMIA – Multidisciplinary Care Group to Outpatient Elderly Subjects (Grupo de Assistência Multidisciplinar ao Idoso Ambulatorial) of the Geriatric Department, Hospital das Clinicas, Faculdade de Medicina, Universidade de Sao Paulo.

Methods:

Between 2000 and 2002, 83 elderly participants of GAMIA were assessed by the World Health Organization Quality of Life scale (WHOQOL-bref) at the beginning and the end of the program. Functionality was assessed by Katz and Lawton scales and sociodemographic data were obtained from medical charts.

Results:

Females predominated (79.5%) and overall mean age was 69.30 years. Data analysis showed a reduction in the physical domain of WHOQOL-bref (p = 0.014) and increased psychological health and environment domains (p = 0.029 and p = 0.007, respectively), detecting a trend of increase in social relationships and in general domains (p = 0.062 and p = 0.052, respectively).

Conclusions:

The clinical evaluation of the elderly detected previously unknown diseases and determination of the use of new drugs, which might have been the predominant factor for the deterioration of their perception in the physical domain. Improvement in psychological health and the environment can be related to psychological and social support that the elderly received from peers and professionals and the benefits of group activities, as well as the upward trend observed in social relationships and general domains. Participation in a program to promote healthy aging was effective in improving the quality of life of the elderly.

Keywords:
Aged; Quality of life; Health promotion; Questionnaires; Aging

INTRODUÇÃO

Viver mais, sim, mas com qualidade: é o que almeja a maioria das pessoas que compreendem o envelhecimento como um processo e vislumbram a velhice como um fato, decorrente de estudos demográficos que apontam para o aumento de quase 25 anos na expectativa de vida do brasileiro nos últimos 50 anos(11. Ramos LR. Epidemiologia do Envelhecimento. In: Freitas EV, PY L, Cançado FAX, Gorzoni ML. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p.72.).

Com a transição epidemiológica que acompanha a transição demográfica, houve diminuição das doenças infectocontagiosas e aumento da prevalência das doenças crônicas não transmissíveis, culminando com maior proporção de pessoas idosas portadoras dessas doenças. Diante desse quadro, a longevidade propicia a vivência de uma situação ambígua, vivenciada por muitas pessoas (em menor escala pelas pessoas não idosas), que é o desejo de viver cada vez mais e, ao mesmo tempo, o temor de viver em meio à incapacidade e à dependência(22. Paschoal SMP. Qualidade de vida na velhice. In: Freitas EV, PY L, Cançado FAX, Gorzoni ML. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p.79.).

Cientes dessa mudança e da importância de planejar políticas públicas para essa população, os profissionais envolvidos na questão do envelhecimento passaram a planejar e desenvolver ações globais que promovessem a saúde do idoso no âmbito da promoção da saúde. Segundo a Carta de Ottawa(33. World Health Organization (WHO). The Otawa Charter for Health Promotion, 17-21 November 1986.) “promoção da saúde é o processo político e social global que abrange não somente ações dirigidas para o fortalecimento de habilidades e capacidades dos indivíduos, mas também, aquelas dirigidas para a modificação das condições sociais, ambientais e econômicas, com finalidade de atenuar seu impacto na saúde pública e individual”.

Dez anos após a publicação da Carta de Ottawa, realizou-se, em Jacarta, a Quarta Conferência Internacional de Promoção da Saúde. A Declaração de Jacarta(44. World Health Organization (WHO). Jacarta Declaration on Leading Health Promotion into the 21 st century, 21-25 July, 1997.) reafirma o conceito de promoção da saúde e incentiva a participação da comunidade. Nesse sentido propõe o treinamento da população para a liderança e acesso aos recursos de saúde disponíveis.

Dois anos antes da Carta de Ottawa, iniciavam-se as atividades do Grupo de Assistência Multidisciplinar ao Idoso Ambulatorial (GAMIA) do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), formado por uma equipe multidisciplinar. Na época, o idealizador do programa, Professor Doutor Wilson Jacob Filho, cunhou o termo senecultura(55. Jacob-Filho W. Promoção da saúde do idoso. São Paulo: Lemos; 1998.) como sendo “o conjunto de ações interdisciplinares cujo resultado contribui para a Promoção da Saúde do Idoso”, conceito que passou a caracterizar o trabalho desse grupo de profissionais.

