Acessibilidade / Reportar erro

Inventário Feminino dos Esquemas de Gênero do Autoconceito (IFEGA)

Feminine Inventory of the Self-Concept's Gender Schemas (IFEGA)

Resumos

O propósito deste artigo foi elaborar e validar o Inventário Feminino dos Esquemas de Gênero do Autoconceito (IFEGA). Composto por duas escalas (masculina e feminina), este instrumento avalia os esquemas masculino e feminino do autoconceito das mulheres. A amostra foi composta por estudantes universitárias do sexo feminino. Análises fatoriais foram realizadas para ambas as escalas (Principal Axis Factoring, com rotações oblíquas e ortogonais), assim como foram avaliados os índices de consistência interna dos fatores (Alfa de Cronbach) para que o instrumento fosse apropriadamente validado. Os resultados demonstraram que ambas as escalas são compostas por estruturas multifatoriais. Devidamente validado, o IFEGA pode ser utilizado para avaliar os esquemas masculino e feminino do autoconceito de indivíduos do sexo feminino.

autoconceito; esquema masculino; esquema feminino


The purpose of this article was to elaborate and validate the Feminine Inventory of the Self-Concept's Gender Schemas (IFEGA). Composed by two scales (masculine and feminine scales), this instrument evaluates female self-concept's gender schemas. The sample was composed by female university students. Factorial analysis for both scales (Principal Axis Factoring with oblique and orthogonal rotations) was performed, as well as the internal factors consistency analysis (Cronbach's Alpha), in order to validate the instrument. The results showed that IFEGA´s scales are composed by multifactorial structures. It can be stated that both scales may be used in the evaluation of the female self-concept's gender schemas.

self-concept; masculine schema; feminine schema


ARTIGOS

Inventário Feminino dos Esquemas de Gênero do Autoconceito (IFEGA)

Feminine Inventory of the Self-Concept's Gender Schemas (IFEGA)

Adriana GiavoniI; Álvaro TamayoII

IUniversidade Católica de Brasília

IIUniversidade de Brasília

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: SHIS QL 18 Conjunto 06 Casa 15; Lago Sul Brasília, DF; Brasil; CEP: 71.650-065 Fone: (61) 3366-4203 / (61) 3356-9233 / (61) 9215-9181 Email: adriana@pos.ucb.br

RESUMO

O propósito deste artigo foi elaborar e validar o Inventário Feminino dos Esquemas de Gênero do Autoconceito (IFEGA). Composto por duas escalas (masculina e feminina), este instrumento avalia os esquemas masculino e feminino do autoconceito das mulheres. A amostra foi composta por estudantes universitárias do sexo feminino. Análises fatoriais foram realizadas para ambas as escalas (Principal Axis Factoring, com rotações oblíquas e ortogonais), assim como foram avaliados os índices de consistência interna dos fatores (Alfa de Cronbach) para que o instrumento fosse apropriadamente validado. Os resultados demonstraram que ambas as escalas são compostas por estruturas multifatoriais. Devidamente validado, o IFEGA pode ser utilizado para avaliar os esquemas masculino e feminino do autoconceito de indivíduos do sexo feminino.

Palavras-chave: autoconceito; esquema masculino; esquema feminino

ABSTRACT

The purpose of this article was to elaborate and validate the Feminine Inventory of the Self-Concept's Gender Schemas (IFEGA). Composed by two scales (masculine and feminine scales), this instrument evaluates female self-concept's gender schemas. The sample was composed by female university students. Factorial analysis for both scales (Principal Axis Factoring with oblique and orthogonal rotations) was performed, as well as the internal factors consistency analysis (Cronbach's Alpha), in order to validate the instrument. The results showed that IFEGA´s scales are composed by multifactorial structures. It can be stated that both scales may be used in the evaluation of the female self-concept's gender schemas.

Keywords: self-concept; masculine schema; feminine schema

Para a psicologia cognitiva, esquema é um "agrupamento estruturado de conceitos, normalmente ele envolve conhecimentos genéricos e poderá ser utilizado para representar eventos, seqüências de eventos, preceitos, situações, relações e até mesmo objetos" (Eysenck & Keane, 1994, p. 245). O esquema funciona como uma lente que filtra as informações, assimilando, priorizando e organizando aqueles estímulos que sejam consistentes com a estrutura do esquema e evitando todo estímulo que não seja consistente com essa construção.

