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Pênfigo foliáceo como diagnóstico diferencial em lesões vesicobolhosas

RESUMO

Considerando o desafio do diagnóstico clínico de lesões cutâneas de apresentação bolhosa, o presente trabalho procurou discutir as alterações histológicas, a apresentação e o raciocínio clínico para o diagnóstico de tais lesões. Paralelamente, a importância da patologia foi revisada na identificação destes quadros. Neste relato de caso, destaca-se a evolução clínica de um quadro de pênfigo foliáceo.

Pênfigo; Dermatopatias vesiculobolhosas; Relatos de casos

ABSTRACT

Given the challenge of clinical diagnosis of bullous skin lesions, this report aimed to discuss the histological changes, the presentation and clinical reasoning for diagnosis of these lesions. At the same time, the importance of the pathology was reviewed to identify these clinical scenarios. In this case report, we highlighted the clinical progression of a case of pemphigus foliaceus.

Pemphigus; Skin diseases, vesiculobullous; Case reports

INTRODUÇÃO

O diagnóstico diferencial de doenças vesicobolhosas pode ser considerado um desafio na rotina clínica da medicina interna e da dermatologia. As lesões têm um início agudo, e diversos mecanismos podem ser responsáveis por sua formação.

As bolhas ocorrem em diferentes níveis da pele. Inicialmente, o objetivo das avaliações histológicas, imuno-histológicas e de microscopia eletrônica é encontrar o plano em que ocorre a perda de adesão celular.11. Kumar V, Abbas AK, Aster JC, Fausto N. Robbins & contran pathologic basis of diseases. 8th ed. United States: Saunders; 2009. p. 1165. [Series Robbins Pathology]. O diagnóstico histológico se torna obrigatório para complementar a investigação;22. Levitt J, Nazarian R. Vesiculobullous diseases. Dermatol Educ. 2011;1-22. DOI:10.2310/7900.1105. porém, apenas a avaliação histológica e os mecanismos patogênicos não necessariamente garantem um diagnóstico correto. Deste modo, técnicas de imunofluorescência são um valioso suplemento.33. Abesman J, Grover R, Helm TN, Beutner EH. Can direct immunofluorescence testing still be accurate if performed on biopsy specimen after brief inadvertent immersion in formalin? J Am Acad Dermatol. 2011;65(1):106-11.

O pênfigo foliáceo (PF) é uma doença cutânea bolhosa autoimune crônica, caracterizada em termos histopatológicos pela formação de bolhas intraepidérmicas com acantólise e, em imunológicos, pela circulação de autoanticorpos para a epiderme, que são responsáveis pelas lesões cutâneas.

RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, caucasiano, 78 anos, nascido e criado em áreas urbanas de Jundiaí, (SP) apresentou “bolhas estouradas no corpo” durante 20 dias. Relatou que, durante aproximadamente 2 meses, apareceram lesões pruriginosas expressivas no couro cabeludo associadas a ardência local (sensação de queimadura) e com progressão craniocaudal. Também relatou que as lesões evoluíram com envolvimento cervical, do tronco, do abdômen e das axilas, por aproximadamente 20 dias. O paciente usou pasta d’água tópica e banho de barbatimão, tratamentos genéricos populares, com piora das lesões. O paciente negava lesões prévias e qualquer envolvimento de mucosas, e não apresentava outras queixas clínicas.

Tinha história pregressa de hipertensão, diabetes mellitus tipo 2 e obesidade. Negava qualquer história familiar de lesões cutâneas. Atualmente, o paciente tem prescrição para omeprazol, losartana, sinvastatina, aspirina e insulina NPH subcutânea.

O exame dermatológico revelou lesões eritematosas e bolhosas, com crostas espessas na superfície. As lesões estavam distribuídas no couro cabeludo, no tronco, nas costas, no abdômen e nas axilas. Algumas lesões nas costas eram bolhas flácidas. O sinal de Nikolsky (ligeira fricção da pele, que resulta na esfoliação da camada mais externa) estava certamente positivo. Após este achado, os dermatologistas chegaram ao diagnóstico de PF. O tratamento foi iniciado com prednisona 1mg/kg ao dia associada a antibioticoterapia (inicialmente com cefalexina e, depois, com teicoplanina, para controlar uma infecção hospitalar secundária), corticosteroide tópico (hidrocortisona) e um imunossupressor poupador de corticosteroides (azatioprina). Após alta hospitalar, o exame da biópsia das lesões confirmou o diagnóstico de PF.

Este paciente ainda está em acompanhamento ambulatorial e ainda apresenta remissão parcial, com dependência de corticoterapia em doses baixas, após diversos meses.

