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Níveis de conhecimento sobre asma de pais de crianças asmáticas

RESUMO

Objetivo

Avaliar os níveis de conhecimento em asma de pais de crianças escolares.

Métodos

Foi realizado um estudo transversal, com pais de crianças com diagnóstico médico de asma (leve, moderada e grave), em acompanhamento ambulatorial em um centro de referência em asma infantil na Região Sul do Brasil (Grupo Asma). Foram também selecionados pais de crianças com asma em remissão e crianças saudáveis (Grupo Controle). Aplicou-se o questionário Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire (NAKQ) em ambos os grupos.

Resultados

Participaram do estudo 154 pais de crianças, sendo 62 (40,26%) do Grupo Asma e 92 (59,74%) do Grupo Controle, com média de idade de 35,60±10,03 anos. Destes, 132 (85,7%) eram do sexo feminino e 72 (46,8%) eram pais com escolaridade até o Ensino Médio. A pontuação média do nível de conhecimento foi de 18,06±4,11 pontos. Apenas 30,5% dos pais apresentaram níveis aceitáveis de conhecimento em asma, os quais, por sua vez, foram mais prevalentes no Grupo Asma do que no Grupo Controle (41,9% versus 22,8%; p=0,01). E a média de pontuação no Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire (NAKQ) foi maior no Grupo Asma (19,32±3,92 versus 17,21±4,03, p=0,001), respectivamente. Os pais de crianças com asma leve e moderada acertaram mais do que os de asma grave (19,5 e 19,9 versus 18,2 pontos; p=0,02).

Conclusão

A maioria dos pais apresentou nível insatisfatório de conhecimento sobre a asma, o que reforça a necessidade de mudanças nos programas públicos de manejo de asma.

Descritores
Conhecimento; Asma; Pais; Pneumologia; Educação; Saúde pública

ABSTRACT

Objective

To evaluate the levels of knowledge about asthma of parents of school children.

Methods

A cross-sectional study was carried out with parents of children with medical diagnosis of asthma (mild, moderate and severe), followed up at an outpatient referral center for childhood asthma in the Southern region of Brazil (Asthma Group). Parents of children with asthma in remission and healthy children were also selected (Control Group). The Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire (NAKQ) questionnaire was applied in both groups.

Results

A total of 154 parents of children participated in the study; in that, 62 (40.26%) in the Asthma Group, and 92 (59.74%) in the Control Group, with a mean age of 35.60±10.03 years. Of these, 132 (85.7%) were female, and 72 (46.8%) parents studied up to high school. The average score of level of knowledge was 18.06±4.11 points. Only 30.5% parents had acceptable levels of knowledge about asthma, which were more prevalent in the Asthma Group than in the Control Group (41.9% versus 22.8%, p=0.01). The mean score in Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire (NAKQ) was higher in the Asthma Group (19.32±3.92 versus 17.21±4.03, p=0.001), respectively. The parents with mild and moderate asthmatic children scored more than those of severe asthma (19.5 and 19.9 versus 18.2 points, p=0.02).

Conclusion

Most parents had an unsatisfactory level of knowledge about asthma, which reinforces the need for changes in public asthma management programs.

Keywords
Knowledge; Asthma; Parents; Pulmonary medicine; Education; Public health

INTRODUÇÃO

A asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas, que necessita de um manejo adequado para manter-se controlada, evitando exacerbações e perda de função pulmonar.(11. Worldwide variation in prevalence of symptoms of asthma, allergic rhinoconjunctivitis, and atopic eczema: ISAAC. The International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) Steering Committee. Lancet. 1998; 351(9111):1225-32.) No Brasil, cerca de 20 milhões de pessoas sofrem com a doença, sendo a população infantil a mais afetada, podendo chegar a 28% de prevalência em algumas regiões.(22. Roncada C, de Oliveira SG, Cidade SF, Sarria EE, Mattiello R, Ojeda BS, et al. Burden of asthma among inner-city children from Southern Brazil. J Asthma. 2016;53(5):498-504.)