Aplicado ao processo de tipificação sexual, os esquemas permitiram postular a existência dos esquemas de gênero como estruturas que organizam e dão significado às percepções subjetivas baseadas no gênero. Duas teorias foram formuladas utilizando a concepção de esquemas de gênero: Teoria do Esquema de Gênero (Bem, 1981) e Teoria do Auto-Esquema (Markus, 1977).

Alicerçada sobre as teorias de aprendizagem social e do desenvolvimento cognitivo, a teoria do esquema de gênero postula que alguns indivíduos possuem uma "prontidão para assimilar e organizar informações – inclusive informações sobre o self – de acordo com as definições culturais de masculinidade e feminilidade" (Bem, 1982, p.1.193). Esta tendência em categorizar preferencialmente as informações como masculinas ou femininas evidenciaria a presença do esquema de gênero. Esses indivíduos são considerados esquemáticos em relação à masculinidade e à feminilidade, ao passo que indivíduos que não apresentam essa prontidão em categorizar informações como pertinentes ao gênero são considerados aesquemáticos.

Para a teoria do auto-esquema (Markus, 1977), entretanto, os esquemas de gênero são partes constitutivas do autoconceito, estando relacionados aos conceitos de masculinidade e feminilidade. Segundo esta teoria, o autoconceito é composto, dentre outros aspectos, por um conjunto de auto-esquemas relacionados ao gênero. Estes auto-esquemas seriam estruturas centrais, vinculados à identidade dos indivíduos. Ao serem estimulados, auto-esquemas relacionados à masculinidade associam-se formando uma rede de funcionamento perceptiva denominada de esquema masculino. De forma similar, auto-esquemas relacionados à feminilidade agrupam-se formando o esquema feminino. De acordo com a teoria do auto-esquema, pode-se encontrar desde indivíduos aesquemáticos em relação ao gênero até indivíduos esquemáticos portadores dos dois esquemas de gênero.

Dessa forma, ambas as teorias compartilham a noção de esquemas de gênero, divergindo no que diz respeito ao locus onde estas estruturas se organizam. Para a primeira teoria, o processo de tipificação sexual é resultante de uma esquematização baseada no gênero, sendo o autoconceito assimilado pelo esquema de gênero. Além disso, para Bem (1981), os indivíduos podem ser categorizados basicamente em dois grupos – esquemáticos e não-esquemáticos. A teoria do auto-esquema, no entanto, parte do autoconceito, concebendo os esquemas de gênero como parte deste, resultantes da estruturação de conceitos, teorias, valores, experiências que o indivíduo obtém ao longo da vida no contato com o meio sócio-cultural. Para Markus e colaboradores (1982), os indivíduos podem ser agrupados em quatro grupos tipológicos de gênero: esquemáticos masculinos, esquemáticos femininos, esquemáticos masculino e feminino e aesquemáticos.

Baseando-se na teoria do auto-esquema de que o autoconceito, dentre outros aspectos, seja formado por estruturas cognitivas representantes dos conceitos de masculinidade e feminilidade, Giavoni e Tamayo (2000) elaboraram o Inventário dos Esquemas de Gênero do Autoconceito (IEGA). Esse instrumento tem como objetivo avaliar os esquemas masculino e feminino do autoconceito. Entretanto, após o processo de validação do IEGA, constatou-se que por ser composto por adjetivos, havia uma grande variabilidade de interpretações por parte dos respondentes, diminuindo a precisão dos fatores. Assim, um fator da escala masculina (fator Ousadia) apresentou índice de consistência interna baixo (á = 0,66), induzindo a uma revalidação da escala e, por fim, observou-se que as estruturas fatoriais das escalas masculina e feminina do IEGA diferiam em função do sexo.

Em função dos aspectos acima mencionados optou-se por elaborar e validar um novo instrumento psicométrico, partindo da estrutura fatorial obtida para o IEGA. Como as estruturas fatoriais do IEGA diferiam em função do sexo, foram elaborados dois novos instrumentos: o Inventário Feminino dos Esquemas de Gênero do Autoconceito (IFEGA), baseado na estrutura fatorial obtida para as mulheres; e o Inventário Masculino dos Esquemas de Gênero do Autoconceito (IMEGA) (Giavoni & Tamayo, 2004), baseado na estrutura fatorial obtida para os homens. O presente estudo apresenta, portanto, o processo de elaboração e validação do IFEGA.