Dessa forma, o GAMIA estruturou um trabalho pioneiro à época, elaborando uma proposta de atendimento grupal, na qual o idoso, previamente selecionado, passaria a frequentar o Ambulatório de Geriatria semanalmente, desenvolvendo atividades que visavam à promoção de sua saúde, por meio de consultas médicas, orientações especializadas e atividades físicas, sociais e de lazer.

O GAMIA apresenta-se como um grupo em busca de conhecimento acerca de sua própria saúde. As atividades propostas seguem a ideia de que o idoso precisa conhecer sua condição de saúde, as alternativas de atuação de cada profissional e ter poder de decisão sobre sua saúde(66. Viude A. Atividade de fonoaudiologia. In: Jacob-Filho W. Prática a caminho da senecultura – Grupo de Assistência Multidisciplinar ao Idoso Ambulatorial, GAMIA. São Paulo, Atheneu, 2003. p.49.). Instrumentalizar o idoso quanto aos seus direitos e deveres implica construir cidadania e promover acesso à integralidade da saúde.

Atualmente, a equipe conta com um corpo de profissionais formado pelas áreas de enfermagem, farmácia, fisioterapia, medicina, psicologia, serviço social e terapia ocupacional. O GAMIA seleciona 30 idosos para participar de seu programa anual a partir de um processo de triagem daqueles interessados inscritos, tendo como critérios de inclusão idosos de ambos os sexos, idade igual ou superior a 60 anos, capacidade de locomoção independente de outrem, capacidade de comunicação que permita a atuação em grupo, e interesse e compromisso em participar do programa(77. Jacob-Filho W. Prática a caminho da senecultura – Grupo de Assistência Multidisciplinar ao Idoso Ambulatorial, GAMIA. São Paulo: Atheneu; 2003.).

Os 30 idosos selecionados são divididos em dois grupos de 15 pessoas e passam a frequentar o Ambulatório de Geriatria todas as quartas-feiras, das 8h às 15h. Todas as atividades são realizadas em grupo, com exceção das consultas médicas. Os dois grupos são atendidos concomitantemente às quartas-feiras. As áreas de fisioterapia e de terapia ocupacional atendem aos dois grupos semanalmente e as demais áreas alternam-se atendendo a cada grupo quinzenalmente. O cronograma de atividades do GAMIA está exemplificado no quadro 1.

Quadro 1
Cronograma de atividades do Grupo de Assistência Multidisciplinar ao Idoso Ambulatorial – Grupos Amarelo e Verde

Os idosos participam das atividades sociais e de lazer juntamente dos idosos do grupo Pós-GAMIA (formado por idosos que já participaram do GAMIA), como passeios, festas e bazares.

Desde 2002, os idosos fundaram o Jornal do GAMIA, cuja comissão é formada por idosos do GAMIA, Pós-GAMIA e da assistente social do GAMIA. O objetivo dessa atividade é estimular e propiciar o exercício de participação dos idosos, sendo o papel do profissional apenas o de facilitador e colaborador. O Jornal do GAMIA é um espaço aberto para entrevistas, artigos de prevenção e saúde, temas relacionados ao envelhecimento, dicas, receitas, piadas, divulgação de informes referentes aos grupos, enfim, um espaço de participação.

Pensar no envelhecimento como uma experiência positiva expõe uma visão que a Organização Mundial da Saúde (OMS) chama de envelhecimento ativo(88. World Health Organization (WHO). Active Ageing. A Policy Framework. Madrid, Spain, 2002.): “…processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas”.

Entende-se por qualidade de vida(99. The WHOQOL Group. The World Health Organization Quality of Life assessment (WHOQUOL): position paper from the World Health Organization. Soc Sci Med. 1995;10(41):1403-9.) “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”.

OBJETIVO

Este estudo teve como objetivo verificar alteração na qualidade de vida dos idosos participantes do programa do GAMIA.

