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Monumentos precários: luto (im)possível e lápides de papel em K.: relato de uma busca

Precarious Monuments: (Im)possible Mourning and Paper Headstones in K.: relato de uma busca

Monumentos precarios: luto (im)posible y lápidas de papel en K.: relato de uma busca

Resumo

O artigo reflete sobre a relação entre a estética do antimonumento e o “saber da precariedade” próprio do testemunho de catástrofes históricas, a exemplo do desaparecimento forçado de pessoas, para pensar o testemunho como forma intrinsecamente contra-hegemônica de construção da memória e modalidade de elaboração de eventos traumáticos. A análise relaciona o testemunho e a ação dos familiares de desaparecidos, como a que Bernardo Kucinski constrói diretamente e narrativamente em K. Relato de uma busca, com o valor que antimonumentos, memoriais e recordatorios têm na construção da memória familiar e coletiva do trauma.

Palavras-chave:
literatura de testemunho; antimonumento; Bernardo Kucinski; desaparecimento

Abstract

The essay reflects on the relationship between the aesthetics of anti-monuments and the “precarious knowledge” which characterizes the testimony of historical catastrophes such as forced disappearance, to think about testimony as an anti-hegemonic form of memory-building and elaborating on traumatic events. The analysis deepens the correlation between testimony and the action taken by relatives of the desaparecidos, as that built in Bernardo Kucinski in K.: relato de uma busca, with the significance that anti-monuments, memorials and recordatorioshave in the construction of the family and collective memory of trauma.

Keywords:
literature of testimony; counter-monuments; Bernardo Kucinski; disappearance

Resumen

El artículo reflexiona sobre la relación entre la estética antimonumental y el “saber de la precariedad” propio del testimonio de catástrofes históricas, como es el caso de la desaparición forzada, para pensar en el testimonio como una forma intrínsecamente contra-hegemónica de construcción de la memoria y como modalidad de elaboración de eventos traumáticos. El análisis relaciona el testimonio y la acción de los familiares de los desaparecidos, como la que Bernardo Kucinski construye directa y narrativamente en K.: relato de uma busca, con el valor que los antimonumentos, monumentos y recordatorios tienen en la construcción de la memoria familiar y colectiva del trauma.

Palabras-clave:
testimonio; antimonumento; Bernardo Kucinski; desaparición

Lembrar ausências

Ao apresentar a obra “Aschrottfountain”, que o arquiteto Horst Hoheisel realizou em 1985 atendendo ao pedido da cidade alemã de Kassel de construir um monumento que lembrasse o chafariz levantado pelo cidadão judeu Sigmund Aschrott em 1908 e destruído pelos nazistas em 1939, James Young propõe uma reflexão: “Como é possível lembrar uma ausência? Nesse caso, reproduzindo-a” (1992YOUNG, James E. (1992). The counter-monument: memory against itself in Germany today. Critical inquiry, v. 18, n. 2, p. 267-296. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/1343784 . Acesso em: 30 jul. 2019.
https://www.jstor.org/stable/1343784...
, p. 290, tradução nossa). De fato, o célebre projeto de Hoheisel configura-se como um monumento em negativo - negative-form monument -, um monumento in absentia, pensado como espelho, como reprodução fantasmática, afundada no subsolo, do antigo chafariz. Como observa Young (1992YOUNG, James E. (1992). The counter-monument: memory against itself in Germany today. Critical inquiry, v. 18, n. 2, p. 267-296. Disponível em: Disponível em: https://www.jstor.org/stable/1343784 . Acesso em: 30 jul. 2019.
https://www.jstor.org/stable/1343784...
, p. 290, tradução nossa): “o espaço negativo do monumento ausente constituirá agora sua forma fantasmática no chão. A própria ausência do monumento será agora preservada em seu espaço negativo precisamente duplicado”. A ausência que o monumento pretende lembrar é rememorada através da própria forma da ausência.

Os arquitetos que têm problematizado a estética do monumento para lidar com a representação e a conservação da memória coletiva do Holocausto elaboraram formas de desconstrução da “monumentalidade” capazes de trazer à tona as contradições da rememoração de eventos-limite. A estética do antimonumento (ou counter-monument), como mostram os trabalhos de Jochen e Esther Gerz ou Horst Hoheisel, por exemplo, surge da exigência de não se cair em mecanismos de tipo consolatório ou de redenção, e de superar o caráter imanente do monumento, para sair da sua lógica potencialmente autoritária.

Mas o fato da estética do antimonumento ter surgido após a Segunda Guerra Mundial, e em contextos nos quais o desafio da arte é o de veicular a memória da violência extrema, é uma resposta tanto à necessidade de denunciar e conservar coletivamente a memória do horror, como à consciência de ter que lidar com episódios históricos que excedem os limites da inteligibilidade. A construção da memória do horror, como é também o caso das graves violações dos direitos humanos perpetradas pelos regimes latino-americanos, traz consigo a consciência da impossibilidade da plena compreensão e assimilação dos eventos traumáticos. No caso do antimonumento, como explica Márcio Seligmann-Silva (2016SELIGMANN-SILVA, Márcio (2016). Antimonumentos: trabalho de memória e de resistência. Psicologia USP, v. 27, n. 1, p. 49-60. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2xjKnh6 . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, p. 51), ao desejo e à necessidade de lembrar une-se a “consciência do ser precário da recordação”: “o antimonumento, que normalmente nasce do desejo de lembrar situações-limite, leva em si um duplo mandamento: ele quer recordar, mas sabe que é impossível uma memória total do fato”; por isso, a sua estética-ética opta por abandonar a retórica da imanência e da imortalidade, a favor de “matérias e rituais mais efêmeros”. Como lembra Aleida Assmann, à raiz da memória cultural, do ponto de vista antropológico, há a comemoração dos mortos: ligado à pietas, entendida como dever dos familiares de manter viva a lembrança dos defuntos, “o culto dos mortos é a forma original e mais difusa do vínculo social que liga os vivos aos mortos” (Assmann, 2002ASSMANN, Aleida (2002). Ricordare: forme e mutamenti della memoria culturale. Bologna: Il Mulino., p. 361, tradução nossa). Por outro lado, a memória cultural funda-se na construção da fama, como forma de tornar imortal, no contexto laico, a memória do nome: o monumento, na polis grega, destinava-se a deixar um signo imanente das empresas militares ou culturais (Assmann, 2002ASSMANN, Aleida (2002). Ricordare: forme e mutamenti della memoria culturale. Bologna: Il Mulino.). A própria etimologia do termo “monumento”, da sua raiz grega mnema, remete tanto para a celebração fúnebre como para o sentido da imanência:

mnema passa a significar não só o elemento material de uma lembrança, mas também o próprio canto fúnebre para finalmente se aproximar cada vez mais da noção de sema como túmulo, conforme ocorre, por exemplo, em Eurípides. Sema significa mais o próprio local, a elevação e indica o túmulo, e mnema é a qualidade que faz do sema um memorial ou um objeto de glória (kléos), remetendo à imbricação existente no universo grego entre morte, signo e vida eterna (Seligmann-Silva, 2016SELIGMANN-SILVA, Márcio (2016). Antimonumentos: trabalho de memória e de resistência. Psicologia USP, v. 27, n. 1, p. 49-60. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2xjKnh6 . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, p. 50).

Duas são, portanto, as vocações culturais e rituais do monumento: o culto dos mortos por parte dos familiares, e a perpetuação social da memória, no sentido da admoestação e da eternização da fama. Mas ambos aspectos são profundamente questionados pelas caraterísticas específicas da lembrança de situações-limite. Se, de um lado, as catástrofes históricas, como é caso do extermínio nazista e da desaparição forçada, trazem consigo desafios ético-estéticos relacionados com a perpetuação - coletiva - de memórias em conflito, memórias traumáticas, por si próprias não totalmente assimiláveis, do outro, elas colocam um problema de ordem psicológica e social ao nível da elaboração do luto.

Em K.: relato de uma busca, Bernardo Kucinski confronta-se ao nível testemunhal e literário com ambos os desafios: o de lidar com a restituição da memória familiar da irmã Ana Rosa, sequestrada por agentes do regime em 1974 e até hoje desaparecida; e o de contribuir à construção de uma memória coletiva da catástrofe do desaparecimento, em contraste com os processos de desmemória que, no Brasil, têm caraterizado a época da transição democrática. Lembrando, através da ficção narrativa, o calvário do pai em busca da filha desaparecida, Kucinski afronta um desafio semelhante ao de Hoheisel: o de lembrar ausências.