Método

Construção do IFEGA

A metodologia utilizada para a construção e validação do Inventário Feminino dos Esquemas de Gênero do Autoconceito (IFEGA), baseou-se nas estruturas fatoriais encontradas para o sexo feminino, para as escalas masculina e feminina do Inventário dos Esquemas de Gênero do Autoconceito (IEGA) (Giavoni & Tamayo, 2000). A amostra utilizada foi composta por 583 estudantes universitárias, solteiras (86,9%) com faixa etária média de 21,75 anos (DP = 5,83 anos).

Assim, utilizando-se os 117 itens que compunham inicialmente o IEGA, foram realizadas análises dos componentes principais e análises fatoriais para as escalas masculina (54 itens) e feminina (63 itens), separadamente.

A Análise dos Componentes Principais apresentou os seguintes resultados:

Escala masculina: (a) Teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) = 0,86; (b) Teste de Esfericidade de Bartlett (1378) = 7900,817; p < 0,001; (c) Número de componentes (eigenvalue > 1,5) = 6; e (d) variância total explicada pelos seis componentes: 37,47%.

Escala Feminina: (a) Teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) = 0,87; (b) Teste de Esfericidade de Bartlett (2016) = 12208,766; p < 0,001; (c) Número de componentes (eigenvalue > 1,5) = 7; e (d) variância total explicada pelos sete componentes: 40,18%.

Através do método Principal Axis Factoring (PAF), com rotações oblíquas e cargas fatoriais iguais ou superiores a 0,35, foram extraídos quatro fatores principais para a escala masculina, denominados de: Agressividade (á = 0,79), Racionalidade (á= 0,70), Indiferença (á = 0,79) e Ousadia (á = 0,61). Para a escala feminina foram extraídos cinco fatores principais, denominados de: Integridade (á = 0,82), Passividade (á = 0,63), Ardilosidade (á = 0,65), Emotividade (á = 0,85) e Sensualidade (á = 0,80).

Após a análise da consistência interna dos fatores, o primeiro procedimento adotado para a construção do IFEGA foi a inclusão de novos adjetivos nos fatores das escalas masculina e feminina do IEGA que apresentavam baixos índices de precisão, com a finalidade de aumentar a consistência dos mesmos no novo instrumento.

Visando diminuir a variabilidade de interpretações ocasionada pelos adjetivos que compunham os fatores, o próximo passo foi elaborar frases. As frases buscaram englobar os diversos aspectos que compunham cada fator. Assim, por exemplo, as frases construídas para o fator Ardilosidade procuraram abordar os seus diferentes aspectos, tais como: falsidade, medo, curiosidade, interesses pessoais, inveja, cobiça e poder. Por exemplo, as frases elaboradas para o item Inveja foram: (a) Sinto inveja do que os outros possuem; (b) Sinto inveja quando os outros realizam aquilo que eu gostaria de realizar; (c) Sinto inveja quando vejo os outros atingindo os seus objetivos; e (d) Invejo aqueles que alcançam aquilo que eu gostaria de alcançar. Procedimento semelhante foi realizado para todos os demais adjetivos que compunham os fatores das escalas masculina e feminina do IEGA.

A seleção das frases que melhor descreviam cada adjetivo foi realizada através de um grupo de pesquisa, composta por estudantes universitários (graduação e pós-graduação), de ambos os sexos, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.

Para esta etapa de seleção das frases, foi entregue a cada participante do grupo de pesquisa um questionário contendo o nome de cada fator, os adjetivos que o compunham e as frases elaboradas para substituí-los. Foram realizadas duas reuniões para esta etapa de seleção das frases. Nestas reuniões foram escolhidas as melhores frases que descreviam os adjetivos das escalas masculina e feminina do IEGA, respectivamente.

Os procedimentos utilizados nessas reuniões para a avaliação dos fatores, foram: (a) Entrega do questionário aos participantes; (b) Apresentação dos fatores e seus respectivos adjetivos; (c) Apresentação das frases elaboradas para descrever cada adjetivo; (d) Avaliação de um único fator, seus adjetivos e as frases elaboradas para substituí-los; (e) Intervalo de tempo para que cada participante escolhesse a melhor frase que descrevesse cada adjetivo; (f) Anotação do percentual de concordância para cada frase escolhida; (g) Anotação de sugestões para melhorar o sentido semântico de cada frase; e (h) Anotação de novas frases propostas.

