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Complexidade da farmacoterapia de pacientes com doença arterial coronariana

RESUMO

Objetivo:

Determinar os fatores associados à complexidade alta da farmacoterapia em pacientes com doença arterial coronariana.

Métodos:

Realizou-se um estudo transversal em um ambulatório multiprofissional de cardiologia na Atenção Secundária do Sistema Único de Saúde, de onde foram coletadas características sociodemográficas (idade, sexo e escolaridade), clínicas (número de condições de saúde, diagnósticos cardiovasculares e comorbidades) e farmacoterápicas (adesão, polifarmácia e polifarmácia cardiovascular). Essas características foram relacionadas com a complexidade da farmacoterapia, mensurada por meio do Índice de Complexidade da Farmacoterapia. A classificação em complexidade alta da farmacoterapia foi realizada empregando a normatização para idosos e a estratificação para pacientes adultos, sugeridas na literatura.

Resultados:

A complexidade da farmacoterapia total dos 148 pacientes apresentou mediana igual a 17,0 (amplitude interquartílica de 10,5). Na análise univariada, os fatores associados à complexidade alta foram insuficiência cardíaca, diabetes mellitus, hipertensão arterial, cinco ou mais doenças e não adesão. No modelo final, após regressão logística, houve associação estatisticamente significante (p<0,05) com as variáveis diabetes mellitus, hipertensão arterial e não adesão.

Conclusão:

A complexidade alta da farmacoterapia em pacientes com doença arterial coronariana foi associada à presença de diabetes mellitus, hipertensão arterial e relato de não adesão a medicamentos

Descritores:
Polimedicação; Uso de medicamentos; Doença da artéria coronariana; Adesão à medicação; Doenças cardiovasculares

ABSTRACT

Objective:

To determine the factors associated with the high complexity of medication regimen in patients with coronary artery disease.

Methods:

A cross-sectional study was carried out in a multiprofessional cardiology outpatient clinic, in the Secondary Care of the Unified Health System, where sociodemographic (age, sex, and education), clinical (number of health conditions, cardiovascular diagnoses, and comorbidities) and pharmacotherapeutic (adherence, polypharmacy, and cardiovascular polypharmacy) characteristics were collected. These were related to complexity of medication regimen, measured through the medication regimen complexity index. The classification of high complexity of medication regimen was carried out using standardization for the older adults and stratification for adult patients, as suggested in the literature.

Results:

The total complexity medication regimen of 148 patients had a median of 17.0 (interquartile range of 10.5). In the univariate analysis, the factors associated with high complexity were heart failure, diabetes mellitus, hypertension, five or more diseases, and non-adherence to treatment. In the final model, after logistic regression, there was a statistically significant association (p<0.05) with the variables diabetes mellitus, hypertension, and non-adherence.

Conclusion:

The high complexity of medication regimen in patients with coronary artery disease was associated with the presence of diabetes mellitus, hypertension, and reports of non-adherence to treatment.

Keywords:
Polypharmacy; Drug utilization; Coronary artery disease; Medication adherence; Cardiovascular diseases

INTRODUÇÃO

Dentre as doenças crônicas não transmissíveis, as cardiovasculares, como a doença arterial coronariana (DAC), são importantes causas de morbimortalidade, sendo responsáveis por 31% das causas de morte no Brasil e a principal causa de morte no mundo.(11. Ribeiro AL, Duncan BB, Brant LC, Lotufo PA, Mill JG, Barreto SM. Cardiovascular health in Brazil: trends and perspectives. Circulation. 2016;133(4):422-33. Review.,22. Silveira EL, Cunha LM, Pantoja MS, Lima AV, Cunha AN. Prevalência e distribuição de fatores de risco cardiovascular em portadores de doença arterial coronariana no Norte do Brasil. Rev Fac Ciênc Méd Sorocaba. 2018;20(3):167-73.) O tratamento farmacológico da DAC envolve o uso de vários medicamentos, dentre eles antiagregantes plaquetários, estatinas, betabloqueadores e inibidores da enzima conversora de angiotensina I (iECA).(33. Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Diretrizes de doenças coronárias estável. Arq Bras Cardiol. 2014;103(Supl 2):45.) O uso de múltiplos medicamentos pode causar inadequação em sua administração e maior incidência de eventos adversos.(44. Payne RA, Abel GA, Avery AJ, Mercer SW, Roland MO. Is polypharmacy always hazardous? A retrospective cohort analysis using linked electronic health records from primary and secondary care. Br J Clin Pharmacol. 2014;77(6):1073-82.,55. Rozenfeld S. Prevalência, fatores associados e mau uso de medicamentos entre os idosos: uma revisão. Cad Saude Publica. 2003;19(3):717-24. Review.)