A falta de tratamento e a baixa adesão às medicações são os maiores desafios no manejo da doença, já que aumentam os riscos de exacerbações ocasionando visitas às emergências, internações hospitalares e, consequentemente, elevados custos aos cofres públicos, além de diminuir significativamente a qualidade de vida dos envolvidos.(33. Cardoso TA, Roncada C, da Silva ER, Pinto LA, Jones MH, Stein RT, et al. The impact of asthma in Brazil: a longitudinal analysis of data from a Brazilian national database system. J Bras Pneumol. 2017;43(3):163-8.)

Diretrizes e consensos priorizam cada vez mais o uso correto dos medicamentos e a educação em saúde de pacientes e seus pais.(44. Boulet LP, FitzGerald JM, Reddel HK. The revised 2014 GINA strategy report: opportunities for change. Curr Opin Pulm Med. 2015;21(1):1-7. Review.) No entanto, a educação em saúde, principalmente nos países em desenvolvimento, ainda não é adequada para o manejo da asma.(55. Pitrez PM, Stein RT. Asthma in Latin America: the dawn of a new epidemic. Curr Opin Allergy Clin Immunol. 2008;8(5):378-83.)

Mitos populares ampliam os medos sobre os efeitos colaterais dos medicamentos, limitam a realização de exercícios físicos e levam a comportamentos prejudiciais ao controle da doença.(66. Rottier BL, Rubin BK. Asthma medication delivery: mists and myths. Paediatr Respir Rev. 2013;14(2):112-8; quiz 8, 37-8. Review.) É comum, por exemplo, os pacientes deixarem de usar, ou os pais de aplicarem, os inaladores dosimetrados prescritos pelo médico, alegando prejuízo ao coração e dependência no paciente.(77. Belice PJ, Becker EA. Effective education parameters for trigger remediation in underserved children with asthma: a systematic review. J Asthma. 2017; 54(2):186-201. Review.)Esses paradigmas devem ser superados, mas, para isso, exige-se um esforço de todos os envolvidos com a doença, tanto da equipe de profissionais de saúde quanto dos pacientes e pais.

Acredita-se que, nos países em desenvolvimento, este desafio seja maior. No Brasil, o baixo nível de alfabetização da população pode interferir na adesão ao tratamento, tendo em vista que 4% dos brasileiros acima dos 15 anos de idade são totalmente analfabetos, e 65% estão entre os níveis rudimentar e elementar de alfabetização.(88. Instituto Paulo Montenegro. Ação Social do IBOPE. Ação Educativa. Indicador de Alfabetismo Funcional. Estudo especial sobre alfabetismo e mundo do trabalho [Internet]. São Paulo: Instituto Paulo Montenegro; 2016 [citado 2017 Dez 29]. Disponível em: http://acaoeducativa.org.br/wp-content/uploads/2016/09/INAFEstudosEspeciais_2016_Letramento_e_Mundo_do_Trabalho.pdf
http://acaoeducativa.org.br/wp-content/u...
)

Estudos anteriores demonstraram, em diversos países do mundo, que a maioria dos pais de crianças asmáticas não possui níveis satisfatórios de conhecimento em asma,(99. Cabello MT, Oceja-Setien E, Higuera LG, Cabero MJ, Belmonte EP, Gómez-Acebo I. [Assessment of parental asthma knowledge with the Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire]. Rev Pediatr. 2013;15:117-26. Spanish.1111. Federman AD, Wolf M, Sofianou A, Wilson EA, Martynenko M, Halm EA, et al. The association of health literacy with illness and medication beliefs among older adults with asthma. Patient Educ Couns. 2013;92(2):273-8.) mesmo estes sendo fundamentais para o manejo da doença. No Brasil, os resultados são semelhantes,(1212. Emerson F, Tebyriça JN. Educação e asma. Rev Bras Alerg Imunolpatol. 1998; 21(6):209-17.,1313. Macedo LB, Araújo CB, Dias CM. [Effects of educational programs in patients with asthma: systematic review]. ASSOBRAFIR Ciência. 2012;3(2):43-52. Portuguese.) consistindo em umas das causas do baixo controle da doença.