Após essa etapa de seleção de frases foi elaborado um protótipo do IFEGA. As frases selecionadas na etapa anterior foram dispostas aleatoriamente ao longo do instrumento. Este protótipo solicitava ao respondente que avaliasse o quanto cada frase se aplicava a ele. Para tanto, o respondente deveria utilizar uma escala de cinco pontos (0 a 4), na qual o escore 0 (zero) indicava que a frase não se aplicava ao respondente, até o escore 4, indicando que a frase aplicava-se totalmente ao respondente.

Este protótipo do IFEGA foi aplicado a uma amostra de cinco estudantes do sexo feminino (graduação), do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. A aplicação deste protótipo à amostra ocorreu em uma sala de aula. Pouquíssimas alterações foram realizadas no instrumento após a análise semântica. Foram detectados alguns erros de digitação e falta de compreensão da palavra desmazelada, utilizada em uma das frases. Após a análise semântica, o IFEGA passou a ser composto por 121 itens, subdivididos em duas escalas: escala masculina (61 itens) e escala feminina (60 itens).

Validação do IFEGA

A amostra utilizada para a validação do IFEGA foi composta por participantes cujo único critério estava em possuir nível de escolaridade igual ou superior ao segundo grau completo. A amostra foi composta por 673 mulheres, universitárias (77,4%), solteiras (89,0%), na faixa etária média de 21,48 anos (DP = 4,98 anos).

O instrumento foi aplicado em duas etapas distintas. Em uma primeira etapa utilizou-se a sala de exposições da Biblioteca Central da Universidade de Brasília. Para manter certa aleatoriedade da amostra, a cada três pessoas que entravam na biblioteca, a terceira era convidada a responder o questionário. Aceitando o convite, o indivíduo era acompanhado até a sala de exposições por uma monitora, que lhe entregava o questionário e o encaminhava para uma das mesas disponíveis no local. Após estes procedimentos, o participante iniciava o preenchimento do questionário e, ao finalizá-lo, depositava-o em uma caixa designada para esse fim. Na segunda etapa, os instrumentos foram aplicados em salas de aula. Participaram desta etapa nove turmas de disciplinas oferecidas pelos cursos: Psicologia (n = 4), Educação Física (n = 3) e Engenharia (n = 2).

Resultados

Uma análise preliminar foi realizada sobre os dados obtidos na amostra feminina. Dos questionários aplicados, seis foram retirados da amostra por apresentarem padrão de repetição nas respostas e/ou por estarem incompletos. Em todas as variáveis, os casos faltosos foram inferiores a 5%. Estes casos faltosos foram substituídos pelas médias obtidas para cada variável. O estudo da normalidade apresentou dez variáveis com elevada assimetria e curtose, sendo duas da escala masculina e oito da escala feminina. Na escala feminina, duas variáveis apresentaram índices elevadíssimos de assimetria e curtose, pois mais de 70% da amostra coincidiram em seus julgamentos. Devido à falta de variabilidade e aos elevados desvios de normalidade, estes itens foram retirados da escala feminina. Restaram, portanto, duas variáveis na escala masculina e seis variáveis na escala feminina com desvios de normalidade. Foram realizadas transformações do tipo raiz quadrada sobre estas variáveis.

Um dos critérios para a análise da linearidade é a avaliação de pares de variáveis através dos gráficos de dispersão. De acordo com Tabachnick e Fidell (1996), a combinação par-a-par de todas as 119 variáveis presentes no instrumento resultaria em um número elevado de combinações, tornando impraticável este método de avaliação. Optou-se, portanto, em analisar, apenas, a linearidade daquelas variáveis que apresentassem desvios de normalidade. Para tanto, utilizou-se como critério de avaliação que cada par de variáveis fosse constituído por uma variável com bons índices de normalidade e outra variável com elevada assimetria e curtose. Assim, foram analisados 15 pares de variáveis.

Para avaliar os casos de outliers multivariados, optou-se por analisar, separadamente, as escalas masculina e feminina que compõem o instrumento. Isso, porque estas duas escalas serão analisadas e utilizadas individualmente. Assim, os casos de outliers multivariados que possam existir frente aos itens de uma das escalas, podem não ser os mesmos casos frente aos itens da outra escala. Utilizando a distância Mahalanobis como critério de avaliação dos casos de outliers multivariados, foi encontrado para a escala masculina um total de 28 casos (c2 (50) = 86,661; p = 0,001). Optou-se por retirar esses casos, restando um total de 645 participantes na composição final da amostra feminina. Para a escala feminina (c2 (60) = 99,607; p = 0,001), foram encontrados 36 casos de outliers multivariados. Esses casos foram retirados, restando um total de 637 participantes na composição final da amostra. Somente 12 dos 64 casos de outliers multivariados encontrados nas escalas masculina e feminina coincidiram de ser outliers multivariados em ambas as escalas.