MÉTODOS

O estudo foi realizado no Ambulatório de Geriatria do Hospital das Clínicas da FMUSP, com idosos participantes do programa do GAMIA nos anos 2000, 2001 e 2002. Foram observadas 83 pessoas em 1 ano de acompanhamento, sendo aferidas medidas de qualidade de vida utilizando-se o instrumento World Health Organization Quality Of Life (WHOQOL-bref) em dois momentos: no início e no final do programa. Terminaram o estudo com todas as avaliações preenchidas 83 das 90 pessoas avaliadas na primeira fase.

O instrumento selecionado foi o WHOQOL-bref, uma versão abreviada do instrumento WHOQOL-100, ambos validados para população brasileira(1010. Fleck MPA, Chachamovich E, Louzada S, Pinzon V, Vieira G. Aplicação da versão em português do instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde (WHOQOL – 100). Rev Saúde Púb. 1999;33(2):198-205.1212. Fleck MPA. O instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-100): características e perspectivas. Ciência e Saúde Coletiva. 2000;5(1):33-8.). O WHOQOL-Bref é composto por 26 questões dentre as que obtiveram os melhores desempenhos psicométricos, cobrindo 4 domínios específicos (físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente) e 1 domínio geral.

Esse instrumento foi desenvolvido pela OMS em estudo multicêntrico, baseando-se nos pressupostos de que qualidade de vida é uma construção subjetiva (percepção do indivíduo em questão), multidimensional e composta por elementos positivos (por exemplo, mobilidade) e negativos (dor)(1313. Minayo MCS, Hartz ZMA, Buss PM. Qualidade de vida: um debate necessário. Ciência e Saúde Coletiva. 2000;5(1):7-18.).

Os dados sociodemográficos foram extraídos de um questionário elaborado pela autora e por informações contidas em prontuários.

Para medir os índices que avaliam as atividades de vida diária foi utilizada a escala de Atividades Básicas de Vida Diária (ABVDs) de Katz e a escala de Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVDs) de Lawton.

O Índice de Katz(1414. Katz S, Akpomk CA. A measure of primary sociobiological functions. Int J Health Serv. 1976;6(3):493-508.,1515. Katz S, Ford AB, Moskowitz RW, Jackson BA, Jaffee MW. Studies of ilness in the aged. The Index of ADL: a standardized measure of biological and psychosocial function. JAMA. 1963;185:914-9.) avalia as ABVDs. As atividades estão divididas nos itens banho, alimentação, higiene pessoal, vestir-se, transferência e continência. O escore total é determinado pela soma respostas afirmativas e o máximo de 6 pontos significa plena independência para as ABVDs.

A escala de Lawton(1616. Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: Self maintaining and instrumental activities of daily living. Gerontologist. 1969;9:179-86.) avalia as AIVDs. As atividades estão divididas em habilidade de usar o telefone, ir a locais distantes, fazer compras, preparar as próprias refeições, arrumar a casa, fazer trabalhos manuais domésticos, lavar e passar a roupa, tomar seus remédios, cuidar das finanças. Para cada questão, a primeira resposta significa independência; a segunda, capacidade com ajuda; a terceira, dependência. A pontuação máxima é de 27 pontos e os escores têm um significado apenas para o paciente individual, servindo como base de comparação evolutiva.

Para responder os objetivos do estudo, foram utilizadas as diferenças na qualidade de vida nos domínios do WHOQOL com uso de testes Wilcoxon pareados(1717. Conover W J. Practical nonparametric statistics. New York, Wiley, 1980.) e foram calculadas as diferenças sofridas em cada domínio (final – inicial). Foi testada a normalidade de distribuição das diferenças nos domínios com uso de testes Kolmogorov-Smirnov(1717. Conover W J. Practical nonparametric statistics. New York, Wiley, 1980.), aceita a suposição de normalidade de distribuição dos dados (p > 0,05). Os testes foram realizados com nível de significância inferior a 5%.

O estudo foi aprovado pelo Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas da FMUSP e o termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi obtido de todos os participantes.

RESULTADOS

Dos 83 sujeitos, 79,5% eram do sexo feminino e 20,5% do sexo masculino, e a média de idade foi de 69,30 anos.

A Escala de Katz mostrou que todos os idosos obtiveram a pontuação máxima, enquanto que, segundo a Escala de Lawton, 92,8% obtiveram a pontuação máxima (Tabela 1).

