Acessibilidade / Reportar erro

Desenvolvimento bem-sucedido com esclerose múltipla: um ensaio em psicologia positiva

Successful development with multiple sclerosis: an essay in positive psychology

Resumos

A natureza crônica e progressivamente incapacitante de muitas enfermidades neurológicas, tais como a esclerose múltipla, constitui um desafio para a reabilitação. Uma abordagem que objetive apenas a restituição funcional corre o risco de fracassar, impondo uma carga de sofrimento adicional ao portador. As abordagens compensatórias têm se demonstrado eficazes no intuito de capacitar os portadores de doenças crônicas a enfrentar suas dificuldades cotidianas a curto-prazo e planejar o seu curso de vida a longo-prazo, aumentando assim o senso de controle e autonomia e melhorando a qualidade de vida. A abordagem compensatória impõe o estabelecimento de uma agenda positiva. Neste ensaio nós estabelecemos um paralelo entre a adaptação psicossocial à esclerose múltipla e os processos observados no desenvolvimento psicológico adulto. São notadas tanto semelhanças quanto diferenças. Algumas possibilidades são exploradas, que os modelos derivados do estudo do desenvolvimento bem-sucedido na idade adulta e velhice oferecem para o estabelecimento de uma agenda positiva para os portadores de esclerose múltipla.

esclerose múltipla; desenvolvimento bem-sucedido; psicologia positiva; adaptação psicossocial


The chronic and progressively incapacitating nature of many neurological illnesses, such as multiple sclerosis, poses major challenges to the rehabilitative efforts. Approaches based solely on the pursuit of functional restitution incur the risk of failure and additional distress to the sufferers. Compensatory approaches have been consistently shown effective in the empowerment of individuals both to cope with daily life in the short run and to plan their life courses in the long run, thus regaining control and autonomy and improving well being. Compensation requires the establishment of a positive agenda. In this essay we establish a parallel between the processes of psychosocial adaptation to multiple sclerosis and normal adult development. Both similarities and differences are noted. We try to explore some perspectives derived from research models designed to study successful adult development in order to establish a positive agenda for individuals with multiple sclerosis.

multiple sclerosis; successful development; positive psychology; psychosocial adaptation


ARTIGOS

Desenvolvimento bem-sucedido com esclerose múltipla: um ensaio em psicologia positiva

Successful development with multiple sclerosis: an essay in positive psychology

Vitor Geraldi HaaseI; Shirley Silva LacerdaII; Eduardo de Paula LimaIII; Marco Aurélio Lana-PeixotoI

IUniversidade Federal de Minas Gerais

IIHospital Albert Einstein, São Paulo

IIIFaculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis de Divinópolis

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Departamento de Psicologia Universidade Federal de Minas Gerais – FAFICH Avenida Antonio Carlos, 6627, sala F4060 Belo Horizonte, MG CEP 32700-901 E-mail: haase@fafich.ufmg.br

RESUMO

A natureza crônica e progressivamente incapacitante de muitas enfermidades neurológicas, tais como a esclerose múltipla, constitui um desafio para a reabilitação. Uma abordagem que objetive apenas a restituição funcional corre o risco de fracassar, impondo uma carga de sofrimento adicional ao portador. As abordagens compensatórias têm se demonstrado eficazes no intuito de capacitar os portadores de doenças crônicas a enfrentar suas dificuldades cotidianas a curto-prazo e planejar o seu curso de vida a longo-prazo, aumentando assim o senso de controle e autonomia e melhorando a qualidade de vida. A abordagem compensatória impõe o estabelecimento de uma agenda positiva. Neste ensaio nós estabelecemos um paralelo entre a adaptação psicossocial à esclerose múltipla e os processos observados no desenvolvimento psicológico adulto. São notadas tanto semelhanças quanto diferenças. Algumas possibilidades são exploradas, que os modelos derivados do estudo do desenvolvimento bem-sucedido na idade adulta e velhice oferecem para o estabelecimento de uma agenda positiva para os portadores de esclerose múltipla.

Palavras-chave: esclerose múltipla; desenvolvimento bem-sucedido; psicologia positiva; adaptação psicossocial

ABSTRACT

The chronic and progressively incapacitating nature of many neurological illnesses, such as multiple sclerosis, poses major challenges to the rehabilitative efforts. Approaches based solely on the pursuit of functional restitution incur the risk of failure and additional distress to the sufferers. Compensatory approaches have been consistently shown effective in the empowerment of individuals both to cope with daily life in the short run and to plan their life courses in the long run, thus regaining control and autonomy and improving well being. Compensation requires the establishment of a positive agenda. In this essay we establish a parallel between the processes of psychosocial adaptation to multiple sclerosis and normal adult development. Both similarities and differences are noted. We try to explore some perspectives derived from research models designed to study successful adult development in order to establish a positive agenda for individuals with multiple sclerosis.

Keywords: multiple sclerosis; successful development; positive psychology; psychosocial adaptation

São as nossas escolhas, Harry, que revelam o que realmente somos, muito mais do que as nossas qualidades.

(J. K. Rowling)

Apesar dos diversos avanços da medicina, tais como os métodos computadorizados de neuroimagem baseados em ressonância magnética (Comi, Rovaris, & Filippi, 2000) e os tratamentos modificadores do curso da doença (Tilbery, Moreira, Mendes, Lana-Peixoto, & Brazilian Committee for Treatment and Research in Multiple Sclerosis, 2000) introduzidos nas duas últimas décadas, permanece inalterado o fato de que a maioria das doenças neurológicas, tais como a esclerose múltipla, se reveste de um caráter crônico e progressivamente incapacitante. A reabilitação de doenças neurológicas crônicas e progressivamente incapacitantes tem se colocado como um dos maiores desafios para a neurologia e a psicologia contemporâneas (Thompson, 2000). Uma abordagem que objetive apenas a restituição funcional corre o risco de fracassar, impondo uma carga de sofrimento adicional ao portador. As abordagens compensatórias têm, por outro lado, se demonstrado eficazes no intuito de capacitar os portadores de doenças crônicas a enfrentar suas dificuldades cotidianas a curto-prazo e planejar o seu curso de vida a longo-prazo, aumentando assim o senso de controle e autonomia e melhorando a qualidade de vida (Jonsson, Korfitzen, Hetberg, Ravnborg, & Byskov-Ottosen, 1993; Schwarz, 1999).