Acredita-se que este estudo pode ampliar os dados acerca do conhecimento sobre asma dos pais de crianças asmáticas na Região Sul do Brasil, auxiliando na criação e no aperfeiçoamento de novos métodos de educação em saúde, e visando ao aumento da adesão ao tratamento e à qualidade de vida dos pacientes e familiares.

OBJETIVO

Avaliar os níveis de conhecimento de asma de pais de crianças asmáticas.

MÉTODOS

Foi realizado estudo transversal, no período entre abril de 2015 e março de 2016. Foram recrutadas em escolas da rede pública da região e um ambulatório de pneumologia pediátrica de um centro de referência na Região Sul do Brasil três populações distintas de pais de crianças e adolescentes com idade entre 6 e 17 anos. A primeira população consistia em pais de crianças com diagnóstico médico de asma; a segunda, pais de crianças que nunca tiveram diagnóstico de asma; e a terceira, pais de crianças com asma em remissão. Foram consideradas crianças com asma aquelas com diagnóstico da doença e acompanhamento médico há pelo menos 6 meses; em tratamento com fármacos para controle; e em consultas regulares em um intervalo entre 1 e 3 meses. Foram consideradas com asma em remissão crianças com diagnóstico de asma que não utilizavam medicação para o controle da doença e não apresentaram, nos últimos 12 meses, chiado no peito (sibilos), alteração do sono por sibilos, chiado após exercício e/ou tosse seca à noite sem estar resfriado, conforme critérios da International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC).(11. Worldwide variation in prevalence of symptoms of asthma, allergic rhinoconjunctivitis, and atopic eczema: ISAAC. The International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) Steering Committee. Lancet. 1998; 351(9111):1225-32.) O diagnóstico, bem como a classificação da gravidade da asma (leve, moderada e grave), foi baseado nos critérios da diretriz internacional da Global Initiative for Asthma (GINA).(1414. Global Initiative for Asthma (GINA). Global strategy for asthma management and prevention - Updated 2015 [Internet]. EUA: GINA; 2015. p. 149. [cited 2017 Dec 29]. Available from: http://ginasthma.org/wp-content/uploads/2016/01/GINA_Pocket_2015.pdf
http://ginasthma.org/wp-content/uploads/...
)

Foram excluídas crianças e adolescentes com limitações cognitivas, motoras ou com outras doenças crônicas, que pudessem comprometer a avaliação do controle da doença. Os pais não poderiam ser analfabetos.

Pais de crianças com diagnóstico de asma formaram o Grupo Asma; pais de crianças com asma em remissão ou sem diagnóstico de asma constituíram o Grupo Controle. Os sujeitos do Grupo Asma foram selecionados na sala de espera do ambulatório do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre (RS), no dia agendado para a consulta médica regular com o pneumologista pediátrico, por abordagem direta do entrevistador, explicação do estudo e assinaturas dos Termos de Consentimento e/ou Assentimento para, após isso, os testes serem aplicados. No Grupo Controle, os sujeitos foram selecionados nas escolas públicas da região.

Foi utilizado o Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire (NAKQ) para avaliar os níveis de conhecimento da doença. Trata-se de um instrumento específico, desenvolvido por Fitzclarence et al.,(1515. Fitzclarence CA, Henry RL. Validation of an asthma knowledge questionnaire. J Paediatr Child Health. 1990;26(4):200-4.) na Austrália, e validado por Cidade et al.,(1616. Cidade SF, Roncada C, Costa DD, Rafael JG, Pitrez PM. Validação linguística e psicométrica do questionário sobre conhecimento em asma Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire. Rev Cienc Med. 2016;24(2):45-54.) para a população brasileira (português-BR). O instrumento possui 31 itens, sendo 24 questões com respostas “verdadeiro” ou “falso”, e seis questões abertas. As respostas corretas recebem pontuação 1 e as incorretas, zero, com pontuação mínima de conhecimento igual a zero e máxima de 31. O ponto de corte do instrumento é ≥21 pontos para níveis satisfatórios (adequado) e abaixo de 21 pontos para níveis insatisfatórios (inadequado).

