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Aplicação de corantes naturais no ensino médio

Usinf natural dyes in high school courses

Resumos

Corantes naturais obtidos de flores de quaresmeira (Tibouchina granulosa) e unha de vaca (Bahuinia variegata) e da casca de feijão preto (Phaseolus vulgaris), foram usados em experimentos de identificação de substâncias ácidas ou básicas, tais como, vinagres, sucos de fruta e detergentes. Esta aplicação foi feita em turmas de alunos oriundos de escolas públicas periféricas da cidade de Uberlândia, MG. Uma tabela, com os principais resultados é apresentada, na qual é feita uma comparação da utilização dos corantes naturais com um corante convencional, no tocante às cores obtidas. Uma das principais discussões, diz respeito ao conceito de indicador propriamente dito, não explorado na escola, conforme relatado pelos alunos. A prática teve excelente aceitação e se mostrou muito eficiente na demonstração de conceitos de acidez, basicidade e indicadores.

ensino de química; antocianinas; indicadores naturais


Flowers of Tibouchina granulosa e Bauhinia variegata and skin of black bean grains were used in experiments to identify the acidic or basic character of ordinary materials such as vinegar, fruit juices, detergent formulations. The application was performed with students from public high schools of the city of the Uberlândia/MG - Brazil. The results obtained with the crude extracts was compared with fenolftaleine. Are of the most important point of discussion with the students was the indicator concept. The experiment was performed in the classroom and was very well accepted by the students in the demonstration of acidity, basicity and indicator concepts.

Indicators; chemistry teaching; natural dyes; alternative experiments


APLICAÇÃO DE CORANTES NATURAIS NO ENSINO MÉDIO

Márlon Herbert Flora Barbosa SOARES * * Departamento de Química – Universidade Federal de São Carlos – 156565-970 – São Carlos – SP - Brasil.

Marcus Vinicius Boldrin SILVA† † Movimento de Educação Popular – Universidade Federal de Uberlândia – 38400-000 Uberlândia – MG - Brasil. ,‡ ‡ Sindicato dos Transportadores de Uberlândia – 38406-509 – Uberlândia – MG.

Éder Tadeu Gomes CAVALHEIRO* * Departamento de Química – Universidade Federal de São Carlos – 156565-970 – São Carlos – SP - Brasil.

RESUMO:Corantes naturais obtidos de flores de quaresmeira (Tibouchina granulosa) e unha de vaca (Bahuinia variegata) e da casca de feijão preto (Phaseolus vulgaris), foram usados em experimentos de identificação de substâncias ácidas ou básicas, tais como, vinagres, sucos de fruta e detergentes. Esta aplicação foi feita em turmas de alunos oriundos de escolas públicas periféricas da cidade de Uberlândia, MG. Uma tabela, com os principais resultados é apresentada, na qual é feita uma comparação da utilização dos corantes naturais com um corante convencional, no tocante às cores obtidas. Uma das principais discussões, diz respeito ao conceito de indicador propriamente dito, não explorado na escola, conforme relatado pelos alunos. A prática teve excelente aceitação e se mostrou muito eficiente na demonstração de conceitos de acidez, basicidade e indicadores.

PALAVRAS-CHAVE:: ensino de química, antocianinas; indicadores naturais

INTRODUÇÃO

O uso da coloração emitida por compostos presentes no repolho roxo6, frutas como a amora, morango e o jambolão e flores como quaresmeira, unha-de-vaca, azaléia e beijinho, vem sendo um recurso didático amplamente utilizado como estratégia de ensino de equilíbrio ácido e base e identificação de acidez ou basicidade diversos materiais5-6. A preparação de papéis indicadores através dos pigmentos oriundos destes tecidos vegetais também é um recurso bastante explorado na literatura4,9.

As substâncias responsáveis pela coloração destes tecidos vegetais, são as antocianinas, pigmentos da classe dos flavonóides, principais cromóforos encontrados nas flores vermelhas, azuis e púrpuras. Quando extraídas do meio natural, apresentam-se na forma de sais de flavílio, normalmente ligadas a moléculas de açúcares, sendo os mais comuns a b-D-glucose, a b-D-galactose e a a-D-ramnose7. Quando as antocianinas estão livres destes açucares, são conhecidas como antocianidinas. As estruturas das antocianidinas mais comuns são apresentadas na Figura 1.