Mas, no caso do desaparecimento, o próprio conceito de ausência cobra dimensões múltiplas, relacionadas com o paradoxo ontológico fundamental que a figura do desaparecido implica. O desaparecido se encontra num limbo entre vida e morte, ele é e não é ao mesmo tempo, numa condição excepcional, que vem a configurar um novo e paradoxal estatuto ontológico, um “novo estado do ser situado num lugar inaudito” (Gatti, 2010GATTI, Gabriel (2010). O detido-desaparecido: catástrofe civilizacional, desmoronamento da identidade e linguagem. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 88, p. 57-78. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2J6vIsu . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, p. 68). Com esta definição, Gabriel Gatti dá conta da absoluta excepcionalidade da figura do desaparecido, a mesma que, com cinismo e total frialdade, o general Jorge Rafael Videla tinha fotografado ante a imprensa argentina em 1979: “é uma incógnita, é um desaparecido, não tem identidade. Não está nem morto nem vivo. É um desaparecido, diante do que não podemos fazer nada” (Videla, 1979VIDELA, Jorge Rafael (1979). Entrevista. Centro para la Apertura y el Desarrollo de América Latina - CADAL, CADALTV. vídeo on-line. (5m24s). Disponível em: Disponível em: https://youtu.be/3AlUCjKOjuc . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, s.p., tradução nossa). Esta entidade, este “estado do ser”, pode ser pensado, com Gatti, nos termos de uma catástrofe identitária, na que faltam os parâmetros com que costumamos pensar o indivíduo e sua identidade. O desaparecido se “identifica”, se possível, através de uma série de faltas, uma série de ausências:

estamos perante uma figura que se representa como sem lugar (“O desaparecido não deixa rasto, cria um vazio”), que não encaixa em nenhuma entidade reconhecível, simultaneamente ausente e presente (“[Com eles] a ausência converte-se em presença”), sem lógica (“O desaparecimento é um atentado à lógica. Provoca um sentido de absurdo”), sem corpo (“É um corpo sem identidade e uma identidade sem corpo”).” Isto é, estamos frente a uma desconstrução da “unidade ontológica do ser humano” (Gatti, 2010GATTI, Gabriel (2010). O detido-desaparecido: catástrofe civilizacional, desmoronamento da identidade e linguagem. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 88, p. 57-78. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2J6vIsu . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, p. 69).

A catástrofe identitária da desaparição forçada aparece assim como uma estratificação de ausências, que impede aos familiares cumprir os ritos funerários necessários para dar começo e completar a elaboração do luto. A própria dinâmica de subtração na que se baseia o dispositivo desaparecedor impede os familiares de sair da condição melancólica - patológica, na acepção freudiana - para chegar a uma possível resolução através do luto. Ela se funda na subtração do corpo e no mantimento do segredo acerca das circunstâncias da captura, da detenção, da morte e da localização dos restos mortais, negando qualquer prova da cessação da existência do ser querido. E, como lembra Martine Déotte, é a ausência do corpo o elemento que primeiramente dificulta os rituais do luto:

Os funerais dificilmente prescindem do corpo, que serve de ponto de apoio a diferentes práticas: cuidado, asseio, velório, cortejo e funeral. Sua ausência traz uma dúvida interminável acerca da realidade da morte e a impossibilidade do rito funerário que deve canalizar o trabalho do luto no sentido freudiano (Déotte, 2000DÉOTTE, Martine (2000). Desaparición y ausencia de duelo. In: RICHARD, Nelly (Org.). Políticas y estéticas de la memoria. Santiago: Cuarto Propio. p. 93-97., p. 94, tradução nossa).

Por conseguinte, o problema do luto no caso do desaparecimento está ligado, de um lado, à impossibilidade de verificar a inelutabilidade da morte e, do outro, à negação de celebrar um rito funerário de acompanhamento do corpo ao túmulo. Ausências e mais ausências. Aqui o que falta é a possibilidade de fixar a memória num lugar que coincida com o corpo, e que guarde simbólica e materialmente a memória do ser querido.

Aleida Assmann, analisando um capítulo das Afinidades eletivas de Goethe, descreve o significado simbólico de túmulos e lápides: eles são modalidades de fixação da “práxis memorial” num lugar, e respondem aos “interesses de uma comemoração dos mortos ligada obstinadamente a um sítio, este lugar da memória é em certo sentido um lugar sagrado, animado pela presença dos mortos” (Assmann, 2002ASSMANN, Aleida (2002). Ricordare: forme e mutamenti della memoria culturale. Bologna: Il Mulino., p. 361, tradução nossa). O cemitério, portanto, é o lugar em que simbolicamente guardamos a presença dos defuntos, presença materialmente assinalada pelo “hic jacet”, e possível só no momento em que o corpo é entregue à terra. Mas, paradoxalmente, o desaparecimento impede até essa presença post mortem, aquela que o sepultamento e a lápide garantiriam. Também a presença dos mortos, no caso do desaparecimento, é substituída por uma ausência.

No espaço público, a rememoração do desaparecimento deve procurar, portanto, estratégias estéticas e artísticas para lidar com esse paradoxal estatuto ontológico e, ao mesmo tempo, para responder às diferentes posturas político-sociais dos familiares e dos atores envolvidos nas batalhas mnemônicas e na construção de memórias sempre conflitantes e móveis. É o caso do memorial erguido em 1994 no Cementerio General de Santiago, que lembra os assassinados e os desaparecidos da ditatura militar de Pinochet. O memorial,

atua como uma memória central em nível nacional, […] contém uma imensa lista com os nomes dos desaparecidos esculpidos em pedra. Ali estão enterrados corpos que foram exumados em valas comuns e posteriormente identificados como pertencentes às vítimas da repressão, enquanto em ambos os lados da placa do memorial foi deixada uma série de nichos vazios destinados a serem preenchidos pelos corpos dos desaparecidos que forem encontrados e identificados no futuro (Schnidel, 2009, p. 78, tradução nossa).

Nesse caso, o lugar da lembrança coincide, embora parcialmente, com a presença dos corpos das vítimas, tornando possível a fixação da práxis memorial num lugar, providenciando assim, além de um local da memória coletiva e da ação política, também um espaço de celebração dos ritos fúnebres. Presença dos corpos, mas também presença dos nomes dos corpos ausentes. É o que acontece no caso do “Parque de la memoria”, inaugurado em Buenos Aires em 2007. O parque é atravessado pelo “Monumento a las Víctimas del Terrorismo de Estado”, projeto de Alberto Varas, um muro que leva as incisões dos nomes das vítimas do terrorismo de estado argentino entre 1969 e 1983, incluindo os nomes dos desaparecidos. Também neste caso, parte dos 30 mil ladrilhos que compõem o muro são brancos, para poderem acolher, no futuro, os nomes daqueles desaparecidos cujos restos ainda não foram identificados. Como ilustram Cristina Demaria e Daniele Salerno:

os nomes são colocados por ordem alfabética, junto à idade que cada um tinha no momento do desaparecimento: se documenta assim de um lado a amplitude e a extensão do terrorismo de estado, mas do outro se fornece uma espécie de túmulo sem corpo, um lugar de comemoração individual, íntimo, mas também coletivo e comunitário (Demaria e Salerno, 2017DEMARIA, Cristina; SALERNO Daniele (2017). Le condizioni semiotiche di accesso al lutto. Il Parque de la Memoria y los derechos humanos di Buenos Aires. BO - Ricerche e progetti per il territorio, la città e l’architettura, n. 12, p. 86-99, dez. Disponível em: Disponível em: https://in_bo.unibo.it/article/view/7870/7993 . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, p. 183, tradução nossa).

O valor do memorial na restituição de um lugar físico da elaboração da perda é testemunhado pelo facto de o parque ser interpretado por uma parte dos familiares das vítimas como espaço que possibilita a ritualização fúnebre: a função prevalente do muro é hoje a de um “ideal cemitério pelas vítimas”. Assim, os familiares colocam flores em correspondência aos nomes e “houve também o caso de uma mãe que pediu que a sua própria cerimônia fúnebre acontecesse no parque, e que suas cinzas fossem dispersas no rio, onde seu filho tinha desaparecido”, de modo que o parque “assumiu literalmente a função de lugar cemiterial e de ritual funerário ao mesmo tempo” (Demaria e Violi, 2017DEMARIA, Cristina; VIOLI, Patrizia (2017). Arte e memoria. Il Parque de la Memoria y de los derechos humanos di Buenos Aires. Storicamente, n. 13, p. 1-23. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2J95Pbu . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, p. 10-11, tradução nossa).

