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Juventudes, movimentos e culturas: a participação política de jovens na cidade de Maceió

Jóvenes, movimentos y culturas: la participación política de los jóvenes en la ciudad de Maceió

Youth, movements and cultures: the political participation of young people in Maceió

Resumos

Este estudo teve como objetivo analisar a compreensão que jovens de diferentes espaços e contextos da cidade de Maceió têm sobre a política, bem como, os valores que norteiam suas práticas militantes. Para tanto, foram realizados três grupos focais com jovens de 18 a 29 anos integrantes de grupos e movimentos dos âmbitos político, religioso e cultural/comunitário. Constatamos a existência de diferentes discursos a respeito da política ligados aos modos de saber-fazer de cada um dos grupos que dialogam na medida em que a política é compreendida como um instrumento de transformação social e da própria constituição dos sujeitos. Apesar das trajetórias diferenciadas dos jovens, e dos grupos de que fazem parte, nos chama a atenção o fato de que as práticas participativas e os valores que as norteiam expressam o desejo de uma juventude conectada com seu tempo que quer ser percebida como sujeito e ator social.

juventudes; participação política; cultura


El objetivo del estudio fue analizar que percepción los jóvenes de diferentes espacios y contextos de Maceió tienen de la política, así como los valores que guían sus prácticas militantes. Así, desarrollamos tres grupos de discusión con jóvenes con edad entre 18 y 29 años, miembros de los grupos y movimientos de la vida política, religiosa y cultural / comunitaria. Identificamos la existencia de distintos discursos sobre la política relacionados con los modos de saber hacer de cada uno de los grupos que dialogan en la medida en que la política se entiende como un instrumento de transformación social y de la constitución de los sujetos. Aunque las diferentes trayectorias de los jóvenes y de los grupos a los que pertenecen llámanos la atención el hecho de que las prácticas y los valores participativos que los guían expresan el deseo de los jóvenes relacionados con su tiempo que quieren ser percibidos como sujeto y actor social.

jóvenes; participación política; cultura


This study aims to analyze the understanding young people, from different places at the city of Maceió, have about the values and political beliefs that guide their practices as militants in different contexts. We conducted three focus groups with young people, from the age of 18 to 29, who are members of political, religious and cultural groups and movements. We discovered three different discourses covering topics from policy to modes of knowledge within each group. These were found to relate to their levels of understanding about the role of politics as an instrument of social transformation and the constitution of subjectivities. Despite the different life trajectories these young people and their groups have taken, we are surprised by the fact that it is through the participatory practices that express their values , that they express their aspiration to be perceived as social actors and subjects as connected to their times.

youth; political participation; culture


DOSSIÊ JUVENTUDE E POLÍTICA

Juventudes, movimentos e culturas: a participação política de jovens na cidade de Maceió1 1 . Agradecemos ao CNPq pelo financiamento.

Youth, movements and cultures: the political participation of young people in Maceió

Jóvenes, movimentos y culturas: la participación política de los jóvenes en la ciudad de Maceió

Marcos Ribeiro MesquitaI; Ana Clara Martins OliveiraII

IUniversidade Federal de Alagoas

IIPsicóloga

RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar a compreensão que jovens de diferentes espaços e contextos da cidade de Maceió têm sobre a política, bem como, os valores que norteiam suas práticas militantes. Para tanto, foram realizados três grupos focais com jovens de 18 a 29 anos integrantes de grupos e movimentos dos âmbitos político, religioso e cultural/comunitário. Constatamos a existência de diferentes discursos a respeito da política ligados aos modos de saber-fazer de cada um dos grupos que dialogam na medida em que a política é compreendida como um instrumento de transformação social e da própria constituição dos sujeitos. Apesar das trajetórias diferenciadas dos jovens, e dos grupos de que fazem parte, nos chama a atenção o fato de que as práticas participativas e os valores que as norteiam expressam o desejo de uma juventude conectada com seu tempo que quer ser percebida como sujeito e ator social.

Palavras-chave: juventudes; participação política; cultura.

ABSTRACT

This study aims to analyze the understanding young people, from different places at the city of Maceió, have about the values and political beliefs that guide their practices as militants in different contexts. We conducted three focus groups with young people, from the age of 18 to 29, who are members of political, religious and cultural groups and movements. We discovered three different discourses covering topics from policy to modes of knowledge within each group. These were found to relate to their levels of understanding about the role of politics as an instrument of social transformation and the constitution of subjectivities. Despite the different life trajectories these young people and their groups have taken, we are surprised by the fact that it is through the participatory practices that express their values , that they express their aspiration to be perceived as social actors and subjects as connected to their times.

Keywords: youth; political participation; culture.

RESUMEN

El objetivo del estudio fue analizar que percepción los jóvenes de diferentes espacios y contextos de Maceió tienen de la política, así como los valores que guían sus prácticas militantes. Así, desarrollamos tres grupos de discusión con jóvenes con edad entre 18 y 29 años, miembros de los grupos y movimientos de la vida política, religiosa y cultural / comunitaria. Identificamos la existencia de distintos discursos sobre la política relacionados con los modos de saber hacer de cada uno de los grupos que dialogan en la medida en que la política se entiende como un instrumento de transformación social y de la constitución de los sujetos. Aunque las diferentes trayectorias de los jóvenes y de los grupos a los que pertenecen llámanos la atención el hecho de que las prácticas y los valores participativos que los guían expresan el deseo de los jóvenes relacionados con su tiempo que quieren ser percibidos como sujeto y actor social.

Palabras clave: jóvenes; participación política; cultura.

Não é raro ver disseminado a ideia de que a juventude contemporânea é alienada, conformada com os desígnios da sociedade; a juventude do consumo exacerbado e das práticas tecnológicas. Pensá-la nesses termos é ignorar suas especificidades e pluralidade, para o que muitos autores veem como solução designar a categoria como "juventudes" e e problematizá-la a partir dessa diversidade2 2 . Para uma discussão mais acurada a respeito do tema, ver Dayrell (2005), Groppo (2000), Mesquita (2009), dentre outros. . Assim, o conceito de juventude que tomamos como referência não propicia definições estáticas; mas, parte da ideia de que ela é, ao mesmo tempo, uma condição social e um tipo de representação; de um lado, o caráter universal determinado pela faixa etária, e do outro, as diferentes construções históricas e sociais relacionadas ao tempo/ciclo de vida influenciando esta mesma diversidade (Dayrell, 2005).