A polifarmácia (uso de cinco ou mais medicamentos), o desenvolvimento e a disponibilidade de diversos medicamentos no mercado e a transição epidemiológica são fatores que têm contribuído para o surgimento de terapias medicamentosas complexas.(66. Muir AJ, Sanders LL, Wilkinson WE, Schmader K. Reducing medication regimen complexity: a controlled trial. J Gen Intern Med. 2001;16(2):77-82.) A complexidade da terapia medicamentosa não está associada apenas à quantidade de medicamentos utilizados, mas à forma farmacêutica, ao número de doses por dia, à relação do uso do medicamento com alimentos, dentre outros fatores.(77. George J, Phun YT, Bailey MJ, Kong DC, Stewart K. Development and validation of the medication regimen complexity index. Ann Pharmacother. 2004;38(9):1369-76.

8. Wimmer BC, Cross AJ, Jokanovic N, Wiese MD, George J, Johnell K, et al. Clinical outcomes associated with medication regimen complexity in older people: a systematic review. J Am Geriatr Soc. 2017;65(4):747-53. Review.
-99. Bryant BM, Libby AM, Metz KR, Page RL 2nd, Ambardekar AV, Lindenfeld J, et al. Evaluating Patient-Level Medication Regimen Complexity Over Time in Heart Transplant Recipients. Ann Pharmacother. 2016;50(11):926-34.)

A complexidade da farmacoterapia foi associada a desfechos negativos em saúde, como não adesão ao tratamento,(1010. Abada S, Clark LE, Sinha AK, Xia R, Pace-Murphy K, Flores RJ, et al. Medication regimen complexity and low adherence in older community-dwelling adults with substantiated self-neglect. J Appl Gerontol. 2019;38(6):866-83.) readmissão hospitalar,(1111. Abou-Karam N, Bradford C, Lor KB, Barnett M, Ha M, Rizos A. Medication regimen complexity and readmissions after hospitalization for heart failure, acute myocardial infarction, pneumonia, and chronic obstructive pulmonary disease. SAGE Open Med. 2016;4:2050312116632426.) maior risco de hospitalização(1212. Elliott RA, O’Callaghan C, Paul E, George J. Impact of an intervention to reduce medication regimen complexity for older hospital inpatients. Int J Clin Pharm. 2013;35(2):217-24.) e mortalidade.(1313. Wimmer BC, Bell JS, Fastbom J, Wiese MD, Johnell K. Medication regimen complexity and polypharmacy as factors associated with all-cause mortality in older people: a population-based cohort study. Ann Pharmacother. 2016;50(2):89-95.)

OBJETIVO

Determinar os fatores associados à complexidade alta da farmacoterapia de pacientes com doença arterial coronariana.

MÉTODOS

Amostra

A amostra de conveniência foi composta por pacientes que preencheram os critérios de seleção atendidos no período de abril de 2018 a fevereiro de 2019. Os critérios de seleção foram: indivíduos com diagnóstico de DAC e em uso de pelo menos um medicamento. Não foram incluídos no estudo pacientes com dificuldade de comunicação verbal. Os pacientes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (CAAE: 85804818.7.0000.5149, parecer 2585098).

Delineamento e local do estudo

Trata-se de um estudo transversal, realizado em um ambulatório multiprofissional de cardiologia da Atenção Secundária, no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte (MG). O hospital é geral de média e alta complexidade, referência no atendimento de pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) do estado. Os pacientes que recebem alta hospitalar da equipe de cardiologia são encaminhados para esse ambulatório e atendidos por uma equipe multiprofissional, composta por fisioterapeuta, farmacêutico clínico e cardiologista.

Coleta dos dados

A coleta de dados foi realizada por entrevista com o paciente e preenchimento de um instrumento desenvolvido para fins de pesquisa, sendo que os resultados clínicos coletados foram confirmados nos prontuários.

