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Ação didática das editoras universitárias

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Ação didática das editoras universitárias

Leilah Santiago Bufrem

Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná. Doutora em Editoração pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Professor Adjunto do Departamento de Biblioteconomia da Universidade Federal do Paraná

Como suporte básico para a divulgação dos conhecimentos necessários ao estudo e à pesquisa, o livro foi e tem sido instrumento vital para a instituição universitária.

Intimamente ligado ao contexto medieval e ao momento em que surgiram as primeiras universitas, o livro foi sendo aperfeiçoado e seus misteres organizados em estreita dependência das primeiras instituições de ensino superior. Com o crescente número de estudantes matriculados nas universidades e escolas, a demanda por livros aumentou e a prática anteriormente aprimorada nos scriptoria dos mosteiros, foi se tornando comum a partir do século XII nas universidades, especialmente nas francesas, italianas e espanholas (KATZEINSTEIN, p.244).

Nas universidades alemãs os professores ditavam textos aos alunos como apoio às aulas, confirmando uma prática desenvolvida até o surgimento das técnicas de impressão, inicialmente apresentadas por Gutenberg e alteradas substancialmente no decorrer do século XIX. (DIEZBORQUE, p. 140).

Todavia, independente dos processos e técnicas definidores de sua forma, o livro conseguiu conservar sua qualidade única de instrumento de circulação de textos literários e científicos imprescindíveis ao conhecimento das mais atuais correntes do pensamento.

A complexa realidade do texto escrito, é descrita por Lafont (p.138) que o considera tanto como objeto de comunicação, produto de uma prática social e cultural, quanto como espaço de produção e circulação de sentido.

A competência textual supõe, por sua vez, um certo numero de saberes e de práticas. Ela envolve categorias profissionais e institucionais e permite destaque especial à editora universitária.

Como qualquer instituição, uma editora universitária estrutura-se a partir da representação concreta de uma determinada ideologia e sua vocação depende do contexto social e cultural em que está inserida. Mas o sucesso de suas atividades, dependerá do conhecimento do contexto e da consciência das limitações que este impõe.

Em recente estudo sobre as editoras universitárias brasileiras, tento contribuir para o conhecimento da situação em que elas se desenvolveram e dos papéis que desempenham ou potencialmente podem desempenhar.

É vasto o campo de atuação das editoras universitárias. Com os resultados das reflexões constantes na literatura e nos dados da pesquisa foi possível identificar, entre os papéis que lhes são atribuídos, um, designado por muitos como pedagógico, e por outros como didático. È esta vertente da ação cultural de uma editora universitária que pretendo projetar com maior realce entre os compromissos de uma universidade.

Embora incipiente a literatura sobre o tema, destaca-se como pensamento de alguns autores a expressão dessa vertente. Ela se identifica com o projeto político da universidade, espaço reservado pela sociedade para a transmissão sistemática do saber universal. Segundo Vieira (p.24) a importância política da educação reside na socialização do conhecimento.

Numa perspectiva de apoio ao ensino, a editora universitária deverá instrumentalizar professores e alunos, preenchendo lacunas em áreas mais carentes de bibliografia e dinamizando o fluxo de informações, especialmente por ser o livro ainda a forma "mais viável, econômica e eficaz de aprendizagem e transmissão de idéias, quando se quer atender a um número considerável de interessados" (GARCEZ, p.112)

Aplicando-se a essa linha, a editora torna-se fator de fomento à qualidade do ensino, em qualquer nível ou área do saber.

Séries didáticas, reunindo títulos que contribuam para a qualidade e desenvolvimento do ensino, têm sido objeto de edição. Por outro lado, alguns editores referem-se a uma linha de vanguarda que abrigue o que de mais recente e atual houver em determinadas áreas do conhecimento para constituir-se em uma coleção de ponta.

Assim, a editora deve preocupar-se "com a apresentação de novos conhecimentos, das tecnologias de ponta, e dos resultados das pesquisas universitárias" (CAMPOS, SNEU, p.107) para o que tem, sem dúvida,posição privilegiada, com "fácil acesso á pesquisa e aos trabalhos dos professores" (KNAPP,SNEU,p.123).