Tabela 1
Descrição dos escores de atividades de vida diária

A Tabela 2 mostra que as pessoas participantes do programa GAMIA tiveram uma redução estatisticamente significativa no domínio físico (p = 0,014) e melhoram nos domínios psicológico e meio ambiente (p = 0,029 e p = 0,007, respectivamente). Os domínios relações sociais e geral mostraram tendência de melhora.

Tabela 2
Descrição dos escores de qualidade de vida no início e fim do programa e resultado da comparação entre os momentos

DISCUSSÃO

Em função dos critérios de seleção, os participantes do programa do GAMIA caracterizam-se por serem idosos independentes em relação às atividades de vida diária e cognitivamente preservados, possuindo, assim, plena autonomia.

Kalache et al.(1818. Kalache A, Veras RP, Ramos LR. O envelhecimento da população mundial. Um desafio novo. Rev Saúde Públ. 1987;21(3):200-10.) observaram que a manutenção da autonomia está intimamente ligada à qualidade de vida e que uma forma de se procurar quantificar esta variável pode ser pelo grau de autonomia com que o indivíduo desempenha as funções cotidianas que o torna independente dentro do seu contexto socioeconômico cultural. Na prática, uma forma adequada de medir tais características é por meio do desempenho das atividades de vida diária.

O domínio físico avalia os aspectos relacionados a dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso, atividades da vida cotidiana, dependência de medicação ou de tratamentos, além da capacidade de trabalho.

O declínio observado nos índices do domínio físico podem estar relacionados à percepção que o idoso tem de seu estado atual de saúde, devido à descoberta e à consciência de novos diagnósticos e, consequentemente, à necessidade de novos tratamentos. Isso, porém, não é indicativo de que seu estado de saúde tenha piorado no período.

Estudo de Xavier et al.(1919. Xavier FMF, Ferraz MPT, Marc N, Escosteguy NU, Moriguchi EH. Elderly peoples definition of quality of life. Rev Bras Psiquiat. 2003;25(1):37-49.) mostrou que idosos insatisfeitos com sua qualidade de vida tinham mais problemas de saúde segundo a Cumulative Illness Rating Scale (CIRS) e mais sintomas depressivos quando avaliados pela Geriatric Depression Scale (GDS); a causa desse descontentamento era a falta de saúde física. Concluiu-se que o conceito de uma qualidade de vida negativa seria equivalente à perda de saúde, enquanto que o conceito de uma qualidade de vida positiva seria equivalente a uma pluralidade maior de categorias, como atividade, renda, vida social e relação com a família, categorias diferentes de sujeito para sujeito.

A revisão realizada por Fortin et al.(2020. Fortin M, Lapoint L, Hudon C, Vanasse A, Ntetu ATL, Maltais D. Multimorbidity and quality of life in primary care: a systematic review. Health Qual Life Outcomes. 2004;2:51.) mostrou a existência de uma relação inversa entre multimorbidades e qualidade de vida, apontada também no estudo de Miranda et al.(2121. Miranda de Nóbrega TC, Jaluul O, Machado AN, Paschoal SMP, Jacob Filho W. Quality of life and multimorbidity of elderly outpatients. Clinics. 2009;64(1):45-50.). Em ambos os estudos, as pessoas tinham doenças crônicas estabilizadas, não apresentavam limitações funcionais, dores ou complicações. Os dados sugeriram que pacientes com esse perfil, quando conscientizados de sua real condição de saúde, mudam sua percepção em relação à sua saúde física e, consequentemente, à avaliação de sua qualidade de vida.

Em função da assistência multidisciplinar, o idoso aprende que existem outras abordagens, como nutrição saudável, atividade física, cuidados com a saúde, psicoterapia, terapia ocupacional, que atuam como poderosos adjuvantes do tratamento médico.

As abordagens não medicamentosas exigem da pessoa a incorporação de novos hábitos e mudanças comportamentais, alterando, muitas vezes, suas rotinas. Essa alteração pode se tornar uma tarefa difícil, pois depende da aderência do idoso e, nesse aspecto, a atuação da equipe interdisciplinar torna-se fundamental.