A variável dependente do estudo foi a complexidade da farmacoterapia e as independentes foram sexo, idade, diagnósticos cardiovasculares (arritmias, insuficiência cardíaca (IC), infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST – IAMCSST –, infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST – IAMSSST –, angina instável e angina estável), comorbidades (hipertensão arterial, diabetes mellitus, dislipidemia e hipotireoidismo), número de doenças e farmacoterapia (polifarmácia se ≥5 medicamentos, polifarmácia excessiva se ≥10 medicamentos, polifarmácia cardiovascular se ≥5 medicamentos cardiovasculares e adesão).

A adesão ao tratamento foi mensurada por autorrelato utilizando o 7-day Recall. O 7-day Recall consiste na mensuração da adesão por meio da pergunta “Nos últimos 7 dias, quantos dias o senhor(a) utilizou os medicamentos?”. Essa pergunta foi feita separadamente para cada um dos medicamentos que o paciente fazia uso. Na mensuração da adesão foram considerados todos os medicamentos utilizados pelos pacientes. Os pacientes que utilizaram medicamentos por 6 ou 7 dias foram classificados como aderentes (aproximadamente 80% de adesão), e aqueles que utilizaram medicamentos por 5 dias ou menos foram classificados como não aderentes.(1414. Sevilla-Cazes J, Finkleman BS, Chen J, Brensinger CM, Epstein AE, Streiff MB, et al. Association between patient-reported medication adherence and anticoagulation control. Am J Med. 2017;130(9):1092-8.e2.)

A complexidade da farmacoterapia foi mensurada por meio do Índice de Complexidade da Farmacoterapia (ICFT) validado no Brasil.(1515. Melchiors AC, Correr CJ, Fernández-Llimos F. Translation and validation into Portuguese language of the medication regimen complexity index. Arq Bras Cardiol. 2007;89(4):210-8.) O ICFT é constituído de três seções: seção A, com informações sobre formas de dosagens; seção B, com informações de frequências de doses e seção C, que traz informações adicionais. A aplicação do ICFT foi realizada por dois pesquisadores distintos. Discordância entre os valores atribuídos foram resolvidas por consenso. O escore do IFCT é o resultado da soma dos valores atribuídos nas três seções.

Os autores responsáveis pela validação do ICFT no Brasil autorizaram o uso do instrumento nesta pesquisa. A classificação da complexidade da farmacoterapia foi realizada empregando a normatização do ICFT para idosos, sendo considerados altos valores maiores que 16,5.(1616. Pantuzza LL, Ceccato MD, Silveira MR, Pinto IV, Reis AM. Validation and standardization of the Brazilian version of the Medication Regimen Complexity Index for older adults in primary care. Geriatr Gerontol Int. 2018;18(6):853-9.) A estratificação sugerida na literatura para pacientes adultos considera como altos valores acima de 13,0.(1717. Ferreira JM, Galato D, Melo AC. Medication regimen complexity in adults and the elderly in a primary healthcare setting: determination of high and low complexities. Pharm Pract (Granada). 2015;13(4):659.)

O banco de dados foi construído no programa EpiData, versão 3.1, e a alimentação foi realizada por dupla digitação por pesquisadores distintos.

Análise dos dados

A análise dos dados se deu por meio dos resultados de frequência e percentagem das variáveis categóricas e medidas de tendência central e de dispersão para as variáveis numéricas, com a normalidade avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, considerando a probabilidade de significância com p<0,05 e intervalo de confiança de 95%.

A associação entre a ocorrência de complexidade alta da farmacoterapia e as variáveis independentes foi realizada por meio de análise univariada utilizando-se o teste do χ2 de Pearson. Na presença de pelo menos uma frequência esperada menor que cinco, foi utilizado o teste exato de Fisher.

As variáveis independentes que obtiveram valor de p≤0,20 na análise univariada foram incluídas no modelo de regressão logística múltipla. No modelo final, permaneceram as variáveis que mantiveram valor de p<0,05. Na análise multivariada, a magnitude da associação foi expressa pela razão de chance (RC) com IC95%.