A abordagem compensatória impõe, entretanto, o estabelecimento de uma agenda positiva. O cliente precisa ser trabalhado do ponto de vista motivacional, adquirindo insight sobre suas incapacidades e convencendo-se de que o investimento de tempo, energia e afeto serão recompensados (Gauggel, Konrad, & Wietasch, 1998). Tanto observações empíricas (Albrecth & Devlieger, 1999; Folkman, 1997), quanto tomadas filosóficas de posição (Seligman & Csikzsentmihalyi, 2000) vêm salientando o papel que os estados psicológicos positivos desempenham na manutenção, promoção e recuperação da saúde e do bem-estar. Representativo desta tendência é o fato de que o primeiro número do periódico American Psychologist no ano 2000 foi dedicado ao tema psicologia positiva (Seligman & Csikzsentmihalyi, 2000). Nas áreas de enfermagem e medicina ocorrem também esforços concordantes no sentido de enfocar o tratamento das doenças neurológicas crônicas a partir de uma perspectiva de promoção da saúde (Krupp, 2000; Stuifbergen & Rogers, 1997). Neste ensaio nós estabelecemos um paralelo entre a adaptação psicossocial à esclerose múltipla e os processos observados no desenvolvimento psicológico adulto. Registramos e analisamos tanto semelhanças quanto diferenças e exploramos algumas possibilidades oferecidas pelos modelos derivados do estudo do desenvolvimento bem-sucedido na idade adulta e velhice para o estabelecimento de uma agenda positiva para os portadores de esclerose múltipla.

Desenvolvimento psicológico e a adaptação psicossocial

O desenvolvimento psicológico não termina com a entrada na idade adulta, mas se prolonga durante a idade adulta até a maturidade e a velhice (Baltes, 1987; Neri, 1995). Apesar de a incidência de transtornos psiquiátricos, como por exemplo, a depressão ser mais freqüente na esclerose múltipla do que em outras enfermidades neurológicas crônicas incapacitantes, os dados de pesquisa indicam que apenas cerca de 1/3 dos portadores de esclerose múltipla apresentam comprometimento severo da sua qualidade de vida sob forma de sofrimento psíquico intenso (Andrade et al., 1999, 2000; Lana-Peixoto, Cascaes, Lacerda, Lima, & Haase, 2001). Os dados sobre adaptação psicossocial à esclerose múltipla indicam portanto, que dentro de certos limites e, considerando as circunstâncias, é possível manter o bem-estar e continuar se desenvolvendo pessoalmente – apesar da esclerose múltipla ou com a esclerose múltipla. Em alguns casos, os níveis de bem-estar podem até mesmo aumentar com o passar dos anos, mesmo face ao acúmulo progressivo de incapacidades (Roberts & Stuifbergen, 1998).

Diversas adaptações são necessárias para continuar se desenvolvendo com a esclerose múltipla. Adaptações estas que podem, em grande parte, ser concebidas como uma mudança nos envolvimentos: mudanças de crenças e atitudes, de valores, prioridades e critérios (Sprangers & Schwartz, 1999). Uma mudança nos envolvimentos também ocorre normalmente no processo de desenvolvimento na idade adulta (Daltroy, Larson, Eaton, Phillips, & Liang, 1999). A adaptação psicossocial à esclerose múltipla guarda alguns paralelos com o desenvolvimento psicológico adulto. O paralelo entre a adaptação psicossocial à esclerose múltipla e o desenvolvimento psicológico adulto comporta tanto semelhanças quanto diferenças (ver Tabela 1).

Uma das principais diferenças é que a esclerose múltipla é uma doença que compromete preferencialmente indivíduos jovens. A base imunopatológica do comprometimento cerebral na esclerose múltipla é bastante distinta, tanto daquela observada no envelhecimento normal, quanto nas doenças neurológicas crônicas associadas ao envelhecimento (Fernández, 2000). Como a esclerose múltipla se inicia geralmente entre os 20 e os 40 anos de idade, com o pico de incidência situado ao redor dos 30 anos, e como a esclerose múltipla não reduz drasticamente a expectativa de vida, o indivíduo se vê forçado a deixar em segundo plano as tarefas do desenvolvimento próprias à sua faixa etária e precisa lidar com tarefas que são mais características de fases posteriores do desenvolvimento adulto.

Se o paralelo entre a adaptação psicossocial à esclerose múltipla e o processo de desenvolvimento adulto tiver valor heurístico, então os resultados de pesquisa sobre o desenvolvimento adulto e envelhecimento bem-sucedido podem ajudar a resolver a questão: como continuar se desenvolvendo com a esclerose múltipla?

Desenvolvimento humano e esclerose múltipla

O desenvolvimento humano é concebido como um processo complexo que pode ser caracterizado pela multidirecionalidade (Baltes, 1987; Neri, 1995). Multidirecionalidade significa que, desde a concepção, o desenvolvimento é caracterizado pela ocorrência conjunta de aumento (ganhos), diminuição (perdas) e manutenção (estabilidade) da capacidade adaptativa. Multidimensionalidade significa que existem trajetórias evolutivas diversas para cada uma das funções específicas, características dos diversos domínios de funcionamento. Em cada uma das fases da vida existe um equilíbrio global entre ganhos e perdas, considerando todos os domínios (Baltes, 1987).

Uma boa metáfora para descrever o desenvolvimento humano é a de um leque que se abre no momento da concepção. O número de gomos abertos representa as oportunidades ou trajetórias evolutivas que se oferecem ao indivíduo. O ângulo descrito pelo leque ao se abrir representa as realizações do indivíduo ao longo da sua vida, ou seja, descreve o arco da vida. O grau de abertura do leque é determinado tanto por fatores genéticos quanto ambientais. Um exemplo de fator genético é o potencial intelectual. Os fatores ambientais dizem respeito às oportunidades sócio-culturais oferecidas.

O desenvolvimento é concebido como um fenômeno epigenético, ou seja, que ocorre após a fixação das características genéticas, as quais, para se realizarem, necessitam interagir com o ambiente. O produto final do desenvolvimento é, portanto, um amálgama. O fenótipo, somático ou comportamental, é o resultado da interação entre o genótipo e o ambiente. Os fatores genéticos e ambientais que operam sobre o desenvolvimento podem ser entendidos como fontes de restrição à abertura do leque.

A esclerose múltipla, quanto à sua etiologia, representa muito bem um fenômeno epigenético (Fernández, 2000), onde um fator genético (desconhecido) interage com um fator ambiental (também desconhecido) para causar uma doença neurológica crônica e incapacitante, que compromete preferencialmente adultos jovens e sem reduzir drasticamente a sua expectativa de vida.

Na perspectiva do desenvolvimento, a esclerose múltipla é uma fonte adicional e importante de restrições que acomete o indivíduo no momento em que existe uma expectativa normativa quanto à realização do seu potencial (Neugarten, 1979). A tese aqui defendida é que a esclerose múltipla representa uma fonte de restrições terríveis, mesmo assim ela não precisa representar um comprometimento irremediável do desenvolvimento. A multidimensionalidade do desenvolvimento garante a sua continuidade ainda que com esclerose múltipla, o que é atestado pelos dados de pesquisa e pelos depoimentos dos portadores (Stuifbergen, 1995). Muitos caminhos são cerceados, provavelmente aqueles mais habituais ou demograficamente mais corriqueiros. Outras trilhas do desenvolvimento permanecem abertas, outras possibilidades de desenvolvimento parecem até mesmo se descortinar apenas em função da doença.

Pode ser que a doença reduza drasticamente o número de opções evolutivas e que muito das trilhas restantes sejam bastante inusitadas. O desafio do portador de esclerose múltipla, que quer continuar a se desenvolver, é justamente avaliar suas possibilidades, considerando a sua história prévia e sua condição atual, seus pontos fortes e fracos e o contexto em que vive, de forma a poder escolher, entre as outras opções disponíveis, a que melhor permite realizar o seu potencial.

