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Acompanhamento farmacoterapêutico em unidade de terapia intensiva respiratória: descrição e análise de resultados

RESUMO

Objetivo:

Descrever e avaliar o acompanhamento farmacoterapêutico do farmacêutico clínico em uma unidade de terapia intensiva.

Métodos:

Trata-se de um estudo descritivo, com desenho transversal, realizado no período de agosto a outubro de 2016. Os dados foram coletados por meio de um formulário de registro, com acompanhamento farmacoterapêutico realizado pelo farmacêutico clínico na unidade de terapia intensiva respiratória de um hospital terciário. Os problemas registrados nas prescrições foram quantificados e classificados, sendo avaliados quanto à gravidade; as recomendações realizadas pelo farmacêutico clínico foram analisadas em relação ao impacto na farmacoterapia. Os medicamentos envolvidos nos problemas foram categorizados utilizando o Anatomical Therapeutic Chemical Classification System.

Resultados:

Foram acompanhados 46 pacientes, tendo sido registrados 192 problemas relacionados à farmacoterapia. Os problemas prevalentes foram informação ausente na prescrição (33,16%) e com gravidade menor (37,5%). Das recomendações realizadas para a otimização da farmacoterapia, 92,7% foram aceitas, sendo prevalentes aquelas referentes a inclusão do tempo de infusão (16,67%) e a adequação da dose (13,02%), com maior impacto na toxicidade (53,6%). Os anti-infecciosos gerais para uso sistêmico constituíram classe de medicamentos mais frequente nos problemas relacionados à farmacoterapia (53%).

Conclusão:

O acompanhamento farmacoterapêutico realizado pelo farmacêutico em uma unidade de terapia intensiva respiratória mostrou-se capaz de detectar problemas na farmacoterapia dos pacientes e realizar recomendações clinicamente relevantes.

Descritores:
Cuidados críticos; Farmacêuticos; Assistência farmacêutica; Serviço de farmácia hospitalar; Prescrições de medicamentos

ABSTRACT

Objective:

To describe and evaluate the pharmacotherapeutic follow-up by a clinical pharmacist in an intensive care unit.

Methods:

A descriptive and cross-sectional study carried out from August to October 2016. The data were collected through a form, and pharmacotherapeutic follow-up conducted by a clinical pharmacist at the respiratory intensive care unit of a tertiary hospital. The problems recorded in the prescriptions were quantified, classified and evaluated according to severity; the recommendations made by the pharmacist were analyzed considering the impact on pharmacotherapy. The medications involved in the problems were classified according to the Anatomical Therapeutic Chemical Classification System.

Results:

Forty-six patients were followed up and 192 pharmacotherapy-related problems were registered. The most prevalent problems were missing information on the prescription (33.16%), and those with minor severity (37.5%). Of the recommendations made to optimize pharmacotherapy, 92.7% were accepted, particularly those on inclusion of infusion time (16.67%), and dose appropriateness (13.02%), with greater impact on toxicity (53.6%). Antimicrobials, in general, for systemic use were drug class most often related to problems in pharmacotherapy (53%).

Conclusion:

Pharmacotherapeutic follow-up conducted by a pharmacist in a respiratory intensive care unit was able to detect problems in drug therapy and to make clinically relevant recommendations.

Keywords:
Critical care; Pharmacists; Pharmaceutical services; Pharmacy service; hospital; Drug prescriptions

INTRODUÇÃO

No ambiente hospitalar, a unidade de terapia intensiva (UTI) é o local em que ocorre a maioria dos erros de medicação. Isto pode estar relacionado ao fato de os pacientes internados estarem mais propensos devido tanto à natureza crítica de suas doenças, como à polifarmácia, à utilização de medicamentos de alto risco e a uma frequência alta de mudanças na farmacoterapia.(11. Klopotowska JE, Kuiper R, van Kan HJ, de Pont AC, Dijkgraaf MG, Lie-A-Huen L, et al. On-ward participation of a hospital pharmacist in a Dutch intensive care unit reduces prescribing errors and related patient harm: an intervention study. Crit Care. 2010;14(5):R174.

