Resumo
A regulamentação da assistência estudantil em âmbito governamental, admitindo-a como uma política pública, é um fato relativamente recente. Entretanto, as discussões e debates acerca do tema são bem antigos, com suas origens coincidindo com o período de criação das primeiras universidades brasileiras, por volta de 1930. Considerando o processo histórico de construção dessa política, pretende-se discutir as diferentes concepções que têm sido propostas como resultado das discussões implementadas nesse trajeto, buscando sistematizar os principais pontos de discussão e embate em torno dessa temática na atualidade. Observou-se que as concepções construídas se colocam muitas vezes em disputa, na tentativa de delimitar uma assistência estudantil tida como ideal.
Assistência estudantil; Política pública; Educação superior
Abstract
It is relatively recent the regulation of student assistance in the governmental level, as a public policy. However, the discussions and debates on this subject are quite old, by the creation’s period of the first Brazilian universities, in the 1930s. Considering this policy historical process of framing, this article intends to discuss the different views proposed as a result of the discussions realized on this scenario. It also intends to systematize the current main points of discussion and confrontation on this subject. Those conceptions are often in dispute to define a student assistance regarded as ideal.
Student assistance; Public policy; Higher education
Resumen
La normativa de la asistencia estudiantil en el ámbito gubernamental, admitiéndola como una política pública, es un hecho relativamente reciente. Sin embargo, las discusiones y debates acerca del tema son muy antiguos, con sus orígenes coincidiendo con el período de la creación de las primeras universidades brasileñas, en torno de la década de 1930. Considerando el proceso histórico de construcción de esa política, pretendemos hacer una discusión sobre las diversas concepciones que han sido propuestas como resultado de las discusiones realizadas en ese periodo, tratando de sistematizar los principales puntos de discusión y confrontación acerca de este tema en la actualidad. Se observó que las concepciones construidas se ponen muchas veces en disputa en un intento de delimitar una asistencia estudiantil considerada como ideal.
Asistencia estudiantil; Política pública; Educación superior
1 Introdução
Na atual conjuntura sociopolítica do Brasil, a Educação Superior vem sofrendo um processo de reforma alicerçado, sobretudo, na ênfase dada ao discurso da democratização. Nesse cenário emergem com certo destaque políticas de expansão das universidades, e de ampliação e democratização do acesso e permanência no Ensino Superior. Essas políticas são levadas adiante através de programas como o Reuni, o sistema ENEM/SISU e a recente lei de cotas. Dentro desse contexto, a assistência estudantil (AE) vem ganhando relevo nas discussões promovidas pela comunidade acadêmica, além de ganhar espaço na agenda do Governo Federal, que a elevou recentemente ao status de política pública, através do Decreto no 7.234 de 19 de julho de 2010 (BRASIL, 2010BRASIL. Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES, 2010. Diário Oficial da União, 20 jul. 2010.), instituindo o Programa Nacional de Assistência Estudantil – Pnaes.
Apesar de atualmente a assistência ao estudante assumir papel de centralidade para o Estado brasileiro na estratégia de combate às desigualdades sociais e regionais através da democratização da Educação Superior (MEC, 2013), cabe destacar que esse espaço foi conquistado, resultado de intensas lutas sociais, encabeçadas principalmente pelo movimento estudantil, organizado pela União Nacional dos Estudantes (UNE), e pelo Fórum Nacional de Pró-reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace). Essas constituem as principais entidades engajadas na luta por uma AE como direito social e como política pública.
Em sua trajetória histórica, a AE, a partir dos debates e discussões desenvolvidos pelos diferentes grupos/atores sociais envolvidos em sua construção (estudantes, docentes, gestores, profissionais, Estado), nos diferentes contextos sócio-históricos em que tem sido abordada, vai adquirindo diversos sentidos e suscitando diferentes posicionamentos quanto a sua implementação. Desse modo, diferentes projetos de assistência ao estudante no espaço universitário têm sido propostos, os quais podem trazer importantes implicações para as formas adotadas para sua operacionalização nas Instituições de Ensino Superior.
Julga-se relevante e pertinente, no atual cenário sociopolítico do país, no qual a AE assume lugar de destaque no vigente discurso da democratização do Ensino Superior, dedicar-se ao desenvolvimento de maiores reflexões acerca desse tema. Nessa perspectiva, o presente artigo tem como objetivo discutir as diferentes concepções de AE que têm sido propostas como resultado das discussões desenvolvidas ao longo dos anos, buscando sistematizar os principais pontos de discussão e embate em torno dessa temática na atualidade. Para isso, parte de uma contextualização histórica da construção dessa política pública em educação a fim de evidenciar os contextos sociopolíticos nos quais ela ocorreu e os principais sujeitos políticos envolvidos. Pretende-se favorecer reflexões e debates acerca desse objeto, contribuindo para o desenvolvimento dessa política.
2 Assistência estudantil no espaço universitário brasileiro: trajetória histórica e sujeitos políticos
A AE no contexto brasileiro vem sendo construída a partir de diversas reflexões, debates e práticas implementadas ao longo da História. Sua conformação está fortemente ligada às transformações sociopolíticas do país e a seus impactos na história da Educação Superior brasileira. De iniciativas pontuais e fragmentadas, restrita a instituições isoladas e escassos recursos, as discussões acerca da assistência ao estudante vão se tornando cada vez mais sistemáticas e complexas no decurso de sua trajetória até ganhar maior legitimidade na agenda do Governo e alcançar o status de política pública nos anos 2000.
Kowalski (2012)KOWALSKI, A. V. Os (des)caminhos da política de assistência estudantil e o desafio na garantia de direitos. 2012. 179 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2012., ao realizar uma investigação bibliográfica sobre a formalização da AE no Brasil, considerando aspectos sociopolíticos e econômicos do país, sistematizou seu percurso histórico em três fases distintas. A primeira fase corresponde a um longo período, partindo da criação da primeira universidade até o período de “redemocratização” política do país. A partir desse momento, uma segunda fase inicia-se em meio a um espaço favorável para o desenvolvimento de uma série de debates e projetos de leis que resultaram em uma nova configuração da política de AE nas universidades brasileiras. A terceira fase, por sua vez, abarca um período de expansão e reestruturação das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) seguindo até os dias atuais.
As raízes da AE no cenário brasileiro remontam ao período correspondente ao final da República Velha. Admite-se que a primeira ação de assistência ao estudante do Brasil ocorreu durante o governo de Washington Luís, em 1928, quando foi estabelecida a Casa do Estudante Brasileiro em Paris. Tratava-se de uma residência universitária destinada aos jovens que se dirigiam à França para estudar e tinham dificuldades de fixar moradia no país, cabendo ao governo brasileiro o repasse de recursos tanto para a edificação das estruturas como para manutenção da casa e dos estudantes (KOWALSKI, 2012KOWALSKI, A. V. Os (des)caminhos da política de assistência estudantil e o desafio na garantia de direitos. 2012. 179 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2012.; SILVEIRA, 2012SILVEIRA, M. M. A assistência estudantil no ensino superior: uma análise sobre as políticas de permanência das universidades federais brasileiras. 2012. 137 f. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2012.). Nessa época, o acesso ao Ensino Superior era bastante restrito, aberto apenas para as elites brasileiras, as quais tinham a prática de enviar seus filhos para estudar na Europa. Desse modo, observa-se que a AE nasce voltada para o atendimento das classes mais abastadas da sociedade.
No território nacional mais propriamente, as primeiras práticas de AE remontam a década de 1930, atrelada à consolidação das primeiras universidades brasileiras do século XX, sob o governo de Getúlio Vargas. Segundo Nascimento (2013)NASCIMENTO, C. M. Assistência estudantil e contrarreforma universitária nos anos 2000. 2013. 157 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013., nesse período as ações de assistência ao estudante constituíam-se em mecanismos emergenciais e focalizados, que se inserem na agenda educacional brasileira diante das exigências de modernização do país que demandavam a escolarização da classe trabalhadora. Sua emergência é marcada, sobretudo, pelos programas de alimentação e moradia (PINTO; BELO; PAIVA, 2012PINTO, J. C. N. G.; BELO, A. S.; PAIVA, W. A. P. Os desafios da assistência estudantil no contexto da reforma do ensino superior no Brasil. In: SEMINARIO LATIONOAMERICANO DE ESCUELA DE TRABAJO SOCIAL, 20., 2012, Cordoba. Anales... San Jose: Alaeits, 2012. p. 1-13.). Uma importante ação de assistência prestada ao estudante nesse momento foi a abertura da Casa do Estudante do Brasil, a qual se estabeleceu no Rio de Janeiro no início dos anos de 1930, com o objetivo de auxiliar os estudantes com maiores dificuldades econômicas. Consistia num casarão de três andares acoplado a um restaurante popular que recebeu grandes doações do Governo Federal durante a Era Vargas (COSTA, 2009COSTA, S. G. A permanência na educação superior no Brasil: uma análise das políticas de assistência estudantil. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL SOBRE GESTÃO UNIVERSITÁRIA NA AMÉRICA DO SUL, 9., 2009, Florianópolis. Anais... Florianópolis: INPEAU/UFSC, 2009. p. 1-13.; KOWALSKI, 2012KOWALSKI, A. V. Os (des)caminhos da política de assistência estudantil e o desafio na garantia de direitos. 2012. 179 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2012.; SILVEIRA, 2012SILVEIRA, M. M. A assistência estudantil no ensino superior: uma análise sobre as políticas de permanência das universidades federais brasileiras. 2012. 137 f. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2012.).
Com o apoio do Ministério da Educação, em agosto de 1937, a Casa do Estudante do Brasil realiza o 1º Conselho Nacional de Estudantes e consegue consolidar o almejado projeto de criar a entidade máxima dos estudantes. É criada a UNE, fruto de uma tomada de consciência acerca da necessidade de organização em caráter permanente e nacional da participação política estudantil (POERNER, 2004POERNER, A. J. O poder jovem: história da participação política dos estudantes brasileiros. 5. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Booklink, 2004.). Essa entidade se tornará um dos principais sujeitos políticos da luta em prol da AE no país.
