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Moral da história?

The moral animal: the new science of evolutionary psychology

Moral da história?

O Animal Moral. Por que somos como somos:

A nova ciência da psicologia evolucionista,

de Robert Wright 1 1 O Animal Moral. Por que somos como somos: A nova ciência da psicologia evolucionista, de Robert Wright. (São Paulo: Editora Campus, 1996, ISBN 853520040-1, 460 páginas, R$39,90) (Tradução do original The moral animal: The new science of Evolutionary Psychology, Pantheon Books, 1994).

Rosana Suemi Tokumaru

Universidade de São Paulo

A perspectiva evolucionista tem auxiliado em muito oestudo do comportamento. Tem sido aclamada como quadro teórico de grande força explicativa. Porém, isto só é verdade quando se trata do comportamento de animais não humanos. Quando se trata do comportamento humano, tudo muda de figura, e esta mesma perspectiva passa a ser vista, no mínimo, como reducionista. Bem, segundo Robert Wright, até mesmo este comportamento, ou seja, o de não considerar a perspectiva evolucionista no estudo do comportamento humano, pode ser explicado. Adivinhe por que meio? Dada essa mesma perspectiva. Basta considerar toda a capacidade de auto ilusão inerente ao modo pelo qual o ser humano se vê. Capacidade esta que teria sido altamente recompensada, do ponto de vista evolutivo, já que dependemos de nos iludir para que possamos iludir a outros e, assim, galgar posições sociais mais elevadas, melhores parceiros sexuais e alianças políticas duradouras.

Basicamente este é o teor da Psicologia Evolucionista que nos é apresentada por Wright. Uma ciência nova (ou nem tanto) que tenta compreender a função das motivações humanas, ou como elas foram selecionadas por servirem de "carrascos da evolução" (p. 66), levando a cabo os desígnios para os quais as adaptações existem. O autor, em um trabalho de convencimento, tenta colocar as ações humanas em termos de suas motivações mais básicas, e as motivações como produtos da seleção. No entanto, se em linhas gerais o trabalho de convencimento é bem sucedido, por outro, mantém-se a sensação de reducionismo quando há tentativas de exemplificar a teoria. Por exemplo: "Forçados a crer em um professor universitário ou em um professor do primário (...) normalmente escolhemos o primeiro. (...) tal escolha é apenas outro derivado arbitrário da evolução - um respeito reflexivo pela posição social." (p. 258). Desta forma, o autor, em boa parte das vezes, cai na tentação do exemplo fácil e perde em credibilidade.

Por outro lado, impressiona a maestria com a qual é apresentada a vasta, porém confusa literatura sobre o comportamento humano. Cada ponto de vista é sustentado pela apresentação de trabalhos não apenas de cunho evolucionista, mas também da Antropologia e Sociologia tradicionais e Psicologia Behaviorista, uma boa maneira de corroborar as idéias apresentadas.

O autor ainda intercala a exposição teórica com o relato da vida de Darwin, interpretando-a segundo a perspectiva evolucionista. O momento de seu casamento, o choro pela morte de sua filha e a ausência de choro pela morte de seu filho, o atraso na publicação de A origem das espécies e muitos outros fatos são contados de forma histórica e interessante - e "explicados" em função das motivações intrinsecamente humanas.

A própria divisão do livro é reflexo de como as motivações podem ter surgido hierarquicamente, dependentes das já existentes. Na primeira parte, o assunto é a motivação básica de todos os seres vivos: a reprodução. O autor trata das diferenças de gênero partindo dos animais não humanos e apresentando o tipo de análise que será a viga mestra por todo o livro - os paradigmas da Ecologia Evolutiva. Os problemas das diferenças individuais de comportamento são vistos como estratégias que consideram custos e benefícios. São apresentados tópicos importantes como a seleção sexual e o investimento parental diferencial.

Tendo tratado da origem do "amor" (a partir do investimento parental), o autor lida, na segunda parte do livro, com as relações sociais mais imediatas, como a família e os amigos e, portanto, com tópicos como altruísmo recíproco e aptidão inclusiva. E, na terceira parte, com as relações sociais abrangentes e, portanto, com a formação de hierarquias sociais.

A quarta e última parte do livro - Morais da história - poderia ser um livro à parte. O autor, que já vinha entremeando a explicação da história evolutiva humana com a exposição de valores morais, passa a focalizar exclusivamente este tópico. Porém, o foco não vai ao encontro do que o leitor mais atento esperaria: a dissecação dos valores morais vigentes do ponto de vista de como eles poderiam servir ao aumento de aptidão. Acreditem ou não, o autor passa, explicitamente, a propor um código moral. Ele parte do princípio de que, já que o processo de seleção natural age selecionando traços intrinsecamente egoístas, ainda que aparentemente altruístas, devemos então considerar a natureza humana um "inimigo" e, conscientemente, propormo-nos a ser bons com os nossos semelhantes. Estas idéias certamente não são novas. Nem a idéia da natureza humana má, nem a idéia de que devemos ser bons com nossos semelhantes. O próprio autor cita desde Jesus Cristo até Bhagavad Gita. Também não há, com certeza, nenhum tipo de censura que se possa fazer a alguém por querer propor formas de conduta ou códigos morais. Porém, a surpresa é o contra-senso entre a clareza e lucidez com a qual o autor desvenda o processo de seleção natural, e suas implicações para assuntos polêmicos como consciência e livre arbítrio, e sua extrema ingenuidade ao propor que os mesmos seres humanos que, segundo a teoria são joguetes nas mãos da natureza (e o autor é sábio o suficiente para envolver o meio ambiente nesta natureza), possam dar-se ao luxo de escolher e seguir o caminho do utilitarismo.

O livro se encerra com alguns problemas que o evolucionista pode enfrentar ao tentar explicar, do ponto de vista da seleção natural: o homossexualismo, o suicídio, e outros. Porém, o maior enigma é explicar, deste mesmo ponto de vista, como o autor pode acreditar que sua proposta será, algum dia viável.

Agradecimentos

Agradeço a Emma Otta (USP) e Rogério F. Guerra (UFSC) pela atenciosa leitura crítica desta resenha.

Rosana Suemi Tokumaru é doutoranda em Psicologia Experimental, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Endereço para correspondência: Av. Prof. Mello Moraes, 1721, Cidade Universitária, Butantã, São Paulo, SP. CEP 05508-900 Telefone: (011) 818-4444, ramal 228. Fax: (011) 818-4357. E-mail: tokumaru@usp.br.

Nota

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    O Animal Moral. Por que somos como somos: A nova ciência da psicologia evolucionista, de Robert Wright. (São Paulo: Editora Campus, 1996, ISBN 853520040-1, 460 páginas, R$39,90) (Tradução do original
    The moral animal: The new science of Evolutionary Psychology, Pantheon Books, 1994).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Maio 2001
    • Data do Fascículo
      Jun 1997
    Programa de Pós-graduação em Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicobiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte Caixa Postal 1622, 59078-970 Natal RN Brazil, Tel.: +55 84 3342-2236(5) - Natal - RN - Brazil
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