A avaliação neuropsicológica e as escolhas evolutivas

Atualmente, a avaliação neuropsicológica pode contribuir para uma análise de custo-benefício que subsidie as escolhas evolutivas do portador de esclerose múltipla (Schwartz & Rogers, 1994), ou seja, aquelas decisões de vida que o portador precisa tomar, de modo a otimizar seu bem-estar e desenvolvimento face às restrições impostas pela doença. A avaliação neuropsicológica está em boa posição para subsidiar a escolha, uma vez que compreende tanto aspectos cognitivos quanto comportamentais e psicossociais. É fundamental que, na interpretação dos achados neuropsicológicos, sejam consideradas a dimensão subjetiva e evolutiva da biografia da pessoa. O processo de tomada de decisão quanto aos rumos do desenvolvimento pode ser feito de maneira consciente ou não. A avaliação e o aconselhamento neuropsicológicos podem contribuir para tornar o processo mais consciente e eficaz.

Mesmo as pessoas que não são portadoras de esclerose múltipla ou outro handicap crônico precisam fazer escolhas evolutivas (Heckhausen & Schulz, 1995). A necessidade de opções se impõe pela própria natureza da vida. Ou seja, é impossível percorrer simultaneamente diversas trajetórias evolutivas. Alguma especialização se impõe e o grau de especialização requerido aumenta na medida em que cresce a complexidade cultural. Nas duas primeiras décadas da vida a abertura do leque é máxima. A criança e o adolescente trilham várias rotas simultaneamente. Os pais procuram colocar os filhos em bons colégios, propiciar aulas de música, dança, esporte, línguas estrangeiras, etc., na certeza de que quanto mais interesses seus filhos cultivarem mais sucesso evolutivo obterão no futuro. Até o fim da adolescência o desenvolvimento se processa, portanto, em domínios amplos.

A tragédia evolutiva das crianças-prodígio consiste, muitas vezes, na especialização precoce. A especialização precoce traz benefícios a curto prazo, tais como sucesso artístico ou esportivo. A especialização precoce impede, entretanto, que o indivíduo cultive interesses que lhe permitirão mudar os seus envolvimentos quando o desempenho nas trilhas inicialmente escolhidas começar a declinar.

Com o começo da vida adulta a especialização se torna inevitável. A perícia em qualquer área do desenvolvimento humano exige dedicação exclusiva e trabalho árduo, consumindo aproximadamente dez anos da vida de uma pessoa. No caso da esclerose múltipla, a especialização não se impõe como uma opção pessoal, mas como uma fatalidade. O portador se defronta, em primeiro lugar, com a necessidade de se tornar um perito na própria doença. Em segundo lugar se impõe a tarefa de discriminar quais trilhas do desenvolvimento permanecem abertas e quais conferem maior benefício a longo prazo, dadas as características e situação pessoal, familiar e social.

O self e as escolhas evolutivas

O tema das escolhas evolutivas remete a uma das principais formas de influência sobre o desenvolvimento, que é a experiência individual. Os resultados da pesquisa psicológica sugerem que não é tanto a natureza dos eventos em si (doença, morte, desemprego, ganhar na loteria, casar-se, etc.) que define os êxitos (stress, sofrimento, bem-estar, etc.), mas a interpretação subjetiva que o indivíduo elabora (Lazarus & Folkman, 1984; Seligman & Csikzsentmihalyi, 2000). A interpretação subjetiva ou experiência individual é o amálgama epigenético das características herdadas e experiências de aprendizagem, daquilo que o indivíduo tem feito e pode fazer com as situações de vida que se apresentam.

Do ponto de vista psicológico, o amálgama da experiência subjetiva é concebido como um construto denominado self, cuja fenomenologia básica foi descrita por James (1890/1989). Ou seja, a partir de um determinado momento da história do indivíduo, a integração entre fatores genéticos e ambientais passa a ser mediada pela interpretação do sujeito em um construto denominado self. O self abrange todas as dimensões da individualidade: física/comportamental, fisiológica, afetivo/emocional, motivacional, cognitiva, social, histórica, etc. O self é uma estrutura auto-regulatória, dotada de autonomia, intencionalidade e agentividade. O self é dotado de uma estrutura temporal. O self existe no momento presente, mas preserva, é construído a partir de e se refere constantemente ao seu passado. Simultaneamente, o self se projeta para o futuro, para a auto-realização, ou seja, para diferentes cenários que se apresentam como selves possíveis. Enquanto o indivíduo consegue descrever cenários futuros ou antever possíveis selves, melhores ou piores, o seu desenvolvimento ainda não acabou. Ele ainda não foi liquidado pelo fracasso, velhice ou doença. Ele ainda tem capacidade de fazer escolhas, de exercer controle sobre o curso do seu desenvolvimento pessoal.

O tema do controle e da autonomia é muito caro à psicologia de um modo geral (Seligman & Csikzsentmihalyi, 2000) e à psicologia do desenvolvimento em particular (Baltes & Silverberg, 1995; Heckhausen & Schulz, 1995). O que define o curso do desenvolvimento é, apenas em parte, o leque de opções oferecidas. Igualmente, ou mais importante são as opções que o indivíduo exerce. O exercício das opções caracteriza-se, por excelência a liberdade. O tema do livre-arbítrio remonta aos filósofos estóicos. Epitecto (ca 70-130dC) comentou, por exemplo, nos seus Discursos (Cap. XI) que "em uma palavra, nem a morte, nem o exílio, nem a dor, nem qualquer outra coisa desse tipo é a causa real do nosso fazer ou não fazer alguma ação, mas somente as nossas opiniões e princípios internos".

Para poder exercer sua liberdade de escolha, o self precisa ser dotado da capacidade de representar a si mesmo no momento presente, no passado e no futuro. O curso do desenvolvimento só pode ser planejado se o indivíduo é capaz de representar e regular o seu comportamento em função de cenários possíveis, em função daquilo que precisa fazer para evitar êxitos indesejáveis e atingir suas metas.

A capacidade auto-regulatória do self, de se projetar e se representar no futuro sob a forma de diferentes cenários evolutivos, bem como a capacidade de utilizar essas representações para se auto motivar e regular o curso do desenvolvimento, têm sido operacionalizadas em psicologia como crenças pessoais (Goldstein, 1995). O papel das crenças pessoais no desenvolvimento e na adaptação aos eventos de vida, tais como envelhecimento ou doenças, tem sido abordado a partir de dois enfoques principais: o controle percebido (Heckhausen & Schulz, 1995) e a auto-eficácia percebida (Bandura, 1977; 1989). Nós exploraremos com um pouco mais de detalhe a metáfora do controle, principalmente do controle sobre o curso da vida.