Cumprindo esse papel estimulador do debate crítico, de novas produções intelectuais, a editora não somente favorece o autor consagrado mas também contribui para lançar o autor novo ou aquele que, distante dos eixos culturais mais dinâmicos, tem apenas o caminho da universidade para tornar seu trabalho conhecido.

O estímulo e apoio ao autor novo, além dos efeitos imediatos sobre a produção intelectual, favorecerá o crescimento da massa crítica e deverá ser acompanhado de uma ação pedagógica no sentido de aperfeiçoar o autor, o processo e o produto editorial.

Garcez indica duas direções nesse percurso: a primeira, diria respeito ao próprio autor que" em diálogo permanente com a equipe de editoração, recebe orientações para aperfeiçoar cada vez mais seu original" e vislumbra a possibilidade de publicação, sentindo-se estimulado a produzir mais e organizar mais seu texto; a segunda direção ocorre junto aos conselheiros editoriais que, em constante e enriquecedora tarefa crítica, desenvolvem "diálogo com a ciência e a cultura com os outros consultores e com o próprio autor." (GARCEZ,p.115)

Colocando em destaque a " preparação do cientista para a elaboração de textos", Furtado (p.16) enfatiza a necessidade do aprendizado para a seleção, geração e uso de informações ao mesmo tempo que reconhece a importância de aperfeiçoar a prática científica e a elaboração de informações adequadamente codificadas. Acrescenta às vantagens decorrentes de uma política de seleção criteriosa, a prática de discutir princípios ou técnicas, criadora de um ambiente favorável à transformação necessária e como antídoto à reprodução metódica, sempre reforçada pela institucionalização.

A idéia de que uma editora deve se constituir em laboratório de edição tem sido discutida entre diretores de editoras universitárias e praticada por alguns. A proposta é válida por atender à vertente pedagógica da atividade editorial. Trabalhos com estagiários têm sido desenvolvidos, procurando não só a integração entre ensino e atividades práticas, mas entre diversas áreas do saber relacionadas com o fazer editorial.

Discorrendo sobre as linhas de publicação da Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, Salim Miguel cita apoio didático e o incentivo à publicação de teses, dissertações e ensaios, além de funções relacionadas à orientação aos autores no processo de reelaboração ou modificação ou modificação de seus trabalhos.(MIGUEL,1990)

Defende-se, também, o caráter exemplar de uma editora universitária fundamentado na concepção de universidade como padrão ideal, válido enquanto sugere a concretização dos projetos da vanguarda universitária. Esse caráter deve acompanhar todas as atividades editoriais, desde o recebimento e tratamento dos originais, até a sua divulgação e distribuição, destacando-se a ação pedagógica de alcance social.

Entre as funções que podem ser consideradas exemplares de uma editora universitária João Alexandre destaca a " veiculação do saber que se produz dentro de cada universidade ". Considera, também, que as editoras devam ter "alguma coisa de didático".Nesse sentido, a EDUSP iniciou um trabalho com estagiários da Escola de Comunicação e Artes nas dependências da Editora. "Assim se configura",segundo ele, "essa função didática que a editora universitária deve exercer com relação à própria universidade e com relação à editoração de um modo geral".(BARBOSA,1990)

Torna-se evidente, pelos resultados do estudo, que as atividades de natureza didática ou pedagógica, desenvolvidas junto ao autor e em prol do aperfeiçoamento do produto editorial têm sido prática de algumas editoras universitárias. Além destas, os estágios aparecem como outra manifestação de caráter pedagógico da atividade editorial.

O aprendizado, atualizando-se na prática e nas relações do grupo, aqui considerado como pesquisador coletivo, pode ser avaliado, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos, especialmente se consideradas as dificuldades que vêm enfrentando as instituições de ensino superior no Brasil.

Os eventos que reúnem editores universitários, tanto a nível nacional quanto internacional, muito vêm contribuindo para o aperfeiçoamento da produção das editoras, quer diretamente, pela participação pessoal, quer indiretamente, pela literatura divulgada em decorrência dos mesmos.

Os representantes das editoras universitárias, quando empenhados em transmitir com fidelidade sua prática, influenciam-se reciprocamente, impulsionando o processo. Seus relatos de experiências têm sido significativos pois, enquanto por um lado, fortalecem e estimulam práticas, por outro, afastam desacertos potenciais. Avaliadas posturas e discutidas oportunidades e limitações pelas circunstâncias, os encontros ensejam o aprendizado e o crescimento dos participantes e, por extensão, das instituições neles representadas.