Uma das principais características das antocianinas, com aproveitamento didático é a sua mudança de coloração em função do pH do meio em que estão inseridas. Esta variação de cores foi extensamente estudada e discutida por Brouillard e colaboradores1,2,3. Segundo estes autores três equilíbrios principais ocorrem quando se eleva o pH de uma solução ácida contendo uma antocianina. Um esquema geral é apresentado na Figura 2.


Vários trabalhos foram apresentados com propostas de aplicação didática, e apesar de contribuírem significativamente para o aumento de experimentos alternativos, relatos de sua aplicação efetiva como forma de comprovar a real eficácia destas estratégias de ensino, são escassos na literatura.

Este trabalho tem como objetivo, aproveitar as características de indicador ácido-base apresentados por estes corantes naturais em salas de aula, para alunos do ensino médio, já de acordo com a nova LDB, que prima pela utilização de recursos do cotidiano. As principais vantagens de tal atividade residem no fato do aluno aprender a utilizar recursos naturais e a importância de sua preservação, alertando-o para a presença de materiais com características próprias no seu cotidiano. Em adição, o baixo custo de tais experimentos, propicia sua difusão em escolas de qualquer nível econômico-social, contribuindo para a formação de cidadãos mais críticos e conscientes de um conceito químico presente em sua vida diária.

Uma vez que a água é o solvente presente na maioria das soluções com as quais os alunos tem contato no seu dia a dia, pode-se desenvolver o conceito de acidez, basicidade e neutralidade decorrente da auto-ionização desse solvente e classificar as soluções deste "solvente universal", quanto à contribuição do soluto para o desvio da neutralidade natural do solvente, conferindo-lhes um caráter ácido ou básico.

Uma avaliação do uso de tal recurso foi avaliado pelos próprios alunos através de questionários sobre o aproveitamento e a metodologia empregada.

MATERIAIS E MÉTODOS

- Material Utilizado

Utilizaram-se os seguintes materiais:

  • Flores de quaresmeira e unha de vaca;

  • Grãos de feijão preto;

  • Fenolftaleína;

  • Suco de laranja e limão;

  • Vinagre de vinho branco e de álcool;

  • Álcool comum;

  • Alvejante para tecidos (solução de hipoclorito) e detergente;

  • Água mineral e água de torneira;

  • Sabão;

  • Copos e colheres;

  • Vasilhames comuns (garrafas de água mineral), com volumes de aproximadamente 100 e 500 mL.

- Condições e Local de Aplicação

A prática foi aplicada em uma sala de aula comum, sem a necessidade de instalações de laboratório, para alunos de nível médio do Movimento de Educação Popular da Universidade Federal de Uberlândia. Este movimento é um projeto que atende alunos oriundos de escolas públicas da periferia da cidade de Uberlândia, cujo principal objetivo é rever os tópicos apresentados no ensino médio com uma abordagem de formação do cidadão através do saber.

O universo de alunos atingidos com a aula foi de 148 alunos, distribuídos em 4 turmas. A aplicação foi feita em outubro de 1999, para duas turmas e em março de 2000 para as outras duas turmas.

Os estudantes efetuaram os experimentos em sala de aula, divididos em grupos de 5-8 alunos. Deve-se salientar, que a divisão das turmas em grupos de até 8 alunos, foi necessária devido ao pequeno espaço de tempo disponível para a aplicação do experimento (90 minutos). Uma vez que havia diversos tipos de materiais a serem testados, o professor sugeriu que cada aluno do grupo, testasse um dos materiais, incentivando o seu manuseio por parte dos alunos, durante o experimento.

Entretanto, dependendo do número de alunos, da duração da aula e do espaço disponível, essas condições podem ser rearranjadas e adaptadas.

Outras dificuldades encontradas foram relativas ao número de alunos na sala de aula e o próprio espaço da mesma, além do que, o Movimento de Educação Popular, não dispõe de um espaço específico para tal fim.