Em uma avaliação preliminar foram realizadas duas análises dos componentes principais e duas análises fatoriais, para cada escala. Na primeira análise foram utilizadas as variáveis sem estarem transformadas e na segunda análise, as variáveis com baixos índices de normalidade foram substituídas por suas versões transformadas. Não foram encontradas diferenças nas estruturas fatoriais e na variância total explicada por cada escala, ao se utilizar as variáveis transformadas. Optou-se, portanto, pela utilização destas variáveis sem suas respectivas transformações.

Escala Masculina

Uma análise inicial dos componentes principais revelou os seguintes resultados para a escala masculina: (a) Teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) = 0,86; (b) Teste de esfericidade de Bartlett (1176) = 9406,20; p < 0,001; (c) número de componentes (eigenvalue >1,5) = 5; e (d) variância total explicada pelos cinco componentes: 38,38%.

O gráfico de scree foi utilizado como sinalizador na opção do número de fatores a serem extraídos. Para a escala masculina, optou-se pela extração de três fatores, os quais explicavam 30,30% da variância total. Através do método Principal Axis Factoring (PAF), com rotação oblíqua do tipo Oblimin e cargas fatoriais iguais ou superiores a 0,35, foram extraídos três fatores para a escala masculina. Considerando correlações entre os fatores iguais ou superiores a 0,32 como ideais, observou-se na Matriz de Correlações entre os Fatores que estes três fatores não apresentavam correlações entre si. Além disso, alguns itens possuíam baixa comunalidade com os demais itens, apresentando cargas fatoriais inferiores a 0,35. Optou-se pela retirada destes 11 itens, permanecendo um total de 38 itens.

Após a exclusão desses itens, uma nova análise dos componentes principais foi realizada para a escala masculina. Foram encontrados os seguintes resultados: (a) Teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) = 0,87; (b) Teste de esfericidade de Bartlett (666) = 7474,021; p < 0,001; e (c) variância total explicada pelos três componentes: 36,44%.

Devido à ortogonalidade apresentada pelos três fatores, optou-se por uma nova extração fatorial, utilizando a rotação do tipo varimax. Assim, através do método Principal Axis Factoring (PAF), com rotação varimax e cargas fatoriais iguais ou superiores a 0,35, foram extraídos três fatores para a escala masculina, que são apresentados na Tabela 1. Nesta tabela foram inseridos os itens que compõem cada fator e suas respectivas cargas fatoriais.

Os termos utilizados para designar cada fator seguiram um dos seguintes critérios: (a) denominar o fator de acordo com um dos itens que apresentam maior carga fatorial; ou (b) denominá-lo segundo a sua característica geral. Os fatores extraídos para a escala masculina foram denominados: Arrojamento (Fator 1); Egocentrismo (Fator 2) e Negligência (Fator 3). Estes fatores explicavam, respectivamente, 16,91%; 13,16% e 6,36% da variância total e apresentaram os seguintes índices de consistência interna: Arrojamento (á = 0,87); Egocentrismo (á = 0,83) e Negligência (á = 0,73).

Escala Feminina

A escala feminina apresentou os seguintes resultados iniciais para a análise dos componentes principais: (a) Teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) = 0,84; (b) Teste de esfericidade de Bartlett (1653) = 12573,16; p < 0,001; (c) número de componentes (eigenvalue > 1,5) = 7; e (d) variância total explicada pelos sete componentes: 42,45%.

Utilizando o gráfico de scree como sinalizador na opção do número de fatores a serem extraídos, optou-se pela extração de três fatores os quais explicavam 29,30% da variância total. Através do método Principal Axis Factoring (PAF), com rotação oblíqua do tipo Oblimin e cargas fatoriais iguais ou superiores a 0,35, foram extraídos três fatores para a escala feminina. Considerando correlações entre os fatores iguais ou superiores a 0,32 como ideais, observou-se na Matriz de Correlações entre os Fatores que estes três fatores não apresentavam correlações entre si. Além disso, alguns itens possuíam baixa comunalidade com todos os outros itens, apresentando cargas fatoriais inferiores a 0,35. Optou-se pela retirada destes 16 itens, permanecendo um total de 35 itens.

