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Financiamento da pesquisa no Brasil: distorções e desigualdades

Financiamento da pesquisa no Brasil: distorções e desigualdades

A divulgação dos resultados do edital 01/2000 do CNPq que, após dois anos retomou a linha de financiamentos de pesquisa através do atendimento à demanda espontânea, tem gerado polêmicas as mais diversas no seio da comunidade científica no Brasil.

A demanda resultante do edital, para o qual foi destinado um montante de recursos da ordem de R$ 15 milhões, foi de R$ 269 milhões. Em outras palavras, o total alocado pelo Tesouro Nacional permitiu o atendimento de 612 projetos, ou seja, pouco mais de 6% da demanda.

Esses resultados nos dão um primeiro quadro da situação da pesquisa no país: a enorme carência dos recursos para essa modalidade de atividade, consensualmente considerada como um elemento constitutivo da instituição universitária (além de indispensável fonte de material para as publicações científicas!).

Mas, é necessário irmos além dessa constatação que, ademais, não surpreende aqueles que lidam com a C&T no Brasil. Passemos, pois, para os dados desagregados.

Em primeiro lugar, é impossível não mencionar a questão das desigualdades regionais, dada a brutal concentração registrada nessa distribuição: 63% do total dos recursos do edital foram destinados aos pesquisadores da região sudeste. Para se aquilatar a extensão da concentração, se tomarmos apenas o estado do Rio de Janeiro, os 34,5% do total do edital estarão pouco abaixo da soma de todos os 16 estados das demais regiões do Brasil, contemplados com aproximadamente 37% dos recursos!

Uma outra forma de concentração é apontada por Glaci Zancan, presidente da SBPC: 75% dos projetos da faixa A (50 a 100 mil reais), ficaram com os pesquisadores do nível 1, indicando a seletividade desta distribuição. Por outro lado, apenas 20% dos bolsistas que, supostamente, deveriam ter no financiamento de suas atividades de pesquisa, uma condição para a sua produtividade, tiveram suas solicitações atendidas. E, mais grave: apenas 1,5% de doutores não-bolsistas tiveram seus projetos aprovados, o que tende a excluir os pesquisadores mais jovens do sistema de fomento.

A situação de seletividade aludida agrava-se se consideramos que vários desses projetos já haviam sido aquinhoados com os recursos do extinto (?) Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex) (Poli et al., 2000).

Além da concentração regional, a distribuição dos recursos mostra um segundo tipo de centralização: conforme Reinaldo Guimarães, 20 instituições foram agraciadas com aproximadamente 76% do total do edital, contra pouco menos de 24% distribuídos entre 212 outras instituições.

Se considerarmos apenas a UFRJ, o montante de recursos destinados, R$3.259.000,00, corresponde a 21,71% da distribuição total, pouco menos que a soma de 200 outras instituições!

A questão inevitável, neste momento, é: se esse é o quadro geral da distribuição pelas diversas áreas do conhecimento, qual terá sido a situação da Psicologia?

O total da demanda da área de Psicologia1 Nota 1 Registro um agradecimento especial a Maria Aparecida P. Silva Oliveira, da Área Técnica de Psicologia e Serviço Social do CNPq, pelas informações acerca da demanda da Psicologia. (137 propostas) foi de R$ 3.559.118,25; a demanda recomendada e atendida, de dez projetos, foi de R$ 220.417,16. Ou seja, a demanda da Psicologia representou cerca de 1,3% do total e, os projetos aprovados, pouco menos de 1,5%.

Passemos para um olhar mais detido para os dados Psicologia, de forma análoga ao que fizemos com os dados gerais.

A área da Psicologia não teve nenhuma proposta da faixa A; três da faixa B (R$ 113.467,95); três da faixa C (R$ 68.832,21) e quatro da D (R$ 38.117,00).