O controle percebido

O controle percebido é o grau em que o indivíduo acredita ter a vida sob seu controle pessoal (Baltes & Silverberg, 1995). Por um lado, o controle percebido é o resultado das experiências prévias do indivíduo e se expressa sob a forma de duas cognições: (a) "eu estou no comando dos comportamentos ou habilidades que produzem os resultados e as conseqüências exigidas pela situação"; (b) "o mundo em que vivo é contingente e eu estou lidando com um ambiente responsivo". Por outro lado, o controle percebido é um determinante de comportamentos subseqüentes, relacionados, por exemplo, à preservação ou recuperação do bem-estar ou saúde ou assegurar o desenvolvimento pessoal.

Os indivíduos diferem quanto às suas crenças de controle, mas as pessoas geralmente parecem desejá-lo (Rotter, 1975). Os seres humanos desejam produzir contingências comportamento-evento, e por isso exercem controle sobre o ambiente. Os seres humanos abominam as perdas em sua capacidade de produzir contingências comportamento-evento e experienciam afetos negativos ao anteciparem ou enfrentarem uma perda real de controle.

Segundo Rotter (1975), os indivíduos tendem a diferir quanto ao locus percebido de controle. Algumas pessoas tendem a acreditar que o locus de controle é interno. Acreditam que os resultados (bons ou maus) ocorrem em função de algo que fizeram ou deixaram de fazer. Essas pessoas se sentem responsáveis pelo que acontece com elas e tendem a assumir crédito pelos sucessos e a culpar-se pelos fracassos. Como resultado, os indivíduos com locus interno de controle tendem a procurar relações causais entre suas ações e eventos significativos de vida, tendendo a perceber mais estas relações.

Ainda segundo Rotter, as crenças de controle são características bastante estáveis e influenciam o que as pessoas sentem e fazem. As crenças de controle se originam da experiência individual, de características da personalidade interagindo com o ambiente. Um ambiente estruturado, contingente e responsivo tende a favorecer o desenvolvimento de responsabilidade pelas próprias ações, ou seja, de um locus interno de controle. Um ambiente desestruturado, não-contingente e não-responsivo ou francamente hostil ou negligente, tende a favorecer o desenvolvimento de um locus externo de controle.

Eventos normativos e não normativos e as crenças de controle

Além da história pregressa, as crenças de controle podem ser influenciadas pelos eventos de vida. Alguns eventos são normativos, tais como o envelhecimento, outros são não-normativos tais como a doença. A relação entre as crenças de controle e o enfrentamento dos eventos de vida é de mão-dupla. Por um lado, eventos de vida tais como envelhecimento e doença tendem a enfraquecer as crenças de controle. Por outro lado, as crenças de controle desempenham um importante papel na adaptação a eventos tais como o surgimento de uma doença crônica. Em linguagem técnica, as crenças de controle exercem um papel mediador na relação saúde-comportamento.

As interações entre a pessoa e o ambiente dão origem primariamente a dois tipos de resultados: experiências de sucesso e de fracasso (Heckhausen & Schulz, 1995). Os sucessos ajudam a manter os níveis já existentes de funcionamento e a desenvolver novas competências. As experiências de fracasso, por outro lado, podem comprometer potencialmente as competências já existentes. Tanto os sucessos quanto os fracassos são inerentes ao desenvolvimento. Os fracassos podem ser encarados como desafios e, quando adequadamente compensados, podem se transformar em experiências de sucesso. Heckhausen e Schulz consideram que as experiências de fracasso ou desafios ao desenvolvimento se originam de: (a) tarefas normativas do desenvolvimento, fracassos ou desafios vivenciados quando o indivíduo tenta expandir suas competências; (b) declínios específicos relacionados ao envelhecimento; (c) eventos negativos não-normativos.

O paradoxo do bem-estar ou paradoxo da felicidade é o dado empírico mais impressionante em psicologia da saúde e psicologia do desenvolvimento adulto (Albrecht & Devlieger, 1999; Deeg, Kardaun, & Fozard, 1996; Neri, 1993 Sprangers & Schwartz, 1999). De um modo geral, as pesquisas empíricas sobre o envelhecimento indicam, por exemplo, que cerca de dois terços dos idosos continuam relatando níveis de bem-estar da ordem de setenta e cinco por cento do máximo das escalas empregadas. Dados estes que são equivalentes aos observados em outras faixas etárias (Mayring, 2000).

Uma das observações mais consistentes sobre a qualidade de vida dos portadores de esclerose múltipla é a baixa correlação ou a ausência de correlação entre a qualidade de vida e o grau de incapacidade (Rao, Leo, Bernardin, & Unverzagt, 1991a; Rao et al., 1991b). Esses dados de pesquisa indicam, em primeiro lugar, que os mecanismos de adaptação psicossocial podem ser extraordinariamente eficazes. Em segundo lugar, esses dados sugerem uma mensagem otimista, ou seja, de que não existem limites de idade ou de incapacidade além dos quais as condições subjetivas de vida não possam ser modificadas.

A adaptação psicossocial pressupõe uma mudança nos envolvimentos do indivíduo (Sprangers & Schwartz, 1999). Do ponto de vista da teoria de controle há necessidade de buscar um novo equilíbrio entre os modos de controle exercidos pelo indivíduo (Heckhausen & Schulz, 1995). Uma das principais motivações humanas é a produção de contingências entre os próprios comportamentos e os eventos de vida, exercendo desta forma controle sobre o ambiente e sobre o próprio curso de desenvolvimento. Em grande parte, as pessoas criam ou constroem o ambiente onde vivem.

Controle primário vs. controle secundário

Segundo Heckhausen e Schulz (1995), duas são as modalidades de controle: o controle primário e controle secundário. O controle primário é dirigido para o mundo externo com o intuito de atingir efeitos no ambiente externo imediato do indivíduo. O controle primário é adaptativo quando o ambiente é contingente e quando o indivíduo consegue identificar e atuar sobre as causas do fenômeno que deseja modificar. O controle secundário, por sua vez, se direciona para o self e visa obter mudanças diretamente no interior do indivíduo. O controle secundário é adaptativo quando o ambiente não é contingente e/ou quando o indivíduo não consegue identificar e/ou atuar sobre as causas do evento a ser modificado. Heckhausen e Schulz consideram que o controle primário tem primazia sobre o controle secundário, uma vez que, sem ação sobre o ambiente externo o potencial de desenvolvimento do organismo não pode ser realizado. Mas essa primazia é relativa e depende das circunstâncias e da fase do ciclo vital em que o indivíduo se encontra.

A disponibilidade e uso das estratégias de controle mudam ao longo do curso da vida (Heckhausen & Schulz, 1995). Até a maturidade, quando os ganhos prevalecem sobre as perdas, desenvolvem-se a disponibilidade e o uso das duas estratégias de controle. A partir da maturidade, a disponibilidade/uso de estratégias de controle primário decai, enquanto a disponibilidade/uso de estratégias de controle secundário continua a aumentar.

Adaptação psicossocial: a aplicação do modelo do controle na esclerose múltipla

As especificidades da adaptação psicossocial à esclerose múltipla tornam inevitável uma ruptura ou descontinuidade no padrão de desenvolvimento e de uso de estratégias de controle observado ao longo da vida. Logo após o diagnóstico ou nas fases iniciais de evolução da doença, correspondentes à forma clínica remitente-recorrente, o portador de esclerose múltipla precisa lidar mais com a incerteza e com a ameaça de perdas do que com as perdas propriamente ditas (Antonak & Livneh, 1995). Como as contingências fogem totalmente ao controle primário do indivíduo, esse é um momento em que o controle secundário é o mais adaptativo (Antonak & Livneh, 1995, Sullivan, Mikail, & Weinshenker, 1997).