Na tentativa de compreender as formas pelas quais a política vem se constituindo, fazendo-se presente de distintas maneiras para os diversos grupos e movimentos juvenis, este trabalho objetiva refletir sobre o campo da participação juvenil no contemporâneo trazendo para o debate, questões cada vez mais pertinentes para sua análise: as diferentes formas de subjetivação política, os valores que norteiam as práticas participativas dos jovens, as concepções de política adotadas por estes, etc. Trazendo essa perspectiva para a investigação a que nos propomos, pensar a participação desses jovens é levar em conta as especificidades dos contextos de que fazem parte, perceber como vivenciam as imposições que sua época lhes demanda, uma vez que não tomamos as experiências como homogêneas e totalizadoras.

Nos últimos anos, as relações dos jovens com a política e as formas com que esse diálogo se dá, vêm gerando discussões e estudos cada vez mais necessários; expressão de um tempo em que a própria concepção da política vem sendo transformada, problematizada. As experiências e práticas de participação atuais que trazem para o centro do debate questões relacionadas à desobediência civil, à democracia direta; os protestos e manifestações de caráter internacionalizado, a ocupação de espaços públicos e a reivindicação por novos canais de intermediação entre sociedade civil e Estado, por um lado; e as possibilidades de diálogo entre os campos da política e da cultura, por outro, são alguns sinais da necessidade da discussão do conceito de política para além de sua ideia tradicional.

Muitas são as formas dos jovens se relacionarem com a política e através dela, reflexo da diversidade característica da própria juventude. Assim, sentimos a necessidade de investigar, na realidade maceioense, como a relação entre juventude e participação vem se constituindo, seja através da inserção de jovens em grupos políticos clássicos, em grupos culturais e de cunho comunitário, ou ainda em grupos religiosos.

Para tanto, trabalhamos a partir de dois eixos analíticos. O primeiro teve como principal foco a análise da compreensão e vivência da política para os jovens militantes na atualidade. O segundo teve como eixo a análise dos valores que têm norteado suas práticas políticas, considerando, entre outras coisas, as adversidades próprias da militância. Ainda que tenhamos dividido nossas análises a partir destes eixos temos a nítida clareza de que eles estão fortemente interligados. Nesse sentido, na medida em que isso seja possível, realçaremos estas conexões de modo a ter uma compreensão mais ampla da relação entre sujeito e política.

Sobre o processo da pesquisa

Para um maior esclarecimento a respeito dos aspectos metodológicos adotados na realização da presente pesquisa, torna-se necessário explicitar brevemente as escolhas que fizemos. Como afirmamos, nosso interesse pautou-se na análise dos processos de participação juvenil em diferentes contextos. Nesse sentido, convidamos jovens militantes que participam de grupos e movimentos sociais, religiosos, culturais e comunitários para falarem de suas experiências, das organizações de que fazem parte, do que entendem por política, das motivações e desafios na trajetória de participação.

Fizeram parte da pesquisa, jovens de 18 a 293 3 . Faixa etária adotada como parâmetro no projeto de pesquisa: assim, contamos com uma compreensão etária mais alargada. anos de distintas expressões participativas: movimentos estudantis, juventudes partidárias, movimentos de luta pela terra, pastorais, movimentos culturais e comunitários. Assim, realizamos três grupos focais, cada um deles delimitados por um tipo de participação específica - mais vinculada às dimensões da política institucional, aos grupos culturais e comunitários e a movimentos religiosos -, e contaram com uma média de seis participantes cada. É necessário lembrar que essa nomeação é feita com a finalidade de facilitar a divisão dos grupos, visto que o caráter político se encontra em todas as esferas citadas, sob expressões e modos de fazer diferentes entre si. Além disso, muitos destes jovens participam de mais de um movimento, o que Mische (1997) denomina de militância múltipla4 4 . A autora diz que no contexto brasileiro, uma característica da participação juvenil é o fenômeno da militância múltipla. É o caso de "jovens que são simultaneamente lideranças no movimento estudantil, nos partidos políticos, nos grupos da igreja, ou em outros movimentos e organizações" (Mische, 1997: p.145). .

Os jovens mais vinculados ao grupo que, nesta pesquisa, denominamos de política, são militantes estudantis, integrantes de diretórios e centros acadêmicos da Universidade Federal de Alagoas (UFAL); membros de juventudes partidárias, em especial, da Juventude do Partido dos Trabalhadores (JPT) e da União da Juventude Socialista (UJS) ligado ao Partido Comunista do Brasil (PC do B); e do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em sua maioria, são jovens que estão inseridos no espaço universitário e que transitam em diferentes redes de movimentos sociais.

Os participantes do grupo que chamamos de cultural são jovens que estão inseridos em movimentos e grupos culturais da cidade e comprometidos com a luta pela melhoria das condições de vida nos bairros da periferia; são jovens que tendo como referência as dimensões popular e cultural, se comprometem, a partir de suas práticas, com o estado de precariedade e pobreza que vive a maior parte dos moradores de Maceió; em sua maioria, são jovens que possuem um forte vínculo com grupos culturais de tradição afro-brasileira. Nesta pesquisa participaram jovens do Coletivo Afro-Caeté5 5 . Grupo de cultura afro que atua há seis anos buscando potencializar atividades culturais nas comunidades e realizando um diálogo com a rede de movimentos culturais. Tem reavivado na cidade a tradição do maracatu. , do Centro de Estudos e Pesquisas Afro-Alagoano Quilombo (CEPA Quilombo)6 6 . Criado em 2002 por integrantes do movimento negro, o CEPA Quilombo é um grupo cultural que desenvolve diferentes projetos que associam arte, diferentes dimensões das culturas negras, comunidade e juventude. Localizada em um dos bairros mais populosos da cidade, o Jacintinho, tem coordenado dois grandes projetos: o Mirante Cultural e o Museu de Cultura Periférica. e do Projeto Inaê7 7 . Projeto ligado ao Grupo União Espírita Santa Bárbara (GUESB) que desenvolve diversas atividades de cunho cultural e educativo direcionadas ao público juvenil com foco na inclusão social, na formação cidadã e a partir do referencial das culturas negras. .