- Procedimento Utilizado no Experimento

Os vários materiais citados acima, foram testados em sua acidez e basicidade por uma comparação com uma escala de cores dos indicadores naturais e de um indicador convencional. Posteriormente os resultados obtidos foram comparados e discutidos entre os alunos e o professor. A aula foi dividida em FASES, para facilitar a aplicação:

FASE 1 – Primeiramente introduz-se o conceito formal de ácido e base, segundo o conceito de Arrenhius (o conceito de Brønsted-Lowry também pode ser apresentado), bem como as principais características e propriedades de cada função química;

FASE 2 – Discute-se a utilidade destes materiais no dia a dia e a necessidade do conhecimento do conceito das funções químicas, para tornar o cidadão mais ciente do tipo de materiais com as quais tem contato diário (por exemplo, pode-se citar a acidez do vinagre, em torno de 4,2%, que pode ser constatado no rótulo);

FASE 3 – Apresenta-se o conceito de indicadores, suas principais características e como agem, revelando as características físicos-químicas do meio em que estão inseridos, diferenciando também indicadores ácido-base, de metalocrômico, de redox, de precipitação e outros. Os conceitos apresentados nesta fase, deverão estar relacionados com o conceito ácido-base apresentado na FASE 1.

FASE 4 – Apresenta-se os indicadores que serão utilizados, diferenciando os naturais do convencional (neste caso a fenolfatelína, porém, qualquer outro com viragem não neutra poderia ser utilizado), descrevendo as vantagens de utilização de corantes naturais como indicadores, tais como, facilidade de aquisição, baixo custo e não toxicidade, o que reforça a idéia de que nem sempre as substâncias químicas, são nocivas.

FASE 5 – Testa-se os indicadores, extraídos por imersão das pétalas de quaresmeira e unha de vaca em álcool, durante o tempo da aula, entre a fase 1 e 4 ( tempo de imersão recomendado: 35-40 minutos). No caso do feijão preto, faz-se necessário um pequeno aquecimento de cerca de 50 g em 50 mL de água. As fases líquidas obtidas, em ambos os casos, são utilizadas como indicadores. Os testes são feitos adicionando os indicadores obtidos nas soluções propostas, observando as cores obtidas em cada uma das soluções e a seguir, realiza-se os mesmos testes com um indicador convencional, classificando-as em ácidas ou básicas. Então, feita uma compara-se entre o desempenho do indicador convencional em relação aos indicadores naturais, ressaltando a semelhança dos resultados obtidos.

FASE 6 – Discussão final dos resultados com os alunos, comparando as cores obtidas com a classificação proposta por eles, com base nas escalas de cores para os indicadores naturais.

Quando as mudanças de cores não foram observadas para as amostras coloridas, as mesmas foram diluídas.

RESULTADOS

Os resultados obtidos pelos alunos, divididos em cerca de 4 ou 5 grupos de 5-8 alunos por turma, são apresentados na Tabela 1, para cada um dos indicadores naturais utilizados e para a fenolftaleína.

DISCUSSÃO

- Principais Discussões

O que realmente mais impressionou os alunos não foi sequer o fato de haver indicadores naturais, mas o próprio fato de saberem o que significavam tais indicadores. Muitos deles diziam pensar que, devido à falta de aulas de laboratório, ao entrarem em contato pela primeira vez com os conceitos Ácido-Base, ouviam e escreviam o nome fenolftaleína e papel de tornassol, sem ao menos imaginar para que serviam ou se existiam de fato. Este aliás, foi um dos principais pontos norteadores das discussões.

Outro fato bastante discutido, foi a própria existência de indicadores naturais. Muitos dos alunos perguntaram se havia uma relação entre as cores observadas nas diferentes flores, ou alguma relação das antocianinas presentes nas flores com o pH do solo, etc...

Discutiu-se também flores de outras tonalidades e se o efeito era o mesmo. Tal fato foi discutido levando-se em consideração as substâncias presentes nas diferentes tonalidades de flores e quais delas têm propriedades de indicador.

Os alunos surgiram com vários outros exemplos, dentre os quais pode-se citar o repolho roxo (largamente conhecido), beterraba, berinjela, sementes de Maria sem vergonha, e outras dezenas de flores de coloração vermelha e roxa, comuns no cerrado da região do triângulo mineiro.

- Outras Constatações

Outras dados relevantes foram levantados na pesquisa que foi feita entre os alunos, de acordo com questionário padrão MEP/96-0048, o qual se transcreve abaixo:

Universo: 148 alunos.

1 – Avalie a Prática de Ensino:

87% Ótima 6% Boa 3% Ruim 4% Não opinaram

2 – Ela condiz com sua realidade cotidiana:

91% Sim 7% Às vezes 2% Não

3 – Ela ilustra bem a parte teórica envolvida:

79% Sim 17% Em parte 4% Não

4 – Você consegue relacionar o que aprendeu pela prática com o que vive em seu cotidiano:

84% Sim 15% Em parte 1% Não.