Para comparar os modelos, foi utilizado o teste de razão de verossimilhança. A adequação dos modelos finais foi avaliada pelo teste de Hosmer-Lemeshow. A significância estatística foi considerada quando p<0,05.

A análise estatística foi realizada no software SPSS, versão 25.0.

RESULTADOS

Participaram do estudo 148 pacientes, sendo 104 (70,3%) do sexo masculino. A mediana de idade foi de 62 anos (amplitude interquartílica – IIQ – de 17,0).

A mediana do número de condições de saúde foi 5 (IIQ=3,0). Dentre os diagnósticos cardiovasculares, 58,8% (n=87) dos indivíduos apresentavam IAMCSST, seguido de 26,4% (n=39) com IAMSSST.

A adesão aos medicamentos foi identificada em 70,9% (n=105) dos pacientes. As características sociodemográficas, clínicas e farmacoterápicas estão descritas com mais detalhes na tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas, clínicas e farmacoterápicas de 148 pacientes com doença arterial coronariana

A frequência da complexidade alta da farmacoterapia foi de 101 pacientes (68,2%). A complexidade da farmacoterapia total dos 148 pacientes apresentou mediana igual a 17,0 (IIQ=10,5; mínimo de 7,0 e máximo de 45,0), com mediana de 1,0 (IIQ=0,0; mínimo de 1,0 e máximo de 5,0) na seção A, 9,5 (IIQ=19,5; mínimo de 3,0 e máximo de 22,5) na seção B, e 6,0 (IIQ=3,0; mínimo de 0,0 e máximo de 20,0) na seção C.

Na análise univariada, apresentada na tabela 2, os fatores associados à complexidade alta da farmacoterapia, com diferença estatisticamente significante foram: IC, hipertensão arterial, diabetes mellitus, cinco ou mais doenças e não adesão. Na regressão logística múltipla, verificou-se associação estatisticamente significante (p<0,05) com as variáveis diabetes mellitus, hipertensão arterial e não adesão.

Tabela 2
Análise uni e multivariada dos fatores associados com a adesão a medicamentos cardiovasculares

DISCUSSÃO

O estudo mostrou que a complexidade alta da farmacoterapia entre pacientes com DAC apresentou associação positiva com presença de diabetes mellitus, hipertensão arterial e relato de não adesão a medicamentos. Ao melhor do nosso conhecimento a investigação é pioneira ao analisar a complexidade da farmacoterapia de pacientes ambulatoriais com DAC.

Uma revisão sistemática da literatura de 35 estudos identificou a associação entre complexidade alta da farmacoterapia e não adesão ao tratamento. Na maioria dos estudos, foi identificado que pacientes com esquemas farmacoterápicos mais complexos eram mais propensos a não aderir, sendo demonstrada também associação direta com a não adesão.(1818. Pantuzza LL, Ceccato MD, Silveira MR, Junqueira LM, Reis AM. Association between medication regimen complexity and pharmacotherapy adherence: a systematic review. Eur J Clin Pharmacol. 2017;73(11):1475-89. Review.) O uso de vários medicamentos, com posologias distintas, em diversas formas farmacêuticas e com necessidade de informações adicionais para uma administração correta, pode comprometer a adesão ao tratamento.(1919. Advinha AM, de Oliveira-Martins S, Mateus V, Pajote SG, Lopes MJ. Medication regimen complexity in institutionalized elderly people in an aging society. Int J Clin Pharm. 2014;36(4):750-6.)