Os jovens que participaram do grupo que discutiu a participação política ligada à dimensão religiosa são agentes de pastorais da igreja católica, militantes da Pastoral de Juventude (PJ), da Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT). São jovens que têm como orientação e referência a espiritualidade da Teologia da Libertação que explicita a indissociabilidade entre a fé e política.

A escolha dos jovens para a participação nesta etapa da pesquisa se deu através do contato que realizamos com cada um dos grupos e movimentos acima destacados. Alguns foram indicados pelos próprios pares, outros convidados pelos integrantes da pesquisa. Por uma questão de praticidade, dois grupos foram realizados no espaço da Universidade Federal de Alagoas e um outro na sede do Coletivo Afro-Caeté. A estratégia do grupo focal foi escolhida por considerarmos que ela prioriza a experiência e a opinião dos participantes frente ao tema em questão. O grupo permite que os participantes interajam entre si, fazendo-os refletirem sobre suas realidades e vivências cotidianas, além de possibilitar insights que seriam menos acessíveis de outro modo (Barbour, 2009).

Os grupos foram gravados e posteriormente transcritos e analisados a partir de categorias destacadas no próprio projeto e outras que surgiram no processo da pesquisa. Segue, abaixo, alguns dos principais resultados obtidos enfocando, prioritariamente, os seguintes tópicos: as compreensões dos jovens a respeito da política e os valores que orientam a militância. Vamos às análises.

Participação juvenil: Política, subjetividade e valores

Compreensões dos jovens a respeito da política: especificidades e aproximações. A representação da política apresentada pelos grupos estudados permite-nos pensar alguns pontos de aproximação e, como não poderia ser diferente, características específicas às esferas da política, da cultura e da religião. Podemos dizer que nos grupos trabalhados, apareceram quatro grandes compreensões acerca da política, quais sejam: a via institucional, com suas instâncias e dinâmicas próprias; a política como base das relações humanas e construção identitária; a política como meio de transformação da sociedade; e a política como cultura de resistência.

A institucionalidade, como uma das representações, aparece como uma forma legítima e democrática de reivindicar direitos, de expressar uma não conformação com as injustiças e desigualdades. Para alguns dos jovens, através da via institucional, a militância adquire forma, a luta se fortalece. Nesse sentido, prioritariamente para os militantes dos grupos políticos clássicos, a via institucional é um espaço privilegiado de atuação e de práxis. É através da construção de uma luta que passa pelos canais instituídos da política que a sociedade, aos poucos, se transforma. Como nos diz um dos militantes:

Eu acho que a política institucional ela contribui. Ela tem seus ônus e bônus. Ela tem um viés que faz você pensar, faz você se indignar, faz você correr atrás e faz você participar. Porque é uma coisa que você não pode estar só criticando sem estar dentro. E aí eu falo dos conselhos, dos fóruns, e tantas outras políticas institucionais que a gente tem. E aí vêm as políticas públicas, quais são as que existem, quais são as que não existem, as que estão no papel e as que estão indo, capengando, paradas; quais as que a gente pode correr atrás, e de que maneira a gente pode correr atrás. E aí os conselhos contribuem muito nisso. Principalmente na questão da participação, porque aí você vai conhecer mais; se você quer fazer alguma crítica você sabe muito bem a quem pode recorrer, a quem você vai fazer... (Militante da PJMP)

A compreensão da importância da via institucional como possibilidade de intervenção política passa, portanto, por diferentes dimensões de reconhecimento que vão da insatisfação com as desigualdades que deve guiar os movimentos de reivindicação, através da forma que for mais viável em determinada situação e momento; a participação no campo do controle social e na reivindicação de políticas públicas; até ao valor colocado na disputa eleitoral, a importância do voto e de se eleger representantes.

Nesse sentido, para estes jovens, a participação se traduz necessariamente por uma inserção nos espaços formais da política, legitimados pelas dinâmicas dialógicas e de confronto entre Estado e sociedade civil. Passa também pelo reconhecimento dos canais institucionais como espaços de disputa - de ideias, projetos e modelos de sociedade - e de ampliação da democracia. Os conselhos, os fóruns e as conferências são lembrados como vias importantes neste processo de construção de uma cultura política mais coletiva e participativa, bem como, os partidos, sindicatos, associações e movimentos sociais, ainda que compreendam os limites destes espaços.

Apesar da importância que dão à via institucional, reconhecem os imensos desafios existentes no sentido de ressignificar essa dimensão da política, tão desgastada com imagens que a associam a práticas clientelistas, corruptas, de indiferença às desigualdades sociais e a um sentimento coletivo de não representatividade. Essa é a visão que se pode perceber de modo geral na fala dos militantes, em especial, daqueles que participam dos grupos culturais e religiosos: uma descrença associada à política institucional, seja pelos desgastes dos partidos políticos e suas dinâmicas, seja pela percepção de que a via eleitoral e a democracia formal não têm sido suficientemente eficazes como forma de garantir direitos e uma vida digna. Como diz um militante:

Enquanto política partidária, eu sou descrente, acho que, assim, já fui quase de dentro, pelas minhas andadas com as pessoas de lá, já fui quase simpatizante do PT, né, "porque o PT não sei o que, o PCdoB...", né, tem toda aquela ideia que às vezes eu digo "pô, velho, parece que isso vai dar fruto, parece que eu acredito nisso". Mas só que com o tempo, quando esses caras começam a chegar no poder, esses caras "bota" a ser o direito, os outros passam a ser o esquerdo, né, parece que o cara fica mais marcado do que nunca, parece que o pessoal vai descobrir mais podridão deles do que os caras que já passaram mil anos lá na política, assim... E eu acredito que se um dia todo mundo disser "porra, a gente vai votar nulo", aí a gente vai ser o tapa na cara desses caras, a gente vai dizer "pô, a gente não quer ninguém". (Militante do CEPA Quilombo)

De fato, a política associada aos espaços mais tradicionais da participação - e mais especificamente à imagem das instâncias partidárias com suas dinâmicas e mecanismos de controle e monopólio da representação institucional - parece estar desacreditada por uma significativa parte da população.