O aconselhamento neuropsicológico desempenha, portanto, um papel fundamental no início da doença, uma vez que pode ajudar o portador a compreender que tanto a doença quanto a adaptação à mesma são caracterizadas pela lógica da sua patogênese e curso clínico conseqüente (Kraft, Freal, & Coryell, 1986). Compreender a lógica da evolução da doença e da adaptação à doença ajuda o portador de esclerose múltipla a recuperar o senso de controle, uma vez que lhe permite discriminar melhor suas opções e exercer uma escolha mais planejada. As tentativas de exercer controle primário no início da doença podem resultar em fracasso e conseqüente frustração, desamparo, acentuação da sintomatologia depressiva, bem como da incapacidade funcional. O exercício do controle secundário, por outro lado, permite que o indivíduo mude os seus envolvimentos, se adaptando melhor, aceitando a doença e retomando seu desenvolvimento por trilhas alternativas. Mas, fundamentalmente, o exercício do controle secundário e a adaptação bem sucedida decorrente capacitam o indivíduo a enfrentar as incapacidades que podem começar a se acumular com a evolução da doença, uma vez que em muitos indivíduos a doença assume um curso secundário progressivo.

Além do controle secundário, nas formas progressivas ou incapacitantes de esclerose múltipla o controle primário volta a ser importante (Antonak & Livneh, 1995). O controle primário pode ser exercido sob a forma de comportamentos de promoção da saúde e prevenção de incapacidade extra (Stuifbergen & Rogers, 1997), como por exemplo, aderência ao tratamento, modificação do estilo de vida (hábitos regulares, dieta, fisioterapia, exercício aeróbico, etc.) e modificações no ambiente físico (por exemplo, ar condicionado) e social (aumento do envolvimento com outras pessoas, com a família, outros portadores, etc.). Além de aprender a identificar a estratégia mais adequada de controle, o indivíduo precisa aprender a discriminar se a estratégia está sendo empregada de modo verídico ou ilusório, funcional ou disfuncional (Heckhausen & Schulz, 1995).

Heckhausen e Schulz (1995) propuseram uma série de critérios para avaliar a adaptatividade dos processos de controle utilizados pelo indivíduo. O controle primário pode ser classificado de forma bidimensional em função de dois eixos: funcional-disfuncional e verídico-ilusório (vide Tabela 2). A inspeção da Tabela 2 sugere que não necessariamente é a veracidade dos mecanismos psicológicos que promove a adaptação ou funcionalidade, mas sim a sua adequação ao contexto. Uma linha muito influente de pesquisa tem contribuído com dados indicando que crenças ilusórias podem, sob certas circunstâncias, ser bastante adaptativas (Taylor, Keneny, Reed, Bower, & Gruenewald, 2000). Um exemplo de controle primário ilusório, porém funcional seria o caso de um indivíduo que, ao seguir estritamente um tratamento alternativo para o qual não existe eficácia comprovada acaba obtendo benefícios em função da série de atividades em que se engaja, aumentando assim o seu nível de reforçamento. Uma situação similar ocorreu no estudo sobre reabilitação neuropsicológica conduzido por Jonsson, Dock e Ravnborg (1996). O objetivo do estudo, que era melhorar o desempenho cognitivo dos portadores de esclerose múltipla não foi alcançado, mas os portadores referiram níveis comparativos mais satisfatórios de qualidade de vida no final do estudo.

Segundo Heckhausen e Schulz (1995), a análise da efetividade do controle secundário deve ser feita com base no seu papel de apoio ao controle primário (vide Tabela 3). É necessário, portanto, considerar uma terceira dimensão que diz respeito ao momento do ciclo accional em que os mecanismos de controle secundário atuam:

(a) expectativa de alcance da meta: as principais estratégias de controle secundário são vieses de expectativa (otimismo, pessimismo defensivo), ajustamento do nível de aspiração e seleção estratégica do grupo de referência social;

(b) avaliação dos resultados da ação: o valor do alcance das metas pode ser alterado ("as uvas estão verdes"), ou então pode ocorrer uma mudança na hierarquia de prioridades;

(c) atribuições causais dos resultados da ação: um exemplo são as atribuições enviesadas de resultados, tais como atribuições personalistas de sucesso ou fracasso.

Também no que se refere ao controle secundário, os dados de pesquisa indicam não apenas que a efetividade varia segundo a fase da doença, mas que as crenças ilusórias podem ser adaptativas. Antonak e Livneh (1995) estabelecem uma distinção, por exemplo, entre eventos estressantes traumáticos, tais como um traumatismo raque-medular, e eventos estressantes insidiosos e cronicamente progressivos. No caso de um evento traumático a adaptação se processa conforme um modelo de luto, em que o stress do indivíduo se volta para o passado, para a elaboração das perdas. No caso de eventos insidiosos e cronicamente incapacitantes, como a esclerose múltipla, o stress é mais voltado para o futuro. Nas fases iniciais da doença o portador de esclerose múltipla precisa lidar mais com a incerteza e com a possibilidade de perdas, do que com perdas reais. Antonak e Livneh argumentam, portanto que, conforme a fase da doença, ou seja, conforme aquilo que é dado ao indivíduo fazer para se adaptar, os mecanismos secundários podem ser mais adaptativos do que os mecanismos primários de controle. Já no estudo de Sullivan et al. (1997), os resultados indicam que os mecanismos ilusórios de controle secundário, tais como a negação ou evitação, podem ser os mais efetivos, dadas as circunstâncias que o portador enfrenta.

O desenvolvimento bem-sucedido com esclerose múltipla

A análise realizada até agora identificou o percurso evolutivo da disponibilidade e uso de estratégias de controle ao longo do curso normativo de vida, bem como as adaptações impostas pela esclerose múltipla e o modo de avaliar sua funcionalidade como mecanismo adaptativo. Mas a tese defendida não diz respeito apenas à possibilidade de adaptação psicossocial a uma doença crônica como a esclerose múltipla, mas principalmente à possibilidade de continuar se desenvolvendo com esclerose múltipla. O paralelo com o desenvolvimento adulto pode sugerir algumas respostas para a questão sobre como é possível o desenvolvimento bem-sucedido com esclerose múltipla. Para responder a essa questão, é necessário compreender como os indivíduos regulam o curso do seu desenvolvimento e como compensam os fracassos ou perdas (Heckhausen & Schulz, 1995). Baltes e Baltes sugeriram, há muitos anos, um modelo de desenvolvimento bem-sucedido na idade adulta e velhice (vide Staudinger, Marsiske, & Baltes, 1995). Segundo o modelo de desenvolvimento bem-sucedido, o curso do desenvolvimento pode ser regulado de três maneiras principais (vide Figura 1):