Os dados foram coletados em uma tabela no banco de dados Microsoft Access, versão 2013 (Microsoft Corporation, Redmond, Washington, Estados Unidos), e exportados para o software Statistical Package for Social Science, versão 20 (Nova Iorque, Estados Unidos) para Windows.

Foram aplicados: teste χ2, para comparação entre os dados categóricos; teste t independente, para comparação entre as médias; e correlação de Spearmann para variáveis de escolaridade e escore total do nível de conhecimento pelo NAKQ, com diferença estatística estipulada em p<0,05. Os dados categóricos são apresentados por frequências absolutas e relativas, e os valores contínuos, por média e desvio padrão. Para comparação entre os grupos, os valores foram analisados utilizando o teste χ2 e teste de variância (ANOVA) one-way com post hoc de Bonferroni, com valor de significância p<0,05.

Para fins de cálculo amostral, tendo como base um estudo prévio brasileiro,(1717. Becker A, Berube D, Chad Z, Dolovich M, Ducharme F, D’Urzo T, Ernst P, Ferguson A, Gillespie C, Kapur S, Kovesi T, Lyttle B, Mazer B, Montgomery M, Pedersen S, Pianosi P, Reisman JJ, Sears M, Simons E, Spier S, Thivierge R, Watson W, Zimmerman B; Canadian Network For Asthma Care; Canadian Thoracic Society. Canadian Pediatric Asthma Consensus guidelines, 2003 (updated to December 2004): introduction. CMAJ. 2005;173(6 Suppl):S12-4.) com objetivo de avaliar o conhecimento sobre asma de pais de crianças asmáticas admitidas em um serviço especializado, e assumindo um nível de confiança de 95% e erro amostral de 5%, foi necessária amostra igual ou superior a 61 pais para o Grupo Asma e 61 pais para o Grupo Controle, para avaliação do desfecho proposto.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), sob parecer consubstanciado 73583, CAAE: 09088513.1.0000.5336. Todos os participantes consentiram em participar do estudo, por meio de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

A amostra foi composta por 154 pais de crianças em idade escolar, sendo que 62 (40,26%) fizeram parte do Grupo Asma e 92 (59,74%) do Controle, com média de idade de 35,60±10,03 anos. Destes, 132 (85,7%) eram do sexo feminino e 72 (46,8%) tinham escolaridade até o Ensino Médio.

Os pacientes do Grupo Asma apresentaram média de idade de 10,22±3,12 anos e 33 (53,22%) eram do sexo feminino. Neste grupo, 23 (37,1%) crianças apresentaram asma persistente leve, 24 (38,7%) asma persistente moderada e 15 (24,2%) asma persistente grave.

No Grupo Controle, a média de idade foi 10,44±4,01 anos, sendo 59 (64,1%) hígidos e 33 (35,9%) com a asma em remissão.

A comparação entre grupos não mostrou diferença entre idade, sexo e escolaridade dos pais (p=0,547; p=0,055; p=0,071, respectivamente). Na comparação entre os Grupos Asma e Controle, não houve diferença na correlação entre o grau de escolaridade dos pais e o escore total, em relação ao conhecimento em asma (r2: 0,175 e 0,061). As características dos sujeitos são apresentadas na tabela 1.

Tabela 1
Características dos 154 pais estudados, divididos em grupos

A análise, por questão, do número de pais que respondeu corretamente demonstrou que os níveis de conhecimento aceitáveis foram mais altos no Grupo Asma (41,9%) versus o Grupo Controle (22,8%; p=0,01) (Tabela 2).

Tabela 2
Avaliação do total e percentual de pais que acertaram cada item, entre o Grupo Asma e Grupo Controle

Na avaliação dos níveis de conhecimento em asma, a média geral da amostra foi de 18,06±4,11 pontos, do máximo de 31 pontos estipulados pelo NAKQ e, quando analisada por grupos, as médias gerais de acertos foram 17,21±4,03 pontos para o Grupo Controle e 19,32±3,92 para o Grupo Asma, (p=0,001). Apenas 47 (30,5%) pais apresentaram níveis aceitáveis de conhecimento em asma (≥21 pontos). A comparação entre as médias de pontuações dos subgrupos apresentou diferença estatística apenas entre os hígidos contra asma moderada, e asma em remissão contra asma moderada (p=0,02) (Figura 1).