O vínculo entre as caraterísticas desse memorial e a estética do antimonumento reside tanto em sua concepção arquitetônica, a sua forma de ziguezague, a lembrar uma ferida entre o espaço da cidade e o Rio de la Plata, como na função que nele adquire o expediente da nomeação. A inscrição dos nomes, diversamente do que acontece no caso da monumentalidade clássica, cujos objetivos são a glorificação e a perpetuação da fama, aqui não serve para fins triunfalistas, mas é, pelo contrário, uma maneira de transmitir a memória dos vencidos (Melendi, 2007MELENDI, María Angélica (2007). Tumbas de papel. Estrategias del arte (y de la memoria) en una era de catástrofes. In: LORENZANO, Sandra; BUCHENHORST, Ralph (Org.). Políticas de la memoria: tensiones en la palabra y la imagen. Cidade do México: La Editorial Gorla; Universidad del Claustro de Sor Juana. p. 135-145.). Mas o que é preciso observar é que este processo de nomeação tem também uma função restitutiva, justamente ali onde a restituição - na acepção jurídica latina da restitutio in integrum - não pode acontecer, porque de fato, no desaparecimento, a restauração das condições prévias à violação de um direito já não é possível (Vecchi, 2014VECCHI, Roberto (2014). O passado subtraído da desaparição forçada: Araguaia como palimpsesto. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 43, p. 133-149. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/9950/8788 . Acesso em: 30 jul. 2019.
http://periodicos.unb.br/index.php/estud...
). Como reconheceu a Corte Interamericana dos Direitos Humanos no caso Julia Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia), “a reparação do dano ocasionada pela infração de uma obrigação internacional requer, sempre que seja possível, a plena restituição (restitutio in integrum), a qual consiste no restabelecimento da situação anterior à violação” (OEA, 2009OEA (2009). Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso 11.552 - Julia G. Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a República Federativa do Brasil. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/38Of3V5 . Acesso em: 10 mar. 2014.
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, par. 228). Mas no caso do crime da desaparição forçada, a Comissão considerou que “Em atenção ao tempo transcorrido, assim como à natureza e magnitude dos danos ocasionados […] uma restituição plena” não era possível (OEA, 2009OEA (2009). Demanda perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso 11.552 - Julia G. Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) contra a República Federativa do Brasil. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/38Of3V5 . Acesso em: 10 mar. 2014.
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, par. 244).

O trabalho de Demaria e Salerno (2017DEMARIA, Cristina; SALERNO Daniele (2017). Le condizioni semiotiche di accesso al lutto. Il Parque de la Memoria y los derechos humanos di Buenos Aires. BO - Ricerche e progetti per il territorio, la città e l’architettura, n. 12, p. 86-99, dez. Disponível em: Disponível em: https://in_bo.unibo.it/article/view/7870/7993 . Acesso em: 30 jul. 2019.
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) sobre as condições semióticas de acesso ao luto mostra bem como a criação de lugares capazes de acolher a inscrição dos nomes dos desparecidos pode representar uma forma restitutiva, na paradoxal condição de presença-ausência que o desaparecido representa. Os dois pesquisadores aplicam ao caso do desaparecimento a noção butleriana de grievability (Butler, 2009BUTLER, Judith (2009). Frames of war. When is life grievable? London: Verso.), que distingue entre vidas que determinadas sociedades consideram dignas e que, por isso, são merecedoras de luto, e vidas descartáveis, que, não tendo dignidade de vida, tampouco têm direito a que sua morte seja celebrada. Demaria e Salerno (2017DEMARIA, Cristina; SALERNO Daniele (2017). Le condizioni semiotiche di accesso al lutto. Il Parque de la Memoria y los derechos humanos di Buenos Aires. BO - Ricerche e progetti per il territorio, la città e l’architettura, n. 12, p. 86-99, dez. Disponível em: Disponível em: https://in_bo.unibo.it/article/view/7870/7993 . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, p. 177, tradução nossa) explicam como “a regulação de acesso ao luto” depende de como as vidas são narradas e percebidas: “do ponto de vista semiótico, isto acontece sobretudo através da articulação e desarticulação dos elementos que informam a própria ideia de ‘pessoa’: um nome, um rosto, uma biografia, um corpo e um lugar físico ou simbólico”, que servem para definir, ao nível coletivo, a individualidade e identificabilidade da pessoa. Mas “quando o nome e a biografia se perdem, o corpo torna-se resto, resquício, rastro biológico” (Demaria e Salerno, 2017DEMARIA, Cristina; SALERNO Daniele (2017). Le condizioni semiotiche di accesso al lutto. Il Parque de la Memoria y los derechos humanos di Buenos Aires. BO - Ricerche e progetti per il territorio, la città e l’architettura, n. 12, p. 86-99, dez. Disponível em: Disponível em: https://in_bo.unibo.it/article/view/7870/7993 . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, p. 177, tradução nossa). Por isso, podemos pensar na inscrição dos nomes como numa forma de restituição, que se configura em nível semiótico, mas também simbólico e psicológico, como devolução do direito à dignidade de pessoa, através da materialidade da letra e da identificabilidade do nome. A lembrança da ausência, no caso dos memoriais, é construída por meio de formas estéticas que tendem para a instabilidade e a incompletude, para o questionamento da história e não para a sua imortalização; ao mesmo tempo eles possibilitam restituir aquela - parcial - presença, que o desaparecimento nega até aos mortos.

O panorama brasileiro, em seu caráter tendencialmente amnésico no que diz respeito aos processos mnemônicos e à justiça de transição, foi teatro nos últimos anos de alguns exercícios de monumentalização à contrapelo que envolvem a memória do terror ditatorial. É o caso da instalação Pássaro Livre/Vogelfrei realizada em 2003 por Horst Hoheisel e Andreas Knitz, no Octógono da Pinacoteca do Estado de São Paulo. Pode-se dizer que, tal como aconteceu no caso do chafariz de Kassel, também a obra exposta na capital paulista tem a ver com a necessidade e o desafio de lembrar uma ausência. Nesse caso, a obra consiste na reprodução do portal do Presídio Tiradentes, única parte ainda preservada do prédio demolido em 1973, no interior do qual, numa estratificação histórica que teve começo no século XIX, foram reclusos escravos, prisioneiros comuns e prisioneiros políticos. O portal original, que permanece na avenida do mesmo nome, foi objeto de debates públicos acerca da oportunidade da sua conservação e, durante algum tempo, graças à colocação de uma placa comemorativa, conseguiu se tornar um lugar simbólico da memória da violência ditatorial: “durante alguns anos, os familiares depositaram flores sob a placa do portal no dia de finados, no dia do aniversário do início da Guerrilha do Araguaia ou no dia do desaparecimento de algum militante” (Teles, 2015TELES, Janaína de Almeida (2015). Ditadura e repressão: locais de recordação e memória social na cidade de São Paulo. Lua Nova, n. 96, p. 191-221. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2vBBTBO . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, p. 202). Todavia, também em consequência do roubo da placa, o lugar perdeu a carga simbólica que tinha adquirido e, hoje,

o portal permanece sem placa, sem palavras ou qualquer referência ao passado de violência e iniquidades que marcaram a existência do edifício que abrigou o presídio. Tal contexto impõe o questionamento sobre a capacidade do portal de transmitir as memórias e experiências vividas naquele local, remetendo-nos às vicissitudes relativas ao modo como temos lidado com o legado da ditadura no Brasil (Teles, 2015TELES, Janaína de Almeida (2015). Ditadura e repressão: locais de recordação e memória social na cidade de São Paulo. Lua Nova, n. 96, p. 191-221. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2vBBTBO . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, p. 203).