A criação da UNE no bojo das organizações dessa residência universitária já aponta para sua ligação com a AE. A preocupação dos universitários com questões referentes à assistência ao estudante já pode ser vista em 1938, na convocação para o II Congresso Nacional dos Estudantes, quando traz entre suas teses o tópico “Situação Econômica” do estudante, que incluía os seguintes pontos: problema das taxas e matrículas; subvenção do Estado; problemas de habitação – cidades universitárias; casas de estudantes e casas de internos; problemas de alimentação; birô de empregos; estágios remunerados; racionalização do trabalho intelectual; assistência médica, dentária e judiciária (POERNER, 2004POERNER, A. J. O poder jovem: história da participação política dos estudantes brasileiros. 5. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Booklink, 2004.). Durante esse evento foi aprovado o plano de reforma educacional que pretendia apresentar soluções para os problemas educacionais constatados na época, destacando entre outros pontos a necessidade de se auxiliar os estudantes com dificuldades econômicas, o que sinalizava o início de uma conscientização por parte dos estudantes da importância da AE nas universidades brasileiras.
No âmbito do Estado, a primeira tentativa de reconhecimento de uma política de AE no Brasil ocorreu a partir da Reforma Francisco Campos, em 1931, estabelecida através do Decreto no 19.851/1931 , denominado Lei Orgânica do Ensino Superior (LIMA, 2002LIMA, C. P. N. A arte da participação e a participação da arte: uma experiência nas casas de estudantes universitárias da UFPE. Serviço Social em Revista. v. 5, n. 1, jul./dez. 2002.). Em 1934, essa Lei alcança o status constitucional e a AE é regulamentada no artigo 157, inciso §2°, no qual se prevê recursos através de um fundo que: “[...] se aplicará em auxílio a alunos necessitados, mediante fornecimento gratuito de material escolar, bolsas de estudos, assistência alimentar, dentária e médica” (BRASIL, 1934BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 1934.).
Nas Constituições de 1946 e 1967, a educação passa a ser concebida como um direito de todos, e a AE torna-se obrigatória em todos os sistemas de ensino, conforme aponta o artigo 172: “Cada sistema de ensino terá obrigatoriamente serviços de assistência educacional que assegurem aos alunos necessitados condições de eficiência escolar” (BRASIL, 1946BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 1946.). Contudo, destaca-se que na Constituição de 1967, pela primeira vez, aparece a concepção de se assegurar igualdade de oportunidades, segundo explicita o artigo 168: “A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade [...]” (BRASIL, 1967BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1967.). No entanto, é com a Lei de Diretrizes e Bases – LDB/Lei nº 4.024 de 1961 (BRASIL, 1961BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, 27 dez. 1961.), que a AE passa a ser compreendida como um direito para todos os estudantes que precisarem, e não mais como uma ajuda, conforme se pode perceber em seus artigos 90 e 91.
A partir da década de 1960, haverá um maior amadurecimento da temática da AE no âmbito da sociedade civil à medida que ganhava forças o Movimento em prol da Reforma Universitária, desenvolvido pelos estudantes, intelectuais e comunidade acadêmica responsável por encabeçar reivindicações em torno da democratização da universidade e da sociedade de maneira geral. Nesse contexto, a UNE desempenhou um importante papel defendendo com veemência a reforma universitária no interior da qual a pauta da AE surge como uma das principais bandeiras de luta dos estudantes, dando maior visibilidade ao tema (NASCIMENTO, 2013NASCIMENTO, C. M. Assistência estudantil e contrarreforma universitária nos anos 2000. 2013. 157 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.).
Com o golpe militar de 1964, a UNE passa a ser perseguida pela ditadura militar (1964-1985), tendo sua sede invadida e incendiada na praia do Flamengo, como medida de intimidação. Sua representatividade foi legalmente retirada através da Lei Suplicy de Lacerda passando a atuar na ilegalidade. Apenas no final dos anos 1970, a partir dos primeiros sinais de enfraquecimento do regime militar, a UNE começou a se reestruturar. De acordo com Lima (2002)LIMA, C. P. N. A arte da participação e a participação da arte: uma experiência nas casas de estudantes universitárias da UFPE. Serviço Social em Revista. v. 5, n. 1, jul./dez. 2002., somente após a reativação dessa entidade, a luta pela AE, sobretudo em prol das moradias estudantis, foi retomada, tendo como marco representativo à realização do 1º Encontro de Casas de Estudante, em 1976, no Rio de Janeiro.
Na década de 1970, houve algumas tentativas de estruturação da AE em âmbito nacional, como por exemplo, a instituição do Departamento de Assistência ao Estudante (DAE) vinculado ao Ministério da Educação (MEC), que tinha como objetivo manter uma política de assistência ao estudante universitário em nível nacional, enfatizando programas de alimentação, moradia, assistência médica e odontológica. Entretanto, nos governos posteriores o DAE foi extinto (KOWALSKI, 2012KOWALSKI, A. V. Os (des)caminhos da política de assistência estudantil e o desafio na garantia de direitos. 2012. 179 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2012.; NASCIMENTO, 2013NASCIMENTO, C. M. Assistência estudantil e contrarreforma universitária nos anos 2000. 2013. 157 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.; SILVEIRA, 2012SILVEIRA, M. M. A assistência estudantil no ensino superior: uma análise sobre as políticas de permanência das universidades federais brasileiras. 2012. 137 f. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2012.).
Até aqui, a AE desenvolvida no Brasil caracterizava-se por ações restritas, voltadas para a elite do país, que detinham o privilégio do acesso à Educação Superior na época, cumprindo naquele momento a função de subsidiar os custos adicionais (formação complementar no exterior) destes estudantes. Uma maior atenção do ponto de vista governamental se dá com a ampliação da discussão acerca do tema a partir da luta em prol da Reforma Universitária, quando a AE passa a ser importante bandeira dos movimentos sociais da educação nesse período. A assistência ao estudante que vinha sendo implementada, de modo geral, não obteve um caráter expressivo de forma a repercutir eficazmente na permanência de um número significativo de estudantes universitários. Observa-se que ainda não havia nesse momento um projeto de âmbito nacional voltado exclusivamente para a AE no Ensino Superior.
A partir da década de 1980, em decorrência da forte crise econômica enfrentada pelo governo militar, inicia-se no Brasil um novo movimento que conduzirá o país a um processo de redemocratização. Nesse momento, o tema da democratização da educação, particularmente da universidade pública, passa a ser defendido por novos sujeitos políticos, destacando-se o Fonaprace, criado em 1987, “encarregado de discutir, elaborar e propor ao MEC a política de Promoção e Apoio ao Estudante” (FONAPRACE, 2012, p. 15). Esse período marca o início da segunda fase da política de AE.
Com a abertura política pós-ditadura militar e o processo de “redemocratização” do país nos anos 1980, constroem-se o clima e espaço favoráveis para a intensificação e sistematização do debate acerca da AE. É nesse terreno fértil que será criado o Fonaprace a fim de intervir num cenário em que as ações de assistência aos estudantes ainda se constituíam de forma fragmentada e não obtinham legitimidade nem significativo apoio governamental.
O Fonaprace congrega os pró-reitores, sub-reitores, decanos ou responsáveis pelos assuntos comunitários e estudantis das Instituições de Ensino Superior (IES) públicas do Brasil. Enquanto finalidade, o Fórum “definiu como meta prioritária trabalhar na sistematização de uma proposta de política de assistência ao estudante que garantisse acesso, permanência e conclusão de curso nas IFES, na perspectiva da inclusão e do direito social e da democratização do ensino” (FONAPRACE, 2008, p. 01).
Segundo Nascimento (2013)NASCIMENTO, C. M. Assistência estudantil e contrarreforma universitária nos anos 2000. 2013. 157 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013., o Fonaprace emerge com uma função reivindicativa, promovendo uma articulação entre a luta pela consolidação de uma política de AE nas IFES e às bandeiras do Movimento de Reforma Universitária defendidas pelos intelectuais, estudantes e movimentos sociais da educação a partir da década de 1960. Nessa perspectiva, o Fórum defende a construção de uma “Universidade pública, gratuita e de qualidade” (FONAPRACE, 1993, p. 60), buscando integrar o debate acerca da AE às pautas reformistas.
A promulgação da Constituição Federal de 1988 representou um importante marco histórico que possibilitou o aprofundamento das discussões em torno da democratização do acesso e permanência nas universidades. Este documento representou um significativo avanço social e político para a sociedade uma vez que, pela primeira vez na história do Brasil, configuram-se as garantias dos direitos sociais, além de também contemplar o processo de redemocratização da educação, mediante a universalização do acesso e a gestão democrática, centrada na formação do cidadão. Apesar de não tratar especificamente da Educação Superior, é nesta Constituição que se buscará os fundamentos para justificar a importância e legitimidade da AE no espaço universitário. No seu artigo 206 está disposto que o ensino deverá ser ministrado com base em alguns princípios sendo o primeiro: “I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.). O mesmo texto se apresenta no artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB, aprovada na década de 1990, oferendo amparo legal para AE. Tal igualdade seria alcançada mediante uma política efetiva de assistência ao estudante.
De acordo com Kowalski (2012)KOWALSKI, A. V. Os (des)caminhos da política de assistência estudantil e o desafio na garantia de direitos. 2012. 179 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2012., esse momento caracteriza-se por uma maior atenção do governo no que diz respeito ao favorecimento de condições mais justas de permanência e acesso ao Ensino Superior. Nesse contexto, a AE entra num processo de amadurecimento em relação aos direitos dos estudantes, procurando promover o acesso desses aos programas de apoio estudantil a fim de dar possibilidades para que os mesmos possam permanecer na universidade e concluir seus cursos. Contudo, esse processo se dá em meio a disputas de interesses e entraves políticos, de modo que as discussões acerca da política de AE ocorriam de forma fragmentada e restrita a algumas IFES, em sua maior parte, motivada pelos movimentos estudantis. Os programas de apoio ao estudante se davam a partir do esforço isolado de determinadas Instituições, geralmente insuficientes, sujeito muitas vezes à sensibilidade dos gestores (FONAPRACE, 2012). Esse cenário de isolamento das iniciativas de AE nas IFES pode ser atribuído ao descrédito de suas ações, que eram entendidas como gastos adicionais ao orçamento já tão insuficientes ao qual estavam submetidas as Instituições (NASCIMENTO, 2014NASCIMENTO, C. M. A assistência estudantil consentida: na contrarreforma universitária dos anos 2000. Universidade e Sociedade, v. 23, n. 53, p. 88-103, 2014.).