2. Pilau R, Hegele V, Heineck I. [Role of clinical pharmacist in adult intensive care unit: a literature review]. Rev Bras Farm Hosp Serv Saude. 2014;5(1):19-24. Portuguese.
-33. Silva LO, Oliveira AI, Araújo IB, Saldanha V. Prescribing errors in an intensive care unit and the role of the pharmacist. Rev Bras Farm Hosp Serv Saude. 2012;3(3):6-10.) Desta forma, os erros e suas consequências são mais graves em pacientes de cuidados intensivos, já que 19% dos erros de medicação em UTI causam risco de vida, e 42% são importantes clinicamente, ao ponto de tornarem necessários tratamentos adicionais de suporte de vida.(44. Morimoto T, Sakuma M, Matsui K, Kuramoto N, Toshiro J, Murakami J, et al. Incidence of adverse drug events and medication errors in Japan: the JADE study. J Gen Intern Med. 2011;26(2):148-53.,55. Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Analysis of clinical pharmacists interventions in a tertiary teaching hospital in Brazil. einstein (São Paulo). 2013;11(2):190-6.)

O termo “erro de medicação” é definido como um evento evitável, que pode levar ao uso inadequado do medicamento, causando ou não dano ao paciente. Estes erros podem ocorrer em qualquer fase da terapia medicamentosa e incluem erros de prescrição, transcrição, dispensação, preparação e de administração.(66. Suggested definitions and relationships among medication misadventures, medication errors, adverse drug events, and adverse drug reactions. Am J Health Syst Pharm. 1998;55(2):165-6.

7. Camiré E, Moyen E, Stelfox HT. Medication errors in critical care: risk factors, prevention and disclosure. CMAJ. 2009;180(9):936-43. Review.
-88. Costa LS. Atuação do farmacêutico em unidade de terapia intensiva: impacto da Farmácia Clínica no acompanhamento da terapia medicamentosa [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2014.)

Nas instituições de saúde, a implantação de sistemas de detecção e prevenção de erros de prescrição deve ser um dos objetivos das ações, não só da farmacovigilância, mas também do Serviço de Farmácia Clínica, de modo a estabelecer uma avaliação contínua, com o intuito de diminuir a incidência de erros e, principalmente, contribuir para a identificação e o relato de novas possibilidades consideradas, equivocadamente, como reações adversas.(99. Nunes PH, Pereira BM, Nominato JC, Albuquerque EM, Silva LF, Castro IR, et al. Intervenção farmacêutica e prevenção de eventos adversos. Rev Bras Cienc Farm. 2008;44(4):691-9.)

As recomendações farmacêuticas, definidas como “ato planejado, documentado e realizado junto ao usuário e profissionais de saúde, que visa resolver ou prevenir problemas que interferem ou podem interferir na farmacoterapia, sendo parte integrante do processo de acompanhamento/seguimento farmacoterapêutico”,(1010. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica: proposta [Internet]. Brasília: OPAS;2002 [citado 2017 Out 10]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/PropostaConsensoAtenfar.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
) são ações desenvolvidas pelo farmacêutico clínico. A participação deste profissional na UTI é uma das estratégias que pode ser adotada, a fim de evitar erros de medicação, pois fornece informações importantes para o uso seguro dos medicamentos.(33. Silva LO, Oliveira AI, Araújo IB, Saldanha V. Prescribing errors in an intensive care unit and the role of the pharmacist. Rev Bras Farm Hosp Serv Saude. 2012;3(3):6-10.)