Em termos de distribuição geográfica, temos uma reprodução do quadro geral, com pequenas peculiaridade: 67% dos recursos para o Sudeste (contra 63% na distribuição nacional); 15% para a região Sul (contra 17%); 14% para a região Centro-Oeste (contra 3%) e 4% para o Nordeste (contra 15%). A região Norte não teve projetos aprovados na Psicologia e pouco mais de 1% na distribuição geral.

Contudo, a despeito dessas semelhanças, existem algumas diferenças. Se observarmos os estados atendidos, veremos que, ao contrário da distribuição geral, na qual foram destinados aproximadamente 35% ao Rio de Janeiro e 16% para São Paulo, no caso da Psicologia, os 67% dos recursos foram alocados em projetos de universidades paulistas (USP, USP-RP e UFSCAR).

Reinaldo Guimarães (2000), avaliando os resultados do edital, em especial, a baixa demanda paulista com relação ao total, sugere o "efeito FAPESP", ou seja, a não-existência de carência de recursos ou, mais especificamente, o que ele denomina "seleção negativa", não tendo os pesquisadores mais qualificados concorrido ao edital.

No caso da Psicologia, a situação parece ter sido exatamente a inversa, com os pesquisadores paulistas concorrendo com os das demais regiões, em que pese a possibilidade de acorrer aos recursos da FAPESP.

Na realidade, a seletividade do atendimento na área da Psicologia foi bastante acentuada. O quadro apontado por Glaci Zancan se reproduz fielmente na Psicologia: todas as propostas aprovadas são de pesquisadores apoiados pelo CNPq, de produtividade ou pesquisador-visitante, sendo que sete são de pesquisadores nível 1 do CNPq (3 nível 1A; 2 nível 1B e 2 nível 1C). Em outras palavras, os R$153.513,96 distribuídos pelos pesquisadores nível 1 representam 70% do total da distribuição.

A situação apontada por Poli et al. (2000), de que grupos anteriormente contemplados com recursos do Pronex haviam sido atendidos em suas propostas também se observa na Psicologia: dois dos projetos são liderados por pesquisadores nessa condição.

Talvez seja conveniente, neste ponto, esclarecer que a nossa intenção ao fazer esse balanço da situação das demandas e do atendimento no edital, não foi o de sugerir qualquer tipo de favorecimento por parte das comissões ou, muito menos, desqualificar as propostas atendidas. A sistemática adotada pelo CNPq é aquele que nós sempre defendemos – e utilizamos para garantir a qualidade editorial das nossas revistas, a avaliação pelos pares.

O que o quadro nos mostra é a paradoxal situação da pesquisa no Brasil, no qual o sistema exige a produção de conhecimento para a concessão de bolsas, mas não atende as demandas dos próprios bolsistas para o desenvolvimento de suas atividades; o incentivo à qualificação em ritmo acelerado, não raro, com o compromisso de uma melhor qualidade da produção, e um estrangulamento na implantação das condições mínimas para o início da carreira do pesquisador. No quadro de penúria, os desequilíbrios de natureza vária se acentuam e, mesmo que não haja o questionamento da qualificação do atendimento, é inescapável que pairem dúvidas sobre as decisões tomadas pelas agências – e, sobretudo, sobre as suas conseqüências.

Para além de qualquer defesa de particularismos, o quadro também nos alerta para a situação do financiamento à atividade científica no Brasil. Vivemos, hoje, o processo de implantação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) ou, como é mais conhecido, o "fundo dos fundos", resultante dos fundos setoriais.

O embate da comunidade científica, no momento, é o de garantir a existência de um Conselho Deliberativo com a participação das entidades científicas nacionais, para definir a destinação dos recursos. É o momento de ficarmos alertas acerca dessas definições, pois delas dependerá o (difícil) equacionamento das questões acima arroladas.

Há um aceno, por parte do Ministério da Ciência e da Tecnologia (MCT), através do seu secretário-executivo Carlos Pacheco, e do CNPq, através do seu presidente, Evando Mirra, de que os recursos de fomento serão quintuplicados, passando dos atuais R$200 para 975 milhões.