O domínio psicológico avalia os aspectos relacionados a sentimentos positivos ou negativos, pensar, aprender, memória e concentração, autoestima, imagem corporal e aparência, espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais. A melhora observada nesse domínio deve estar relacionada a uma série de fatores.

Ao entrar no GAMIA, o idoso sente-se acolhido devido ao suporte que o atendimento em grupo oferece e pelo fato de sentir a disponibilidade de profissionais interessados em auxiliá-lo nos diferentes aspectos relacionados ao seu envelhecimento. Existe a oportunidade de desenvolvimento de novas amizades, contribuindo ao aumento da autoestima e dos sentimentos positivos relacionados à velhice.

A dinâmica decorrente do atendimento multidisciplinar permitiu maior relacionamento entre a equipe de profissionais do GAMIA e colaborou para que o idoso modificasse seus conceitos e comportamentos na relação ao seu processo de envelhecimento e à sua condição de ser velho.

Da mesma forma, o atendimento grupal também influencia o domínio meio ambiente, que avalia os aspectos relacionados à segurança física e proteção, ambiente no lar, recursos financeiros, cuidados de saúde e sociais (disponibilidade e qualidade), oportunidades de adquirir novas informações e habilidades, participação/oportunidades de recreação/lazer, ambiente físico (poluição/ruído/trânsito/clima) e transporte.

O compromisso estabelecido em participar assiduamente do programa de atividades do GAMIA colaborou para que o idoso desenvolvesse a percepção da importância de ter um tempo só para si.

O conhecimento e a percepção de tais alterações propiciaram o desenvolvimento de respostas adaptativas e fortalecedoras, capazes de potencializar um melhor desempenho dos idosos no meio social ao qual pertenciam, propiciando sua permanência ativa e atuante no mesmo pelo maior tempo possível(2222. Izzo H. Atividade de fisioterapia. In: Jacob-Filho W. Prática a caminho da senecultura – Grupo de Assistência Multidisciplinar ao Idoso Ambulatorial, GAMIA. São Paulo: Atheneu; 2003.).

O idoso compartilha, além de suas próprias percepções, da percepção do outro, podendo, dessa forma, ampliar para seu relacionamento familiar, afetivo e social(2222. Izzo H. Atividade de fisioterapia. In: Jacob-Filho W. Prática a caminho da senecultura – Grupo de Assistência Multidisciplinar ao Idoso Ambulatorial, GAMIA. São Paulo: Atheneu; 2003.).

O domínio relações sociais avalia os aspectos envolvidos nas relações pessoais, suporte social e atividade sexual. Acredita-se que a tendência de melhora observada nesse domínio decorra da maior percepção do idoso quanto às suas possibilidades de articulação e de relacionamentos afetivos adquirida nas atividades em grupo, base fundamental do programa do GAMIA.

A literatura(2323. Lima LJC, Pasetchny. Atividades em grupo: uma alternativa para inclusão social na terceira idade. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 1998;9(1):37-42.2525. Rolnik R. A cidade e o idoso. SESC. 1998:X(14):45-50.) aponta para uma questão importante ligada à problemática da relações pessoais nas grandes metrópoles. Fatores como a alta densidade demográfica, heterogeneidade da população, falta de segurança e de adaptação dos espaços públicos acabam por não estimular o crescimento pessoal e social de seus membros, pois dificultam a convivência e as oportunidades de lazer.

Torna-se difícil organizar espaços nos quais os idosos possam desenvolver a cidadania e a convivência, incentivando, assim, sua participação social. Dessa forma, as atividades em grupo acabam contribuindo para o exercício de novos papéis e retomada de outros abandonados no decorrer de sua vida.

Segundo Lima e Pasetchny(2323. Lima LJC, Pasetchny. Atividades em grupo: uma alternativa para inclusão social na terceira idade. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 1998;9(1):37-42.), as dificuldades nas relações interpessoais e sociais nas grandes metrópoles, aliadas à falta de espaços públicos e ao aumento do número de idosos, fazem da instituição de grupos de terceira idade uma necessidade, pois elas auxiliam na promoção da inclusão social do idoso.