Em 2008, foi criado o Departamento de Farmácia da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, enfatizando a importância da participação deste profissional na equipe intensivista e, em 2010, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) lançou a Resolução da Diretoria Colegiada n° 7, que dispõe sobre as condições gerais de atendimento em UTI, visando garantir, entre outras, a obrigatoriedade de um profissional farmacêutico clínico à beira leito.(1111. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução nº 7, de 24 de fevereiro de 2010. Dispõe sobre os requisitos mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva e dá outras providências [Internet]. Brasília (DF): ANVISA; 2010 [citado 2018 Jan 10]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2010/res0007_24_02_2010.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
)

Desta forma, o profissional farmacêutico pode estar envolvido em inúmeras atividades. Dentre elas, destacam-se: o acompanhamento e monitoramento da prescrição médica referente a medicamento prescrito, dose, intervalo, via, diluição e administração; suas incompatibilidades medicamentosas; a avaliação do risco da utilização para cada paciente individualmente; a busca de atualização na literatura científica, para identificar padrões de administração de medicamentos e elaborar protocolos; o auxílio na promoção da educação continuada, promovendo a troca de conhecimentos na equipe multiprofissional e dando suporte técnico cabível; a promoção de treinamentos; o monitoramento de eventos adversos e interações medicamentosas; e a otimização terapêutica, para reduzir custos para os hospitais e garantir, assim, a segurança na prescrição, no uso e na administração de medicamentos.(1212. Horn E, Jacobi J. The critical care clinical pharmacist: evolution of an essential team member. Crit Care Med. 2006;34(3 Suppl):S46-51. Review.

13. Leape LL, Cullen DJ, Clapp MD, Burdick E, Demonaco HJ, Erickson JI, et al. Pharmacist participation on physician rounds and adverse drug events in the intensive care unit. JAMA. 1999;282(3):267-70. Erratum in: JAMA 2000; 283(10):1293.
-1414. Oliveira LM, Thiesen FV, Zimmer AR, Morrone FB, Munhoz TP. O papel do farmacêutico em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) [Internet]. São Paulo: Instituto Rancine; 2013 [citado 2018 Jan 10]. Disponível em: http://www.racine.com.br/o-papel-do-farmaceutico-em-unidade-de-terapia-intensiva-uti/
http://www.racine.com.br/o-papel-do-farm...
)

Dentro dos sistemas de saúde, o profissional farmacêutico representa uma das últimas oportunidades de identificar, corrigir ou reduzir possíveis riscos associados à terapêutica. As recomendações farmacêuticas para o uso racional de medicamentos são relevantes e aceitas, porém faltam relatos sobre esta atividade, sobretudo em grupos especiais de pacientes.(99. Nunes PH, Pereira BM, Nominato JC, Albuquerque EM, Silva LF, Castro IR, et al. Intervenção farmacêutica e prevenção de eventos adversos. Rev Bras Cienc Farm. 2008;44(4):691-9.)

Atualmente, não existem estudos que tratem da atuação do farmacêutico clínico em terapia intensiva para grupos de risco específicos, como pacientes com problemas respiratórios, fato que demonstra a necessidade de pesquisas que contribuam para seu desenvolvimento profissional, auxiliando na promoção do uso racional de medicamentos, por meio de análises críticas de riscos e benefícios das terapias propostas, e da análise de prescrições de medicamentos, antes de sua dispensação e da consequente utilização pelos pacientes.

OBJETIVO

Descrever o acompanhamento farmacoterapêutico do farmacêutico clínico em uma unidade de terapia intensiva respiratória.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo com desenho transversal, realizado na UTI respiratória do Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM), em Fortaleza, (CE, Brasil) no período de agosto a outubro de 2016. A UTI possuía oito leitos, e atendia pacientes agudos e cronicamente doentes, que necessitavam de suporte intensivo de vida. Em geral, estes pacientes apresentavam quadros clínicos heterogêneos (doença pulmonar obstrutiva crônica exacerbada, pneumonias, tuberculose e outros problemas respiratórios).

O estudo teve uma amostra do tipo por conveniência, tendo sido incluídos todos os acompanhamentos farmacoterapêutico realizados pelo farmacêutico clínico de pacientes internados na UTI durante o período de agosto a outubro de 2016. Foram excluídos os pacientes que tiveram a ficha de acompanhamento incompleta, que impossibilitassem a análise de dados, e/ou com período de internação na UTI inferior a 24 horas.