Evidentemente, a alocação de recursos orçamentários da União é uma questão política – e política, conforme lembra bem Sérgio Abranches é, sobretudo, conflito. Contudo, mesmo garantida essa dotação, as questões de fundo sobre os critérios para a distribuição de recursos persistirão, relativas à indução, à distribuição regional entre outros.

Conforme lembra bem Castilho (2000), a pulverização dos recursos é a pior estratégia para corrigir desequilíbrios, propiciando munição para uma posterior concentração. A questão que está em jogo é a definição de políticas mais claras para enfrentar as desiguais condições de trabalho e produção científica no Brasil – e não, simplesmente, ignorar a existência dos problemas pela extensão, pura e simples, da lógica do mercado para o sistema de C&T.

Com esta edição, estamos encerrando nosso primeiro lustro de funcionamento. Publicamos, ao longo dessas dez edições, mais de seis dezenas de artigos originais com autores de doze estados da federação (SP, RJ, DF, RN, RS, PB, PE, SC, CE, PI, PR, BA) e oito diferentes nações (Canadá, EUA, Chile, Venezuela, França, México, Espanha, Noruega) – além de diversas resenhas, entrevistas, comunicações breves e notas. Conseguimos indexação em quatro bases de dados internacionais (PsycINFO, LILACS, CSA e PSICODOC), e outras em processo de submissão.

Este balança vem a propósito da questão dos desequilíbrios regionais e das dificuldades de financiamento. A revista Estudos de Psicologia, que novamente foi avaliada como de circulação nacional de qualidade "A" pela Comissão CAPES/ANPEPP (ver nota sobre a avaliação nesta edição), conseguiu se firmar no cenário científico enfrentabdo o preconceito de não ser editado em um grande centro do eixo Sul-Sudeste, com financiamento da própria instituição. Na última distribuição, o CNPq aprovou um auxílio que nos permitirá cobrir parte de uma edição.

Ao fazer esse balanço, é impossível fugir à sensação de que, nas condições nas quais trabalhamos (as revistas brasileiras de Psicologia, não somente nós), a linha entre manter um periódico de qualidade e seu desaparecimento é bastante tênue – dependendo muito mais da persistência daqueles que fazem as revistas, do que da existência de condições concretas para isso.

Nesse momento, em que o padrão de qualidade dos periódicos brasileiros da área vem apresentando um notável incremento, talvez seja a hora de pensarmos em encontrar alternativas para que esses esforços para produzir um trabalho de qualidade não se desmanchem no ar, parafraseando Marx e Engels em seu Manifesto Comunista...

Desta edição fazem parte dois artigos sobre instrumentação em Psicologia, de Alvaro Tamayo, Ana Magnólia Mendes e Maria das Graças T. da Paz (Inventário de valores organizacionais) e de Marina Bandeira, Monica Neves Costa, Zilda Del Prette, Almir Del Prette e Eliane Gerk-Carneiro (Qualidades psicométricas do Inventário de Habilidades Sociais - IHS); Valdiney Gouveia e Miguel Clemente discutem a questão do individualismo-coletivismo no Brasil e na Espanha; Clarissa De Antoni e Sílvia Koller abordam o problema das visões de família entre adolescentes vítimas de violência intrafamiliar; Denise Falcke e Adriana Wagner discutem os mitos sociais e autoconceito quanto ao tema mães e madrastas; Reinaldo Furlan aborda a questão da noção de comportamento expressa na obra de Merleau-Ponty e, finalmente, Mara Campos-de-Carvalho e Flávia Padovani relatam um trabalho no campo da Psicologia Ambiental, sobre arranjos espaciais em creches.

Incluimos também, nesta edição, cópias das listagens produzidas pela Comissão Editorial CAPES-ANPEPP referentes à avaliação dos periódicos brasileiros da área da Psicologia do período 1999-2000.

Por fim, um agradecimento muito especial aos consultores relacionados na seqüência, que participaram da avaliação dos manuscritos no período período 08/1999 a 10/2000, pela inestimável colaboração para a manutenção da qualidade editorial de Estudos de Psicologia.