(a) seleção ou escolha da trajetória mais promissora: a escolha da trajetória precisa ser planejada de modo a garantir o desenvolvimento continuado por mais tempo. Trajetórias envolvendo participação social exigem relativamente pouco do ponto de vista de habilidades sensório-motoras e dão um retorno continuado e muito positivo quanto ao bem-estar da pessoa;

(b) otimização ou alocação de recursos para as metas evolutivas selecionadas: a estratégia de alocação de recursos precisa ser reanalisada. O objetivo de crescimento deve ser concentrado nas trajetórias evolutivas onde isto ainda é realista. Nos domínios do funcionamento onde há incapacitação, os objetivos passam a ser manutenção (atividade com o intuito de prevenir a incapacitação extra) e regulação das perdas (adaptação a um nível mais baixo de funcionamento);

(c) compensações: nos domínios do desenvolvimento em que as perdas foram maiores é mister compensá-las através das estratégias comportamentais adequadas. As compensações podem envolver tanto mudanças quantitativas, tais como o dispêndio de mais tempo e energia para conseguir realizar determinado comportamento, quanto qualitativas, tais como o desenvolvimento de habilidades substitutas latentes ou novas.


Uma das áreas que mais se prestam à aplicação do modelo de SOC de desenvolvimento bem-sucedido por seleção, otimização e compensação é o funcionamento cognitivo. O funcionamento cognitivo é um domínio em que existe também uma grande similaridade do ponto de vista comportamental entre a esclerose múltipla e o processo "normal" de desenvolvimento na idade adulta e velhice. Mega-projetos de pesquisa, tais como o estudo longitudinal de Seattle (Schaie, 1994), permitiram identificar um padrão de funções cognitivas preservadas e comprometidas ao longo da idade adulta. A interpretação dada por Baltes a estes dados sugere cursos evolutivos diferentes ao longo do ciclo vital para dois tipos de cognição: a inteligência mecânica ou fluída e a inteligência pragmática ou cristalizada (Baltes & Smith, 1995; Staudinger et al., 1995). O construto da inteligência mecânica se refere ao processamento básico de informação, o qual é independente de conteúdo, constitui-se em uma espécie de universal biológico e é fortemente influenciado por fatores genético-constitucionais. Exemplos típicos de funções ligadas à inteligência mecânica são a velocidade de processamento de informação, as funções executivas e a atenção controlada, bem como o resgate na memória episódica. A inteligência pragmática se refere, por outro lado, ao conhecimento de fatos e de procedimentos, que é dependente de conteúdo, contextualizado e dependente da cultura, tendo origem na experiência individual. Exemplos de inteligência pragmática incluem o vocabulário (memória semântica), as habilidades sociais e a capacidade de insight ou sabedoria. O modelo proposto por Baltes sugere que a inteligência mecânica já começa a declinar a partir dos 25 anos de idade, decaindo progressivamente à medida que o indivíduo envelhece. De outra parte, a inteligência pragmática não declina e, preenchidos determinados requisitos de personalidade e competência cognitiva, pode até mesmo haver acentuado crescimento na velhice, sob a forma de sabedoria. Pesquisas conduzidas por Salthouse (1996) indicam, por exemplo, que a lentificação no processamento de informação pode explicar mais de 90% da variância observada no envelhecimento cognitivo. A perda de velocidade de processamento informacional e as disfunções executivas a ela associadas, são, por outro lado, muito resistentes a modificações plásticas induzidas por treinamento (Wood et al., 2000). A fórmula do envelhecimento cognitivo bem-sucedido, conforme o modelo SOC, envolveria, portanto, a seleção e otimização de metas no domínio da inteligência pragmática e a compensação de declínios do domínio da inteligência mecânica.

Envelhecimento cognitivo normal e esclerose múltipla: similaridades e diferenças

Enquanto a base neuropatológica da esclerose múltipla constitui-se de um processo inflamatório imuno-mediado que, provavelmente, é adquirido antes dos 20 anos e se expressa na maioria das vezes antes dos 40 anos de idade (Fernández, 2000), o substrato neural do envelhecimento cognitivo normal envolve perdas da eficiência sináptica em circuitos fronto-subcórtico-frontais (West, 1996). Não deixa de ser surpreendente, portanto, que similaridades possam ser observadas entre o funcionamento cognitivo na esclerose múltipla e no envelhecimento normal. O padrão de funções cognitivas comprometidas e preservadas na esclerose múltipla tornou-se bem conhecido nas últimas décadas (Andrade et al., 1999; Rao et al., 1991a, Zakzanis, 2000). De um modo geral, os comprometimentos cognitivos são freqüentes na esclerose múltipla, comprometendo cerca de 50% dos portadores (Rao et al., 1991a). Por outro lado, os problemas cognitivos são de intensidade leve ou moderada. Apenas em 5% dos portadores de esclerose múltipla que apresentam comprometimento cognitivo, o transtorno é severo o suficiente a ponto de configurar uma síndrome demencial (Rao, 1996). Como no envelhecimento normal, a diminuição da velocidade de processamento é o mecanismo mais geral de comprometimento cognitivo na esclerose múltipla (Demaree, DeLuca, Gaudino, & Diamond, 1999). Os problemas com o funcionamento da memória episódica são os problemas mais comuns, ocorrendo já nas fases iniciais ou remitente-recorrente da doença, enquanto os problemas com funcionamento executivo (atenção e memória de trabalho) começam a aparecer na fase secundária progressiva (Zakzanis, 2000). Dentre as funções cognitivas preservadas na esclerose múltipla chamam a atenção o processamento lingüístico, a memória semântica, as habilidades sociais e a capacidade de insight ou de acumular experiência de vida (sabedoria).

Através do aconselhamento neuropsicológico, o portador de esclerose múltipla pode receber informações sobre o seu perfil de desempenho cognitivo e orientações sobre como realizar suas escolhas evolutivas de modo a considerar suas características pessoais e a sua situação atual, concentrando os seus esforços nas áreas em que o potencial de otimização é maior. Exemplos de trilhas evolutivas abertas dizem respeito, principalmente, mas não exclusivamente, às formas de auto-realização que envolvem a participação social, tais como participar de grupos de auto-ajuda, atividades religiosas e de promoção social, ou atividades relacionadas a causas políticas, inclusive à própria política da comunidade de esclerose múltipla e suas relações com o Estado e instituições de saúde, etc. Alguns dos depoimentos mais notáveis no sentido de exemplificar o sucesso pessoal vêm de portadores que têm dedicado sua vida a lutar pela causa da esclerose múltipla.