Durante o acompanhamento farmacoterapêutico, foram analisados os registros de exames laboratoriais e da equipe multiprofissional nos prontuários, bem como as prescrições médicas.

Os problemas e as recomendações farmacêuticas registrados nos formulários do acompanhamento foram quantificados e classificados de acordo com uma adaptação feita por Costa e Martins.(88. Costa LS. Atuação do farmacêutico em unidade de terapia intensiva: impacto da Farmácia Clínica no acompanhamento da terapia medicamentosa [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2014.,1515. Martins BC. Acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes transplantados renais: da descrição aos desfechos clínicos [dissertação]. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; 2015.) A adaptação foi caracterizada de modo a abranger problemas relativos à farmacoterapia considerados frequentes em uma UTI adulto especializada em problemas respiratórios.

A gravidade dos problemas relacionados à farmacoterapia registrados foi analisada por um método adaptado de Overhage et al., e modificado por Fernandez-Llamazares et al., e Costa(88. Costa LS. Atuação do farmacêutico em unidade de terapia intensiva: impacto da Farmácia Clínica no acompanhamento da terapia medicamentosa [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2014.,1616. Overhage JM, Lukes A. Practical, reliable, comprehensive method for haracterizing pharmacists’ clinical activities. Am J Health Syst Pharm. 1999; 56(23):2444-50. Review.,1717. Fernandez-Llamazares CM, Calleja-Hernández MÁ, Manrique-Rodríguez S, Pérez-Sanz C, Durán-García E, Sanjurjo-Sáez M. Prescribing errors intercepted by clinical pharmacists in pediatrics and obstetrics in a tertiary hospital in Spain. Eur J Clin Pharmacol. 2012;68(9):1339-45.) Para análise de impacto das recomendações farmacêuticas, foi utilizada a classificação de Farré Riba et al.,(1818. Farré Riba R. Clopés Estela A, Sala Esteban ML, Castro Cels I, Gámez Lechuga M, López Sánchez S, et al. Intervenciones farmacéuticas (parte I): metodología y mvaluación. Farm Hosp. 2000;3(24):136-44.) considerando “impacto na eficácia” as recomendações que permitiram melhor utilização do medicamento pelo paciente, com o intuito de alcançar os objetivos terapêuticos planejados, incluindo também as recomendações que melhoram a assistência fornecida; as recomendações classificadas com “impacto na toxicidade” foram aquelas que permitiram diminuir o risco na utilização do medicamento pelo paciente.

Os medicamentos envolvidos nos problemas relacionados à farmacoterapia identificados foram classificados segundo o Anatomic Therapeutic Chemical Code (ATC).(1919. World Health Organization Collaborating Centre For Drug Statistics Methodology (WHOCC). Anatomical Therapeutic Chemical Classification (ATC Code) [Internet]. Norway: WHOCC; 2015. 2015 [cited 2016 Feb 6]. Avaliable from: https://www.whocc.no/atc_ddd_index/
https://www.whocc.no/atc_ddd_index/...
)

A análise dos dados foi realizada utilizando o programa Excel, para tabulação e cruzamento entre as variáveis no programa Epi-Info v.3.5.1. As variáveis numéricas foram descritas sob a forma de médias e desvios padrões, e as variáveis categóricas sob forma de proporções.

O estudo foi projetado de acordo com as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos (CNS: 466/2012) e foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do HM, sendo aprovado com o número 1.536.402, CAAE: 55297316.6.0000.5039. Os dados coletados foram tratados de forma confidencial, sem identificação dos pacientes.