Após a exclusão destes itens, uma nova análise dos componentes principais foi realizada para a escala feminina. Foram encontrados os seguintes resultados: (a) Teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) = 0,87; (b) Teste de esfericidade de Bartlett (861) = 9859,04; p < 0,001; e (c) variância total explicada pelos três componentes: 37,21%. Em função da ortogonalidade apresentada pelos fatores optou-se por uma nova extração fatorial utilizando a rotação do tipo varimax. Assim, através do método Principal Axis Factoring (PAF), com rotação varimax e cargas fatoriais iguais ou superiores a 0,35, foram extraídos três fatores para a escala feminina. A Tabela 2 apresenta os três fatores extraídos para a escala feminina e os itens que compõem cada fator e suas respectivas cargas fatoriais.

Os três fatores extraídos para a escala feminina foram denominados de: Sensualidade (Fator 1); Inferioridade (Fator 2) e Ajustamento Social (Fator 3). Estes fatores explicavam, respectivamente, 16,90%; 12,02 % e 8,28% da variância total. Quanto ao índice de consistência interna, os fatores da escala feminina apresentaram os seguintes índices: Sensualidade (á = 0,92); Inferioridade (á = 0,82) e Ajustamento Social (á = 0,77).

Discussão

Os fatores extraídos para a escala masculina representam, na subjetividade individual, aspectos da masculinidade enquanto construto da subjetividade social. Neste sentido, pode-se afirmar que o esquema masculino das mulheres é composto pelos seguintes aspectos:

Fator Arrojamento. Como característica geral, este fator focaliza o grau de arrojamento do self, que ousa buscar no novo e no inusitado, a satisfação de seus objetivos, metas e prazer individual. Particularmente, enfoca comportamentos que avaliam a capacidade de submeter-se a novos desafios, a busca da originalidade e da liderança, assim como avalia comportamentos condizentes com o uso da razão, tais como: praticidade, objetividade, determinação e lógica.

Fator Egocentrismo. Como característica geral, este fator focaliza o eu como centro de todo o interesse; um amor tão exclusivo a si que acaba por implicar na subordinação dos interesses dos outros ao seu próprio. Particularmente, avalia comportamentos relacionados à agressividade, autoritarismo e insensibilidade. Avalia a incapacidade do indivíduo de aceitar condições, opiniões e atitudes divergentes daquelas esperadas e desejadas por ele.

Fator Negligência. Como característica geral, este fator focaliza aspectos negligentes do self, tanto em relação às coisas em geral quanto em relação à auto-imagem. Desorganização, descuido da imagem e da aparência física, desleixo em relação a objetos, negligência com assuntos importantes e preguiça, são alguns aspectos avaliados por este fator.

De igual forma, os fatores extraídos para a escala feminina representam, na subjetividade individual, aspectos da feminilidade enquanto construção da subjetividade social. Pode-se considerar, portanto, que o esquema feminino das mulheres é formado pelos seguintes aspectos:

Fator Sensualidade. Como característica geral, este fator focaliza a auto-imagem e sua influência na interação com os outros. Particularmente, este fator avalia aspectos sensoriais do self, traduzidos na sensualidade, charme e sedução; aspectos somáticos do self, expressos na beleza física e sua atratividade e aspectos estéticos do self, representados pela vaidade e elegância.

Fator Inferioridade. Como característica geral, este fator focaliza aspectos de insegurança do self, que o levam à dependência das opiniões e expectativas dos outros; assim como insuflam comportamentos ardilosos decorrentes da própria sensação de inferioridade. Particularmente, avalia características que vão da dependência, insegurança, indecisão e timidez à malícia, interesse, rancor, vingança, inveja, desconfiança e falsidade.

Fator Ajustamento Social. Como característica geral, este fator avalia os princípios e valores do self, enquanto dirigentes de sua conduta social. Particularmente, avalia valores individuais condizentes com as normas sociais, tais como: moralidade, lealdade, fidelidade, honestidade e responsabilidade; assim como avalia aspectos coletivistas de preocupação pelo bem-estar alheio, sensibilidade e compartilhamento da dor e do sofrimento dos outros.

A Tabela 3 apresenta as analogias semânticas existentes entre os fatores obtidos para as escalas masculina e feminina do IFEGA com os fatores das escalas masculina e feminina do IEGA.