Oswaldo H. Yamamoto

Editor

Referências

Castilho, C. M. C. (2000). O Edital do CNPq e a distribuição regional de recursos de 1995 a 99. Jornal da Ciência, XV (447), 7.

Guimarães, R. (2000). Edital 2000: demanda e atendimento. Jornal da Ciência, XV (446), 7.

Poli, A., Carobez, A., Tonussi, C., Rae, G. A., Morato, G. S., Assreuy, J., Takahashi, R., Nicolau, R. M., Farges, R., & Lemos, R. (2000). Catarinenses criticam distribuição geopolítica das bolsas do CNPq. Jornal da Ciência, XV (446), 6.

Nominata dos conselheiros e consultores ad hoc

· Adail Victorino Castilho

· Adélia Maria Santos Teixeira

· Alina Galvão Spinillo

· Almir Del Prette

· Alvaro Tamayo

· Ana Lúcia Cortegoso

· Ana Maria Nicolaci da Costa

· Ana Maria Teresa Benevides Pereira

· Ana Teresa Abreu Ramos Cerqueira

· Angela Arruda

· Anna Carolina Lo Bianco

· Antonio Gomes Penna

· Antonio Térzis

· Antonio Virgílio Bittencourt Bastos

· Calógeras Antonio de Albergaria Barbosa

· Carmen Garcia de Almeida

· Carolina Lampréia

· Clarisse Carneiro

· Claúdia Amorim Garcia

· Cleonice P. Santos Camino

· Denise Ruschel Bandeira

· Durlei de Carvalho Cavicchia

· Eduardo Benedicto Ottoni

· Élida Sigelmann

· Elisa Médici Pizão Yoshida

· Francisco José Batista Albuquerque

· Francisco de Paula Nunes Sobrinho

· Francisco Silveira Guimarães

· Gleice A. Elali

· Heloisa Symandki Ribeiro Gomes

· Isaura Rocha Figueiredo Guimarães

· Isauro Beltran

· Jairo Eduardo Borges-Andrade

· Jane Correa

· Jeferson Machado Pinto

· Jorge Castellá Sarriera

· José Carlos Zanelli

· José Gonçalves Medeiros

· José Leon Crochik

· José Paulo Giovanetti

· Lídio de Souza

· Lucila Diehl Tolaine Fini

· Manoel Tosta Berlink

· Marco Antonio de Castro Figueiredo

· Marcos Ferreira

· Maria Aparecida Trevisan Zamberlan

· Maria Cristina Ferreira

· Maria das Graças Bompastor Borges Dias

· Maria Lúcia Boarini

· Maria Lúcia Seidl de Moura

· Maria Lúcia Tiellet Nunes

· Martha Traverso-Yépez

· Mathilde Neder

· Norberto Garcia Cairasco

· Orlando Amadeo Bueno

· Paulo Rogério Meira Menandro

· Peter Kevin Spink

· Pitágoras José Bindé

· Reinaldo Furlan

· Roberto Alves Banaco

· Sadao Omote

· Sandra Maria Mata Azerêdo

· Sávio Silveira de Queiroz

· Sérgio Antônio da Silva Leite

· Sérgio Vasconcelos de Luna

· Sueli Terezinha Ferreira Martins

· Sylvia Leser de Mello

· Teresa Cristina Calvalcanti Ferreira de Araújo

· Valdiney Velôso Gouveia

· Vera Lúcia S. Lopes Besset

· Vera M. Nigro de Souza Placco

· Zeidi Araújo Trindade

· Zilda Aparecida Pereira Del Prette

  • Nota

    1 Registro um agradecimento especial a Maria Aparecida P. Silva Oliveira, da Área Técnica de Psicologia e Serviço Social do CNPq, pelas informações acerca da demanda da Psicologia.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Abr 2001
    • Data do Fascículo
      Dez 2000
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