Nesse período de 1990, o Fonaprace lutava contra a ofensiva neoliberal do Governo Fernando Henrique Cardoso, momento no qual se registra limitação de recursos, numa perspectiva nacional, destinados ao investimento no Ensino Superior público. Durante essa década, houve uma negação por parte dos governantes no que se refere ao provimento da AE (KOWALSKI, 2012KOWALSKI, A. V. Os (des)caminhos da política de assistência estudantil e o desafio na garantia de direitos. 2012. 179 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2012.), o que pode ser evidenciado através da LDB de 1996, que apresenta em seu artigo 71, inciso IV, a desresponsabilização do Estado a esse respeito: “Não constituirão despesas de manutenção e de desenvolvimento do ensino, aquelas realizadas com: IV - Programas suplementares de alimentação, assistência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social” (BRASIL, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, 23 dez. 1996.).
Com o objetivo de oferecer subsídios sólidos para a formulação de uma política de assistência ao estudante em esfera nacional, o Fonaprace empenhou-se na década de 1990 no desenvolvimento de um trabalho sistemático nas IFES para determinação do perfil socioeconômico e cultural dos seus discentes. Com isso, buscava-se identificar dados confiáveis considerados elementos indispensáveis ao debate, formulação e implantação de políticas sociais que pudessem garantir a permanência dos estudantes em suas Instituições. Nessa direção, o Fonaprace realizou e publicou em 1997, 2004, e posteriormente em 2011, pesquisas amostrais sobre o Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação dessas Instituições. Os dados levantados apontaram a classificação econômica dos discentes e os principais indicadores sociais relacionados às necessidades estudantis: moradia, alimentação, transporte, saúde, manutenção e trabalho, indicando parâmetros para melhor definir as diretrizes para o desenvolvimento de programas e ações de AE a serem implementados pelas Instituições de Ensino Superior públicas.
Essas pesquisas tornaram evidente a necessidade do desenvolvimento de programas de apoio ao universitário ao demonstrar, entre outros aspectos, a existência de uma parcela significativa de discentes que pertenciam às categorias econômicas C, D e E (em torno de 44%), os quais estão abaixo do padrão médio das necessidades materiais, culturais e de serviços, constituindo a demanda potencial de assistência ao estudante (FONAPRACE, 1997). Esse dado buscava romper com o ideário de que as universidades públicas eram frequentadas exclusivamente por estudantes pertencentes às classes sociais mais altas da sociedade, os quais poderiam arcar com os custos de sua formação acadêmica, gerando discussões acerca da pertinência da gratuidade do Ensino Superior público.
Os resultados dessas pesquisas terão um importante papel no processo de legitimação da AE em âmbito governamental. A partir dos resultados dos primeiros levantamentos, o Fonaprace elabora o Plano Nacional de Assistência Estudantil, cuja versão final foi encaminhada à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) em 4 de abril de 2001, tornando-se o documento base para todas as ações concernentes ao tema. O Plano trazia diretrizes norteadoras para a definição de programas e projetos, apontava as áreas estratégicas a partir das quais a AE poderia ser desenvolvida nas IFES, além de demonstrar aos órgãos governamentais a necessidade de destinação de recursos financeiros para a AE nas IFES. Solicitava-se que verbas específicas fossem destinadas para esse fim na matriz orçamentária anual do MEC.
Em 2007, o Fonaprace realiza uma atualização desse Plano. Com isso, iniciou-se um processo de discussão junto ao MEC com o objetivo de implantação do Pnaes. Respondendo às proposições do Fórum, bem como aos anseios e lutas estudantis, o Ministério da Educação institui, por meio da Portaria Normativa n° 39, de 12 de dezembro de 2007 (BRASIL, 2007BRASIL. Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Diário Oficial da União. 25 abr. 2007.), o Pnaes. Este foi um grande marco na história da luta pela AE no país, constituindo-se uma importante conquista para aqueles que batalharam pela incorporação dessa pauta na agenda governamental.
A aprovação do Plano Nacional de Assistência Estudantil que culminou na instituição do Pnaes, em 2007, foi favorecida pela instituição, no mesmo ano, do Decreto no 6.096, de 24 de abril de 2007 (BRASIL, 2007BRASIL. Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Diário Oficial da União. 25 abr. 2007.), que cria o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Esse, em seu artigo 1º, afirma que tem “o objetivo de criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais”. Em suas diretrizes, no artigo 2º, item V, estabelece a necessidade de “ampliação de políticas de inclusão e de assistência estudantil”.
É nesse contexto de expansão e reestruturação do Ensino Superior ocorrido no Brasil nos anos 2000, o qual tem o REUNI como um dos seus principais programas, que a AE consegue encontrar maior espaço na agenda do Governo Federal. Nesse novo cenário, as instituições a ele vinculadas passaram a acolher e continuam acolhendo sujeitos de diversificadas origens socioculturais, com consequente impacto em políticas educacionais (VASCONCELOS; GOMES, 2016VASCONCELOS, I. C. O.; GOMES, C. A. Pedagogia dialógica para democratizar a educação superior. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 24, n. 92, p. 579-608, set. 2016. doi:10.1590/S0104-40362016000300004
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). A partir daí, inaugura-se uma terceira fase, na qual a assistência ao estudante passou a ganhar maior notoriedade na esfera governamental avançando para tornar-se uma política pública na perspectiva do direito social.
Nesse percurso, em 10 de julho de 2010, o então presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, transformou o Pnaes em Decreto-Lei n° 7.234, “dando um grande passo para que o Pnaes saísse da dimensão de política de governo para política de Estado” (FONAPRACE, 2012, p. 62). Esse documento representou uma importante conquista dos grupos organizados (Fonaprace, Andifes, UNE) que lutaram pela consolidação da AE em nível institucional e por seu reconhecimento legal enquanto política pública de direito. O Pnaes, disposto pelo Decreto n° 7.234/2010 (BRASIL, 2010BRASIL. Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES, 2010. Diário Oficial da União, 20 jul. 2010.), é atualmente o principal documento norteador da construção das políticas de assistência aos estudantes de graduação das IFES no Brasil. De acordo com o documento, sua finalidade é promover a ampliação das condições de permanência dos estudantes na Educação Superior pública federal, constituindo-se como seus objetivos os seguintes pontos: I - democratizar as condições de permanência dos jovens na educação superior pública federal; II - minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior; III - reduzir as taxas de retenção e evasão; e IV - contribuir para a promoção da inclusão social pela educação.
O Decreto também traz um leque amplo de áreas estratégicas a partir das quais devem se desenvolver as ações de AE, além de delimitar o público a que se destina: “prioritariamente estudantes oriundos da rede pública de educação básica ou com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio” (BRASIL, 2010BRASIL. Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES, 2010. Diário Oficial da União, 20 jul. 2010.). Diferentemente da Portaria n° 39/2007 (BASIL, 2007) do MEC que antecede o Decreto em questão, há aqui uma maior preocupação em definir mais claramente o público-alvo da assistência estudantil, estabelecendo para isso um corte de renda que deve ser considerado como critério prioritário para inserção dos discentes nos programas de assistência ao estudante.
Convergindo com o compromisso assumido pelo Pnaes, o Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio de 2014–2024, destaca a importância da assistência ao estudante de Ensino Superior entre suas metas. O Plano propõe a ampliação da política de AE como estratégia para a expansão do Ensino Superior brasileiro, objetivando a redução das desigualdades étnico-raciais e a ampliação das taxas de acesso e permanência na Educação Superior de estudantes egressos da escola pública, afrodescendentes e indígenas e de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, apoiando o seu processo de formação acadêmica (BRASIL, 2014BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, 26 jun. 2014, Edição extra, Seção 1.).
Em consonância com o proposto no PNE 2014–2024 (BRASIL, 2014BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, 26 jun. 2014, Edição extra, Seção 1.), em 29 de agosto de 2012 é sancionada a Lei n° 12.711, a chamada Lei de Cotas, regulamentada pelo Decreto n° 7.824/2012 e pela Portaria Normativa n° 18/2012, do Ministério da Educação. Ela prevê a reserva de no mínimo 50% das matrículas por curso e turno nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Dentre essas vagas, 50% deverão ser reservados aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita.
Essa ação afirmativa adotada pelo Governo de cotas com recortes econômico e étnico-racial tende a alterar o perfil dos discentes nas IFES, ampliando significativamente a demanda por AE. Ao promover o acesso de egressos da rede pública de educação e com renda per capita de até um salário mínimo e meio, a Lei de cotas amplia o ingresso nas universidades de discentes que constituem o público-alvo da AE de acordo com o Pnaes.
Outra medida governamental que também traz impactos para a AE nas IFES é o Sistema de Seleção Unificada – SISU, instituído pela Portaria Normativa MEC nº 2, de 26 de janeiro de 2010, e regulamentada pela Portaria Normativa n° 21, de 5 de novembro de 2012. Trata-se de um sistema informatizado, gerenciado MEC, no qual instituições públicas de Ensino Superior ofertam vagas para candidatos participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Atualmente, a maioria das universidades realiza seu processo seletivo mediante o sistema ENEM/SISU como alternativa aos tradicionais vestibulares. O estudante pode se inscrever para diferentes Instituições de Ensino Superior, em qualquer Estado do país. A possibilidade de ingressar em uma universidade distante de sua cidade ou mesmo Estado gera uma demanda por apoio a esse universitário para garantir sua permanência e conclusão do curso na Instituição escolhida, cabendo à AE cumprir esse papel. O MEC garante o aumento de recursos para as ações de assistência ao estudante proporcional à adesão das IFES a este processo seletivo, transferindo para essas a responsabilidade em responder, por meio da AE, aos impactos das políticas expansionistas em curso no Ensino Superior no país (NASCIMENTO, 2013NASCIMENTO, C. M. Assistência estudantil e contrarreforma universitária nos anos 2000. 2013. 157 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.).
Diante desse contexto de expansão e democratização do Ensino Superior público, o principal desafio da política de AE na atualidade é a ampliação dos recursos orçamentários em correspondência com essas políticas expansionistas do Governo Federal. De acordo com o MEC, mais de 1 bilhão de reais já foi investido em assistência estudantil de 2008, com a efetivação do Pnaes, até 2012.