A análise histológica mostrou lesão subcorneal com inflamação (Figura 1) e ceratinócitos apoptóticos (Figura 2), característicos de PF.

Figura 1
Bolha subcorneal

Figura 2
Disceratose/ceratinócitos apoptóticos (hematoxilina-eosina, aumento 200X)

DISCUSSÃO

O paciente tinha história recente de prurido e ardência, que começou na região do couro cabeludo e teve rápida progressão craniocaudal para o pescoço, costas, abdômen e axilas. Ao exame, apresentava lesões vesiculares flácidas e bolhosas, com áreas de ulceração e crostas espessas. O sinal de Nikolsky positivo sugeriu clivagem intraepitelial.

Devido às características clínicas geralmente heterogêneas, muitas vezes não é possível fazer um diagnóstico exato de dermatoses bolhosas somente a partir de achados clínicos.44. Kneisel A, Hertl M. Autoimmune bullous skin diseases. Part 2: diagnosis and therapy. J Dtsch Dermatol Ges. 2011;9(11):927-47. Review. Inicialmente, em avaliações histológicas e imuno-histológicas, e até mesmo com microscopia eletrônica, o objetivo é encontrar o plano em que ocorre a perda de adesão celular. A partir da identificação da região, temos alguns possíveis diagnósticos: no estrato córneo (representado por PF, impetigo, psoríase pustular e eritema tóxico neonatal), suprabasal (dermatite espongiótica, doença de Darier, doença de Hailey-Hailey, eritema multiforme e pênfigo vulgar), subepidérmico (porfiria cutânea, epidermólise bolhosa adquirida, líquen plano linear, penfigoide bolhoso, dermatite herpetiforme e dermatose bolhosa por IgA linear) (Figura 3).

Figura 3
Possíveis regiões de lesões (hematoxilina-eosina, aumento 40X): (A) estrato córneo, (B) suprabasal e (C) subepidérmica

Uma vez identificado o local da clivagem, investiga-se o mecanismo responsável pela lesão. Um achado histológico de bolhas intraepidérmicas com presença de acantólise é a principal característica histopatológica de doenças intraepidérmicas autoimunes do grupo pênfigo.55. Radoš J. Autoimmune blistering diseases: histologic meaning. Clin Dermatol. 2011;29(4):377-88. As doenças bolhosas intraepidérmicas autoimunes incluem entidades definidas do pênfigo: pênfigo vulgar, PF, pênfigo herpetiforme, pênfigo por IgA, pênfigo paraneoplásico e pênfigo induzido por drogas.55. Radoš J. Autoimmune blistering diseases: histologic meaning. Clin Dermatol. 2011;29(4):377-88.,66. Hertl M, Eming R. Pemphigus vulgaris. CME Dermatol [Internet]. 2009 [cited 2009 July 31];4(2):94-115. Available from: www.akademos.de/derma
www.akademos.de/derma...
No pênfigo vulgar, encontramos acantólise suprabasal e intraepidérmica, perda de adesão de ceratinócitos, granulócitos neutrofílicos e eosinofílicos, além de um pequeno infiltrado perivascular de células redondas encontrado no plexo vascular dérmico superior. O PF apresenta acantólise subcorneal superficial no estrato espinhoso superior ou granuloso, e leve infiltrado inflamatório na epiderme. No pênfigo paraneoplásico, dermatite de interface com degeneração vacuolar de ceratinócitos basais e necrose de ceratinócitos com discreta acantólise são vistas histologicamente, em associação com infiltrado liquenoide, próximo à zona de junção dermo-epidérmica. Pênfigo por IgA exibe infiltrado subcorneal ou epidérmico de neutrófilos, e os sinais clássicos de acantólise geralmente estão ausentes.66. Hertl M, Eming R. Pemphigus vulgaris. CME Dermatol [Internet]. 2009 [cited 2009 July 31];4(2):94-115. Available from: www.akademos.de/derma
www.akademos.de/derma...
No pênfigo herpetiforme, as células acantolíticas estão localizadas na camada subcórnea, e a espongiose eosinofílica é a variante mais típica (Quadro 1).