Figura 1
Médias das pontuações dos grupos e subgrupos

* valor de p <0,05; hígidos versus asma moderada; φ asma em remissão versus asma moderada.


Já em relação ao entendimento da asma, houve diferença estatística apenas na comparação entre os grupos (22,8% versus 41,9%), porém não houve diferença entre os subgrupos (Figura 2).

Figura 2
Avaliação dos níveis de conhecimento em asma (níveis aceitáveis) entre grupos e subgrupos

* valor de p <0,05.


DISCUSSÃO

A educação em saúde é fundamental para o adequado manejo da asma. Exacerbações podem ser prevenidas, quando pais de crianças com asma possuem um conhecimento mais amplo sobre o que é a doença; as formas de identificar os sintomas e fatores desencadeantes; e as ações necessárias nos períodos entre crises.(1717. Becker A, Berube D, Chad Z, Dolovich M, Ducharme F, D’Urzo T, Ernst P, Ferguson A, Gillespie C, Kapur S, Kovesi T, Lyttle B, Mazer B, Montgomery M, Pedersen S, Pianosi P, Reisman JJ, Sears M, Simons E, Spier S, Thivierge R, Watson W, Zimmerman B; Canadian Network For Asthma Care; Canadian Thoracic Society. Canadian Pediatric Asthma Consensus guidelines, 2003 (updated to December 2004): introduction. CMAJ. 2005;173(6 Suppl):S12-4.)

Os pais são o principal elo entre médico e paciente pediátrico, devendo entender os conceitos básicos da asma. No entanto, neste estudo, os pais avaliados apresentaram conhecimento sobre asma abaixo dos níveis satisfatórios. Para evitar vieses, foi realizado um teste de correlação entre o nível de conhecimento e a escolaridade dos pais, demonstrando não haver tal correlação.

De acordo com o NAKQ,(1616. Cidade SF, Roncada C, Costa DD, Rafael JG, Pitrez PM. Validação linguística e psicométrica do questionário sobre conhecimento em asma Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire. Rev Cienc Med. 2016;24(2):45-54.) verificamos que 69,5% dos participantes não apresentaram níveis satisfatórios de conhecimento em asma, obtendo pontuações abaixo de 21 pontos. Estudo conduzido nas Ilhas Canárias, Espanha, com 95 pais de crianças asmáticas atendidas em um centro de emergências da cidade, mostrou que cerca de 80% desses pais não sabem identificar os principais fatores desencadeantes de exacerbações de asma.(1818. García-Luzardo MR, Aguilar-Fernández AJ, Rodríguez-Calcines N, Pavlovic-Nesic S. Conocimientos acerca del asma de los padres de niños asmáticos que acuden a un servicio de urgencias. Acta Pediatr Esp. 2012;70(5):196-203.)Estudo realizado em Santander, na Espanha, aplicado em 344 pais de crianças asmáticas em um hospital, apresentou média de acerto do questionário NAKQ de 18,5 pontos, mostrando novamente o nível insatisfatório de conhecimento.(1919. Cabello MT, Sancho Gutiérrez R, García Higuera L, Pérez Belmonte E, Cabero Pérez MJ. Conocimientos sobre el tratamiento médico del asma en padres de niños asmáticos. Bol Pediatr. 2014;54(229):168-72.) A semelhança entre os resultados apresentados nos dois estudos espanhóis e o nosso sugere que a falta de conhecimento dos pais é uma realidade em diferentes populações. Intervenções educativas, ainda que simples, podem ser tão ou mais benéficas para o tratamento da doença quanto técnicas avançadas e sofisticadas, reforçando a necessidade de ações desse tipo.(2020. Santana LF, Bastos RC, Martinez-Silveira MS, Souza LS. Educational interventions for children with asthma: an analytical review of the literature. J Bras Pneumol. 2005;31(5):445-58. Review.)

Os pais que não possuem filhos asmáticos tendem a conhecer menos a doença. É natural que isso ocorra e que os resultados do questionário se aproximem de níveis insatisfatórios, como demonstrado neste estudo, em que o Grupo Asma teve conhecimento significativamente maior sobre a doença do que o Grupo Controle (19,32 versus 17,21 pontos; p=0,001).