Por estar alicerçado sobre a estrutura fatorial da escala masculina do IEGA, esperava-se extrair quatro fatores da escala masculina do IFEGA. Entretanto, o gráfico de scree definiu a extração de três fatores em vez dos quatro previstos. Dos três fatores extraídos, observa-se que o fator Arrojamento reúne os fatores linearmente independentes – Racionalidade e Ousadia do IEGA. Apesar de não atingirem o índice estipulado de correlação entre os fatores (r = 0,32), os fatores Racionalidade x Ousadia apresentavam índice moderado de correlação (r = -0,25). Provavelmente, esta tendência à correlação somada às características das frases elaboradas para compor estes fatores no IFEGA, acabou por torná-los linearmente dependentes, o que resultou na estruturação de um único fator – o fator Arrojamento.

O fator Negligência é constituído por itens do fator Indiferença do IEGA, que transmitem o sentido de desleixo e desmazelo do self. Este fator parece definir uma importante dimensão do self feminino, relacionada à auto-estima e aos reflexos desta na interação com os outros. Este aspecto singular do self feminino possui correspondência com os estudos de Franzoi e Shields (1984), nos quais os autores encontram estruturas fatoriais diferenciadas para a auto-estima corporal de homens e de mulheres. Segundo os autores, dois dos três componentes que definem a auto-estima corporal das mulheres estão associados à preocupação com a aparência física e sua relação com a atratividade sexual.

Por estar alicerçado sobre a estrutura fatorial da escala feminina do IEGA, esperava-se extrair cinco fatores da escala feminina do IFEGA. Entretanto, o gráfico de scree definiu a extração de três fatores ao invés dos cinco previstos. Dos três fatores extraídos, observa-se que o fator Inferioridade reúne os fatores linearmente independentes – Passividade e Ardilosidade (r = 0,11) do IEGA. Provavelmente, as características das frases elaboradas para compor estes fatores no IFEGA, acabaram por aglutiná-los em um único fator, de tal forma que este fator transmitisse o aspecto subjacente a todos os itens – o complexo de inferioridade. Além disso, obteve-se o fator Ajustamento Social que reúne os fatores linearmente dependentes Integridade e Emotividade, do IEGA.

Conclui-se, portanto, que os fatores extraídos para o IFEGA correspondem às estruturas fatoriais da escalas masculina e feminina obtidas para o IEGA. A metodologia utilizada para a construção dos itens que compõem o IFEGA e o tratamento estatístico aplicado às escalas masculina e feminina, garantem a validade de construto do mesmo (Pasquali, 1996). Pode-se afirmar, portanto, que o IFEGA avalia os esquemas masculino e feminino do autoconceito das mulheres.

Os resultados obtidos para o IFEGA permitem retirar importantes conclusões que contribuem para a sua validação. Assim como os construtos sociais de masculinidade e feminilidade, os esquemas masculino e feminino que compõem o autoconceito das mulheres são formados por estruturas multifatoriais. Comparando as estruturas fatoriais obtidas para os esquemas masculino e feminino que compõem o autoconceito das mulheres no IEGA, com as estruturas obtidas para ambos os esquemas no IFEGA, observa-se uma consistência estrutural semântica. Esta consistência estrutural que permeia os instrumentos contribui para a validade de construto dos mesmos.

Enquanto estruturas multifatoriais, observa-se que os esquemas masculino e feminino são formados por fatores com valências positivas e negativas. Além disso, os fatores que compõem a escala masculina possuem características mais individualistas do que aqueles que constituem a escala feminina, cuja composição é mais coletivista. Esta relação entre os esquemas de gênero e os aspectos individualistas-coletivistas do self, recebe suporte dos estudos de Flaherty e Dusek (1980), Orlofsky e O'Heron (1987) e Marsh e Byrne (1991), os quais demonstram haver correlações positivas entre características que definem aspectos instrumentais do self com a masculinidade e características que definem aspectos expressivos do self com a feminilidade.

Corroborando, portanto, a teoria do auto-esquema (Markus, 1977), observa-se que a interação do indivíduo com os conceitos sociais de masculinidade e feminilidade resulta, em nível cognitivo, na formação de auto-esquemas relacionados ao gênero. Quando em presença de estímulos específicos, estes auto-esquemas tendem a se agrupar formando duas estruturas cognitivas distintas – o esquema masculino e o esquema feminino. Estas estruturas, entretanto, diferem de indivíduo para indivíduo, pois estão diretamente relacionadas às vivências que estes tiveram com questões relativas ao gênero. Assim sendo, os esquemas de gênero apresentam-se como estruturas maleáveis, compostas por uma rede de associações cognitivas que variam quanto à complexidade e que determinam padrões perceptivos, os quais influenciam os processos racionais, emocionais, comportamentais e atitudinais do indivíduo em relação a si e aos outros.