Apesar de haver um significativo aumento dos recursos repassados às IFES para custeio da AE, esses ainda são bastante insuficientes para atender a crescente demanda decorrente dos programas voltados para expansão e democratização do Ensino Superior Federal, como o Reuni, o ENEM/SISU e a Lei de cotas. Para 2013, por exemplo, o Fonaprace propunha a ampliação dos recursos na ordem de R$ 1,5 bilhão para atender aos 44% de estudantes que constituem público-alvo para AE no espaço universitário público brasileiro (FONAPRACE, 2012). Para 2014, a entidade propõe, através do ofício 005/2013-CN 2012/2013 encaminhado ao MEC, a disponibilização de recursos na ordem de R$ 2 bilhões a fim de suprir as múltiplas demandas das ações de AE previstas no Pnaes. A UNE, por sua vez, por meio da campanha “Quem entrou quer ficar”, em defesa de mais AE nas universidades brasileiras, tem proposto a ampliação dos recursos destinados ao Programa para R$ 2,5 bilhões. Entretanto, o MEC destinou cerca de R$ 603 milhões em 2013, e para 2014 o valor de R$ 742,7 milhões (BRASIL, 2015BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria se Educação Superior. A democratização e expansão da educação superior no país 2003 – 2014. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2015. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=16762-balanco-social-sesu-2003-2014&Itemid=30192>. Acesso em: 18 ago. 2016.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
), ficando esses valores ainda muito abaixo do proposto pelo Fórum e a entidade estudantil.
Com a compreensão de que o Pnaes não é capaz de suportar sozinho toda a demanda por condições de permanência no Ensino Superior público, em 2013, através da Portaria n° 389, de 09 de maio de 2013, o MEC cria o Programa de Bolsa Permanência – PBP. Alinhado com a política nacional de AE do país, o programa refere-se à concessão de um auxílio financeiro que tem por finalidade minimizar as desigualdades sociais, étnico-raciais e contribuir para permanência e conclusão de curso dos estudantes de graduação em situação de vulnerabilidade socioeconômica e estudantes indígenas e quilombolas.
Dentre os critérios para inserção no Programa tem-se a condição de “estar matriculado em cursos de graduação com carga horária média superior ou igual a cinco horas diárias” (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério da Educação. Manual de gestão do programa de bolsa permanência. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2013.). Essa condição restringe significativamente o acesso ao Programa, tendo por consequência um impacto muito pequeno no atendimento da real demanda pela bolsa permanência. Tal fato tem gerado mobilização por parte do movimento estudantil que, no III Seminário Nacional de Assistência Estudantil, realizado pela UNE em maio de 2014, na cidade de Ouro Preto – MG, reivindicou a reformulação do PBP do MEC, retirando-lhe a exigência da carga horária de modo a garantir que todos os universitários que dele necessitem possam ter acesso. No mesmo ano, em carta dirigida à Diretoria executiva da Andifes, o Fonaprace destaca como um dos principais assuntos em pauta do Fórum naquela gestão a revisão do PBP. No documento, o Fórum afirma ter solicitado, exaustivamente, ao MEC, a retirada do critério de carga horária mínima para atendimento, propondo a vulnerabilidade socioeconômica como único critério de acesso ao programa.
Apesar das conquistas alcançadas a partir das históricas mobilizações de grupos organizados como a UNE e o Fonaprace, a luta em prol da AE continua. Com a consolidação de uma política de AE em âmbito nacional na perspectiva do direito social através do Pnaes, outros desafios emergem incentivando o contínuo processo de busca por ações e políticas que promovam não apenas a democratização do acesso ao Ensino Superior, mas também a permanência e conclusão dos cursos aos estudantes. Questões como a consolidação do Pnaes enquanto Lei Federal e a ampliação de recursos materiais, humanos e de infraestrutura para o desenvolvimento de um efetivo Programa de AE nas IFES são algumas das pautas reivindicativas que o Fonaprace tem destacado nos últimos anos (FONAPRACE, 2012). A UNE também permanece ativa nas discussões acerca dessa temática. Nos anos de 2011, 2013 e 2014, a entidade realizou respectivamente o I, II e III Seminário Nacional de Assistência Estudantil. Nesses eventos foram discutidos temas como a ampliação dos investimentos em AE na proporção do aumento do número de vagas nas IFES; a proposta de uma gestão da política de AE com mais democracia e transparência nas universidades, contando com a participação estudantil; a luta pela garantia dos direitos conquistados pelo Pnaes, por programas efetivos de AE no Ensino Superior privado, e por uma AE que contemple as necessidades das mulheres, negros (as), LGBTs e pessoas com deficiência.
Essa terceira e atual fase da AE configura-se como um período de grande expansão dos programas e ações de assistência aos estudantes nas IFES, uma vez que sua implementação se tornou obrigatória a partir do Pnaes e recursos específicos foram destinados pelo Governo Federal para este fim. É o momento no qual a AE encontra legitimidade no contexto da Reforma da Educação Superior implementada nos anos 2000, havendo condições favoráveis para o desenvolvimento de uma política nacional de AE, que confere às ações de apoio e promoção ao estudante o papel de centralidade para o Estado brasileiro no contexto da democratização da Educação Superior.
Chama-se atenção, contudo, para o novo momento político e econômico que atravessa o país. Em um cenário de profunda crise política, em maio de 2016 o Senado Federal aprova a admissibilidade do processo de impeachment e afasta a então presidente da República, Dilma Rousseff, por 180 dias, de seu cargo. Em seu lugar assume o vice-presidente interino, Michel Temer, interrompendo um período de 13 anos consecutivos em que o Partido dos Trabalhadores (PT) esteve no poder no Brasil. Nesse contexto, o campo da Educação, que já vinha sofrendo com o contingenciamento de recursos no segundo mandato da presidente Dilma, alvo de cortes da ordem de R$ 9,4 bilhões (CORREIO DO ESTADO, 2015CORREIO DO ESTADO. Governo Dilma confirma cortes de R$ 69,9 bi, anuncia ministro. Campo Grande, 2015. Disponível em: <http://www.correiodoestado.com.br/politica/governo-dilma-fara-cortes-de-r-699-bilhoes-anuncia-ministro/247567/>. Acesso em: 18 ago. 2016.
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), encontra-se fortemente ameaçado diante da austeridade do Governo interino. As universidades federais que haviam sofrido um corte de 30% em seu orçamento no ano de 2015, conduzindo as Instituições a uma grave crise financeira, agora devem ter cortes de até 45% nos seus investimentos em 2017 (VIEIRA, 2016VIEIRA, V. Universidades federais devem ter corte de até 45% nos investimentos. Estadão, São Paulo, 11 ago. 2016. Disponível em: <http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,federais-devem-ter-corte-de-ate-45-nos-investimentos,10000068526>. Acesso em: 18 ago. 2016.
http://educacao.estadao.com.br/noticias/...
).
De acordo com a Andifes (2016)ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR – ANDIFES. Cortes na educação comprometem avanços históricos no ensino superior. Andifes; 2016. Disponível em: <http://www.andifes.org.br/cortes-na-educacao-comprometem-avancos-historicos-no-ensino-superior/>. Acesso em: 18 ago. 2016.
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, as IFES devem passar por um intenso processo de precarização durante essa gestão, prevendo-se o comprometimento de avanços históricos no Ensino Superior. Segundo a Associação, a AE deve ser uma das áreas impactadas pelos cortes já sinalizados. Ainda no Governo Dilma, um dos últimos atos de sua gestão antes de seu afastamento foi a suspensão de novas inscrições para o Programa de Bolsa Permanência, através de ofício encaminhado aos dirigentes das IFES, assinado pelo secretário de Educação Superior Jesualdo Pereira. O que se espera para adiante com o Governo interino não parece promissor. A presidente da UNE, Carina Vitral, lembra que o atual ministro da Educação, Mendonça Filho, representa o DEM, partido que fez forte oposição às políticas desenvolvidas nos últimos anos, tais como o Programa Universidade Para Todos (ProUni), o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e a política de cotas nas universidades federais (PEREIRA, 2016PEREIRA, T. UNE alerta: DEM na Educação ameaça programas como Fies e Prouni. RBA – Rede Brasil Atual, 17 maio 2016. Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2016/05/une-afirma-que-o-dem-no-ministerio-da-educacao-ameaca-programas-como-fies-e-prouni-4541.html>. Acesso em: 18 ago. 2016.
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). De acordo com a entidade máxima dos estudantes brasileiros, as propostas apresentadas pelo governo Temer de desvinculação orçamentária para a educação e cobrança de mensalidades nas universidades públicas são retrocessos nos direitos dos estudantes em especial na AE (UNE, 2016UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES - UNE. PNE na mira do Golpe. Jornal Nossa Voz, p. 3-4, jul./ago, 2016. Bimestral. Disponível em: <http://www.une.org.br/site/wp-content/uploads/2016/08/JORNAL-NOSSA-VOZ-JULHO-AGOSTO-2016.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2106.
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).
Diante do exposto, vê-se que a AE no Brasil vem se construindo em meio a diferentes contextos sociopolíticos e econômicos que possibilitaram a construção de um percurso no qual as discussões acerca da temática puderam se complexificar, mediante uma maior sistematização do assunto em articulação com o momento histórico que vivia o país. Assim, distinguiram-se as três fases apresentadas, demarcando momentos distintos da conformação dessa política no cenário da Educação Superior brasileira. Ressalta-se, contudo, que a história da AE ainda está em curso, podendo ainda assumir outras conformações ao longo desse trajeto, sobretudo diante do atual cenário de crise político-econômica do Brasil que, sob o comando do Governo interino, vem se configurando como um momento de grandes incertezas e ameaças a direitos já conquistados.
Até o momento, essa trajetória histórica já percorrida não resultou no estabelecimento de um conceito único e consensual de AE. Ao contrário, a partir das ações e discussões desenvolvidas ao longo desse percurso, diferentes concepções foram se construindo, se colocando muitas vezes em disputa. Adiante, pretende-se lançar um olhar sobre essa questão.
3 As múltiplas facetas da assistência estudantil
A política de assistência estudantil no panorama brasileiro foi se construindo, como visto anteriormente, em meio a cenários sociopolíticos e econômicos diversos, a partir de diferentes atores sociais. Nesse processo de construção, as discussões acerca do tema foram ao longo do tempo sendo fundamentadas em bases distintas, a depender do lugar/posição a partir do qual se era discutido. Esse contexto favoreceu a proposição de concepções diversas, havendo de certo modo uma disputa de perspectivas em torno do que seria considerada uma AE ideal. Dentre os argumentos que circulam nos discursos construídos no decurso da história da assistência ao estudante universitário é possível identificar-se alguns pares de oposição, tais como: gasto x investimento, concessão (favor) x direito, universalidade x seletividade, recursos mínimos (necessidades básicas) x integralidade etc.