Foi em ocasião do renovado interesse pela memória dos crimes da Ditadura Militar que, dentro do “Projeto Octógono Arte Contemporânea” e a convite da direção da Pinacoteca, os artistas alemães retomaram o portal como elemento simbólico da memória da repressão no Brasil. Criando uma cópia do portal em forma de gaiola, “a ruína do presídio é citada pelos artistas e metamorfoseada em prisão. O portal, local de passagem por onde inúmeros prisioneiros entraram e eventualmente saíram, foi transformado em uma alegoria para representar todo o prédio, pars pro toto” (Seligmann-Silva, 2016SELIGMANN-SILVA, Márcio (2016). Antimonumentos: trabalho de memória e de resistência. Psicologia USP, v. 27, n. 1, p. 49-60. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2xjKnh6 . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, p. 54). A ausência do prédio e a ruína do portal são representadas através de um esqueleto transparente, fantasmático, junto ao qual foram organizadas performances envolvendo a narração de sobreviventes da prisão política. Deixando de lado a escolha, conceitual e eticamente contraditória e deplorável de colocar no interior da estrutura seres vivos - neste caso pombas, a serem libertadas diariamente -, a instalação e as intervenções permitiram uma modalidade de rememoração ativa e participada. A simbolização, ou alegoria, que a obra propõe, é de caráter intrinsecamente citacional: ela não vai à procura de uma impossível restauração da ruína, mas, no alvo de uma estética antimonumental, limita-se a evocar o seu estatuto residual, como eco dos horrores que por ali passaram.

Retomando o inventário dos lugares brasileiros da memória feito por Teles (2015TELES, Janaína de Almeida (2015). Ditadura e repressão: locais de recordação e memória social na cidade de São Paulo. Lua Nova, n. 96, p. 191-221. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2vBBTBO . Acesso em: 30 jul. 2019.
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), e alargando-o cronologicamente, na própria cidade de São Paulo há pelo menos mais dois espaços que permitem a elaboração coletiva da memória do desaparecimento, com modalidades diferentes, e que estão envolvidos tanto com rememoração da presença dos restos mortais como com a monumentalização e nomeação dos ausentes. A descoberta, em 1990, da vala clandestina de Perus, no cemitério Dom Bosco, possibilitou empreender um trabalho de reconstrução e denúncia, em nível jurídico, forense, parlamentar e da opinião pública, dos crimes da Ditadura Militar, e, em 1992, a prefeitura da cidade lançou o projeto de erguer um memorial. De fato, seguindo a reconstrução de Teles (2015TELES, Janaína de Almeida (2015). Ditadura e repressão: locais de recordação e memória social na cidade de São Paulo. Lua Nova, n. 96, p. 191-221. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2vBBTBO . Acesso em: 30 jul. 2019.
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), podemos perceber como este processo de rememoração não tem sido caraterizado por um percurso linear e partilhado. Bem pelo contrário, ele foi projetado às pressas, não recebendo, durante e depois da sua criação, uma suficiente atenção pública:

A edificação de um memorial dedicado aos mortos e desaparecidos políticos foi possível graças ao protagonismo dos familiares na abertura da vala e nas investigações posteriores. O processo de construção desse memorial, relativamente desconhecido e marginalizado, reflete as vicissitudes vividas pelos familiares e ativistas das demandas por “verdade e justiça” no Brasil (Teles, 2015TELES, Janaína de Almeida (2015). Ditadura e repressão: locais de recordação e memória social na cidade de São Paulo. Lua Nova, n. 96, p. 191-221. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2vBBTBO . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, p. 207).

O memorial surgiu da iniciativa de uma pequena parte da sociedade brasileira, ficando sua importância marginal, tanto que “até a inauguração foi rápida e discreta” (Teles, 2015TELES, Janaína de Almeida (2015). Ditadura e repressão: locais de recordação e memória social na cidade de São Paulo. Lua Nova, n. 96, p. 191-221. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2vBBTBO . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, p. 208). Do ponto de vista estético e simbólico, na esteira dos monumentos que temos mencionado, o memorial projetado por Ricardo Ohtake apresenta-se como um lugar de fixação da práxis memorial em correspondência aos restos mortais, e compõe-se de uma fissura no chão, a lembrar uma cicatriz, correspondente ao lugar onde ficava a vala, e de um muro vermelho, onde é registrada uma inscrição. Naquela altura não seria possível estabelecer correspondências claras entre os restos ali presentes e os nomes das vítimas, e a inscrição no muro, “com certo otimismo ingênuo […] procura sublinhar a magnitude dos crimes praticados pela ditadura” (Teles, 2015TELES, Janaína de Almeida (2015). Ditadura e repressão: locais de recordação e memória social na cidade de São Paulo. Lua Nova, n. 96, p. 191-221. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2vBBTBO . Acesso em: 30 jul. 2019.
https://bit.ly/2vBBTBO...
, p. 209). O processo de nomeação aconteceu anos mais tarde, possibilitado pelos avanços nas pesquisas e na conscientização da sociedade acerca do período ditatorial, dos seus crimes e da necessidade da sua rememoração. Só em 2017, seguindo as recomendações das comissões da Verdade Nacional e Municipal de São Paulo, é que a prefeitura da cidade plantou simbolicamente 31 ipês em memória dos 31 militantes políticos cujos restos ficam sepultados no cemitério Dom Bosco. Ali uma nova placa comemorativa, encabeçada pela letra do cantor e compositor Taiguara - “Trago em meu corpo as marcas do meu tempo” - indica os nomes dos militantes, como homenagem da Prefeitura “aos mortos e desaparecidos da ditadura militar, cujos corpos, identificados ou não, foram acolhidos por este solo em sua trajetória de resistência e esperança”. O local, acompanhando avanços e dificuldades no desenvolvimento de políticas da memória no contexto brasileiro, une hoje a homenagem simbólica, constituída pelo antigo memorial e pelas novas árvores, à presença física de restos por fim nomináveis, aos que a grievability é agora restituída, permitindo assim a reconstituição semântica da dignidade de pessoa, tanto na morte como na vida. Ao mesmo tempo, para os familiares de mortos e desaparecidos políticos, o lugar configura-se como espaço de restituição de um lugar físico de comemoração, perto da “presença” dos restos. A placa lembra, entretanto, que de algumas vítimas os restos nunca foram encontrados, permanecendo, portanto, desaparecidos: no seu intento reparatório, a inscrição indica a consciência da perene parcialidade da restituição.

Na cidade de São Paulo, o “Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos Políticos”, projeto do próprio Ricardo Ohtake, erguido em 2014 no Parque do Ibirapuera, é o primeiro monumento no Brasil a trazer a inscrição dos nomes de todos os mortos e desaparecidos pelo regime militar conhecidos até a data. Inaugurado em ocasião dos 50 anos do golpe, o monumento é concebido como um conjunto de 21 placas de aço, cuja disposição desordenada tenciona lembrar a irracionalidade da época ditatorial, e mais cinco chapas brancas com os 436 nomes, simbolicamente transpassadas no centro por um tubo de aço. Nesse caso, além da centralidade da colocação do monumento e do relevo midiático dado a sua inauguração na efeméride do golpe, é a presença do conjunto dos nomes das vítimas o que confere à obra o maior peso em relação à elaboração pública e privada do trauma. Como lembra Edina De Marco, “Nas imagens da inauguração do Monumento de São Paulo podemos ouvir depoimentos emocionados, podemos ver pessoas chorando, pessoas tocando os nomes e os decalcando em papel para levá-los com elas como lembranças, como relíquias. O visitante experimenta com o corpo o Nome. Presença. Encontro. Dor. Afeto.” (Marco, 2016MARCO, Edina de (2016). Em nome do nome. O uso de nomes próprios na arte pública memorialística. In: MUÑOZ BURBANO, Carmen Cecilia; ESPANTOSO RODRÍGUEZ, Teresa (Org.). Pasados presentes: debates por las memorias en el arte público en América Latina. Cali: Programa Editorial Universidad del Valle., p. 25).

Cemitérios, memoriais, instalações, monumentos e antimonumentos que temos mencionado contribuem para o questionamento da memória traumática, para a recordação das vítimas assim como para a elaboração do luto, mas nestes casos o ato da recordação aponta para uma dupla direção: de um lado, para o dever e a necessidade de lembrar; e, por outro, para a possibilidade e necessidade do esquecimento. O esquecimento entendido como libertação de um passado que não poderá passar até que as condições de verdade, justiça, reconhecimento público e processos de elaboração do luto, íntimos e coletivos, não se cumpram. De fato, como sugere Márcio Seligmann-Silva (2014, p. 44), é justamente essa “consciência do ser precário da recordação”, essa vocação dupla, em direção tanto da lembrança como do esquecimento, o elemento que une, na sua essencial precariedade, os antimonumentos e os testemunhos das catástrofes históricas.

Os monumentos precários de K.