RESULTADOS

Foram acompanhados 46 pacientes durante o período de pesquisa. Os diagnósticos mais frequentes foram sepse/choque séptico (17,34%), doença pulmonar obstrutiva crônica (15,30%) e pneumonia (11,22%), com média de 2,1 diagnósticos por paciente (desvio padrão (DP): ±1,0; mínimo: um diagnóstico; máximo: quatro diagnósticos). A média de tempo de internação na UTI respiratória no período de estudo foi de 14,7 dias (DP±12,2; mínimo: 1 dia; máximo: 60 dias) e, dentre os pacientes acompanhados, 63% foram transferidos para enfermaria. O sexo predominante foi o masculino (63%). As faixas etárias nas quais foi alocada a maioria dos pacientes foram 66 a 80 anos (34,8%) e >80 anos (21,7%), com média de idade 66,5 anos (DP: ±16,1; mínimo: 25 anos; máximo: 91anos) (Tabela 1).

Tabela 1
Características da população de estudo da unidade de terapia intensiva respiratória

Foram analisados 192 problemas relacionados à farmacoterapia registrados no acompanhamento farmacoterapêutico em 528 prescrições analisadas. Os mais prevalentes foram informação ausente na prescrição (33,16%), dosagem maior do que a correta (12,43%) e indisponibilidade (falta) (9,84%) (Tabela 2). Em relação aos problemas identificados, o farmacêutico clínico registrou 192 recomendações realizadas para a equipe multiprofissional, com aceitação em 92,7% dos casos. As recomendações mais frequentes foram tempo de infusão (inclusão) (16,7%), dose (adequação) (13,0%), diluição/reconstituição (inclusão) (13,0%) e suspensão do medicamento (13,0%). Em relação às recomendações que não foram aceitas, o farmacêutico clínico registrou que os pacientes foram monitorados em relação aos parâmetros identificados quanto à possibilidade de eventos adversos.

Tabela 2
Problemas relacionados à farmacoterapia de acordo com as recomendações farmacêuticas registrados durante o acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes internados na unidade de terapia intensiva respiratória

Os problemas relacionados à farmacoterapia (informações incompletas na prescrição, forma de dosagem inadequada ou inexistente, medicamento não incluído entre os padronizados do hospital, entre outros) foram classificados em relação à gravidade como potencialmente letais (2,1%), sérios (14,6%), significantes (31,3%), sem erro (14,6%) e predominantemente menores (37,5%). Duplicação terapêutica, medicamento omitido da prescrição, dose insuficiente para a condição do paciente foram problemas categorizados como significante (31,3%). Já erros de ortografia ou de interpretação que podiam levar à dispensação errada dos medicamentos, alergia a medicamento documentada (como prescrição de dipirona para pacientes com relato de alergia a este medicamento), dose alta (>10 vezes a dose normal) de um medicamento com índice terapêutico normal) foram problemas classificados como sérios (14,6%).

A maioria das recomendações farmacêuticas em relação ao impacto foram na toxicidade, por terem permitido diminuir o risco na utilização do medicamento pelo paciente (53,6%) (Tabela 3).

Tabela 3
Correlação entre recomendações farmacêuticas e impacto no estudo realizado na unidade de terapia intensiva respiratória

A classe de medicamento mais envolvida nos problemas relacionados à farmacoterapia foi a dos anti-infecciosos gerais para uso sistêmico (53%), cujas recomendações farmacêuticas tiveram impacto na efetividade e na toxicidade da farmacoterapia; em seguida, encontram os agentes para aparelho digestório e metabolismo (14%). Nestes grupos, destacam-se meropenem, piperacilina/tazobactam e omeprazol (Tabela 4).

Tabela 4
Correlação entre classificação segundo o Anatomic Therapeutic Chemical Code dos medicamentos envolvidos e impacto dos problemas relacionados à farmacoterapia

DISCUSSÃO

O programa de residência multiprofissional possibilitou a inserção do farmacêutico nas enfermarias, UTI e ambulatórios do hospital, bem como a implementação de atividades clínicas. O acompanhamento farmacoterapêutico do paciente internado na UTI respiratória do HM é feito por monitoramento dos medicamentos utilizados e tempo de uso, incluindo terapia antimicrobiana e tratamento de comorbidades, para identificar problemas relacionados aos medicamentos, prevenir e/ou solucioná-los, com foco na segurança do paciente. O formulário utilizado possui um campo para registros de recomendações farmacêuticas e de resultados de exames laboratoriais utilizados para o monitoramento.