A luta pela incorporação da assistência ao estudante na agenda da educação do Governo Federal se deu, em grande medida, no embate pela superação de conceitos como o entendimento das ações de assistência ao discente como gasto desnecessário, e também como medida assistencialista, fundamentada na ideia de concessão ou favor. Em oposição a isso, houve um grande empenho por parte dos grupos sociais organizados, sobretudo a UNE e o Fonaprace, em defender uma concepção de AE como investimento e como um direito.
As ideias associadas de investimento e direito já comportam em si uma contradição. De acordo com Nascimento (2013)NASCIMENTO, C. M. Assistência estudantil e contrarreforma universitária nos anos 2000. 2013. 157 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013., sob o lema da “assistência estudantil como uma questão de investimento”, o Fonaprace encabeçou campanhas em favor da institucionalização da AE nas IFES, chamando atenção para a necessidade de disponibilização de recursos específicos para a construção de uma política de AE efetiva. Entretanto, a referida autora destaca que a compreensão da assistência enquanto investimento, apesar do mérito de tentar romper com ideário dominante na época que a concebia como um gasto, aponta para uma concepção produtivista desse objeto, dando as bases para a incorporação de um sentido de retorno, de contrapartida, de funcionalidade. Considerando que a AE tem a finalidade de garantir a permanência dos estudantes no Ensino Superior, na perspectiva da democratização da universidade, a mesma deve ser concebida enquanto direito e não como investimento. Sobre isso, Araújo (2003)ARAÚJO, J. O. O elo assistência e educação: análise assistência/desempenho no Programa Residência Universitária alagoana. 2003. 232 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2003. afirma que essa contradição revela a inexistência de uma homogeneidade acerca do conceito de AE desenvolvido por este Fórum, uma vez que ora defende a ideia de investimento, ora a concepção de direito para cidadania, o que implica em diferentes formas de operacionalização, a depender do entendimento adotado.
A instituição do Pnaes representou um marco e um importante avanço no que diz respeito à afirmação da política de AE no país, possibilitando uma acepção mais próxima de direito social. Contudo, apesar dos progressos decorrentes das lutas e consequente institucionalização da AE em âmbito nacional, que conduziram a uma visão mais ampla desse objeto, não se pode falar de uma única AE. Nos conceitos propostos encontram-se divergências quanto a alguns aspectos que ainda mobilizam os debates em torno do tema. Dentre os aspectos em volta dos quais circulam as principais polêmicas, destacam-se os seguintes: o público a que se destina a AE; a abrangência das ações desenvolvidas na área; e a gestão do Programa nas IFES. A partir desses três pontos, com base em revisão de literatura realizada, pretende-se a seguir discutir a disputa de concepções que tem se colocado acerca dessa temática.
3.1 Assistência estudantil para quem?
Com o objetivo de inserir a AE na Agenda Governamental, o Fonaprace dedicou-se ao levantamento de indicadores que pudessem demonstrar a importância da formulação de uma política voltada para essa demanda. Nas primeiras pesquisas realizadas pelo Fórum, procurou-se apresentar o perfil socioeconômico e cultural do estudante das IFES, destacando, sobretudo, a estratificação social de modo a evidenciar a desigualdade entre os segmentos. Segundo consta no relatório da primeira pesquisa publicada, “a preocupação básica dos órgãos de assistência é com aqueles alunos que estão abaixo do padrão médio das necessidades materiais, culturais e de serviços. As categorias C, D e E compõem a demanda por programas de assistência ao estudante” (FONAPRACE, 1997).
Conforme apontado, o Fonaprace indica para quem se destina a AE. O público-alvo dos programas e ações desenvolvidos nesse campo, que justificariam o investimento do Governo Federal, seriam os estudantes de baixa renda, aqueles considerados em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Essa perspectiva se mantém no primeiro Plano Nacional de Assistência Estudantil, publicado em 2001, no qual o Fórum propõe a implantação de uma política “que atenda ao estudante de baixa renda, buscando reduzir as desigualdades sociais e permitindo a expressão de seu potencial durante a vida acadêmica” (FONAPRACE, 2001). Esse entendimento também se faz presente em publicações mais recentes, em que a entidade afirma que permanece na luta em prol da AE, a qual se constitui como um “processo contínuo de ações e políticas que promovam, não somente a democratização do acesso ao ensino superior, mas também a permanência e conclusão dos cursos aos estudantes de baixa condição socioeconômica” (FONAPRACE, 2012, p. 62).
Essa concepção de AE encaixou-se perfeitamente no contexto da expansão e democratização do Ensino Superior que configura a Reforma deste nível de educação implementada pelos Governos Lula-Dilma. Com a execução de programas como o Reuni e a Lei de Cotas (Lei nº 12.711/2012 - BRASIL, 2012BRASIL. Lei n° 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Diário Oficial da União, 30 ago. 2012.), uma política nacional de assistência aos estudantes, nos termos acima propostos, tornou-se indispensável. À medida que se amplia o acesso de discentes advindos de escolas públicas e considerados em situação de vulnerabilidade socioeconômica, faz-se necessária a implementação de políticas que possibilitem a permanência desses universitários, entendendo-se o acesso e a permanência como partes indissociáveis de um processo contínuo. Nessa direção, o Pnaes, no Decreto nº 7.234 de 2010 (BRASIL, 2010BRASIL. Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES, 2010. Diário Oficial da União, 20 jul. 2010.), que regulamenta a AE em âmbito nacional, define como público-alvo prioritário da política os estudantes oriundos da rede pública de educação básica ou com renda familiar per capita de até um salário mínimo e meio. Assim, o Programa assume um caráter seletivo, e não universal, como ocorre com as políticas sociais hoje no Brasil (SILVEIRA, 2012SILVEIRA, M. M. A assistência estudantil no ensino superior: uma análise sobre as políticas de permanência das universidades federais brasileiras. 2012. 137 f. Dissertação (Mestrado em Política Social) - Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2012.).
Apesar de o principal programa regulador da política de AE no país determinar o grupo que deve por ela ser atendido, a discussão em torno de para quem se destina a assistência na esfera da Educação Superior ainda permanece. Alguns autores vão criticar o caráter focal, residual e seletivo que tem sido conferido à política de AE, defendendo uma assistência colocada como um direito de todo estudante, e não apenas um favor concedido para alguns, em geral classificados como “carentes” (LEITE, 2008LEITE, J. L. Política de assistência estudantil: entre o direito e o favor. Universidade e Sociedade, v. 27, n. 41, p. 165-73, 2008.; 2012BRASIL. Lei n° 8.742, de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, 8 dez. 1993.; NASCIMENTO, 2012NASCIMENTO, C. M. Elementos conceituais para pensar a política de assistência estudantil na atualidade. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlândia: UFU-PROEX, 2012. p.147-57.; NASCIMENTO; ARCOVERDE, 2012NASCIMENTO, C. M.; ARCOVERDE, A. C. B. O serviço social na assistência estudantil: reflexões acerca da dimensão político-pedagógica da profissão. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlância: UFU-PROEX, 2012. p. 167-79.). Os debates nesse sentido circulam principalmente em torno dos binômios seletividade versus universalidade e direito versus favor.
De acordo com Leite (2012)LEITE, J. L. Política de assistência estudantil: direito da carência ou carência de direitos? SER Social, v. 14, n. 31, p. 453-72, jul./dez. 2012., os programas e ações de AE desenvolvidos no pós-Reuni estão voltados para este “novo” contingente de estudantes que agora obtém o acesso à universidade, intitulado como carentes. Todas as universidades que possuem alguma política de AE vinculam seus auxílios à comprovação de insuficiência de renda. Para ser contemplado com os benefícios, é necessário enquadrar-se em uma série de critérios e cumprir um grande número de condicionalidades. Desse modo, a configuração atual da política de AE se fundamenta na perspectiva da focalização das políticas sociais. A autora supracitada, em outra publicação intitulada “Política de assistência estudantil: entre o direito e o favor”, afirma que
a inserção de políticas focais, fragmentadas e residuais, propaladas nos vários sub-projetos do guarda-chuva da Reforma Universitária, em geral sob o vago título ‘Acesso e Permanência’, na verdade, consubstanciam-se em pequenas esmolas a serem disputadas por muitos (LEITE, 2008LEITE, J. L. Política de assistência estudantil: entre o direito e o favor. Universidade e Sociedade, v. 27, n. 41, p. 165-73, 2008., p. 166).
Segundo Nascimento (2012)NASCIMENTO, C. M. Elementos conceituais para pensar a política de assistência estudantil na atualidade. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlândia: UFU-PROEX, 2012. p.147-57., essa conformação da política de AE na atualidade é fruto da tendência à assistencialização das políticas sociais no país, que no âmbito da Educação Superior encontra na assistência ao estudante sua expressão maior. Esse é um movimento de reorientação dessas políticas que vem ganhando maior expressividade nos anos 1990, conduzindo ao seu distanciamento da perspectiva do direito. De acordo com a referida autora, a implementação da AE reduzida a benefícios focalizados, emergenciais, dirigidos a um público específico, é resultado do modo como se configurou o assistencial no Brasil, no contexto de sua formação social.
A tendência à assistencialização das políticas educacionais fica expressa no processo de implementação de programas, projetos e benefícios, desenvolvidos nos diferentes níveis e modalidades de ensino, crescentemente orientados por uma dimensão assistencial do atendimento às demandas estudantis, segmentando e fragmentando as ações para garantia de acesso e permanência desses de forma focalizada e restrita a critérios de elegibilidade similares aos da Política de Assistência Social (MORAES; LIMA, 2011MORAES, M. R.; LIMA, G. F. Assistencialização das políticas educacionais brasileiras. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO: marxismo, educação e emancipação humana, 5., 2011, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UFSC, 2011. p. 01-05., p. 5).