O testemunho literário que, hoje, no Brasil, trabalha com a memória dos crimes ditatoriais apresenta profundos pontos de contato com esse tipo de representação artística e memorialística, tanto do ponto de vista da sua função como dos questionamentos éticos e estéticos que coloca. Representando na página escrita os conflitos vividos por K., protagonista e pai da militante desaparecida Ana Rosa, na procura da fixação de um luto que parece impossível, K.: relato de uma busca mostra uma densa estratificação de tais questionamentos, tanto em relação à problemática da monumentalização da lembrança, como no que diz respeito às modalidades não hegemônicas de veicular a memória do trauma.

No capítulo “A matzeivà” (Kucinski, 2011KUCINSKI, Bernardo (2011). K.: relato de uma busca. São Paulo: Expressão Popular., p. 79-84), um ano depois do desaparecimento da filha, K. pede ao rabino a possibilidade de erguer uma lápide comemorativa, una matzevah, para Ana Rosa, junto do túmulo da mulher no cemitério israelita de Butantã. Não é casual que K. sinta a necessidade, ou melhor, “a urgência em erguer para a filha uma lápide, ao se completar um ano da sua perda”: como é comum no caso do desaparecimento, a impossibilidade de estabelecer com certeza a data da morte leva os familiares a escolher datas simbólicas, como a do aniversário, ou do desaparecimento, para poder identificar um momento exato em que comemorar. Entretanto, para K., a colocação da lápide não significa só reconhecer a morte da filha e decretar a sua ausência, ela é também uma imprescindível forma de afirmação de presença, é o testemunho que Ana Rosa realmente existiu:

A falta de lápide equivale a dizer que ela não existiu e isso não é verdade: ela existiu, tornou-se adulta, desenvolveu uma personalidade, criou o seu mundo, formou-se na universidade, casou-se. Sofre a falta dessa lápide como um desastre a mais, uma punição adicional por seu alheamento frente ao que estava acontecendo com a filha debaixo de seus olhos (Kucinski, 2011KUCINSKI, Bernardo (2011). K.: relato de uma busca. São Paulo: Expressão Popular., p. 80).

Quando o rabino se nega a erguer a matzeivá, considerando “um absurdo, colocar uma lápide sem que exista o corpo”, e afirmando que sem corpo “não tem sentido sepultamento”, ele reproduz a violência do dispositivo desaparecedor, em que a própria base do processo de luto é comprometida. Todavia, como explica Déotte (2000DÉOTTE, Martine (2000). Desaparición y ausencia de duelo. In: RICHARD, Nelly (Org.). Políticas y estéticas de la memoria. Santiago: Cuarto Propio. p. 93-97.), e como os rituais junto aos monumentos comemorativos demonstram, a possibilidade de celebrar ritos fúnebres em ausência do corpo é praticada, e é mesmo indispensável para intervir lá onde o desaparecimento prejudica a elaboração do luto. No caso da morte no mar, por exemplo, em algumas comunidades de pescadores, o náufrago - “esse morto sem corpo” - é celebrado elevando uma cruz ou uma capela que apresentem o retrato do desaparecido: “seu naufrágio é relatado e os objetos/as lembranças circulam, assim como as palavras, frente ao lugar que lhes é reservado. Esse ritual desculpabilizaria e apaziguaria os vivos” (Déotte, 2000DÉOTTE, Martine (2000). Desaparición y ausencia de duelo. In: RICHARD, Nelly (Org.). Políticas y estéticas de la memoria. Santiago: Cuarto Propio. p. 93-97., p. 94-95, tradução nossa). Aliás, o processo de elaboração do luto não se resolve em nível puramente individual, ele pressupõe a participação e o apoio de uma comunidade: é este apoio que falta, mais uma vez, na experiência de K., deixado só por parte daquela comunidade hebraica à que, embora sendo laico, se sente muito ligado. As insinuações do rabino acerca da filha, que servem de apoio à sua argumentação, têm para K. o efeito de uma violência a mais em direção à memória de Ana Rosa: “Sem corpo não há rito, não há nada […] não há ‘tahará’, a purificação do corpo. E por que lavamos o corpo? Porque só corpos purificados podem ter seu jazigo no cemitério judaico… Esse rabino quer dizer que minha filha não era pura?” (Kucinski, 2011KUCINSKI, Bernardo (2011). K.: relato de uma busca. São Paulo: Expressão Popular., p. 80-81). A mesma comunidade hebraica que não soube intervir quando K. pediu ajuda para investigar sobre a sorte da filha, agora, um ano depois, recusa-se a fazer própria a tragédia de sua morte e de acompanhar o pai na elaboração da perda.

Mas a última acusação que o rabino dirige a K. nos leva justamente ao interstício interpretativo que separa o valor da lembrança monumental da fragilidade da memória traumática: “O que você quer na verdade é um monumento em homenagem à sua filha, não é uma lápide, não é uma matzeivá; mas ela era terrorista, não era? E você quer que a nossa comunidade honre uma terrorista no campo sagrado, que seja posta em risco por causa de uma terrorista? Ela não era comunista?” (Kucinski, 2011KUCINSKI, Bernardo (2011). K.: relato de uma busca. São Paulo: Expressão Popular., p. 82-83). Ao estigmatizar a figura de Ana Rosa do ponto de vista político, o rabino reproduz aquela ideologia dos dois demônios que lê a violência da época ditatorial como confrontação entre duas forças iguais, contrapostas e igualmente condenáveis. A esta mesma lógica responde o mecanismo do martírio, a visão heroica do militante morto no combate contra o regime (Calveiro, 2004CALVEIRO, Pilar (2004). Poder y desaparición. Los campos de concentración en Argentina. Buenos Aires: Colihue.). Por conseguinte, a acusação que o rabino dirige a K., sem conseguir sair desse esquema binário, é a de exigir que a comunidade hebraica erija um monumento que glorifique Ana Rosa e sua atividade política. Deste modo, o valor que K. confere à deposição da lápide é confundido com o valor do monumento.

Voltando às palavras de Aleida Assmann e à sua leitura da validade do monumento à luz do pensamento de Nietzsche, vemos como, em seu estreito vínculo com a construção da fama, o monumento se liga à vontade de superar o tempo histórico e de entregar o próprio sujeito à imortalidade: “o monumento está incorporado na zona atemporal da imortalidade” (Assmann, 2009ASSMANN, Aleida (2009). Plunging into nothingness: the politics of cultural memory. In: LAMBERT, Ladina Bezzola; OSCHSNER, Andrea (Ed.). Moment to monument: the making and unmaking of cultural significance. Bielefeld: Transcript. p. 35-49., p. 39, tradução nossa). Na interpretação do rabino, então, o pedido de K. torna-se uma demanda por “imortalizar” a memória da filha, no sentido de exemplaridade que o monumento possui. Mas o que este pai anseia com urgência é o exato oposto: é a possibilidade de decretar a realidade e a inelutabilidade da morte de Ana Rosa. Não estamos portanto perante uma simples confusão, mas diante da total conversão de um significado em seu oposto: as palavras do rabino respondem a uma lógica binária, que transporta a experiência de K. dentro de um conflito que pode ser lido em termos monolíticos e absolutos, em vez de colocá-lo na especificidade lacunosa e irredutível do trauma, evento que não pode encontrar na noção clássica de monumento a própria representação. As únicas formas “monumentais” das que K. precisa são aquelas que permitam restituir a grievebility, esse reconhecimento que restitui, na morte e na ausência do corpo, a individualidade, em vida, da filha desaparecida. Com Assmann, diversamente dos monumentos, que dirigem a atenção mais à obra do que ao que ela representa, os cemitérios, com suas lápides, e com a presença de corpos e nomes, são pontos no espaço onde o que conta é a presença. A forma memorial de que K. precisa é a forma da lápide, mais ainda, é uma materialidade discreta e precária contrária ao sentido do monumento, é a forma antimonumental, em que “o sentido heroico do monumento é totalmente modificado e deslocado para um local de lembrança (na chave da admoestação) da violência e de homenagem aos mortos” (Seligmann-Silva, 2014, p. 43). A lápide que K. necessita encaminha-se ao mesmo tempo em direção à lembrança e ao esquecimento.

É nesse momento que K. pode estabelecer o transfert que o leva a comparar a tragédia da filha com a tragédia do Holocausto, ou melhor, a requerer para ela a colocação de uma lápide in absentia, como aconteceu no caso das vítimas do excídio nazista cujos corpos não foi possível tumular:

Ele retrucara ao Avrum, o secretário da sociedade, que na entrada do Cemitério do Butantã há uma grande lápide em memória dos mortos do holocausto, e debaixo dela não há nenhum corpo. […] E argumentou que em Eretz Israel, pelo mesmo motivo, é costume acrescentar na matzeivá do morto os nomes dos seus parentes vítimas do holocausto (Kucinski, 2011KUCINSKI, Bernardo (2011). K.: relato de uma busca. São Paulo: Expressão Popular., p. 81).