Pode-se inferir, portanto, que os esquemas masculino e feminino variarão, quanto ao nível de desenvolvimento, de simples a complexos. Variando quanto ao nível de desenvolvimento, pode-se conjeturar que, ao serem tratados como um par, estes esquemas gerarão diferentes combinações, resultando em diferenças perceptivas entre os indivíduos. O IFEGA permitirá, assim, avaliar os esquemas masculino e feminino de cada indivíduo, o nível de desenvolvimento dos mesmos, bem como, definir padrões perceptivos de indivíduos cujos esquemas apresentam níveis de desenvolvimento semelhantes.

Cabe, entretanto, ressaltar que o instrumento foi aplicado a uma amostra homogênea constituída por estudantes universitárias, sendo oportuna uma nova validação sobre amostras que difiram quanto à escolaridade, nível sócio-econômico e cultural. Estas são algumas propostas de estudos futuros.

Recebido em 29jul02

Revisado em 28set04

Aceito em 17jan05

Adriana Giavoni, doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília, é professora na Universidade Católica de Brasília (UCB).

Álvaro Tamayo, doutor em Psicologia pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica), é professor na Universidade de Brasília (UnB).

  • Barberá, E. (1998). Psicología del género Barcelona: Ariel.
  • Bem, S. L. (1974). The measurement of psychological androgyny. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 42, 155-162.
  • Bem, S. L. (1981). Gender schema theory: a cognitive account of sex typing. Psychological Review, 88, 354-364.
  • Bem, S. L. (1982). Gender schema theory and self-schema theory compared: a comment on Markus, Crane, Bernstein, and Siladi's "Self-schema and gender". Journal of Personality and Social Psychology, 43, 1192-1194.
  • Eysenck, M. W., & Keane, M. T. (1994). Psicologia Cognitiva: um manual introdutório Porto Alegre: Artes Médicas.
  • Flaherty, J. F., & Dusek, J. B. (1980). An investigation of the relationship between psychological androgyny and components of self-concept. Journal of Personality and Social Psychology, 38, 984-992.
  • Franzoi, S. L., & Shields, S. A. (1984). The body esteem scale: multidimensional structure and sex differences in a college population. Journal of Personality Assessment, 48(2), 173-178.
  • Giavoni, A., & Tamayo, A. (2000). Inventário dos Esquemas de Gênero do Autoconceito (IEGA). Psicologia: Teoria e Pesquisa, 16, 175-184.
  • Markus, H. (1977). Self-information and processing information about the self. Journal of Personality and Social Psychology, 35, 63-78.
  • Marsh, H. W., & Byrne, B. M. (1991). Differentiated Additive Androgyny Model: relations between masculinity, femininity, and multiple dimensions of self-concept. Journal of Personality and Social Psychology, 61, 811-828.
  • Orlofsky, J. L., & O'Heron, C. A. (1987). Stereotypic and nonstereotypic sex role trait and behavior orientations: implications for personal adjustment. Journal of Personality and Social Psychology, 52, 1034-1042.
  • Pasquali, L. (1996). Teoria e métodos de medida em ciências do comportamento. Brasília: Laboratório de Pesquisa em Avaliação e Medida.
  • Tabachnick, B. G., & Fidell, L. S. (1996). Using multivariate statistics (3Ş ed.). Nova York: HaperCollins.
  • Endereço para correspondência:
    SHIS QL 18 Conjunto 06 Casa 15; Lago Sul
    Brasília, DF; Brasil; CEP: 71.650-065
    Fone: (61) 3366-4203 / (61) 3356-9233 / (61) 9215-9181
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Abr 2005

    Histórico

    • Revisado
      28 Set 2004
    • Recebido
      29 Jul 2002
    • Aceito
      05 Jan 2005
    Programa de Pós-graduação em Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicobiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte Caixa Postal 1622, 59078-970 Natal RN Brazil, Tel.: +55 84 3342-2236(5) - Natal - RN - Brazil
    E-mail: revpsi@cchla.ufrn.br