Finalizando, é preciso comentar uma das diferenças mais fundamentais no paralelo entre a adaptação à esclerose múltipla e desenvolvimento psicológico na idade adulta, que diz respeito aos fatores situacionais (Goldstein, 1995). Enquanto as semelhanças no que diz respeito ao grau de adaptação, às formas de controle empregadas ou ao perfil de funcionamento cognitivo são realmente muito grandes, as diferenças no que se refere aos fatores situacionais são maiores ainda. Nós vimos que o processo de adaptação e compensação exigido para continuar se desenvolvendo com esclerose múltipla recruta muito dos mecanismos que são utilizados pelos indivíduos da população em geral, à medida que vão amadurecendo. A principal diferença, entretanto, diz respeito ao fato de que o portador de esclerose múltipla precisa lidar com questões que não são normativas para sua faixa etária, para as quais não teve tempo de se preparar e para as quais não encontra comparações sociais apropriadas entre os seus pares. Não é surpreendente, portanto, que diversos autores tenham observado que um período especial de vulnerabilidade do portador de esclerose múltipla é constituído pelas fases iniciais da doença e/ou logo após o diagnóstico (Antonak & Livneh, 1995; Kraft et al., 1986; Roberts & Stuifbergen, 1998). Os resultados de pesquisa de Roberts e Stuifbergen sugerem, até mesmo, que com o passar do tempo os níveis de bem-estar vão aumentando, ao invés de diminuírem. Estes resultados sugerem que diversos fatores, tais como a possibilidade de realizar comparações sociais mais favoráveis com pessoas de mesma idade que não são portadoras de esclerose múltipla, mas que a partir de certo momento, exibem maior probabilidade de comprometimentos de saúde, ou mesmo aspectos do próprio curso do desenvolvimento, podem contribuir para restabelecer os níveis de funcionamento psicossocial.

Nós acreditamos que a tematização dos aspectos do desenvolvimento ligados à adaptação e sua contextualização no processo mais global de desenvolvimento adulto podem contribuir significativamente no processo de adaptação à vida com esclerose múltipla, principalmente se realizada precocemente no curso da enfermidade. É principalmente logo após o diagnóstico que a discussão dos processos de desenvolvimento adulto no âmbito das medidas psicoeducacionais, do suporte psicológico, do aconselhamento familiar e vocacional, bem como da participação em grupos de auto-ajuda, podem desempenhar um papel importante no sentido de orientar a pessoa a iniciar um processo de aprendizagem e adaptação como um modo de enfrentar esta doença cronicamente progressiva e continuar se desenvolvendo. O suporte psicológico e o aconselhamento familiar são importantes, dadas as dificuldades que muitas famílias apresentam para compreender a origem do sofrimento de uma pessoa que às vezes apresenta incapacidades físicas relativamente discretas. O reconhecimento do impacto ocupacional exercido pelos transtornos cognitivos, mesmo os leves a moderados, representa, por outro lado, um ponto importante de partida para um planejamento eficaz do curso futuro de desenvolvimento pessoal. É possível prever que os indivíduos que tenham aprendido, neste processo, a integrar as mudanças causadas pela doença no seu estilo de vida possam apresentar um autoconceito mais elevado e melhor qualidade de vida.

Recebido em 20.mar.02

Revisado em 09.fev.05

Aceito em 18.abr.05

Vitor Geraldi Haase, doutor em Biologia Humana pela Universidade de Munique (Alemanha), é professor adjunto no departamento de Psicologia e coordenador do Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal de Minas Gerais.

Shirley Silva Lacerda, graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, é neuropsicóloga no Hospital Albert Einstein, São Paulo.

Eduardo de Paula Lima, mestre em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal de Minas Gerais, é professor de neuropsicologia na Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis de Divinópolis.

Marco Aurélio Lana-Peixoto, doutor em Oftalmologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, é professor adjunto nos departamentos de Psiquiatria e Neurologia e de Oftalmologia e coordenador do Centro de Investigação em Esclerose Múltipla da Universidade Federal de Minas Gerais.