Florentino (2008) em sua análise sobre a participação de jovens no Distrito Federal faz uma crítica ao atual modelo de representatividade política e afirma que diferentemente daquilo que comumente se tem partilhado, a rejeição dos jovens aos espaços da política tradicional não significa necessariamente alienação, mas uma crítica a este campo e uma urgente afirmação da necessidade de outros canais, mais representativos, participativos e democráticos. Como nos diz, "as pessoas percebem que a política impacta suas vidas (de maneira negativa, até), mas não conseguem ver um sistema político que as deixe impactar a política" (p. 230).

A desqualificação da política e dos políticos, no entanto, não pode ser compreendida de forma dissociada das percepções mais gerais que reinam nesse universo (Novaes & Vital, 2005); mais uma vez fica evidente que na sociedade brasileira como um todo, e em outros países de regime democrático, "há uma clara percepção popular de que as instituições democráticas não conseguiram viabilizar os ideais prometidos, seja de uma menor desigualdade social, seja de acesso popular a instâncias governamentais de decisão" (Norris, 1999, citado por Florentino, 2008, p. 231). Nesse sentido, mesmo os jovens militantes que poderiam ter uma resistência maior ao discurso em torno do desgaste da política em sua dimensão mais tradicional, em alguma medida, também são afetados por ele.

A política seria tomada como instância que não fala dos interesses pessoais e da comunidade, mas sobre algo a que não se tem acesso, a um monopólio do poder e das decisões públicas. As notícias sobre corrupção, os discursos demagógicos, os projetos de lei sem uma aparente utilidade, enfim, mais afasta do que motiva as pessoas para a participação (Norris, 1999, citado por Florentino, 2008)8 8 . Mesmo os militantes que apostam na via institucional, em alguma medida, são capturados por um desânimo advindo de uma experiência que a todo instante revela o limite dos mecanismos instituídos e formais da participação. Como afirma uma de nossas entrevistadas: "Pois é, e as conferências já estão ai, o investimento já saiu, já era para estar acontecendo algumas conferências livres e nem reunião da comissão organizadora a gente teve. Então a gente também tem esses impasses dentro do que a gente trabalha, do que a gente acredita a gente tem esses impasses, mas a gente acredita, a gente vai fazer e a gente consegue animar, organizar o pessoal e quando chegar lá não tem, "porque fulano teve que sair", então isso também cansa, dá raiva, dá vontade de brigar, às vezes a gente se questiona se vale insistir e a gente pensa até onde a gente conseguiu mudar alguma coisa mesmo ou as coisas estão na mesma" (Militante da PJMP). .

Apesar da descrença, percebe-se a necessidade de uma aproximação com as esferas institucionais, no sentido de garantir minimamente, a partir de reivindicações, alguns de seus direitos. Os grupos culturais, por exemplo, reclamam de seus representantes o cumprimento de obrigações; cobram deles a garantia de direitos, uma vez que não podem substituir um papel que é do Estado, das políticas públicas. Não há por estes jovens uma atitude de total negação dos espaços formais da política. Há sim, num primeiro momento, um reconhecimento mediado pela necessidade de cobrança - do Estado e de suas instituições - por políticas favoráveis à melhoria das condições de vida, de cultura, de expressão e visibilidade, só possível através da consciência de direitos, por um lado; e a necessidade de aliança e interlocução em momentos específicos, por outro. Assim, aproximam-se de grupos mais tradicionais da política quando necessário, mas num movimento de resguardo da autonomia; cultivam a crítica como meio de manterem-se atentos às capturas e cooptações.

Se a política compreendida por seu viés institucional demarca diferenças de posicionamentos entre os grupos pesquisados, a política como base das relações humanas e construção identitária9 9 . Compreendendo que este estudo discute a participação de jovens no campo da política, suas diferentes formas de vivenciá-la e os diferentes posicionamentos que assumem a partir da inserção nestes grupos, tomamos aqui a ideia de identidades a partir da perspectiva de Melucci (2001). Para este autor a identidade está relacionada com a capacidade dos agentes sociais em produzir reflexividade sobre normas e valores existentes, engendrando, a partir disso, contestação e mobilização social. , por sua vez, é uma das representações que aparece de forma coesa em todos os grupos. Ela, a política, estaria presente em tudo o que se faz, desde o processo de construção das identidades até as decisões cotidianas, dentro dos grupos ou fora deles, nos diálogos, nas negociações etc.

Nas palavras de uma das participantes, militante do MST, isso pode ser claramente percebido: "É a base de nossa vida, literalmente. Não dá pra dissociar"; e mais: "É o que me faz descobrir enquanto pessoa, o que me faz optar por caminhos, perceber outras realidades, perceber que eu tenho muito pra contribuir".

Podemos dizer ainda que a política é vista como intrínseca ao sujeito, atuando na sua constituição enquanto ser social.

Então política pra mim é isso, sem dúvida, sem titubear, é a base da minha vida, é o que me descobre hoje, eu me descobri, é isso, eu me percebo, eu me afirmo, e nesse processo de auto-afirmação eu consigo incentivar outros a se descobrirem também, a se afirmarem, a assumirem as suas posições, a tomarem partido, mesmo não estando no mesmo partido. (Militante do MST)

Ampliando as representações recorrentes no senso comum sobre a política, muito vinculadas às imagens negativas, estes jovens realçam uma forte dimensão, aquela que a compreende como elemento que os constituem. Nesse sentido, falar sobre a política é, de algum modo, falar de suas vidas, suas histórias, das escolhas que fizeram, de um novo olhar sobre as relações familiares, afetivas, de gênero que foram transformadas a partir de uma perspectiva crítica que ela mesma possibilitou. Esses militantes não conseguem pautar suas vidas, distantes da dimensão da política, da participação, da compreensão da necessidade de lutar por um mundo mais justo, transformando a fronteira entre público e privado. Como nos diz uma militante da UJS:

Porque a gente sempre coloca que isso é uma escolha de vida, que a gente faz pra vida toda; que a gente não milita só quando está na universidade. A gente é militante em casa, sonhando, dormindo, acordado, enfim, a gente é isso. É o estilo de vida que a gente escolheu pra ter. (Militante da UJS)

De acordo, ainda, com Castro e Correa (2005), em relação à construção identitária e os processos coletivos, "no isolamento e no anonimato da cidade, cada sujeito tem de construir aí seu lugar que se constitui como parte do processo de tornar-se si mesmo. Ao mesmo tempo, tem de se imaginar como parte de 'algo mais amplo': o grupo, o movimento, o coletivo" (p. 17). Percebe-se, então, a política vista como aquilo que liga os interesses individuais aos interesses coletivos, aos interesses do grupo a que se faz parte; ela atua, então, como mediadora daquilo que impulsiona as sociedades, que é a própria relação entre os seres humanos.