A correlação de fundo que K. estabelece - recebendo a reprimenda do Avrum: “nada se compara ao Holocausto” -, reside na incomensurabilidade desta experiência traumática, que pode ser lida no encadeamento sem fim das grandes catástrofes da nossa era: “para ele a tragédia da filha era a continuação do holocausto” (Kucinski, 2011KUCINSKI, Bernardo (2011). K.: relato de uma busca. São Paulo: Expressão Popular., p. 81).

De que forma reagir à falta de um ritual comemorativo? Como substituir essa lápide ausente? A estratégia que o protagonista do romance de Kucinski adota leva-nos diretamente ao âmago da conexão entre testemunho e antimonumento, tanto na esteira das práticas comemorativas das vítimas do excídio nazista como daquelas elaboradas pelos familiares dos desaparecidos no contexto latino-americano: “Desolado pela falta da matzeivá, ocorreu então a K. a ideia de compor um pequeno livrinho em memória da filha e do genro. Um livro in memoriam. Uma lápide na forma de um livro” (Kucinski, 2011KUCINSKI, Bernardo (2011). K.: relato de uma busca. São Paulo: Expressão Popular., p. 83).

Como o próprio protagonista sugere, essa prática era usada às vezes na Polônia, mas a correlação mais direta dessa modalidade de lembrança encontra-se na tradição hebraica dos Yizker-bikher, os “livros de memória”. Como explica Annette Wieviorka (1999WIEVIORKA, Annette (1999). L’era del testimone. Milano: Cortina., p. 41, tradução nossa), com a queda do nazismo, foram muitas as comissões que reuniram os sobreviventes para recolher seus testemunhos e “escrever a crônica do massacre”, uma crônica que é “indissociável da evocação da vida que precedeu o genocídio”. Esta modalidade de coletar os testemunhos, cuja dimensão é de tipo coletivo, liga-se profundamente à necessidade de elaboração do luto: “a compilação destes livros de memórias responde à vontade ou à necessidade de lembrar, de fazer renascer através das palavras impressas um mundo aniquilado. É o trabalho coletivo do luto que, com as narrações e as fotografias, visa reconstruir no papel o objeto perdido” (Wieviorka, 1999WIEVIORKA, Annette (1999). L’era del testimone. Milano: Cortina., p. 43, tradução nossa). Relativamente à sua função simbólica após a destruição das comunidades hebraicas europeias, James Young observa que a tradição dos Yizker-bikher tem uma relação intrínseca com a ausência do corpo e da lápide: “Para um povo assassinado, sem sepulturas, nem mesmo corpos para sepultar, esses livros memoriais chegavam a servir como lápides simbólicas” (1993, p. 7, tradução nossa). A ideia de K. é a de compor “um folheto de umas oito ou dez páginas, com fotografias e depoimentos de suas amigas, imprimiria cem cópias e as entregaria de mão em mão para toda a família, os conhecidos e as amigas: mandaria aos parentes em Eretz Israel” (Kucinski, 2011KUCINSKI, Bernardo (2011). K.: relato de uma busca. São Paulo: Expressão Popular., p. 83). Reunindo no livrinho depoimentos e fotografias, K. visa fazer exatamente o que Young e Wieviorka reconhecem na função dos Yizker-bikher, ou seja, abrir a possibilidade de um trabalho coletivo do luto, criando um substituto simbólico da lápide.

Mas a configuração e a natureza desse livrinho in memoriam com função de lápide remetem também a outra prática, ligada à necessidade de rememorar vidas interruptas, mortes incertas e corpos ausentes. O livrinho de K., de fato, parece-se muito com aqueles milhares de recordatorios que os familiares de desaparecidos argentinos continuaram a publicar desde finais da década de 1980 até hoje, no jornal Página/12. Estas homenagens, explica Fernando Reati, “seguem um formato mais ou menos fixo, constituído por um texto pessoal redigido pelos familiares e/ou amigos responsáveis pela homenagem, uma ou mais dedicatórias, uma foto da vítima e os nomes dos signatários” (2007, p. 160). O primeiro desses recordatorios, publicado em 1988, foi o dedicado à filha de Estela Carlotto, uma das maiores promotoras do grupo das Abuelas de Plaza de Mayo. Assim como o memorial de K., os recordatorios argentinos compõem-se de depoimentos - “os textos geralmente são assinados pelos familiares, amigos ou companheiros de luta e buscam alinhavar os poucos dados de uma biografia inconclusa” - e fotografias, “muitas das imagens provêm de documentos de identidade, algumas são fotografias de grupos, que exibem rostos de jovens sorridentes” (Melendi, 2007MELENDI, María Angélica (2007). Tumbas de papel. Estrategias del arte (y de la memoria) en una era de catástrofes. In: LORENZANO, Sandra; BUCHENHORST, Ralph (Org.). Políticas de la memoria: tensiones en la palabra y la imagen. Cidade do México: La Editorial Gorla; Universidad del Claustro de Sor Juana. p. 135-145., p. 140, tradução nossa).

A composição realizada por K., embora mais extensa, apresenta as mesmas caraterísticas dos recordatorios. Em sua lápide de papel, esse pai junta memórias escritas e documentos visuais, por meio de um trabalho de tipo coletivo e artesanal, realizado com esforço e participação:

Deu mais trabalho do que ele antecipara. Foi preciso recolher os depoimentos e datilografá-los; depois traçar um esboço indicando os espaços dos textos e fotos nas oito páginas do memorial. As amigas da filha ajudaram, pois K. só sabia escrever corretamente em hebraico ou iídiche. Todas deram depoimentos e uma dela fez o esboço. Na primeira página decidiram colocar a bela foto de formatura da filha (Kucinski, 2011KUCINSKI, Bernardo (2011). K.: relato de uma busca. São Paulo: Expressão Popular., p. 83).

A função desse pequeno memorial é a mesma que Reati reconhece aos recordatorios, ou seja, a de um “suporte físico da memória coletiva […] que funciona com as características de um monumento tradicional e às vezes de um antimonumento” (2007, p. 160, tradução nossa). Tratavam-se, na leitura de Reati, de “monumentos de papel”, cuja função é próxima à do monumento, mas como seu material de apoio é o papel, o conceito de imortalidade próprio da monumentalidade é matizado, já que o papel os torna frágeis e efêmeros, aproximando sua função à do antimonumento:

Trata-se de um monumento feito não com o material imperecível da pedra ou do metal, mas com o mais efêmero papel de jornal, um monumento sem espaço físico concreto, mas estendido no tempo, um monumento não imóvel, mas vertiginosamente mutável, não nascido do Estado, mas de um grupo de cidadãos: em resumo, o que se convencionou chamar de monumento de papel em alusão à sua condição intrinsicamente paradoxal (Reati, 2007REATI, Fernando (2007). El monumento de papel. La construcción de una memoria colectiva en los recordatorios de los desaparecidos. In: LORENZANO, Sandra; BUCHENHORST, Ralph (Org.). Políticas de la memoria: tensiones en la palabra y la imagen. Cidade do México: La Editorial Gorla; Universidad del Claustro de Sor Juana. p. 159-170., p. 160, tradução nossa).

A função do livro in memoriam, para K., é sim a de fixar a um objeto material a memória da filha, mas sua exigência não é a de monumentalizar nem de imortalizar: o que ele precisa é dar início ao trabalho do luto. Não podendo empreender este processo através da deposição da lápide, o substituto natural de tal simbolização vem a ser o “monumento de papel”, combinação de testemunho e antimonumento, efêmero suporte cartáceo de uma memória quebrada.