Quadro 1
Histologia e padrão antigênico de diferentes tipos de pênfigo

Os principais subtipos de pênfigo são o vulgar e o PF. Nesta doença, autoanticorpos do tipo IgG (desmogleína-1 e/ou 3) quebram a conexão entre desmossomos e causam acantólise.77. Stanley JR. Pemphigus. In: Freedberg IM, Eisen AZ, Wolff K, Austen KF, Goldsmith LA, Katz SI, editors. Fitzpatrick’s dermatology in general medicine. 6th ed. vol. 1. New York: McGraw-Hill; 2003. p. 558-67. O processo fisiopatológico é controverso, mas sabe-se que o pênfigo vulgar causa lesões na pele e mucosa, atingindo a camada suprabasal ao produzir desmogleína-3. O PF causa apenas lesões na pele, atingindo a camada subcorneal por meio da produção de desmogleína-1.

Fogo selvagem é uma forma endêmica de PF em regiões rurais do Brasil e aparentemente pode ser desencadeada por um agente ambiental, ainda não identificado.88. Cunha PR, Barraviera SR. Autoimmune bullous dermatoses. An Bras Dermatol. 2009;84(2):111-24. Review.

Pode ser necessária a utilização de imunofluorescência direta para determinar o tipo de imunoglobulina (IgG, IgA e IgM), fração complementar (C3, C5b-9) ou fibrinogênio, para identificar a fisiopatologia subjacente e seu padrão de distribuição na base da vesícula ou bolha na epiderme, camada linear basal ou membrana granulosa. No caso de PF, observa-se uma deposição intercelular de IgG. A imunofluorescência direta é similar entre pênfigo vulgar e PF. No entanto, uma vez diferenciadas histopatologicamente, os achados de imunofluorescência direta são sugestivos de PF em até 100%.99. Chams-Davatchi C, Valikhani M, Daneshpazhooh M, Esmaili N, Balighi K, Hallaji Z, et al. Pemphigus: analyses of 1209 cases. Int J Dermatol. 2005; 44(6):470-6.,1010. Inchara YK, Rajalakshmi T. Direct immunofluorescence in cutaneous vesiculobullous lesions. Indian J Pathol Microbiol. 2007;50(4):730-2.

É importante enfatizar que se trata de uma doença grave e potencialmente fatal. O diagnóstico deve ser rápido, e o tratamento é baseado em imunossupressão com esteroides (tópicos e sistêmicos), agente imunossupressor poupador de corticosteroides, imunoglobulinas e anti-CD-20.77. Stanley JR. Pemphigus. In: Freedberg IM, Eisen AZ, Wolff K, Austen KF, Goldsmith LA, Katz SI, editors. Fitzpatrick’s dermatology in general medicine. 6th ed. vol. 1. New York: McGraw-Hill; 2003. p. 558-67.

REFERENCES

  • 1
    Kumar V, Abbas AK, Aster JC, Fausto N. Robbins & contran pathologic basis of diseases. 8th ed. United States: Saunders; 2009. p. 1165. [Series Robbins Pathology].
  • 2
    Levitt J, Nazarian R. Vesiculobullous diseases. Dermatol Educ. 2011;1-22. DOI:10.2310/7900.1105.
  • 3
    Abesman J, Grover R, Helm TN, Beutner EH. Can direct immunofluorescence testing still be accurate if performed on biopsy specimen after brief inadvertent immersion in formalin? J Am Acad Dermatol. 2011;65(1):106-11.
  • 4
    Kneisel A, Hertl M. Autoimmune bullous skin diseases. Part 2: diagnosis and therapy. J Dtsch Dermatol Ges. 2011;9(11):927-47. Review.
  • 5
    Radoš J. Autoimmune blistering diseases: histologic meaning. Clin Dermatol. 2011;29(4):377-88.
  • 6
    Hertl M, Eming R. Pemphigus vulgaris. CME Dermatol [Internet]. 2009 [cited 2009 July 31];4(2):94-115. Available from: www.akademos.de/derma
    » www.akademos.de/derma
  • 7
    Stanley JR. Pemphigus. In: Freedberg IM, Eisen AZ, Wolff K, Austen KF, Goldsmith LA, Katz SI, editors. Fitzpatrick’s dermatology in general medicine. 6th ed. vol. 1. New York: McGraw-Hill; 2003. p. 558-67.
  • 8
    Cunha PR, Barraviera SR. Autoimmune bullous dermatoses. An Bras Dermatol. 2009;84(2):111-24. Review.
  • 9
    Chams-Davatchi C, Valikhani M, Daneshpazhooh M, Esmaili N, Balighi K, Hallaji Z, et al. Pemphigus: analyses of 1209 cases. Int J Dermatol. 2005; 44(6):470-6.
  • 10
    Inchara YK, Rajalakshmi T. Direct immunofluorescence in cutaneous vesiculobullous lesions. Indian J Pathol Microbiol. 2007;50(4):730-2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    5 Out 2016
  • Aceito
    5 Jan 2017
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