  • Albrecht, G. L., & Devlieger, P. J. (1999). The disability paradox: high quality of life against all odds. Social Science & Medicine, 48, 977-988.
  • Andrade, V. M., Adda, C. C., Vieria, V., Souza, A., Morais, P. R., Bueno, O. F. A., & Calegaro, D. (2000). Prevalência de ansiedade e de depressão em uma amostra de 54 pacientes portadores de esclerose múltipla: um estudo multicêntrico [Resumo]. Arquivos de neuropsiquiatria, 58, 234
  • Andrade, V. M., Bueno, O. F. A., Oliveira, M. G. M., Oliveira, A. S. B., Oliveira, E. M. L., & Miranda, M. C. (1999). Cognitive profile of patients with relapsing remitting multiple sclerosis. Arquivos de Neuropsiquiatria, 57, 775-783.
  • Antonak, R. F., & Livneh, H. (1995). Psychosocial adaptation to disability and its investigation among persons with multiple sclerosis. Social Science & Medicine, 44, 1099-1108.
  • Baltes, M. M., & Silverberg, S. (1995). A dinâmica dependência-autonomia no curso de vida. In A. L. Neri (Org.), Psicologia do envelhecimento (pp. 73-110). Campinas: Papirus.
  • Baltes, P. B., & Smith, J. (1995). Psicologia da sabedoria: origem e desenvolvimento In A. L. Neri (Org.), Psicologia do envelhecimento (pp. 41-72). Campinas: Papirus.
  • Bandura, A. (1977). Self-efficacy: toward a unifying theory of behavioral change. Psychological Review, 84, 191-215.
  • Bandura, A. (1989). Human agency in social cognitive theory. American Psychologist, 44, 1175-1184.
  • Comi, G., Rovaris, M., & Filippi, M. (2000). Evaluación patológica in vivo en la esclerosis múltiple: lugar que ocupán las técnicas de neuroimagen. Revista de Neurología, 30, 1218-1223.
  • Daltroy, L. H. Y., Larson, M. G., Eaton, H. M., Phillips, C. B., & Liang, M. H. (1999). Discrepancies between self-reported and observed physical function in the elderly: the influence of response shift and other factors. Social Science & Medicine, 48, 1549-1562.
  • Deeg, D. J. H., Kardaun, J. W. P. F., & Fozard, J. L. (1996). Health, behavior, and aging. In J. E. Birren & K. W. Schaie (Orgs.), Handbook of the psychology of aging (4Ş ed., pp. 129-149). San Diego: Academic.
  • Demaree, H. A., DeLuca, J., Gaudino, E. A., & Diamond, B. J. (1999). Speed of information processing as a key deficit in multiple sclerosis: implications for rehabilitation. Journal of Neurology, Neurosurgery, and Psychiatry, 67, 661-663.
  • Fernández, O. (2000). Factores genéticos y ambientales en la esclerosis múltiple. Revista de Neurología, 30, 964-967.
  • Folkman, S. (1997). Positive psychological states and coping with severe stress Social Science & Medicine, 45, 1207-1221.
  • Gauggel, S., Konrad, K., & Wietasch, A. K. (1998). Neuropsychologische Rehabilitation. Ein Kompetenz und Kompensationsprogramm Weinheim: Beltz/PVU.
  • Goldstein, L. L. (1995). Stress e coping na vida adulta e na velhice. In A. L. Neri (Org.), Psicologia do envelhecimento (pp. 145-158). Campinas: Papirus.
  • Heckhausen, J., & Schultz, R. (1995). Uma teoria do controle no curso de vida In A. L. Neri (Org.), Psicologia do envelhecimento (pp. 159-194). Campinas: Papirus.
  • James, W. (1989). Princípios de psicología México: Fondo de Cultura Económica. (Trabalho original de 1890)
  • Jonsson, A., Dock, J., & Ravnborg, M. H. (1996). Quality of life as a measure of rehabilitation outcome in patients with multiple sclerosis. Acta Neurologica Scandinavica, 93(4), 229-235.
  • Jonsson, A., Korfitzen, E. M., Hetberg, A., Ravnborg, H. M., & Byskov-Ottosen, E. (1993). Effects of neuropsychological treatment in patients with multiple sclerosis. Acta Neurologica Scandinavica, 88, 394-400.
  • Kraft, G. H., Freal, J. E., & Coryell, J. K. (1986). Disability, disease duration and rehabilitation service needs in multiple sclerosis: patients perspectives. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 67, 164-168.
  • Krupp, L. B. (2000). Management of persons with multiple sclerosis. In M.N. Ozer (Org.), Management of persons with chronic neurologic illness (pp. 199-212). Boston: Butterworth & Heinemann.
  • Lana-Peixoto, M. A., Cascaes, R., Lacerda, S. S., Lima, E. P., & Haase, V. G. (2001). Psychosocial functioning in multiple sclerosis: results from a Brazilian sample. Multiple Sclerosis, 7, Suppl. 2, S79.
  • Lazarus, R. S., & Folkman, S. (1984). Stress, appraisal, and coping Nova York: Springer.
  • Mayring, P. (2000). Pensionierung als Krise oder Gücksgewinn? Ergebnisse aus einer quantitativ-qualitativen Längsschnittuntersuchung. Zeitschrfit für Gerontologie und Geriatrie, 33, 124-133.
  • Neri, A. L. (1993). Qualidade de vida no adulto maduro: interpretações teóricas e evidências de pesquisa. In A. L. Neri (Org.), Qualidade de vida e idade madura (pp.7-55). Campinas: Papirus.
  • Neri, A. L. (1995). Psicologia do envelhecimento: uma área emergente. In A. L. Neri (Org.), Psicologia do envelhecimento (pp. 13-40). Campinas: Papirus.
  • Neugarten, B. L. (1979). Time, age, and the life cycle. American Journal of Psychiatry, 136, 887-894.
  • Rao, S. M. (1996). White matter disease and dementia. Brain & Cognition, 31, 250-268.
  • Rao, S. M., Leo, G. J., Bernardin, L., & Unverzagt, F. (1991a). Cognitive dysfunction in multiple sclerosis. I. Frequency, patterns, and predictions. Neurology, 41, 685-691.
  • Rao, S. M., Leo, G. J., Ellington, M. S., Nauertz, B. S., Bernardin, L., & Unverzagt, F. (1991b). Cognitive dysfunction in multiple sclerosis. II. Impact on employment and social functioning. Neurology, 41, 692-696.
  • Roberts, G., & Stuifbergen, A. K. (1998). Health appraisal models in multiple sclerosis. Social Sciences and Medicine, 47, 243-253.
  • Rotter, J. B. (1975). Some problems and misconceptions related to the construct of internal versus external control of reinforcement. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 43, 56-67.
  • Salthouse, T. A. (1996). The processing-speed theory of adult age differences in cognition. Psychological Bulletin, 103, 403-428.
  • Schaie, K. W. (1994). The course of adult intellectual development. American Psychologist, 49, 304-313.
  • Schwartz, C. E. (1999). Teaching coping skills enhances quality of life more than peer support: results of a randomized trial with multiple sclerosis patients. Health Psychology, 18, 211-220.
  • Schwartz, C. E., & Rogers, M. (1994). Designing a psychosocial intervention to teach coping flexibility. Rehabilitation Psychology, 39, 57-72.
  • Seligman, M. E. P., & Csikzsentmihalyi, M. (2000). Positive psychology: an introduction. American Psychologist, 55, 5-14.
  • Sprangers, M. A., & Schwartz, C. E. (1999). Integrating response shift into health-related quality of life research: a theoretical model. Social Science and Medicine, 48(11), 1507-1515.
  • Staudinger, U., Marsiske, M., & Baltes, P. (1995). Resiliência e níveis de capacidade de reserva na velhice: perspectiva da teoria de curso da vida In A. L. Neri (Org.), Psicologia do envelhecimento (pp. 195-228). Campinas: Papirus.
  • Stuifbergen, A. (1995). Health-promoting behaviors and quality of life among individuals with multiple sclerosis. Scholarly Inquiry for Nursing Practice, 9, 31-50.
  • Stuifbergen, A., & Rogers, S. (1997). Health promotion: an essential component of rehabilitation for persons with chronic disabling conditions. Advances in Nursing Sciences, 19, 1-20.
  • Sullivan, M. J. L, Mikail, S., & Weinshenker, B. (1997). Coping with a diagnosis of multiple sclerosis. Canadian Journal of Behavioural Science, 29, 249-257.
  • Taylor, S. E., Kemeny, M. E., Reed, G. M., Bower, J. E., & Gruenewald, T. (2000). Psychological resources, positive illusions, and health. American Psychologist, 55, 99-109.
  • Thompson, A. J. (2000). Neurological rehabilitation: from mechanisms to management. Journal of Neurology, Neurosurgery, and Psychiatry, 69, 718-722.
  • Tilbery, C. P., Moreira, M. A., Mendes, M. F., Lana-Peixoto, M. A., & Brazilian Committee for Treatment and Research in Multiple Sclerosis (2000). Recomendações quanto ao uso de drogas imunomoduladoras na esclerose múltipla. O consenso do BCTRIMS. Arquivos de Neuropsiquiatria, 58(3A), 769-776.
  • West, R. L. (1996). An application of prefrontal cortex function theory to cognitive aging. Psychological Bulletin, 120, 272-292.
  • Wood, G. M. O., Haase, V. G., Araujo, J. R., Lima, E. P., Scalioni, I. G., & Sampaio, J. R. (2000). Desenvolvimento cognitivo adulto: a avaliação e a reabilitação da capacidade de memória de trabalho. In V. G. Haase, R. Rothe-Neves, C. Käppler, M. L. M. Teodoro, & G. M. O. Wood (Orgs.), Psicologia do desenvolvimento: contribuições interdisciplinares (pp. 121-144). Belo Horizonte: Health.
  • Zakzanis, K. K. (2000). Distinct neurocognitive profiles in multiple sclerosis subtypes. Archives of Clinical Neuropsychology, 15, 115-136.
  • Endereço para correspondência:

    Departamento de Psicologia
    Universidade Federal de Minas Gerais – FAFICH
    Avenida Antonio Carlos, 6627, sala F4060
    Belo Horizonte, MG
    CEP 32700-901
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2005

    Histórico

    • Aceito
      18 Abr 2005
    • Revisado
      09 Fev 2005
    • Recebido
      20 Mar 2002
    Programa de Pós-graduação em Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicobiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte Caixa Postal 1622, 59078-970 Natal RN Brazil, Tel.: +55 84 3342-2236(5) - Natal - RN - Brazil
    E-mail: revpsi@cchla.ufrn.br