O nexo fundamental entre a estética do antimonumento e o testemunho que os recordatorios e o livrinho concebido por K. veiculam reside justamente na especificidade da memória das catástrofes históricas e da possibilidade da sua narração, tanto verbal como visual ou artística. Como aponta Nora Strejilevich (2006STREJILEVICH, Nora (2006). El arte de no olvidar: literatura testimonial en Chile, Argentina y Uruguay entre los 80 y los 90. Buenos Aires: Catálogos., p. 13), existe uma diferença fundamental entre o testemunho do horror e o depoimento jurídico deste, porque só o testemunho é capaz de transmitir a dimensão íntima e subjetiva da experiência vivida, seu conteúdo vivencial. Só o testemunho pode conter a dimensão dos afetos, a dimensão do pathos (Finazzi-Agrò, 2014FINAZZI-AGRÒ, Ettore (2014). (Des)memória e catástrofe: considerações sobre a literatura pós-golpe de 1964. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n. 43, p. 179-190, jan./jul. Disponível em: Disponível em: http://periodicos.unb.br/index.php/estudos/article/view/9952/8790 . Acesso em: 30 jul. 2019.
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), sem ir à procura de objetividade e imanência lá onde, como acontece na memória traumática, isso seria impossível. O testemunho, que na leitura agambeniana atua precisamente nos interstícios entre uma impossibilidade e uma possibilidade de dizer (Agamben, 1998AGAMBEN, Giorgio (1998). Quel che resta di Auschwitz: l’archivio e il testimone. Torino: Bollati Boringhieri., p. 141), aproxima-se, assim, do antimonumento, cuja estética se recusa à cristalização unívoca da memória do horror, para fugir do perigo de uma função consolatória, mas também porque escolhe “tomar distância, apresentando os fatos em silêncio e mostrando o que não pode ser narrado” (Maestripieri, 2010 apud Demaria e Violi, p. 21, tradução nossa).

À imanência da monumentalidade e ao arquivamento objetivo da memória traumática, antimonumento e testemunho opõem formas narrativas e artísticas que se assentam na descontinuidade, na fragmentação, no questionamento e na ambiguidade. No caso dos recordatorios, conforme observa Melendi, “as palavras, os fragmentos de texto, ao lado das fotografias, também fragmentadas, constituem-se como os elos de uma rede de afetos disseminada que busca contextualizar o luto dos vivos e abrir-se para o desejo de uma memória continuamente renovada” (Melendi, 2007MELENDI, María Angélica (2007). Tumbas de papel. Estrategias del arte (y de la memoria) en una era de catástrofes. In: LORENZANO, Sandra; BUCHENHORST, Ralph (Org.). Políticas de la memoria: tensiones en la palabra y la imagen. Cidade do México: La Editorial Gorla; Universidad del Claustro de Sor Juana. p. 135-145., p. 141, tradução nossa).

Como vimos, o memorial que o protagonista de K.: relato de uma busca compõe é formado por recordações íntimas das amigas de Ana Rosa e por fotografias, sendo este último elemento imprescindível na luta de familiares de desaparecidos, assim como nos recordatorios e, na maioria das vezes, nas lápides. A função das fotografias de Ana Rosa na reconstrução da memória possui aqui um profundo valor restitutivo, porque tem a capacidade de testemunhar uma existência que o dispositivo desaparecedor tem posto em crise. Como observa Roland Barthes (1984BARTHES, Roland (1984). A câmara clara. Nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira., p. 123-124), “a fotografia não rememora o passado (não há nada de proustiano em uma foto). O efeito que ela produz em mim não é o de restituir o que é abolido (pelo tempo, pela distância), mas o de atestar que o que vejo de fato existiu […] a fotografia tem alguma coisa a ver com a ressurreição”. As fotos são o testemunho de uma existência que a condição de desaparecida colocou numa posição precária, é o que K. procurou obter com a deposição da lápide: uma prova de existência. Porém, acompanhando as reflexões de Nelly Richard, no caso das fotografias que retratam os desaparecidos, a imagem ganha um papel ainda mais complexo, já que nela se superpõe o “efeito de presença” que as fotos restituem in absentia, e a presença-ausência dos desaparecidos. Na opinião de Richard, “a foto cria o paradoxo visual de um efeito de presença que se encontra, ao mesmo tempo, tecnicamente desmentido por seu congelamento em tempo morto”; dessa forma, a fotografia gera um efeito fantasmático, já que “divide com fantasmas e espectros o registro ambíguo e perverso do presente-ausente, do real-irreal, do visível-intangível, do aparecido-desaparecido, da perda e do resto” (2000, p. 165-166, tradução nossa). De fato, a característica de a fotografia ser uma emanação paradoxal do que é presente e ausente ao mesmo tempo entra em diálogo com o estatuto, por sua vez igualmente paradoxal, do desaparecido: “tal ambiguidade se sobredramatiza no caso do retrato fotográfico de seres desaparecidos” (Richard, 2000RICHARD, Nelly (2000). Imagen-recuerdo y borraduras. In: RICHARD, Nelly (Org.). Políticas y estéticas de la memoria. Santiago: Cuarto Propio . p. 165-166., p. 166, tradução nossa). Não é por acaso que, quando K., no capítulo “Um inventário de memórias”, encontra as fotografias da filha, essa visão tem para ele o efeito de uma “fantasmagoria”:

Fotografias, ele antes pensava, eram apenas registros de um episódio, a prova de que aquilo aconteceu, ou retratos de pessoas, um documento. No entanto, ali estão as fotografias da sua filha sugerindo delicadeza e sensibilidade. Parecem captar a alma da filha. Sentiu um quê de fantasmagoria nas fotografias da filha já morta, um estremecimento (Kucinski, 2011KUCINSKI, Bernardo (2011). K.: relato de uma busca. São Paulo: Expressão Popular., p. 114).

O que K. vê nessas imagens são “fotografias da filha já morta”, e experimenta a mesma sensação que Roland Barthes sentiu em ver o retrato do condenado à morte Lewis Paine, na sua cela, à espera de ser enforcado:

A foto é bela, o jovem também: trata-se do studium. Mas o punctum é: ele vai morrer. […] Leio ao mesmo tempo: isso será e isso foi; observo com horror um futuro anterior cuja aposta é a morte. Ao me dar o passado absoluto da pose (aoristo), a fotografia me diz a morte no futuro. O que me punge é a descoberta dessa equivalência. Diante da foto da minha mãe criança, eu me digo: ela vai morrer: estremeço […] por uma catástrofe que já ocorreu (Barthes, 1984BARTHES, Roland (1984). A câmara clara. Nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira., p. 141).

No caso do testemunho do desaparecimento, portanto, as fotografias têm uma valência múltipla: por um lado, são um atestado de existência e presença e, por outro, funcionam como peça na construção daquilo que Beatriz Sarlo chama de “discurso iconográfico da ausência” (Reati, 2007REATI, Fernando (2007). El monumento de papel. La construcción de una memoria colectiva en los recordatorios de los desaparecidos. In: LORENZANO, Sandra; BUCHENHORST, Ralph (Org.). Políticas de la memoria: tensiones en la palabra y la imagen. Cidade do México: La Editorial Gorla; Universidad del Claustro de Sor Juana. p. 159-170., p. 167, tradução nossa), discurso fundamental para os familiares, tanto no processo de luta por verdade e justiça, como para empreender o trabalho do luto. Mas, do ponto de vista da significação, poderíamos pensar nas fotografias como parte da edificação daquele quadro frágil da memória afetiva, simpatética, que chama a si, para se compor, uma congérie de testemunhas mais ou menos materiais. A testemunha não é só a pessoa que pode relatar um fato; também os objetos, “em forma de relíquias ou restos de outros tempos e espaços são testemunhas que participam da narração do passado e do seu entendimento” (Mahlke, 2017MAHLKE, Kirsten (2017). Fra memoria cosmica e memoria umana. Dimensioni della testimonianza in “Nostalgia de la luz” di Patricio Guzmán. In: PERASSI, Emilia; SCARABELLI, Laura (Org.). Letteratura di testimonianza in America Latina. Milão: Mimesis. p. 327-346., p. 334, tradução nossa). Assim, o testemunho dos recordatorios, como forma narrativa precária e fragmentada, absorve a forma-objeto da fotografia, como o fazem as obras de arte antimonumental: “Monumentos aos vencidos, estes memoriais, sempre em processo de desaparecimento ou desagregação, conformam-se por meio da articulação de restos, resíduos ou vestígios: roupas, objetos de uso pessoal, cartas, nomes, fotografias familiares” (Melendi, 2007MELENDI, María Angélica (2007). Tumbas de papel. Estrategias del arte (y de la memoria) en una era de catástrofes. In: LORENZANO, Sandra; BUCHENHORST, Ralph (Org.). Políticas de la memoria: tensiones en la palabra y la imagen. Cidade do México: La Editorial Gorla; Universidad del Claustro de Sor Juana. p. 135-145., p. 139, tradução nossa).