O ICFT é capaz de avaliar diferentes aspectos relacionados à complexidade da farmacoterapia, como a forma farmacêutica (seção A), a frequência de administração (seção B) e as informações adicionais prescritas pelo médico para assegurar o uso correto do medicamento, como necessidade de jejum, uso com alimentos, e horários específicos (seção C), uma vez que apenas o número de medicamentos não é, de maneira isolada, suficiente para a avaliação.(1515. Melchiors AC, Correr CJ, Fernández-Llimos F. Translation and validation into Portuguese language of the medication regimen complexity index. Arq Bras Cardiol. 2007;89(4):210-8.,2020. Hirsch JD, Metz KR, Hosokawa PW, Libby AM. Validation of a patient-level medication regimen complexity index as a possible tool to identify patients for medication therapy management intervention. Pharmacotherapy. 2014; 34(8):826-35.) Dentre os três domínios de observação, a seção B é de grande relevância, pois a frequência de administração é o fator que mais contribui para uma complexidade alta, com potencial para ser um possível ponto de mudanças em prol de uma menor complexidade.(99. Bryant BM, Libby AM, Metz KR, Page RL 2nd, Ambardekar AV, Lindenfeld J, et al. Evaluating Patient-Level Medication Regimen Complexity Over Time in Heart Transplant Recipients. Ann Pharmacother. 2016;50(11):926-34.,2121. Elliott RA. Reducing medication regimen complexity for older patients prior to discharge from hospital: feasibility and barriers. J Clin Pharm Ther. 2012;37(6):637-42.) Essa seção, no presente estudo, foi a que apresentou maior mediana. Os itens da seção C podem ter menos impacto na adesão, uma vez que podem sofrer interferências inerentes à avaliação pelos diferentes pesquisadores.(1818. Pantuzza LL, Ceccato MD, Silveira MR, Junqueira LM, Reis AM. Association between medication regimen complexity and pharmacotherapy adherence: a systematic review. Eur J Clin Pharmacol. 2017;73(11):1475-89. Review.) Entretanto, esse viés pode ter sido minimizado uma vez que, no presente estudo, o ICFT foi aplicado por dois pesquisadores distintos.

Verificou-se que a presença de diabetes mellitus está significativamente associada à complexidade alta da farmacoterapia. Esse importante achado está em consonância com a literatura, que mostra a não adesão relacionada à complexidade alta da farmacoterapia em pacientes diabéticos(2222. Ayele AA, Tegegn HG, Ayele TA, Ayalew MB. Medication regimen complexity and its impact on medication adherence and glycemic control among patients with type 2 diabetes mellitus in an Ethiopian general hospital. BMJ Open Diabetes Res Care. 2019;7(1):e000685.,2323. Cramer JA. A systematic review of adherence with medications for diabetes. Diabetes Care. 2004;27(5):1218-24. Review.) e a uma maior chance de controle glicêmico inadequado.(1919. Advinha AM, de Oliveira-Martins S, Mateus V, Pajote SG, Lopes MJ. Medication regimen complexity in institutionalized elderly people in an aging society. Int J Clin Pharm. 2014;36(4):750-6.) Vale ressaltar que, ao investigar a farmacoterapia do paciente com DAC, é importante considerar a multimorbidade que os pacientes com doenças cardiovasculares apresentam. A multimorbidade é importante, porque, em estudo que analisou quatro coortes retrospectivas de pacientes com diferentes doenças específicas, identificou-se que a maior parte da pontuação do ICFT foi influenciada pelas comorbidades.(2424. Libby AM, Fish DN, Hosokawa PW, Linnebur SA, Metz KR, Nair KV, et al. Patient-level medication regimen complexity across populations with chronic disease. Clin Ther. 2013;35(4):385-98.e1.) A multimorbidade, que pode ocorrer em pacientes com DAC, pode explicar a associação entre diabetes mellitus e complexidade alta da farmacoterapia nos pacientes estudados.

Da mesma forma, a hipertensão arterial, que foi associada neste estudo à complexidade alta da farmacoterapia, está em consonância com estudos prévios, que têm demonstrado não só a prevalência dessa associação, como também a forte relação entre a complexidade alta da farmacoterapia e a não adesão.(2525. Obreli-Neto PR, Prado MF, Vieira JC, Fachini FC, Pelloso SM, Marcon SS, et al. Fatores interferentes na taxa de adesão à farmacoterapia em idosos atendidos na rede pública de saúde do Município de Salto Grande – SP, Brasil. Rev Ciênc Farm Basica Apl. 2010;31(3):229-33.) As doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão arterial, são um grande desafio para melhoria da adesão. Os pacientes com essas doenças nem sempre têm sintomas que ajudam a lembrar a necessidade de utilizar os medicamentos adequadamente.(2626. Nichols-English G, Poirier S. Optimizing adherence to pharmaceutical care plans. J Am Pharm Assoc (Wash). 2000;40(4):475-85. Review.)