A discussão acerca da assistencialização no contexto das políticas educacionais considera que há semelhanças das características das ações desenvolvidas no âmbito da AE com aquelas da Assistência Social, sobretudo em relação à lógica eminentemente emergencial e imediatista dos programas e projetos que são voltados ao atendimento das demandas dos estudantes no que diz respeito às suas necessidades de sobrevivência, focalizando os usuários da política, de modo a promover “um atendimento restrito aos estudantes mais pobres entre os pobres” (NASCIMENTO; ARCOVERDE, 2012NASCIMENTO, C. M.; ARCOVERDE, A. C. B. O serviço social na assistência estudantil: reflexões acerca da dimensão político-pedagógica da profissão. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlância: UFU-PROEX, 2012. p. 167-79.). Nesse formato, as ações da AE confundem-se com as atividades realizadas pela filantropia e pela caridade institucionalizada, e sob o viés assistencial, que busca legitimar-se como estratégia necessária para o combate à pobreza na esfera da política de educação, perde-se a perspectiva de afirmação e ampliação dos direitos sociais (MORAES; LIMA, 2011MORAES, M. R.; LIMA, G. F. Assistencialização das políticas educacionais brasileiras. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO: marxismo, educação e emancipação humana, 5., 2011, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UFSC, 2011. p. 01-05.).
Na literatura vê-se muitas vezes a associação entre política de AE e política de assistência social. Entretanto, é necessário destacar que essas são políticas sociais distintas, com regulamentações e objetivos específicos. Os propósitos da AE estão relacionados à sua centralidade como estratégia de combate às desigualdades sociais e regionais no contexto da educação, considerando sua importância para a ampliação e a democratização das condições de acesso e permanência dos estudantes no Ensino Superior público federal (BRASIL, 2007BRASIL. Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Diário Oficial da União. 25 abr. 2007.), ao passo que a política de assistência social “visa prover os mínimos sociais, por meio de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas” (BRASIL, 1993BRASIL. Lei n° 8.742, de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, 8 dez. 1993.). Essa questão será melhor discutida no tópico seguinte.
Em contraposição a essa proposta de uma AE de caráter focal e seletivo, se colocará a proposição de uma assistência aos estudantes pautada no princípio da universalidade. Nessa perspectiva, uma política de AE não deve limitar-se à elaboração e execução de mecanismos destinados apenas à população de baixa renda, mas deve, também, se preocupar com princípios de atendimento universal. Entretanto, no cenário atual, não tem sido possível atender a demanda de forma universalizante, nem mesmo para aqueles ditos em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Leite (2008LEITE, J. L. Política de assistência estudantil: entre o direito e o favor. Universidade e Sociedade, v. 27, n. 41, p. 165-73, 2008.; 2012LEITE, J. L. Política de assistência estudantil: direito da carência ou carência de direitos? SER Social, v. 14, n. 31, p. 453-72, jul./dez. 2012.) afirma que a AE só se efetivará enquanto um direito, afirmando-se definitivamente como uma política pública, quando se organizar através de políticas estruturais que possam ser usufruídas por todo e qualquer discente, sendo financiada total e exclusivamente pelo Estado. Segundo Nascimento e Arcoverde (2012)NASCIMENTO, C. M.; ARCOVERDE, A. C. B. O serviço social na assistência estudantil: reflexões acerca da dimensão político-pedagógica da profissão. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlância: UFU-PROEX, 2012. p. 167-79., o chamado processo de “bolsificação” da AE exclui do debate a necessidade de universalização da política e a consequente ampliação de direitos. As autoras afirmam que há uma tendência da assistência ao estudante de se expressar através da concessão de bolsas, nas mais diversas modalidades, constituindo-se em “pacotes prontos”. Com isso, ocorre o “esvaziamento de uma proposta de ensino que garanta o direito à permanência do estudante, favorecendo espaços coletivos e com caráter universal” (NASCIMENTO; ARCOVERDE, 2012NASCIMENTO, C. M.; ARCOVERDE, A. C. B. O serviço social na assistência estudantil: reflexões acerca da dimensão político-pedagógica da profissão. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlância: UFU-PROEX, 2012. p. 167-79., p. 173).
Essa concepção parte do princípio de que a AE deve se firmar como uma política fundamental que possa garantir não só a permanência nos seus aspectos mais básicos, mas sim promover uma formação plena e de qualidade aos discentes. Dessa forma, não deve se restringir ao atendimento dos estudantes das camadas mais populares, mas atuar de um modo mais abrangente, propondo ações que possam abarcar todos os estudantes, na perspectiva de uma política universalizadora. O segundo Plano Nacional de Assistência estudantil, publicado em 2007 pelo Fonaprace, corrobora essa ideia ao afirmar que se faz necessário o aprofundamento da discussão da AE com novas perspectivas que incorpore a ideia de ampliação de recursos e programas para atendimento a necessidades básicas, como moradia, alimentação e bolsas, mas também de estratégias que permitam uma efetiva inserção social por meio de uma formação ética e cidadã, que não se limite a manutenção e sobrevivência dos estudantes em condições de risco socioeconômico (FONAPRACE, 2007, p. 13).
Outros autores, como Magalhães (2012)MAGALHÃES, R. P. Desigualdade, pobreza e educação superior no Brasil. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlândia: UFU- PROEX, 2012. p. 88-97., consideram que, embora as ações de AE, segundo o Pnaes, tenham como público prioritário os ingressantes em situação socioeconômica desfavorável, deve-se levar em conta a totalidade dos estudantes, contudo, não de forma homogênea, mas partindo do reconhecimento de que as diferenças devem conduzir à flexibilidade na execução dessa política, de modo a garantir igualdade de oportunidades e efetividade de direitos. Para Costa (2010)COSTA, S. G. A equidade na educação superior: uma análise das políticas de assistência estudantil. 2010. 202 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porta Alegre, 2010., no Brasil há uma diversidade muito expressiva de estudantes no Ensino Superior, e por isso propõe que os mesmos tenham um tratamento equitativo, ou seja, que as diferenças sejam respeitadas. Assim, sugere que os benefícios da AE sejam repartidos de forma proporcional às necessidades de cada um.
Nessa perspectiva, Assis et al. (2013) consideram que a AE traz a possibilidade de tornar o Ensino Superior brasileiro mais equânime. Os referidos autores afirmam que a assistência aos estudantes não pode restringir-se ao combate à pobreza, através de programas e ações que visem apenas o fornecimento de condições de subsistência, ignorando outras formas de vulnerabilidade social que não somente a financeira. Valendo-se do que propõe Moraes e Lima (2011)MORAES, M. R.; LIMA, G. F. Assistencialização das políticas educacionais brasileiras. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO: marxismo, educação e emancipação humana, 5., 2011, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UFSC, 2011. p. 01-05. acerca da abrangência do termo vulnerabilidade social, destacam que é necessário o desenvolvimento de uma política que abranja também todos aqueles indivíduos que se encontram em situações de risco, tais como famílias ou indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos afetivos; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; exclusão pela pobreza; uso de substâncias psicoativas, entre outras.
Como se vê, não há um consenso quanto ao público a quem se destina a política de AE. A depender do conceito adotado, pode-se conceber uma assistência mais restrita ou mais abrangente, possibilitando formas diversas de operacionalização. Essa discussão implicará no debate acerca do nível de abrangência das ações que devem ser implementadas nesse âmbito, o que se discute no tópico que segue.
3.2 A permanência no Ensino Superior e as necessidades estudantis
As noções de acesso e permanência permeiam toda a discussão em torno da temática AE, sobretudo no atual cenário sociopolítico do país, no qual se tem enfatizada a questão da democratização do Ensino Superior. A afirmação de uma política de AE efetiva parte do princípio de que esses elementos são indissociáveis, constituindo-se o seu papel apoiar o processo de democratização desse nível educacional, promovendo a garantia das condições de permanência na universidade. Nesse sentido, é imprescindível para a formulação dessa política uma compreensão acerca do que seriam essas condições de permanência, ou seja, um entendimento de quais seriam as necessidades dos estudantes para permanecerem em seus cursos e levar a cabo sua formação acadêmica.
A resposta a esses questionamentos vai conduzir a diferentes concepções de AE e consequentemente a formas distintas em sua implementação. Relacionado à definição do público-alvo dessa política, a delimitação das ações a serem implementadas nesse campo podem assumir um caráter mais restritivo ou mais amplo.
De acordo com Nascimento (2012)NASCIMENTO, C. M. Elementos conceituais para pensar a política de assistência estudantil na atualidade. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlândia: UFU-PROEX, 2012. p.147-57., existem dois equívocos de ordem teórica presentes nas agendas políticas da assistência ao estudante. O primeiro diz respeito à compreensão da AE como sendo uma extensão das ações da política de assistência social, e o outro corresponde ao entendimento das necessidades estudantis como restrito ao plano das necessidades de sobrevivência. Em sua concepção, esses erros são decorrentes da falta de uma maior problematização acerca das noções de assistência e de necessidades no contexto da educação, o que leva a uma fragilização do conceito de AE.
Assis et al. (2013) propõem que a política de assistência ao estudante pode ser compreendida como uma ação assistencial, inserida no campo das políticas públicas de Educação Superior, que busca atender às necessidades sociais básicas dos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, os quais estão tendo sua participação ampliada no Ensino Superior público brasileiro. Destaca-se nessa conceituação o caráter assistencial dessa política. Segundo Nascimento (2012)NASCIMENTO, C. M. Elementos conceituais para pensar a política de assistência estudantil na atualidade. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlândia: UFU-PROEX, 2012. p.147-57., essa dimensão é transversal a todo política social na medida em que se propõe prover uma necessidade, podendo expressar-se na assistência médica, na técnica, educacional etc. Na esfera da Educação Superior, a AE é uma das medidas assistenciais contempladas pelo Estado, através de seus órgãos de representação (MEC), desenvolvida com o objetivo de responder às demandas dos estudantes de baixa renda que estão sendo inseridos nesse nível de ensino a partir das políticas implementadas no bojo da Reforma Universitária em andamento.
Historicamente, no Brasil, o entendimento da dimensão assistencial no âmbito das políticas sociais sofreu distorções, configurando-se como respostas estatais de caráter emergencial, focalizadas e fragmentadas para o enfrentamento da pobreza, em oposição ao caráter de universalização em que se deveria pautar. Assim, distanciou-se da concepção do direito, refletindo a especificidade da formação social do país fundamentada no clientelismo e práticas assistencialistas (NASCIMENTO, 2012NASCIMENTO, C. M. Elementos conceituais para pensar a política de assistência estudantil na atualidade. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlândia: UFU-PROEX, 2012. p.147-57.). Nessa perspectiva, a assistência social volta a abordar a assistência na sua forma mais manifesta: como ajuda pontual e personalizada aos grupos de maior vulnerabilidade social (LEITE, 2008LEITE, J. L. Política de assistência estudantil: entre o direito e o favor. Universidade e Sociedade, v. 27, n. 41, p. 165-73, 2008., 2012LEITE, J. L. Política de assistência estudantil: direito da carência ou carência de direitos? SER Social, v. 14, n. 31, p. 453-72, jul./dez. 2012.).