À compreensão da política como indissociável à vida das pessoas, do seu cotidiano, da forma como se subjetivam, surge uma outra dimensão compartilhada pelos jovens: a política como possibilidade de transformação da sociedade. É através da participação, das ações coletivas e de protesto, dos processos de luta e reivindicação, das escolhas de representantes, ou seja, do espaço da política, que podemos sonhar e construir mudanças sociais significativas. "A política é que pode provocar transformações, seja em universos micro ou universos macro. E atuar politicamente é atuar buscando intervir nessa realidade ou nessa transformação" (Militante da Juventude do PT). Ou como nos diz outra militante:

Mas a política é essa coisa de você querer fazer essa transformação mínima que seja, ela vai ter o contrário a você forçando com que aquela mudança não aconteça. E a relação aí vai ser de embate. A política é uma relação de embate, seja um embate teórico, ou muitas vezes uma relação de embate físico como o MST enfrenta, ou como nós estudantes enfrentamos em alguns momentos aqui, a gente apanhou da polícia por conta da TRANSPAL, várias vezes. (...) E a gente vai passando por esse tipo de atividade de fato, que acontece na vida da gente. O sentimento de querer fazer uma grande mudança na sociedade e da forma como ela se organiza é o que nos impulsiona a continuar. (Militante da Juventude do PT)

A compreensão da política vista como possibilidade de transformação esteve presente em todos os grupos participantes, as formas de se elaborar e buscar a realização desses objetivos é que seriam, no entanto, específicas a cada esfera de reivindicação: nos grupos políticos, através dos partidos, do movimento estudantil, do DCE, dentre outros; nos grupos culturais, através de atos pela valorização da cultura, pela melhoria das condições sociais nas comunidades em que estão inseridos, geralmente se associando a outros grupos e movimentos culturais/sociais; nos grupos religiosos, vemos a importância do diálogo, da conscientização, ou de se elaborar projetos com fins sociais ligados ao que se acredita enquanto, também, evangelizadores.

Mas a transformação possibilitada pela participação e pelo campo da política, não se coloca apenas no espaço das mudanças sociais. Ela transversaliza os universos micro e macro como diz um dos militantes. No macro, através das mudanças sociais realizadas por meio de reivindicações e lutas coletivas; no micro, através das modificações que se colocam nos âmbitos da subjetividade, do cotidiano, das relações.

Por meio da inserção em grupos e movimentos, os jovens entram em contato com inúmeros debates, manifestações, disputas de ideias, com uma pluralidade de opiniões e diferenças de posicionamentos que os fazem pensar a forma como compreendem o mundo, como se relacionam com ele. Assim, se recolocam diante da vida e das relações que estabelecem no cotidiano a partir dos aprendizados. É o caso de uma militante da PJMP que ao se reconhecer nos valores e práticas do movimento, questiona a estrutura familiar e a divisão de gênero estabelecida e intervém:

Ao entrar na PJMP foi que... É como você sair de um quarto escuro e enxergar muita coisa. Um monte de informações e foi, eu acho, foi onde me deu a base da vida toda assim. Tem coisas pra minha vida toda que eu construí, desconstruí, reconstruí e organizei, desorganizei dentro da PJMP. A PJMP foi a base política pra eu conhecer muita coisa, aprender muita coisa. Na PJMP eu pude mudar muita coisa na minha casa, mudar algumas posturas da minha mãe, posturas de dizer que filho homem pode isso e a mulher não pode. Então, começamos a mudar essas coisas na minha casa e outras questões de que meu irmão não podia sair porque ele era menor e eu dizia que podia, tinha um horário fixo e tal, que ele pudesse chegar naquele horário, então foi mudando muita coisa na minha casa, muitas regras que minha mãe tinha nessas discussões, nesse debate, que eu comecei a aprender na PJMP, que algo nessas conversas claras poderia abrir muitas portas e minha mãe mudou. (Militante da PJMP)

Castro (2008) nos fala da experiência do confronto com um "outro" diferente dos pais e dos familiares, como algo que convoca os jovens a dar conta de vínculos que os unem, ou não, a esses outros. São nestas relações de identificação e confronto, de aproximação e disputa que os jovens se subjetivam politicamente. Aponta ainda que esse processo pauta-se por experiências que levam os jovens a interrogarem-se sobre o que está inadequado e difícil na convivência humana, colocando-os frente às contradições de sua época e no encalço de outros que possam ajudá-lo a responder tais questões e a agir frente a elas.

Além do sentido de transformação da sociedade, dos pares e de si mesmo, esta dimensão da política se associa a uma temporalidade ligada ao presente, mas também ao futuro. Vários dos jovens militantes têm a clareza de que se é importante resistir e lutar por uma transformação da sociedade, aqui e agora, os frutos de algumas de suas ações e lutas só terão consequências no futuro. A transformação social como uma das dimensões da política se associa simbolicamente a uma forte generosidade geracional, valor que permeia a caminhada para estes jovens.

Por fim, os jovens de grupos culturais trazem para a compreensão da política a noção de cultura como resistência10 10 . A noção de política construída pelos jovens a partir de uma compreensão da cultura como resistência aparece vinculada a uma forte experiência coletiva destes em cenários em que a dimensão cultural e comunitária é vivenciada e compartilhada como forma de ação, organização e resistência frente às diferentes formas de desigualdade tão presentes tanto em suas trajetórias, quanto na de seus grupos. . A cultura aparece, então, como forma de resistir ao instituído, resistir através de novas expressões e formas políticas. Souza (2008) percebe as novas expressões como novos espaços de experiência social, que vêm adquirindo contornos mais nítidos nos últimos anos, onde "os jovens estão gestando novos modos de organização da vida cotidiana de negação institucional, novas formas sociais contra-institucionais de enfrentamento contra a ordem" (p. 121).