Dessa forma, a editoração universitária vai evoluindo e criando novos e específicos contornos enquanto distingue-se por linhas, técnicas e estilos dotados de valor no seu campo de atuação.Suas "marcas de distinção" já vêm sendo aceitas como culturalmente pertinentes e, portanto, "susceptíveis de serem percebidas e reconhecidas enquanto tais". (BORDIEU, p.109.)

Uma intenção só se justifica enquanto projeto intelectual concreto, pela dialética que se estabelece entre a realidade e suas exigências, de um lado, e o campo intelectual a elas correspondente, de outro. Justifica-se uma editora universitária na medida em que lhe são reconhecidas as características próprias e atribuídas funções, como braços da instituição que as abriga.

Sobre a importância das editoras para a universidade, uma expressão multicitada e atribuída a York Powell diria: "Se você tiver uma biblioteca e uma editora você tem tudo que é necessário para uma universidade". (TRUSCOTT,p. 189) Decorre da afirmativa, que a universidade não só pode, como deve ser a fonte de cooperação e divulgação do produto intelectual. E o editor universitário, por sua vez, deveria ser o mais genuíno dos editores científicos. Das funções básicas da universidade, ensinar e investigar, decorrem outras, como a difusão dos conhecimentos já registrados sob a forma de edição.

Um projeto cultural voltado para a divulgação dos conhecimentos, interessado nos fatos sociais e nas transformações decorrentes das contradições entre as forças em antagonismo, é um projeto que envolve necessariamente a sociedade e contribui no sentido de auxiliar a instituição a afirmar-se como vanguarda e líder intelectual. Todo projeto intelectual é, portanto, projeto político.

Defino como política editorial "o resultado de estudos e avaliações para a definição de critérios de atuação editorial, procurando adequar estruturas e domínios à natureza, características e finalidades da instituição". (BUFREM, p.455)

Embora considere que a política é a arte do possível e que o caráter de uma instituição é essencialmente dinâmico, pois as condições objetivas da prática variam de uma estrutura para a outra, creio que ao desempenhar seus papéis, a editora universitária estará cumprindo uma atribuição que se pode declarar "radical": a pedagógica, pois dela decorrem as demais. E dela não se poderá abrir mão, sob pena de desvirtuar-se o verdadeiro sentido de uma editora universitária.

  • BARBOSA,João Alexandre. Entrevista concedida a Leilah Santiago Bufrem. São Paulo, 1990.
  • BORDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 2.ed., São Paulo : Perspectiva, 1987, 361p.
  • BUFREM, Leilah Santiago. Editoras universitárias no Brasil: uma crítica para reformulação da prática. Tese de doutorado apresentada à Escola de Comunicações e Artes da USP, 1991.3 v.
  • CAMPOS, José Francisco B.de. Editoras Universitárias :editar ou perecer. In:SEMINÁRIO NACIONAL DE EDITORAS UNIVERSITÁRIAS. Anais...Campinas : Ed. UNICAMP,1986.148 p., 105-110.
  • DIEZ BORQUE, José Maria. El libro: de La tradición oral a la cultura impresa. Barcelona : Montesinos, 1985. 164 p.
  • GARCEZ, Lucília Helena do Carmo. Política Editorial Universitária. In:MESQUITA, João V. de C. Sobre livros. Fortaleza : UFC, 1984 148 p.,53-61.
  • KATZEINSTEIN, Ursula E. A origem do Livro : da idade da pedra ao advento da imprensa no ocidente. São Paulo : HUCITEC, INL, 1986, 455 p.
  • KNAPP, Wolfgang. Atuação e desenvolvimento da indústria editorial no Brasil. In : Política editorial e hábitos de leitura. São Paulo : Com Arte, 1987. 126 p., p.92-97.
  • LAFONT, Robert et al. Pratique, pouvoir, culture. In:______. Antropologie de le escriture. Paris : Centre Georges Pompidou, 1984. 255 p., p.133-218.
  • MIGUEL, Salim. Características das editoras de universidades. Correio do Livro, Brasília, ago/out. 1986.
  • TRUSCOTT, Bruce. Red brick university. London : Faber and Faber, 1943. 191 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1993
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