O convívio diário com o asmático naturalmente possibilita aprendizado maior por parte dos pais. Outros estudos, também realizados com pais de asmáticos e não asmáticos, mostraram resultados semelhantes, indicando que o contato com crianças asmáticas eleva o conhecimento sobre a doença.(1515. Fitzclarence CA, Henry RL. Validation of an asthma knowledge questionnaire. J Paediatr Child Health. 1990;26(4):200-4.,2121. Praena Crespo M, Lora Espinosa A, Aquino Llinares N, Sánchez Sánches AM, Jiménez Cortés A. [The Spanish version of the Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire for parents of children with asthma (NAKQ). Transcultural adaptation and reliability analysis]. An Pediatr (Barc). 2009;70(3):209-17. Spanish.) Os pais de asmáticos recebem orientações frequentes, principalmente devido às constantes visitas aos ambulatórios e emergências. Os resultados entre os grupos, embora esperados, poderiam apresentar desfechos diferentes. Uma hipótese nula reforçaria ainda mais os aspectos relacionados ao aumento do conhecimento em decorrência de programas de educação em asma, fortalecendo a ampla necessidade em todas as populações.(1212. Emerson F, Tebyriça JN. Educação e asma. Rev Bras Alerg Imunolpatol. 1998; 21(6):209-17.)

Embora nossos resultados se equiparem aos de outros estudos,(1515. Fitzclarence CA, Henry RL. Validation of an asthma knowledge questionnaire. J Paediatr Child Health. 1990;26(4):200-4.,2121. Praena Crespo M, Lora Espinosa A, Aquino Llinares N, Sánchez Sánches AM, Jiménez Cortés A. [The Spanish version of the Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire for parents of children with asthma (NAKQ). Transcultural adaptation and reliability analysis]. An Pediatr (Barc). 2009;70(3):209-17. Spanish.) ainda são insuficientes para alcançar os níveis satisfatórios de conhecimento da doença, tanto no Grupo Asma quanto no Controle. Isso demonstra que, mesmo aqueles que vivenciam a doença sistematicamente e recebem orientações das equipes especializadas, não dominam o assunto plenamente, evidenciando a escassez nas abordagens educativas e ampliando as visitas às salas de emergência.(2222. Apter AJ, Wang X, Bogen DK, Rand CS, McElligott S, Polsky D, et al. Problem solving to improve adherence and asthma outcomes in urban adults with moderate or severe asthma: a randomized controlled trial. J Allergy Clin Immunol. 2011;128(3):516-23. e1-5.,2323. Rosas-Salazar C, Ramratnam SK, Brehm JM, Han YY, Acosta-Pérez E, Alvarez M, et al. Parental numeracy and asthma exacerbations in Puerto Rican children. Chest. 2013;144(1):92-8.)

Demonstramos também que apenas 38,7% dos pais de asmáticos acertaram a questão 20, afirmando que o uso do broncodilatador inalado (salbutamol) não faz mal para o coração. Mitos populares sobre aspectos em saúde são frequentes, prejudicando o entendimento e a aceitação dos tratamentos médicos por parte dos pais, e ocasionando a diminuição do controle da asma na criança.(2424. Harrington KF, Zhang B, Magruder T, Bailey WC, Gerald LB. The Impact of Parent's Health Literacy on Pediatric Asthma Outcomes. Pediatr Allergy Immunol Pulmonol. 2015;28(1):20-6.) Estudo também realizado no sul do Brasil, com 251 pais, mostrou que são frequentes os mitos populares em asma infantil e que os pais de crianças asmáticas acreditam mais nesses mitos do que os pais de crianças não asmáticas. Dos pais de crianças asmáticas, 29% afirmaram que o inalador pressurizado fazia mal ao coração, enquanto 21% dos pais de crianças não asmáticas disseram o mesmo (p=0,009).(2525. Roncada C, Oliveira SG, Cidade SF, Rafael JG, Ojeda BS, Santos BR, et al. Asthma treatment in children and adolescents in an urban area in southern Brazil: popular myths and features. J Bras Pneumol. 2016;42(2):136-42.) A influência de mitos populares sobre a saúde, particularmente na asma infantil, é outro aspecto importante no manejo da doença, que deve ser melhor estudado.