Essa tendência à assistencialização na esfera das políticas públicas acaba por fundamentar práticas profissionais e até mesmo definições governamentais, alcançando também a política de AE. Essa face assistencial da política gera a confusão que incorre no erro de se tentar vincular as ações de assistência ao estudante à política de assistência social, levando à tentativa de se construir os seus parâmetros legais em conformidade com os parâmetros dessa política específica. Assim, vê-se presente nas publicações acerca do tema, bem como nos textos legais das políticas de AE no Ensino Superior, a relação direta da assistência ao estudante com a política de assistência social, considerando a assistência ao universitário uma extensão das ações dessa política (NASCIMENTO, 2012NASCIMENTO, C. M. Elementos conceituais para pensar a política de assistência estudantil na atualidade. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlândia: UFU-PROEX, 2012. p.147-57.).
Essa concepção de assistência implica numa AE voltada ao provimento de subsídios materiais de forma focalizada e seletiva que, concebida como vinculada à política de assistência social, destina-se ao atendimento das necessidades restritas de sobrevivência, interpretada erroneamente como necessidades básicas (NASCIMENTO, 2012NASCIMENTO, C. M. Elementos conceituais para pensar a política de assistência estudantil na atualidade. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlândia: UFU-PROEX, 2012. p.147-57.).
Nas primeiras pesquisas de perfil do discente de graduação das IFES realizadas pelo Fonaprace, propôs as áreas estratégicas e linhas temáticas que deveriam nortear a construção de programas e projetos nesse campo. Na primeira proposta de um Plano Nacional de Assistência aos Estudantes da rede pública de Ensino Superior, são apresentadas as seguintes áreas: 1) Manutenção, tendo como linhas temáticas moradia, alimentação, saúde, transporte, creche e portadores de necessidades especiais; 2) Desempenho Acadêmico, colocando-se como linhas temáticas bolsas, estágios remunerados, ensino de línguas, acesso à informática, fomento à participação político-acadêmica e acompanhamento psicopedagógico; 3) Cultura, Lazer e Esporte, incluindo o acesso à informação, a manifestações artísticas, culturais e esportivas; e 4) Assuntos da Juventude, envolvendo orientação profissional, sobre mercado de trabalho e prevenção a fatores de risco (FONAPRACE, 2001).
Essas proposições fundamentaram a instituição do Pnaes, no Governo Lula, o qual contempla as seguintes áreas para o desenvolvimento de ações de AE nas IFES: I - moradia estudantil; II - alimentação; III - transporte; IV - atenção à saúde; V - inclusão digital; VI - cultura; VII - esporte; VIII - creche; IX - apoio pedagógico; e X - acesso, participação e aprendizagem de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e superdotação (BRASIL, 2010BRASIL. Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES, 2010. Diário Oficial da União, 20 jul. 2010.).
Apesar da abrangência das áreas definidas pelo Pnaes, o que ocorre é que nem todas as IFES desenvolvem programas e ações em todas as suas esferas. Segundo Nascimento (2012)NASCIMENTO, C. M. Elementos conceituais para pensar a política de assistência estudantil na atualidade. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlândia: UFU-PROEX, 2012. p.147-57., na prática há uma prevalência do que a autora chamou de tripé da AE: auxílios financeiros (bolsas), alimentação e moradia. A autora afirma que isso se justifica pela redução da concepção de necessidades estudantis a necessidades básicas, entendidas como necessidades de sobrevivência, o que está relacionado com a vinculação da AE à política específica de assistência social.
Como já mencionado anteriormente, há uma tendência à “bolsificação” dos serviços da AE, em decorrência do processo de assistencialização que vem ocorrendo nas políticas sociais. Isso se expressa na centralização de ações voltadas ao provimento de bolsas, nas mais diversas modalidades, negligenciando-se o debate junto aos estudantes acerca de suas reais necessidades (MORAES; LIMA, 2011MORAES, M. R.; LIMA, G. F. Assistencialização das políticas educacionais brasileiras. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO: marxismo, educação e emancipação humana, 5., 2011, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UFSC, 2011. p. 01-05.).
Magalhães (2012)MAGALHÃES, R. P. Desigualdade, pobreza e educação superior no Brasil. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlândia: UFU- PROEX, 2012. p. 88-97. considera que a política de AE deve ultrapassar a concepção de uma prática fundamentada apenas em programas de repasse financeiro. A autora defende que a AE deve considerar na formulação de suas ações o atendimento dos estudantes em seus diversos aspectos e necessidades, oferecendo condições para se transpor e superar obstáculos e dificuldades na sua trajetória acadêmica.
Nesse sentido, Vasconcelos (2010)VASCONCELOS, N. B. Programa nacional de assistência estudantil: uma análise da evolução da assistência estudantil ao longo da história da educação superior no Brasil. Ensino Em Re-vista, v. 17, n. 2, p. 599-616, jul./dez. 2010., afirma que a AE deve transitar em todas as áreas dos direitos humanos, abarcando um conjunto de ações que promovam desde as condições ideais de saúde, o acesso aos instrumentais pedagógicos imprescindíveis para a formação profissional nas mais diversas áreas do conhecimento, o acompanhamento às necessidades educativas especiais, até o provimento dos recursos mínimos para a sobrevivência do estudante, tais como: moradia, alimentação, transporte e recursos financeiros.
Nessa perspectiva, propõe-se uma AE que leve em consideração a complexidade do ser humano, o qual deve ser visto como um ser social, de desejos e de direitos, cujas necessidades para realização de uma vida plena e digna perpassam fatores como moradia, alimentação, saúde, lazer, cultura, educação etc. Assim, as ações de assistência ao estudante devem ser pensadas na mesma proporção desta complexidade e voltadas para esses anseios (OLIVEIRA; VARGAS, 2012OLIVEIRA, S. B.; VARGAS, M. W. A assistência estudantil como espaço privilegiado de educação para os direitos. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlância: UFU-PROEX, 2012.). Garantindo essas dimensões, busca-se uma AE que se estabeleça enquanto “política pública fundamental, não só de permanência, mas também de formação completa dos estudantes” (ARAÚJO; BEZERRA, 2007ARAÚJO, F. S.; BEZERRA, J. C. B. Tendências da política de assistência ao estudante no contexto da reforma universitária brasileira. In: Jornada Internacional de Políticas Públicas: Questão Social e Desenvolvimento no século XXI, 3., 2007, São Luís. Anais... São Luís: UFMA, 2007. p. 1-7. Disponível em: <http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinppIII/html/Trabalhos/EixoTematicoA/cff899684c7ef149b573Fabr%C3%ADcia%20Silva%20de%20Ara%C3%BAjo.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2015.
http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinp...
, p.5).
De acordo com o Fonaprace (2012), diante da complexidade das necessidades humanas, a política de AE no contexto universitário não deve contemplar apenas as necessidades básicas de alimentação, moradia e transporte, mas, do ponto de vista de uma formação ampliada dos estudantes, deve possibilitar o desenvolvimento de ações de caráter universal através de programas e projetos de atenção à saúde física e mental; incentivo à formação de cidadania e à cultura; esporte e lazer; acessibilidade; inclusão digital; ensino de línguas estrangeiras e apoio pedagógico, colaborando para uma formação acadêmica plena, despertando a consciência crítica e cidadã, para além da formação técnica e profissional. O Fórum considera que a AE deve ser desenvolvida a partir de ações de assistência básica e também de ações de assistência ampliada, as quais devem estar articuladas com as atividades de ensino, pesquisa e extensão, objetivando, fundamentalmente, a melhoria do desempenho acadêmico e a qualidade de vida do estudante no contexto da Educação Superior.
O reconhecimento das demandas estudantis em toda a sua amplitude constitui um grande desafio para as universidades, sobretudo quando se leva em conta os quadros técnicos responsáveis por essa tarefa e os limites orçamentários destinados a essa política. Esses fatores podem atuar como limitadores dos programas de AE que acabam se reduzindo à concessão de bolsas/auxílios financeiros, cujos valores são, de maneira geral, insatisfatórios e a quantidade de benefícios concedidos não são capazes de alcançar toda a demanda (OLIVEIRA; VARGAS, 2012OLIVEIRA, S. B.; VARGAS, M. W. A assistência estudantil como espaço privilegiado de educação para os direitos. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlância: UFU-PROEX, 2012.).
Outra questão a ser superada para a implementação de uma AE numa perspectiva mais ampla diz respeito à necessidade de desvinculação da política de AE da política de assistência social. Segundo Nascimento (2012)NASCIMENTO, C. M. Elementos conceituais para pensar a política de assistência estudantil na atualidade. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlândia: UFU-PROEX, 2012. p.147-57., é necessário que a assistência ao estudante seja entendida enquanto política educacional, uma vez que se trata de ações de cunho assistencial desenvolvidas no âmbito da educação. Assim, considera-se que a AE seja estruturada nas IFES levando-se em consideração a conjuntura do Ensino Superior no Brasil, permitindo que essas ações desenvolvam corpo próprio e legislações específicas, atreladas ao cenário da educação. Nesse sentido, Leite (2008)LEITE, J. L. Política de assistência estudantil: entre o direito e o favor. Universidade e Sociedade, v. 27, n. 41, p. 165-73, 2008. destaca que a AE só alcançará êxito se vincular assistência e educação, integrando em sua construção os três segmentos que compõem a universidade: docentes, discentes e servidores técnico-administrativos.
Os sujeitos que devem estar implicados na formulação, planejamento e avaliação dessa política é outro ponto de discussão acerca dessa temática. O debate em torno dessa questão será apresentado a seguir.
3.3 A gestão da assistência estudantil nas IFES
A construção da política de assistência estudantil passa pela multiplicidade de demandas provenientes dos diversos sujeitos envolvidos com esta política: os estudantes/usuários, as Instituições de Ensino Superior e o Estado. Qual o público-alvo? Quais são as necessidades estudantis? Quem deve defini-las? Como deve ser gerida essa política nas IFES? Essas questões são discutidas a partir de diferentes lugares, o que gera as concepções diversas de AE mobilizando os debates na área.