Da mesma forma, no domínio geral, que se reporta à autopercepção da qualidade de vida e de seu grau de satisfação com a própria saúde, acredita-se que a tendência de melhora seja devida ao melhor conhecimento sobre suas capacidades e aptidões, porém, em consonância com a consciência recém-adquirida de doenças e limitações até então desconhecidas, fruto de um processo de acurada avaliação geriátrica global.

O estudo longitudinal realizado por Rudinger e Thomae (apud Neri)(2626. Neri AL. Qualidade de vida e idade madura. Campinas: Papirus; 1993.) ofereceu informações valiosas sobre o ajustamento e a satisfação na velhice, enfatizando que a saúde percebida e as maneiras como as pessoas lidam com os problemas de saúde são mais preditivas do que as condições objetivas de saúde, avaliadas segundo parâmetros médicos.

O fato de o encaminhamento dos idosos para triagem do GAMIA ser realizado por meio da indicação dos idosos do Pós-GAMIA, não sendo necessária a divulgação por parte do Serviço de Geriatria, mostra a influência positiva do programa no cotidiano do idoso, que passa a exercer o papel de agente multiplicador. O idoso do Pós-GAMIA almeja que seu familiar, seu vizinho, seu amigo se beneficiem da mesma forma que ele se sentiu beneficiado.

Segundo Melo et al.(2727. Melo MC, Souza AL, Leandro EL, Mauricio HA, Silva ID, Oliveira JMO. A educação em saúde como agente promotor da qualidade de vida para o idoso. Ciência e Saúde Coletiva. 2009;14(Supl.1):1579-86.), em qualquer sistema de saúde, não se pode conceber o planejamento de ação sem antes considerar as premissas do planejamento educativo.

A OMS pontua que os objetivos da educação em saúde são o de desenvolver nas pessoas o senso de responsabilidade pela sua própria saúde e pela saúde da comunidade a qual pertençam, e a capacidade de participar da vida comunitária de maneira construtiva. Essas assertivas fazem da educação em saúde um dos mais importantes elos entre os desejos e as expectativas da população por uma vida melhor, além de projeções e estimativas dos governantes ao oferecer programas de saúde mais eficientes(2828. Levy SN, Silva JJC, Cardoso IFR, Werberich PM, Moreira LLS, Montiani H, et al. Educação em saúde: histórico, conceitos e propostas. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1997.).

O trabalho com grupos de idosos funciona como instrumento a serviço da autonomia e do desenvolvimento contínuo do nível de saúde e das condições de vida, promovendo a saúde do idoso(2727. Melo MC, Souza AL, Leandro EL, Mauricio HA, Silva ID, Oliveira JMO. A educação em saúde como agente promotor da qualidade de vida para o idoso. Ciência e Saúde Coletiva. 2009;14(Supl.1):1579-86.).

O modelo de atendimento proposto pela equipe de profissionais do GAMIA tem a possibilidade de ser reproduzido na rede pública, pois sua estrutura é simples e de baixo custo, visto que funciona há 26 anos no Ambulatório de Geriatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.

As ações voltadas para a promoção do envelhecimento saudável, portanto, quebram os paradigmas da atenção ao idoso, que visa fundamentalmente ao tratamento sintomático das doenças. Acredita-se na importância de modelos de atuação que permitam a quem envelhece uma habilitação para participar ativamente da construção de seu futuro, conceitos estes muito bem sintetizados por Litvoc e Brito(2929. Litvoc J, Brito C. Prevenção e promoção da saúde. São Paulo: Atheneu; 2004.), pontuando que as ações de prevenção e promoção de saúde, que incluem medidas referentes às doenças e aos aspectos do bem-estar social e cultural, são fundamentais tanto para os idosos com capacidade funcional preservada como para aqueles já com incapacidade. No caso dos idosos com função preservada, essas ações são necessárias para manter o estado funcional íntegro.

CONCLUSÃO

Embora a literatura relacione a importância da saúde física ao desenvolvimento de uma boa qualidade de vida na velhice, este estudo mostrou que, apesar do declínio nos índices do domínio físico, o idoso teve melhora da qualidade de vida em decorrência do desenvolvimento de suporte psicológico, social e ambiental.

  • Estudo realizado no Ambulatório de Geriatria do Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP, São Paulo (SP), Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2011

Histórico

  • Recebido
    08 Jul 2010
  • Aceito
    24 Jan 2011
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