5 – Avalie a parceria Aula Teórica e Aula Prática, neste caso:

35% Excelente 27% Ótima 29% Satisfatória 9% Ruim.

CONCLUSÕES

O experimento teve boa repercussão entre os alunos e se mostrou muito eficiente na demonstração de conceitos de acidez e basicidade, bem como a utilização dos corantes naturais na classificação dos materiais. A prática mostrou-se eficiente e de rápida execução, com duração de aproximadamente 90 minutos.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a direção do Movimento de Educação Popular da Universidade Federal de Uberlândia, e as demais escolas estaduais periféricas, que cedem seus alunos ao Movimento.

MHFBS agradece à FAPESP pela bolsa concedida (Processo: 99/03726-3).

SOARES, M.H.F.B. et al. Usinf natural dyes in high school courses. Ecl. Quím. (São Paulo), v.26, p. , 2001.

ABSTRACT: Flowers of Tibouchina granulosa e Bauhinia variegata and skin of black bean grains were used in experiments to identify the acidic or basic character of ordinary materials such as vinegar, fruit juices, detergent formulations. The application was performed with students from public high schools of the city of the Uberlândia/MG – Brazil. The results obtained with the crude extracts was compared with fenolftaleine. Are of the most important point of discussion with the students was the indicator concept. The experiment was performed in the classroom and was very well accepted by the students in the demonstration of acidity, basicity and indicator concepts.

KEYWORDS: Indicators, chemistry teaching, natural dyes, alternative experiments.

Recebido em 28.8.2000.

Aceito em 20.11.2000.

  • 1 BROUILLARD, R.; The flavonoids - Part I; Harborne, J.B: Ed. Chapman and Hall, .. London, 1975, p. 525.
  • 2 BROUILLIARD, R.; DELAPORTE, B.; Chemistry of anthocyanin pigments 2. kinetic and thermodynamic study of proton transfer, hydratation, and tautomeric reactions of malvidin 3- glucoside. J. Am. Chem. Soc., v.99, p. 8461-8, 1977.
  • 3 BROUILLIARD, R.; DUBOIS, J.E.; Mechanism of structural transformation of anthocyanins in acidic media. J. Am. Chem. Soc, v. 99, p. 1359-64, 1977.
  • 4 CALAFATI, S. A .; SOUZA, J. A .; CAPELATO, M. D.; Estudo do extrato de Jambolão (Syzygium jambolanum) como indicador ácido-base. In: 40.a REUNIÃO ANUAL DA SPBC, 03, 1988, Anais...Goiânia: Imprensa Universitária, 1988, p. D.2.6.
  • 5 COUTO, A . B.; RAMOS, L. A .; CAVALHEIRO, E. T. G.; Aplicação de pigmentos de flores no ensino de química. Química Nova (Brasil), v.21, p. 221-7, 1998.
  • 6 GEPEQ (Grupo de Pesquisa em Ensino de Química-USP/SP).; Estudando o equilíbrio ácido-base. Química Nova na Escola (Brasil), v.1, p. 32-3, 1995.
  • 7 MARKHAN, L. R.; The flavonoidsPart I; Harborne, J.B.; Ed.Chapman and Hall, London, 1975, p. 2-38.
  • 8 MOVIMENTO DE EDUCAÇÃO POPULAR Questionário Padrão de Avaliação de Novos Experimentos/Vivências, 004 de 1996.
  • 9 VELOZO, E. S.; RODRIGUES, P. C.; RAMUS, A .; GIUDICI, R.; ROQUE, N. F.; OSÓRIO, V. K. L.; In: Extração, identificação e utilização de antocianinas de Euphorbia pulcherrima em ensino de química. In: 40.A REUNIÃO ANUAL DA SPBC, 18, 1988, Anais...Goiânia: Imprensa Universitária, 1988, p. D.2.6.
  • *
    Departamento de Química – Universidade Federal de São Carlos – 156565-970 – São Carlos – SP - Brasil.
  • †
    Movimento de Educação Popular – Universidade Federal de Uberlândia – 38400-000 Uberlândia – MG - Brasil.
  • ‡
    Sindicato dos Transportadores de Uberlândia – 38406-509 – Uberlândia – MG.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Nov 2002
    • Data do Fascículo
      2001

    Histórico

    • Aceito
      20 Nov 2000
    • Recebido
      28 Ago 2000
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