Pais de crianças com asma grave tendem a buscar mais conhecimentos sobre a doença, pois, quanto maior a gravidade, maior a necessidade de cuidados. Como seus filhos estão seguidamente sintomáticos, eles vivenciam e aprendem sobre o manejo e tratamento da doença, o que reflete nos resultados de estudos como o nosso, no qual pais de crianças com asma leve e moderada atingiram pontuação maior (19,5 e 19,9 pontos, respectivamente) do que pais de crianças com asma grave (18,2 pontos; p=0,02). Um estudo brasileiro realizado com 400 crianças com diagnóstico de asma demonstrou que os medicamentos de prevenção (contínuos) são subutilizados, ficando a cargo dos corticoides orais a tentativa de controle da doença.(2626. Marchioro J, Gazzotti MR, Nascimento OA, Montealegre F, Fish J, Jardim JR. Level of asthma control and its relationship with medication use in asthma patients in Brazil. J Bras Pneumol. 2014;40(5):487-94.) Já estudo norte-americano sobre conceito de asma grave relatou a heterogeneidade da doença e os diversos tipos de tratamentos e medicamentos utilizados para alcançar o controle adequado, sugerindo que esses fatores podem dificultar o entendimento da asma, pois são frequentes as mudanças nos protocolos de tratamento.(2727. Ray A, Raundhal M, Oriss TB, Ray P, Wenzel SE. Current concepts of severe asthma. J Clin Invest. 2016;126(7):2394-403. Review.)

As limitações do nosso estudo se referiram ao tamanho reduzido da amostra, tendo em vista a aplicação em pacientes (Grupo Asma) de um único serviço (principalmente na quantidade de pacientes com asma graves), além da utilização de um questionário estrangeiro para avaliar o conhecimento em asma − apesar de ter sido validado para o Português.(1616. Cidade SF, Roncada C, Costa DD, Rafael JG, Pitrez PM. Validação linguística e psicométrica do questionário sobre conhecimento em asma Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire. Rev Cienc Med. 2016;24(2):45-54.) Aspectos culturais podem influenciar na forma de formular perguntas sobre conhecimento de uma doença específica. No entanto, os autores acreditam que a utilização de um questionário reconhecido e validado aumenta o poder para chamar a atenção do mundo à esta grande lacuna na assistência médica, que é a educação em saúde.

Considerando que o Brasil possui elevada prevalência de asma na população infantil e que o descontrole da doença impacta negativamente na saúde pública,(2828. Coelho MA, de Pinho L, Marques PQ, Silveira MF, Solé D. Prevalence and factors associated with asthma in students from Montes Claros, Minas Gerais, Brazil. Cien Saude Colet. 2016;21(4):1207-16.) programas de controle da asma, com fornecimento gratuito de medicação, bem como assistência médica, psicológica e assistencial, com profissionais bem preparados, são fundamentais para o diagnóstico e o tratamento eficaz.(2929. Lenz ML, Silva DD, Camillo EG, Pires NB, Flores R. Atendimento sequencial multiprofissional de crianças e adolescentes com asma em um serviço de atenção primária à saúde. Rev APS. 2014;17(4):438-49.) Ainda, a base dessas estratégias deve priorizar a educação em saúde para os pais e os pacientes, visando aumentar o conhecimento sobre asma e melhorar a qualidade de vida de ambos, reduzindo o impacto da doença na sociedade.(3030. Olivera CM, Vianna EO, Bonizio RC, de Menezes MB, Ferraz E, Cetlin AA, et al. Asthma self-management model: randomized controlled trial. Health Educ Res. 2016;31(5):639-52.)

CONCLUSÃO

O conhecimento de pais de asmáticos sobre asma foi insuficiente, reforçando a importância de maior enfoque em estratégias efetivas de educação sobre a doença.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    12 Jul 2017
  • Aceito
    09 Jan 2018
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