Conclusões: saber da precariedade e restituição possível

No romance, porém, o pequeno monumento de papel que K. montou com amor e dedicação não pode ver sua realização. O jovem da gráfica onde K. espera imprimir o livrinho recusa-se a aceitar o trabalho, e ataca com violência o protagonista: “Como o senhor teve o atrevimento de trazer material subversivo para a minha gráfica? Pegue isso e dê o fora […] Onde já se viu, material subversivo, uma desaparecida política, uma comunista. Ela não era comunista?” (Kucinski, 2011KUCINSKI, Bernardo (2011). K.: relato de uma busca. São Paulo: Expressão Popular., p. 84).

As palavras que K. ouviu serem pronunciadas pelo rabino refletem-se agora naquelas do jovem, e espelham a mesma visão binária, condenando a luta política na perspectiva dos dois demônios e impossibilitando a construção da memória afetiva de um pai. A sociedade silencia mais uma vez a história de Ana Rosa, condenando-a àquele “inexistencialismo” que o narrador de K. Relato de uma busca denunciava já nos primeiros capítulos do romance, e K. é dramaticamente condenado a carregar, no total isolamento, o peso da perda, da incerteza e da injustiça. A impossibilidade de imprimir o livrinho é uma frustração a mais da sua tentativa de inscrever a memória da filha através do testemunho. “Onde não há túmulo, o trabalho do luto não cessa”, escrevia Ruth Klüger (Assmann, 2002ASSMANN, Aleida (2002). Ricordare: forme e mutamenti della memoria culturale. Bologna: Il Mulino., p. 289, tradução nossa): sem lápide, na forma material da matzeivá ou naquela efêmera do livro in memoriam, para K. não há possibilidade de elaborar a perda, e a restituição parece definitivamente impossível.

Todavia, se pensarmos a obra de Bernardo Kucinski na ótica de uma poética da restituição, como apontado por Roberto Vecchi (2015VECCHI, Roberto (2015). Desaparição política e ditadura militar no Brasil: a literatura como ato de restituição. In: VASQUEZ, Rachel Bello et al. Estudos da AIL em literatura, história e cultura brasileiras. Santiago de Compostela; Coimbra: Associação Internacional de Lusitanistas. p. 151-156. Disponível em: Disponível em: https://lusitanistasail.press/index.php/ailpress/catalog/view/6/12/24-1 . Acesso em: 30 jul. 2019.
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), podemos entender que é precisamente no alvo da própria literatura de testemunho que esta modalidade de recomposição encontra a sua, embora parcial, realização. Nesse sentido, em K.: relato de uma busca, que seria, conforme Vecchi, o primeiro romance brasileiro a tentar inscrever o trauma coletivo e familiar dos desaparecidos, é a forma literária testemunhal a substituir-se àquele processo que, na narração, o protagonista K. não pôde completar. Se a forma do livro in memoriam que K. projetava tinha em comum com os recordatorios e com a estética antimonumental o caráter discreto e não absolutizante, este é também o caráter que a forma narrativa do testemunho literário adota para a narração do trauma. Mais ainda, ela recobre as mesmas funções: a de fixar um espaço para o trabalho do luto e a função política de compor um contradiscurso na construção da memória coletiva, capaz de ir à contrapelo da história oficial.

E, como é sabido, na literatura de testemunho, tais funções são desempenhadas justamente graças e através dos componentes formais (Ginzburg, 2007GINZBURG, Jaime (2007). Impacto da violência e constituição do sujeito: um problema de teoria da autobiografia. Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Passo Fundo, v. 3, n. 1, p. 50-58. jan./jun. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/2xVyn5N . Acesso em: 30 jul. 2019.
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, p. 51): o caráter do discurso narrativo e ficcional, como é o caso de K.: relato de uma busca, em sua capacidade de transmitir o indizível do trauma, está profundamente ligado a seu valor político. Na reflexão de Richard (1999RICHARD, Nelly (1999). Políticas da memória e técnicas do esquecimento. In: MIRANDA, Walter Melo. Narrativas da modernidade. Belo Horizonte: Autêntica. p. 321-338., p. 333-334), narração e linguagem têm um papel central na contraposição às técnicas de obliteração do passado - as “tecnologias do esquecimento” - que impedem a obtenção de justiça e verdade e não permitem sair da condição traumática pós-ditatorial. A literatura de testemunho vai à procura de “meios expressivos para restaurar a faculdade de pronunciar o sentido enunciando a violência e seus operadores de signos”, com o objetivo de romper o silêncio e “a partir de práticas de emergência que junta[r]am fragmentos despedaçados de linguagens no abandono, para narrar - alegoricamente - as ruínas do sentido”; uma linguagem feita de “orações inconclusas, de vocabulários extraviados, de sintaxes desarmadas”.

Como explica Richard (1999RICHARD, Nelly (1999). Políticas da memória e técnicas do esquecimento. In: MIRANDA, Walter Melo. Narrativas da modernidade. Belo Horizonte: Autêntica. p. 321-338., p. 334), o texto literário tem a capacidade de explorar “zonas de conflito”, através de “um saber da precariedade, que fala uma língua suficientemente quebrada para não voltar a mortificar o ferido com suas novas totalizações categoriais”. De fato, observa Felman, o próprio testemunho, longe de poder garantir um discurso totalizante, é um processo em constante construção, uma “prática discursiva” não definitiva nem transparente: “Como discurso performativo, o testemunho aborda de fato o que na história é uma ação que excede qualquer significado substancializado, e o que, nos acontecimentos, é o impacto que explode dinamicamente quaisquer reificações conceituais e delimitações constativas” (Felman, 1995FELMAN, Shoshana (1995). Education and crisis or the vicissitudes of teaching. In: CARUTH, Cathy (Org.). Trauma: explorations in memory. Baltimore: Johns Hopkins University Press. p. 13-60., p. 17, tradução nossa). A resposta à incomensurabilidade do trauma e à necessidade da sua elaboração encontra no testemunho literário e artístico um espaço de ação privilegiado, justamente pela capacidade da arte de entrar naquelas zonas de conflito “onde se condensa[va] o mais obscurecido de uma contracena ainda cheia de latências e virtualidades interrompidas [...] que guardam, no segredo de sua tensa filigrana, um saber crítico da emergência e do resgate combinado com o mais frágil e comovedor da memória do desastre” (Richard, 1999RICHARD, Nelly (1999). Políticas da memória e técnicas do esquecimento. In: MIRANDA, Walter Melo. Narrativas da modernidade. Belo Horizonte: Autêntica. p. 321-338., p. 334).

Em K.: relato de uma busca, os elementos formais da construção narrativa respondem exatamente a esses requisitos, um texto onde a fragmentação e a descontinuidade aparecem tanto na organização cronológica como na divisão dos capítulos e na narração marcada por uma multiplicidade de vozes e pontos de vista. Como antecipa o autor no paratexto, no processo da escrita, “cada fragmento ganhou forma independente dos demais, não na ordem cronológica dos fatos e sim na da exumação imprevisível desses despojos de memória, o que de novo obrigou-me a tratar os fatos como literatura, e não como História” (Kucinski, 2011KUCINSKI, Bernardo (2011). K.: relato de uma busca. São Paulo: Expressão Popular., p. 13). É através dessas modalidades formais que o romance de Kucinski pode responder às exigências da representação do trauma e do trabalho do luto, encontrando os expedientes para dar forma a um contradiscurso, a uma modalidade narrativa contra-hegemônica que carregue a dimensão vivencial, o pathos, próprios do “saber da precariedade”.

Bernardo Kucinski recolhe, portanto, a tarefa testemunhal que sua personagem não conseguiu completar. O romance é, por si, uma forma de restituição dessa impossibilidade e, ao mesmo tempo, configura-se como tentativa de dar finalmente ao luto a sua colocação física. O texto literário em si, quarenta anos depois do desaparecimento de Ana Rosa Kucinski, enfrenta a impossibilidade da restitutio in integrum de seu corpo e sua memória, e apresenta-se como uma forma, discreta, sempre parcial e incompleta, isto é, precária, de fixação do luto num espaço, o espaço do texto. Nesse sentido, K.: relato de uma busca é, finalmente, aquela “lápide de papel”, que pode carregar o testemunho, o de K. como personagem e como pai, junto com o do autor e, num sentido mais amplo, cumprir o ritual do luto em nome de todas as vítimas da catástrofe brasileira do desaparecimento.

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  • 1
    Organizadoras: Rita Olivieri-Godet e Mireille Garcia
  • 2
    Editor de seção: Paulo Thomaz

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2019
  • Aceito
    02 Fev 2020
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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