O profissional farmacêutico, ao realizar suas intervenções em relação à utilização de medicamentos, desempenha papel importante no aumento da adesão de pacientes com doenças cardiovasculares, uma vez que o atendimento desse profissional leva em conta a singularidade do paciente quanto aos sintomas e às crenças sobre sua doença e seu tratamento – importantes causas da não adesão.(2727. Hovland R, Bremer S, Frigaard C, Henjum S, Faksvåg PK, Saether EM, et al. Effect of a pharmacist-led intervention on adherence among patients with a first-time prescription for a cardiovascular medicine: a randomized controlled trial in Norwegian pharmacies. Int J Pharm Pract. 2020;28(4):337-45.)

O uso de polipílulas (termo que abrange formas farmacêuticas sólidas com dose fixa combinada de vários fármacos) foi também estratégia detectada em metanálise com 3.140 pacientes, em seis países, com impacto significativo na adesão, pressão arterial sistólica e lipoproteína de baixa densidade-colesterol (LDL-colesterol) em pacientes com doenças cardiovasculares.(2828. Webster R, Patel A, Selak V, Billot L, Bots ML, Brown A, Bullen C, Cass A, Crengle S, Raina Elley C, Grobbee DE, Neal B, Peiris D, Poulter N, Prabhakaran D, Rafter N, Stanton A, Stepien S, Thom S, Usherwood T, Wadham A, Rodgers A; SPACE Collaboration. Effectiveness of fixed dose combination medication (‘polypills’) compared with usual care in patients with cardiovascular disease or at high risk: a prospective, individual patient data meta-analysis of 3140 patients in six countries. Int J Cardiol. 2016;205:147-56.) As principais barreiras para uso das polipílulas são seu alto custo, tanto para o sistema de saúde quanto para o próprio paciente, a indisponibilidade de várias doses diferentes de um mesmo medicamento que compõem as polipílulas, dificultando o ajuste de dose frequentemente necessário no manejo de doenças cardiovasculares, e o fato de não constarem na relação de medicamentos essenciais. Entretanto, o uso de polipílulas em pacientes idosos é uma estratégia que pode ser mais segura,(2929. Salam A, Praveen D, Patel A, Tewari A, Webster R. Barriers and facilitators to the use of cardiovascular fixed-dose combination medication (Polypills) in Andhra Pradesh, India: a mixed-methods study. Glob Heart. 2019;14(3):303-10.) uma vez que eles estão suscetíveis a uma maior dificuldade de adesão, causada por fatores biológicos (como alterações cognitivas e demências, entre outras), psíquicos (depressão e ansiedade, entre outras) e sociais (maior risco de fragilidade sociofamiliar).(3030. Moraes EN. A arte da (Des) prescrição no idoso: a dualidade terapêutica. Livro 4. Belo Horizonte: Folium Editorial; 2018. p. 34. [Coleção Guia de Bolso em Geriatria e Gerontologia].)

Neste estudo, o ICFT foi utilizado para quantificar a complexidade da terapia medicamentosa dos pacientes com DAC. Trata-se de instrumento validado no país com a finalidade de identificar possíveis justificativas para a não adesão à terapia proposta e, consequentemente, para desfechos negativos em saúde. Além disso, esse estudo é pioneiro, ao avaliar a complexidade da farmacoterapia em pacientes ambulatoriais com DAC.

Como limitações deste estudo, podemos citar o fato de o estudo ter sido restrito a pacientes com DAC de um único ambulatório de um hospital de ensino, o que dificulta a generalização para outros pacientes com doença cardiovascular ou outras patologias atendidos em serviços de saúde de diferentes níveis de complexidade assistencial.

Os resultados encontrados no estudo são importantes, ao determinarem e discutirem os fatores associados à complexidade alta da farmacoterapia de pacientes com DAC no contexto da Atenção Secundária do SUS. A determinação desses fatores auxilia os profissionais de saúde na identificação de pontos a serem abordados para minimização dos resultados negativos em saúde causados pela complexidade alta da farmacoterapia.

CONCLUSÃO

Foram identificadas altas taxas de complexidade da farmacoterapia. A complexidade alta da farmacoterapia em pacientes com doença arterial coronariana foi associada positivamente à presença de diabetes mellitus, hipertensão arterial e relato de não adesão a medicamentos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2020
  • Aceito
    29 Set 2020
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