Aparece também como forma de resistir ao cenário da cidade marcado pelas desigualdades raciais, de renda e de gênero. Através da cultura, os jovens falam de suas comunidades, de suas vidas. Assim, os jovens dos grupos culturais não tomam o seu trabalho a partir apenas do fazer ligado às expressões artísticas, mas como uma forma de atuação que possibilita o reconhecimento da realidade e de si próprio como fazendo parte de determinada cultura. Os trabalhos realizados fazem com que as pessoas se localizem no meio em que vivem (Militante do Afro-Caeté), e, a partir daí, que possam atuar como agentes disseminadores na luta pelos direitos e pela valorização da própria cultura e da comunidade como um todo.

Realçam, portanto, duas dimensões como eixos e orientações para suas práticas políticas e, porque não dizer, para suas práticas de resistência: a dimensão comunitária e a dimensão cultural. Para eles, a comunidade é o lugar da luta, é onde as demandas básicas devem ser garantidas e os direitos conquistados. Tendo a comunidade como território privilegiado, os jovens afirmam a compreensão de que não existe uma ação política sem que haja conjuntamente uma ação cultural; ação esta que não necessariamente se traduz, como dito acima, na realização de eventos ou manifestações artísticas, mas por uma dimensão intrínseca à própria compreensão da política.

Ou seja, não é o fato dos jovens se expressarem artístico e culturalmente nos momentos de luta ou nos encontros comunitários que a relação entre cultura e política se estabelece, se dá; mas pelo fato destes elementos e expressões culturais constituírem o próprio jeito de ser desses grupos. Como diz uma militante do Afro-Caeté: "A cultura afro não é espetáculo, a gente não está fazendo shows pra que o público assista e se delicie com aquilo; produzir cultura é produzir uma coisa que é a identidade da gente, faz parte da nossa formação".

No campo das relações entre política e cultura há uma percepção de que essas dimensões não são descoladas, mas intrinsecamente interligadas. Nesta relação, a cultura é compreendida não apenas por sua dimensão estética: ela tem que estar necessariamente vinculada aos problemas da vida comunitária e social.

Isso é uma marca muito legal porque se enquadra numa política cultural, numa política de resistência, dentro do cenário cultural alagoano, maceioense eu acho que é mais forte, mas (...). Me veio à memória agora, o quanto a gente não percebe no começo que é uma marca política, mas como a gente também nomeia isso como política. A formação do Afro-Caeté, como coletivo... Ele é dissidente de um outro grupo, que já fazia batucada na cidade, mas a gente inicia o grupo em 2009 com um manifesto (...). E não é à toa que se chama Coletivo Afro-Caeté, e por que o Afro, e por que o Caeté, as duas nações que foram oprimidas, dizimadas, que sofreram nesse processo de colonização. E a gente cria um texto nessa carta-manifesto pedindo a retomada ou que se reconhecesse a cultura afro alagoana e a cultura indígena e tudo isso que formou a nossa identidade cultural. (...) Então muitas vezes a gente não precisava sentar para nomear o que a gente tava fazendo, mas a gente conseguia aglutinar, estar junto com esses movimentos, potencializar. (Militante do Afro-Caeté)

Todas estas representações demarcam múltiplos olhares sobre a política, diferentes lugares e compreensões no sentido de perceber por onde passa a participação na contemporaneidade. Na medida em que escolhem determinadas estratégias e discursos, demarcam também uma compreensão de sujeito: o sujeito na cidade, incitado pelos enormes desafios de transformação da vida e marcado por uma trajetória de resistência. A essa compreensão de sujeito aliam-se um ideário de participação e um conjunto de valores que orientam as ações, projetos e militâncias. São eles, o motivo de nossa próxima análise.

Participação, cultura e política: Os valores que norteiam a militância dos jovens

Um elemento importante para compor as análises sobre a atual participação política dos jovens é a dimensão da experiência militante mediada pelos valores que norteiam suas práticas participativas. Em nossa pesquisa, quando perguntados pelos valores que orientam, dão sentido a suas ações e projetos, os jovens fazem referência a ideias que se apresentam no percurso de suas trajetórias de participação desde muito cedo. Remetemse à "criação" da família e das experiências de amizade para justificar a entrada na política e/ou afirmar os valores que transferem para o espaço da militância. Como nos diz uma das participantes: "Eu acredito que sou capaz de fazer muita coisa. Eu acredito que esses valores de solidariedade, de fraternidade, de querer ajudar o próximo, de coletividade, foram construídos pela minha criação, de como eu fui crescendo, amadurecendo e tal" (Militante da UJS).

São valores que impulsionam a luta cotidiana destes jovens, que amenizam as dificuldades, que reforçam a certeza de que é possível a construção de um mundo mais justo. Nesse sentido, podemos dizer que muitos destes valores traduzem o sentimento de uma experiência militante que passa pela constatação da desigualdade social e por uma não aceitação dela como algo natural. Um dos valores destacados pelos jovens se liga às ideias de inconformismo, estranhamento e indignação frente às desigualdades, frente às injustiças; um sentir-se mal com...

É a coisa do indignar-se, do se sentir mal com... De indignar-se com as coisas, com o que você ver na rua, na própria política, na relação com as instituições, com as pessoas, da relação da grande mídia, dos meios de comunicação com as pessoas, esse sentimento de indignar-se com alguma coisa é o que permeia a minha militância. Eu acho que no dia que eu parar de me indignar com alguma coisa eu vou parar de militar. Esse sentimento pra mim é muito latente. Deu me indignar com a postura de um chefe, de me indignar com a postura de um latifundiário que bota trabalhadores pra fora da terra, ou do cara que é dono da plantação de cana e escraviza o cara que trabalha na plantação dele, através da dívida da lojinha que o cara compra a comida, essa relação. Eu acho que esse sentimento de indignar-se é um sentimento que permeia. (Militante da Juventude do PT)

O cenário de desigualdade existente na cidade provoca os jovens militantes a posicionarem-se, exige deles uma atitude de responsabilização frente ao descaso do Estado e à situação de vulnerabilidade de vários grupos sociais. O estranhamento e a certeza de que a injustiça não é natural acabam por mobilizar estes jovens que, através de uma sensibilidade política advinda dos processos de socialização familiar, começam a questionar as formas pelas quais a política vem sendo gerida. Neste sentido, questionam tanto a falta de resposta do Estado frente às demandas sociais da cidade, visível a partir da ausência de políticas sociais, até os processos instituídos de gestão da coisa pública.