O Fonaprace é considerado a principal instituição responsável pela direção intelectual e moral da AE nos últimos anos (NASCIMENTO, 2013NASCIMENTO, C. M. Assistência estudantil e contrarreforma universitária nos anos 2000. 2013. 157 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.). Representando os gestores das IFES, a entidade, como já foi visto, teve um importante papel na elaboração de uma política de AE em nível federal. Nesse processo, foi quem primeiro apresentou uma proposta mais estruturada e sistemática acerca da assistência ao estudante, propondo inclusive como ela deveria ser gerida no espaço universitário. Na primeira proposta do Fórum para um Plano Nacional de Assistência Estudantil para estudantes de graduação da rede federal de Ensino Superior, propunha-se a definição de verbas na matriz orçamentária anual do MEC destinadas para a manutenção da AE nas IFES. Essas, por sua vez, deveriam viabilizar uma estrutura organizacional em nível de Pró-reitoria, com as finalidades específicas de definir e gerenciar programas e projetos de assistência ao estudante. O Fórum propõe ainda buscar suporte em consultoria especializada para estabelecer uma metodologia de avaliação do Plano (FONAPRACE, 2001).
Nessa direção, o Pnaes (Decreto n° 7.234/2010) define que os recursos serão repassados às IFES, as quais deverão implementar as ações de AE considerando suas especificidades, as áreas estratégicas de ensino, pesquisa e extensão e aquelas que atendam às necessidades identificadas por seu corpo discente. Essas Instituições ficam responsáveis também por fixar critérios e a metodologia para seleção dos estudantes a serem beneficiados, bem como estabelecer mecanismos de acompanhamento e avaliação do Programa. Ao Estado cabe compatibilizar a quantidade de beneficiários com as dotações orçamentárias existentes, observando-se os limites estipulados na forma da legislação orçamentária e financeira vigente (BRASIL, 2010BRASIL. Decreto nº 7.234, de 19 de julho de 2010. Dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES, 2010. Diário Oficial da União, 20 jul. 2010.).
Assim, a atual configuração da Política Nacional de AE reserva ao Estado a responsabilidade pelo financiamento da assistência ao estudante, e responsabiliza às IFES pela implementação, acompanhamento e avaliação do Programa, definindo as áreas em que suas ações serão executadas, com base nas necessidades de seus discentes. Contudo, uma discussão surge quando se questiona se a gestão da AE nas universidades deve ficar a cargo restritamente dos reitores e pró-reitores da área.
Na literatura encontram-se alguns argumentos que destacam a importância da participação estudantil na gestão da assistência ao estudante nas IFES. Segundo Nascimento e Arcoverde (2012)NASCIMENTO, C. M.; ARCOVERDE, A. C. B. O serviço social na assistência estudantil: reflexões acerca da dimensão político-pedagógica da profissão. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlância: UFU-PROEX, 2012. p. 167-79., a construção de uma política de AE, comprometida com a perspectiva da universalidade, requer sua consonância com as reais necessidades dos estudantes, o que exige o envolvimento desses sujeitos no planejamento e avaliação dessa política. As autoras consideram que é necessário para o desenvolvimento de uma política efetiva trabalhar junto aos estudantes/usuários a proposta de elaboração de uma AE que esteja, de fato, comprometida com os interesses de seu público-alvo. Nesta mesma direção, Oliveira e Vargas (2012)OLIVEIRA, S. B.; VARGAS, M. W. A assistência estudantil como espaço privilegiado de educação para os direitos. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlância: UFU-PROEX, 2012. defendem que os discentes sejam não apenas o público-alvo da AE, mas também sujeitos participativos que possam contribuir no seu planejamento e na elaboração dos programas e ações nesse campo, atuando de forma ativa e conjunta com as Pró-Reitorias tornando-se, assim, propositores de novas alternativas em AE.
A luta por uma maior participação estudantil na dimensão administrativa das universidades não é algo recente. Já em 1962 havia a exigência de participação dos estudantes, com direito a voto, nos órgãos colegiados de administração da universidade, reivindicada na base de um terço, o que conduziu a famosa greve do um terço, greve geral nacional decretada pela UNE que paralisou a maior parte das 40 universidades brasileiras da época (POERNER, 2004POERNER, A. J. O poder jovem: história da participação política dos estudantes brasileiros. 5. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Booklink, 2004.). O movimento não terminou com êxito e a discussão ainda se faz presente na atualidade. No que diz respeito à política de AE desenvolvida nas IFES no atual cenário do Ensino Superior público do Brasil, a UNE, na Carta de Ouro Preto – documento resultado do III Seminário Nacional de Assistência Estudantil da UNE, ocorrido em Belo Horizonte, em 2014 –, questiona a falta de uma maior participação e controle social, democracia e transparência na implementação da AE nas universidades. Nesse documento, os estudantes reivindicam uma maior participação da categoria, a partir da criação de instrumentos que possibilitem aos discentes participarem paritariamente da elaboração e das decisões acerca da AE organizada em suas Instituições de ensino.
Além dos estudantes, Leite (2008)LEITE, J. L. Política de assistência estudantil: entre o direito e o favor. Universidade e Sociedade, v. 27, n. 41, p. 165-73, 2008. também aponta que é necessário integrar na formulação da política de AE os docentes e servidores técnico-administrativos. Na atualização do Plano Nacional de AE publicado pelo Fonaprace em 2007, destaca-se que a elaboração e implementação de programas e ações de assistência ao estudante nas IFES são resultados do trabalho integrado de profissionais em atuação nas mais diversas áreas do conhecimento, tais como assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, pedagogos, dentre outros. No documento considera-se fundamental a garantia de equipes multidisciplinares e interdisciplinares que tenham como atribuição a construção e execução dos programas de AE envolvendo, dentre outros aspectos, avaliações de cunho social e econômico. Na prática, contudo, essa participação pode se restringir apenas à operacionalização dos programas. Um exemplo é o que Nascimento e Arcoverde (2012)NASCIMENTO, C. M.; ARCOVERDE, A. C. B. O serviço social na assistência estudantil: reflexões acerca da dimensão político-pedagógica da profissão. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista Comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlância: UFU-PROEX, 2012. p. 167-79. apontam acerca do Serviço social, chamando atenção para que sua prática profissional nesse contexto não se restrinja à burocracia do processo seletivo dos programas desenvolvido, realizando apenas preenchimentos de fichas, conferência de documentos, declarações, entrevistas e avaliações socioeconômicas. Magalhães (2012)MAGALHÃES, R. P. Desigualdade, pobreza e educação superior no Brasil. In: FÓRUM NACIONAL DE PRÓ-REITORES DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS E ESTUDANTIS – Fonaprace. Revista comemorativa 25 anos: histórias, memórias e múltiplos olhares. Uberlândia: UFU- PROEX, 2012. p. 88-97. destaca que os profissionais envolvidos com a AE podem contribuir para a formulação, implementação, execução e avaliação dessa política social no âmbito da Educação Superior.
Diante do exposto, vê-se que a gestão da AE nas IFES pode ser concebida de uma maneira mais centralizada, restrita a atuação dos pró-reitores da área nas universidades, ou mais democrática, contando com a participação de estudantes e técnicos-administrativos, os quais podem trazer suas contribuições para o desenvolvimento de uma AE mais comprometida com as realidades de seu público-alvo, possibilitando reflexões a partir do olhar de demandante/usuário e também de profissional que traz conhecimentos específicos, viabilizando a construção de uma política de AE mais abrangente no que se refere à elaboração de projetos e ações nas diversas áreas estratégicas definidas pelo Pnaes e mais democrática em sua elaboração e execução.
4 Considerações finais
O processo de construção da política de AE no Brasil conduziu à elaboração de concepções diversas de assistência ao estudante no âmbito da Educação Superior. Os diferentes contextos sociopolíticos e atores sociais respectivamente nos quais e partir dos quais se desenvolveram as discussões em torno do tema favoreceram a emergência dessas múltiplas conceituações, tornando inviável uma definição consensual de Assistência Estudantil. Nas discussões e debates que vão se desenvolvendo acerca dessa temática, essas concepções vão se colocando em disputa em alguns aspectos visando à proposição de uma assistência ideal no espaço universitário, revelando, assim, os múltiplos olhares a partir dos quais se concebe a assistência ao estudante.
Desse modo, disputam-se concepções de uma AE mais restrita ou mais abrangente, que abarque um público-alvo numa perspectiva mais seletiva ou mais universal; que desenvolva ações numa abordagem mais ampla e universalizante ou mais estreita, voltada para o provimento das necessidades básicas de um grupo de estudantes tido como em situação de vulnerabilidade socioeconômica; que admita uma gestão mais centralizada, sob responsabilidade restrita dos pró-reitores da área, ou mais democrática, aberta à participação da comunidade acadêmica de um modo mais geral.
Esses diferentes posicionamentos configuram-se como expressões de projetos político-ideológicos distintos, que delineiam diferentes visões de sociedade, cidadão e papel do Estado, constituindo os fundamentos da construção de concepções de política educacional e de AE específicas. Assim, essa multiplicidade de olhares revela, sobretudo, uma disputa de propostas políticas que vão dando contornos distintos à discussão em torno da AE, estabelecendo-se os pares de oposição em termos conceituais aqui discutidos.
Desse modo, os diferentes projetos político-ideológicos e interesses dos atores sociais envolvidos com essa política, entre os quais se destacam os estudantes, os gestores das IFES e o Estado, vão favorecer o desenvolvimento ou escolha de uma determinada concepção, determinando, desse modo, os rumos da construção dessa política, sua operacionalização e implementação no âmbito das Instituições de Ensino Superior. Diante desse jogo social, é preciso atentar para o novo cenário político-econômico em que se encontra o país, sob a gestão do Governo interino. Esse certamente será um importante campo de batalha entre esses atores para que se garanta a continuidade e expansão da política de AE no espaço universitário, já conquistada através de históricas lutas. Mais do que nunca, é importante que se mantenha a resistência de entidades como a UNE e o Fonaprace diante da ofensiva que se levanta contra as universidades, e consequentemente contra a AE, lutando para garantir que o Pnaes se efetive enquanto política de Estado, e não de Governo, a fim de afastar o risco sempre presente de retração ou mesmo extinção desse importante Programa para uma efetiva democratização da Educação Superior.
Sendo assim, torna-se imprescindível que se amplie a discussão acerca desse debate para que se firme uma política de AE realmente comprometida com os reais interesses e necessidades estudantis, na perspectiva do direito social, valorizando-se em sua construção princípios democráticos a fim de se alcançar uma política realmente eficaz.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2017
Histórico
-
Recebido
20 Out 2015 -
Aceito
08 Set 2016