Em estudo realizado por Bohomol et al.,(2020. Bohomol E, Ramos LH, D’Innocenzo M. Medication errors in an intensive care unit. J Adv Nurs. 2009;65(6):1259-67.) a média de idade foi de 58 anos e a média de tempo de internamento foi de 12,4 dias. Entretanto, um estudo realizado em hospital holandês também demonstrou dados diferentes, houve predominância de pacientes do sexo masculino, com média de idade de 63,22 anos e média de tempo de internamento de 2,06 dias.(11. Klopotowska JE, Kuiper R, van Kan HJ, de Pont AC, Dijkgraaf MG, Lie-A-Huen L, et al. On-ward participation of a hospital pharmacist in a Dutch intensive care unit reduces prescribing errors and related patient harm: an intervention study. Crit Care. 2010;14(5):R174.) Esses dados corraboram com nossos achados. Já estudo prospectivo de coorte no Japão demonstrou maioria dos pacientes do sexo masculino, com médias de idade e tempo de internação de, respectivamente, 66 anos e 10 dias.(44. Morimoto T, Sakuma M, Matsui K, Kuramoto N, Toshiro J, Murakami J, et al. Incidence of adverse drug events and medication errors in Japan: the JADE study. J Gen Intern Med. 2011;26(2):148-53.) A principal questão que se enfrenta relativa a uma população idosa, com mais de um diagnóstico e internada por muitos dias em uma UTI, é o aumento do risco de ocorrência de eventos adversos. Esses são definidos como complicações indesejadas decorrentes do cuidado prestado, não atribuídas à evolução natural da doença de base, causadas principalmente por problemas relacionados à prescrição.(2121. Gallotti RM. Eventos adversos: o que são? Rev Assoc Med Bras. 2004; 50(2):114.)

A participação do farmacêutico nas atividades clínicas diárias das unidades de internação foi um grande avanço conquistado no HM durante o período do estudo, e permitiu identificar os problemas relacionados à farmacoterapia, que não foram percebidos na unidade de farmácia, como interações, incompatibilidades, aprazamentos, diluições, doses inadequadas, entre outros. Todas as prescrições realizadas durante o período de permanência dos pacientes foram avaliadas e validadas, sendo uma prescrição por dia de internação de cada paciente. A partir dos problemas encontrados, o farmacêutico elaborou recomendações farmacêuticas, para evitar que eles atingissem os pacientes.

O benefício do envolvimento do farmacêutico nas atividades clínicas pode ser confirmado pelo número de problemas relacionados à farmacoterapia identificados nas prescrições analisadas nos meses do estudo. Tal resultado é semelhante ao encontrado por Agalu et al., que mostraram taxa de 23,8% de informações ausentes na prescrição (dose, frequência, via de administração e unidade de medida) e de 15,1% relacionada a erros de dose.(2222. Agalu A, Ayele Y, Bedada W, Woldie M. Medication prescribing errors in the intensive care unit of Jimma University Specialized Hospital, Southwest Ethiopia. J Multidiscip Healthc. 2011;4:377-82.) Klopotowska et al., também mostrou que a maioria dos problemas relacionados à farmacoterapia estava ligada a erros de dose ou de omissão (31,6%).(11. Klopotowska JE, Kuiper R, van Kan HJ, de Pont AC, Dijkgraaf MG, Lie-A-Huen L, et al. On-ward participation of a hospital pharmacist in a Dutch intensive care unit reduces prescribing errors and related patient harm: an intervention study. Crit Care. 2010;14(5):R174.)