A indignação, tão em voga no vocabulário político atual, talvez seja a palavra que melhor expresse esse sentimento de (in)justiça presente no discurso dos militantes. Esse sentido de responsabilização provocada pela indignação impulsiona os jovens a participar do mundo da política e a reivindicar por um projeto de sociedade orientado pelos valores da igualdade e da justiça. Nutrem um sentimento de querer fazer a mudança. Esse projeto de sociedade, construído coletivamente e alimentado cotidianamente, traduz um outro valor importante na trajetória política destes jovens: a utopia.

Acreditando que a política seja capaz de transformar a sociedade em suas diferentes dimensões, os militantes apostam suas energias no movimento de emancipação social. Nesse sentido, reafirmam suas crenças e se colocam a partir de suas lutas em prol de um projeto de sociedade possível, ainda que difícil. A utopia serve de orientação frente ao que se quer, ao que se reivindica enquanto ideal de sociedade; serve de orientação frente aos sonhos e desejos coletivos e em prol da coletividade, do bem-comum que, neste caso, bem poderia ser expresso pela imagem de uma sociedade anti-capitalista, uma relação de vivência social diferente dessa que a gente tem hoje, como diz um dos militantes:

Eu acho que, além desse juízo de valor que faz você ingressar na luta, faz você se perceber e tal, eu penso que hoje o que me faz continuar é o compromisso comigo e com os outros, e a história lá do Galeano, que é a utopia. Pra que serve a utopia? Serve pra isso, pra continuar fazendo. Sabe essa coisa da revolução que talvez eu nunca vá ver? A utopia serve pra continuar sonhando. A utopia vai servir pra isso. E é isso que me move todo dia. É saber que eu tô ali colocando uma pedrinha que vai chegar lá; talvez não seja a pedra que eu vá jogar, mas de repente vem outra, né? E assim vai, eu acho que é isso que permeia meus valores que me fazem continuar, é isso. É saber que eu faço parte de uma geração que tem lutado pela transformação, que dá sua parcela de contribuição, que almeja o dia da transformação, o dia da gente chegar a uma sociedade socialista, justa e igualitária. (Militante do MST)

O compromisso consigo e com os outros, a consciência de que sua intervenção pode fazer a diferença, traz novamente o elemento da generosidade geracional presente na trajetória destes militantes, a despeito de todo um discurso social que associa os jovens atuais às ideias de distopia, de descompromisso e alienação.

Outro valor importante na vivência política dos jovens é o sentimento de gratidão pelo processo de luta e participação objetivado aqui pelos próprios grupos e movimentos sociais, religiosos, culturais e comunitários em que estão inseridos. A compreensão de que a existência destes grupos foi fundamental para a constituição de suas vidas, faz com que os jovens queiram retribuir - com luta e participação - a eles. Esse sentimento de gratidão ao movimento passa tanto pela retribuição por algo que esses militantes receberam (apoio, formação, estrutura), quanto por um desejo de que outras pessoas passem pela mesma experiência, se beneficiem dela.

Ao sentimento de gratidão se associa também o amor pelas ações que desenvolvem, a dedicação que encontram em seus pares, a compreensão de que aquilo que fazem não só é importante em termos de transformação social (e pessoal), mas também é fruto de um trabalho marcado por um esforço coletivo orientado por valores de dedicação e respeito.

Esses valores que orientam as práticas de participação dos jovens também traduzem um ideal de sociedade, de sujeito, de política. A vontade de transformar, a capacidade de se indignar frente às injustiças, de sonhar com um modelo de sociedade diferente, de ter a clareza que muitas de suas ações e lutas só se transformarão em conquistas nas gerações futuras, a dedicação e amor pelo que fazem são valores que expressam modos de agir, um ethos militante; ethos este que também se traduz em várias formas de fazer política.

Algumas considerações

Discutir a relação entre juventude e política na contemporaneidade parece cada vez mais necessário. As experiências emergentes de participação política aliadas aos formatos mais tradicionais constituem-se em possibilidades importantes no sentido de fortalecer essa relação. A partir de nossas investigações podemos supor que a relação entre juventude e participação política não nos permite pensá-la através de categorias previamente estabelecidas, de modos de fazer unívocos, já que a própria juventude deve ser tomada a partir de sua diversidade, onde há a confluência de distintas formas de ser, de fazer e de os jovens se colocarem nas suas relações com os outros indivíduos, com a sociedade como um todo. Podemos realçar, ainda, o caráter dinâmico da juventude enquanto categoria social, uma vez que está sujeita a se modificar ao longo do tempo, mediante características econômicas, sociais ou políticas apresentadas pela época em que se encontra; pensando, entretanto, que não é simplesmente um reflexo do meio e da sociedade, já que muitos jovens veem nesse espaço uma possibilidade de intervenção e construção - de si e do coletivo. As formas de intervenção na sociedade, como vimos, respondem a expressões tão diversas quanto à própria juventude pode ser concebida, podendo ser destacado como um elemento comum a atuação por meio da política.

Em relação à pesquisa realizada, vimos que a compreensão de política por parte dos jovens revela muito daquilo em que eles próprios acreditam, e levam em conta, inclusive, sua formação individual, tenha sido através de experiências nos movimentos estudantis, partidos políticos, movimentos culturais e comunitários ou nos grupos religiosos. A trajetória pessoal parece dizer muito a respeito da participação efetiva desses jovens diante da sociedade, já que enquanto se mobilizam, enquanto militam dentro dos movimentos, constroem também a si próprios, num movimento em que se torna impossível separar a militância daquilo que se toma como base da própria vida. Uns seguem os moldes tradicionais de reivindicação, e não menos legítimos; outros, no entanto, seguem por uma via ligada aos projetos sociais e comunitários, muitos deles associados aos trabalhos culturais ou religiosos.

Percebemos, também, que cada esfera de reivindicação, seja política, cultural ou religiosa, carrega dificuldades específicas à sua forma de militância, como a "metodologia ultrapassada" enfatizada pelos jovens do movimento estudantil, a falta de incentivo por parte dos representantes públicos em relação aos atos pela valorização da cultura enfrentada pelos grupos culturais, entre outros. O que se coloca como um entrave para uma participação efetiva, entretanto, é a visão de que participar se reduz a oferecer as condições necessárias à integração dos jovens em sua sociedade, como muitas das políticas públicas voltadas para a juventude parecem supor; mais do que oferecer condições, parece-nos necessário que seja dada aos jovens a possibilidade de agir dentro e sobre sua sociedade, no lugar onde se encontram e a partir dele, já que são raras as políticas públicas que consideram os jovens enquanto interlocutores significativos em sua formulação e implementação, sendo construídos mais sob uma ótica dos problemas definidos pelo mundo adulto do que sob a ótica da própria juventude (Dayrell, 2005). Assim, parece nos lógico pensar que a participação se constrói na medida em que se possa praticá-la, o que nem sempre parece ser possível.

Por fim, consideramos importante realçar o fato de que os jovens de nossa pesquisa parecem afirmar, a cada momento, que o campo da política não se esgotou como possibilidade de experiência. Na medida em que se colocam como sujeitos preocupados com a coletividade; em que traduzem em suas práticas, valores como a solidariedade, transformação social, em que criticam o instituído e não se deixam cooptar por tudo aquilo que em nome da política não condiz com o que acreditam; e na medida em que reproduzem, mesclam e constroem diferentes estratégias e modelos de participação, adaptando às novas demandas e contextos sociais, esses jovens afirmam a política como uma experiência central, coletiva e individual, e nesse sentido, tão importante de ser dividida, compartilhada.

Em uma época em que a exigência de uma reflexão sobre as diferentes formas e expressões da participação se torna contundente para pensarmos a política, este estudo pode contribuir no sentido de perceber - através do campo da Psicologia Social - como ela vem sendo compreendida e compartilhada.

Notas

Recebido em 30. Jul. 12

Revisado em 27. Mai. 13

Aceito em 30. Mai. 13

Marcos Ribeiro Mesquita, Doutor em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é Professor da graduação e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas. Endereço para correspondência: Universidade Federal de Alagoas, Reitoria, Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes. Av. Lourival Melo Mota, s/n. Tabuleiro do Martins. CEP 57072-970 - Maceio, AL - Brasil Telefone: (082) 32141336. Email: marcosmesquita@hotmail.com

Ana Clara Martins Oliveira, Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Alagoas. Email: ana.martdeoli@gmail.com

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  • 1
    . Agradecemos ao CNPq pelo financiamento.
  • 2
    . Para uma discussão mais acurada a respeito do tema, ver Dayrell (2005), Groppo (2000), Mesquita (2009), dentre outros.
  • 3
    . Faixa etária adotada como parâmetro no projeto de pesquisa: assim, contamos com uma compreensão etária mais alargada.
  • 4
    . A autora diz que no contexto brasileiro, uma característica da participação juvenil é o fenômeno da
    militância múltipla. É o caso de "jovens que são simultaneamente lideranças no movimento estudantil, nos partidos políticos, nos grupos da igreja, ou em outros movimentos e organizações" (Mische, 1997: p.145).
  • 5
    . Grupo de cultura afro que atua há seis anos buscando potencializar atividades culturais nas comunidades e realizando um diálogo com a rede de movimentos culturais. Tem reavivado na cidade a tradição do maracatu.
  • 6
    . Criado em 2002 por integrantes do movimento negro, o CEPA Quilombo é um grupo cultural que desenvolve diferentes projetos que associam arte, diferentes dimensões das culturas negras, comunidade e juventude. Localizada em um dos bairros mais populosos da cidade, o Jacintinho, tem coordenado dois grandes projetos: o Mirante Cultural e o Museu de Cultura Periférica.
  • 7
    . Projeto ligado ao Grupo União Espírita Santa Bárbara (GUESB) que desenvolve diversas atividades de cunho cultural e educativo direcionadas ao público juvenil com foco na inclusão social, na formação cidadã e a partir do referencial das culturas negras.
  • 8
    . Mesmo os militantes que apostam na via institucional, em alguma medida, são capturados por um desânimo advindo de uma experiência que a todo instante revela o limite dos mecanismos instituídos e formais da participação. Como afirma uma de nossas entrevistadas: "Pois é, e as conferências já estão ai, o investimento já saiu, já era para estar acontecendo algumas conferências livres e nem reunião da comissão organizadora a gente teve. Então a gente também tem esses impasses dentro do que a gente trabalha, do que a gente acredita a gente tem esses impasses, mas a gente acredita, a gente vai fazer e a gente consegue animar, organizar o pessoal e quando chegar lá não tem, "porque fulano teve que sair", então isso também cansa, dá raiva, dá vontade de brigar, às vezes a gente se questiona se vale insistir e a gente pensa até onde a gente conseguiu mudar alguma coisa mesmo ou as coisas estão na mesma" (Militante da PJMP).
  • 9
    . Compreendendo que este estudo discute a participação de jovens no campo da política, suas diferentes formas de vivenciá-la e os diferentes posicionamentos que assumem a partir da inserção nestes grupos, tomamos aqui a ideia de identidades a partir da perspectiva de Melucci (2001). Para este autor a identidade está relacionada com a capacidade dos agentes sociais em produzir reflexividade sobre normas e valores existentes, engendrando, a partir disso, contestação e mobilização social.
  • 10
    . A noção de política construída pelos jovens a partir de uma compreensão da
    cultura como resistência aparece vinculada a uma forte experiência coletiva destes em cenários em que a dimensão cultural e comunitária é vivenciada e compartilhada como forma de ação, organização e resistência frente às diferentes formas de desigualdade tão presentes tanto em suas trajetórias, quanto na de seus grupos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jul 2019
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      30 Jul 2012
    • Aceito
      30 Maio 2013
    • Revisado
      27 Maio 2013
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