Neste estudo, a importância da individualização da farmacoterapia foi demostrada pelo farmacêutico clínico, por meio das recomendações realizadas mais prevalentes. Estudos realizados em hospitais universitários de Fortaleza (CE, Brasil) Curitiba (PR, Brasil) e na Holanda também detectaram a necessidade de manejo da diluição e tempo de infusão, do ajuste de dose e da suspensão do medicamento.(11. Klopotowska JE, Kuiper R, van Kan HJ, de Pont AC, Dijkgraaf MG, Lie-A-Huen L, et al. On-ward participation of a hospital pharmacist in a Dutch intensive care unit reduces prescribing errors and related patient harm: an intervention study. Crit Care. 2010;14(5):R174.,55. Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Analysis of clinical pharmacists interventions in a tertiary teaching hospital in Brazil. einstein (São Paulo). 2013;11(2):190-6.,2323. Fideles GM, de Alcântara-Neto JM, Peixoto Júnior AA, de Souza-Neto PJ, Tonete TL, da Silva JE, et al. Pharmacist recommendations in na intensive care unit: three-year clinical activities. Rev Bras Ter Intens. 2015;27(2):149-54.) Costa, em estudo realizado um hospital universitário em Campinas (SP, Brasil) demonstrou aceitação de 86,14% das recomendações farmacêuticas realizadas em um ano.(88. Costa LS. Atuação do farmacêutico em unidade de terapia intensiva: impacto da Farmácia Clínica no acompanhamento da terapia medicamentosa [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2014.) Leape et al., porém, em estudo realizado nos Estados Unidos, teve aceitação de 99%.(1313. Leape LL, Cullen DJ, Clapp MD, Burdick E, Demonaco HJ, Erickson JI, et al. Pharmacist participation on physician rounds and adverse drug events in the intensive care unit. JAMA. 1999;282(3):267-70. Erratum in: JAMA 2000; 283(10):1293.)

As classes de medicamentos mais envolvidas nos problemas relacionados à farmacoterapia foram os anti-infecciosos gerais para uso sistêmico, seguidos por agentes para aparelho digestivo e metabolismo. Tais medicamentos são prescritos, de modo geral, para pacientes com quadro crítico, por constituírem parte dos protocolos clínicos (por exemplo, omeprazol para profilaxia de úlcera de estresse) ou por serem usados para tratar patologias frequentes nesta população (como, por exemplo, meropenem para infecções por bactérias Gram-negativas). Outros estudos também mostraram estes medicamentos como principais responsáveis por problemas relacionados à farmacoterapia.(33. Silva LO, Oliveira AI, Araújo IB, Saldanha V. Prescribing errors in an intensive care unit and the role of the pharmacist. Rev Bras Farm Hosp Serv Saude. 2012;3(3):6-10.,55. Reis WC, Scopel CT, Correr CJ, Andrzejevski VM. Analysis of clinical pharmacists interventions in a tertiary teaching hospital in Brazil. einstein (São Paulo). 2013;11(2):190-6.,88. Costa LS. Atuação do farmacêutico em unidade de terapia intensiva: impacto da Farmácia Clínica no acompanhamento da terapia medicamentosa [dissertação]. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2014.,2323. Fideles GM, de Alcântara-Neto JM, Peixoto Júnior AA, de Souza-Neto PJ, Tonete TL, da Silva JE, et al. Pharmacist recommendations in na intensive care unit: three-year clinical activities. Rev Bras Ter Intens. 2015;27(2):149-54.)

Como limitação do estudo, podemos citar falha no registro dos desfechos das recomendações farmacêuticas para análise posterior, assim como documentação dos problemas para análise da gravidade.

CONCLUSÃO

Os pacientes internados na unidade de terapia intensiva respiratória onde foi realizada a avaliação do acompanhamento farmacoterapêutico eram polimedicados por terem mais de um diagnóstico. Assim, foram detectados problemas com gravidade potencialmente letal e sérios, tendo sido realizadas recomendações farmacêuticas para a equipe multiprofissional, as quais diminuíram a toxicidade e aumentaram a efetividade do tratamento farmacológico instituído.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    02 Maio 2017
  • Aceito
    11 Out 2017
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