ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA
Estratégia docente
Albano Woiski
Livre-Docente em Educação. Professor Titular de D¡ática do Departamento de Métodos e Técnicas da Educação e do Curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná
Na formação de professores para qualquer grau de ensino, discute-se muito pouco sobre a estratégia do ensino: como conduzir do sensível ao inteligível.
No entanto, o léxico-prático ou a linguagem-ação constitui, na realidade dos fatos, o cerne da profissão docente: fazer-se inteligível. Talvez pela pressa, talvez pela rotina, os professores em geral, não mais atinam sobre o significado da linguagem que estão empregando na prática, quando, durante a instrução, falam para seus alunos. A vida humana se passa toda ela desde muito cedo em meio a ordens recebidas e dadas, algumas nem sempre adequadas à ação exigida.
A estratégia docente é na realidade a profissão docente. Consiste em saber dar a ordem exata no momento adequado, porque sempre a ação acompanha o pensar. É a estratégia docente que purifica a simples instrução, dando-lhe significado humano, isto é, valioso.
Assim, o sentido da estratégia é o de comando: relaciona-se com a vida militar diretamente; mais com as ordens preparatórias de combate iminente vindas do general - estrategos, em grego - o responsável direto pelos efeitos militares. Daí afirma-se que as vitórias ou as derrotas dependem de estratégias.
A estrategia difere, mas guarda relação com o estratagema: a diferença reside nos critérios. Tanto a esperteza como a intuição constituem estratagemas; são ocasionais, não são aprendidos.
A estratégia merece ser definida como uma arte aprendida de dirigir um complexo de elementos, visando conjugar pessoas e materiais, em coerência com o objetivo a alcançar. Repelindo o acaso e a improvisação, resume-se em uma forma adequada de linguagem-ação, adequada com o objetivo visado.
A estratégia médica, a estratégia jurídica é que constituem a profissão do médico, a medicina como arte de curar, a profissão do advogado, a advocacia como arte de propor ações cíveis, criminais. A arte, não a artimanha, inteiramente pessoal aprendida pelo profissional, de usar da linguagem-ação em cada caso é precisamente o que todos nós esperamos de um profissional, e certamente de um professor.
É a estratégia na ação o segredo do sucesso, a marca do éxito. Frederick Winslow Taylor (1856-1915) dizia: "o importante é que para cada processo se estude ou se determine a técnica mais conveniente". Henry Fayol (1841-1925) afirmava: "espírito de equipe, iniciativa pessoal e unidade de comando asseguram o êxito". Henry Ford (1863-1947) ensinava: "a preocupação do bem-estar social gera a equipe e esta aumenta a produtividade e melhora a qualidade". Note-se que eles se referiam à estratégia industrial então nascente ...
Com o advento da produção em massa para o consumo da massa, a propaganda atual tornou-se verdadeiramente estratégica: usar da palavra-ação adequada à imagem apresentada hedônicamente.
O ensino moderno possui bases científicas. Atualmente o ato de ensinar numa Universidade deixou de ser palanfrório retórico e exegético. A base científica do ensino eficiente de qualquer grau são as tarefas operatórias e quando ligadas convenientemente às fases do desenvolvimento humano (infância, adolescência, juventude), concorrem eficazmente para a maturidade nessas fases, pois se constituem em esquemas pessoais da assimilação pelo esforço, propiciando a compreensão da realidade.
Jean Piaget comprovou experimentalmente que não existe a inteligência como um instrumento pronto para pensar, raciocinar e concluir. A inteligência não pode ser considerada como um ponto de partida; ela é antes um ponto de chegada, assim como um estado de equilíbrio entre adaptações sucessivas bem como entre permutas assimiladoras e acomodadoras entre o organismo e o meio.2 Os fatos revelam que, quando operações são encadeadas em seqüência lógica, esquemas mentais se estruturam dinámicamente permitindo a assimilação da constituição da realidade, de maneire reversível. Desse modo, o indivíduo humano não nasce inteligente, mas com possibilidades de vir a agir de forma inteligente, isto é, coerentemente, na proporção em que lhes sejam proporcionadas condições adequadas para operar pessoalmente com a realidade, visando encontrar, pelo seu esforço, soluções para um dado problema e, não simples resposta para uma pergunta formulada. É a ação inteligentemente executada. A esta situação Piaget denominou de operacionalização: Organizar "agrupamentos operatórios" progressivos, mediante a interpretação de signos. Por outras palavras, operacionalizar é operar na mente, dando uma ordem lógica aos fenômenos cognitivos, formando estruturas mentais progressivamente equilibrada, de modo que as trajetórias entre a pessoa e os objetivos de sua ação deixem de ser simples reflexos, mas necessitem de composições progressivamente ordenadas e coerentes com o nível de seu interesse, por ocasião de tentar resolver dificuldades.
Ora, se atentarmos bem, o professor na escola e até mesmo na Universidade, parece que se preocupa quase sempre com operações imediatas do tipo fazer, escrever, pintar, redigir, que de si mesmas não passam de fenômenos cognitivos desestruturados da mente dos seus alunos.
Há um desconhecimento flagrante da estratégia docente: ensinar como se fazem estruturas mentais por meio da operacionalização.
O Magistério se esqueceu que as molas do pensamento são os verbos-de-ação e que objetivos nada mais são que operacionalizações ou ações no pensamento também, e não somente reações neuro-musculares.
Tal descaso pela operacionalização empobreceu a linguagem dos professores, não tanto pelo uso e abuso de aparelhos de ilustração e de informação, mas de modo particularmente perigoso, representado pelo valor menor atribuído por eles à ação no pensamento.
Informar é uma faceta do magistério em vias de enormes transformações graças aos avanços cibernéticos da informática; de uma hora para outra aparelhos de informação estarão substituindo instrutores por manipuladores.
A outra faceta, na qual o magistério não poderá ser substituído é o ensino educativo, no qual o importante não é o ato repetitivo ou a reação condicionantemente reforçada, mas as "ações mentalizadas" convenientemente estruturadas sob a forma de contínua reconstrução destinada a transpor o plano do concreto para o plano do abstrato e reflexivo.
A estratégia docente consiste em determinar para os alunos de qualquer grau de desenvolvimento uma série de "tarefas operatórias" como forma de conduzi-los a mentalizar o que realizam externamente, tais como: conceituar, relacionar, representar, classificar, que se constituem em objetivos de aprendizagem.
Compete ao professor, aos poucos, estabelecer entre ele e seus alunos uma espécie de código de linguagem como forma explícita de agir pensando. Porém, para isso é imprescindível que ele mesmo esteja consciente dessas ações mentalizadas e dessas tarefas operatórias.
É óbvio que se o professor for um estrategista, seus alunos serão provados por meio de tarefas operatórias onde o essencial não é ter respostas prontas, mas é ir descobrindo "agrupamentos" mentais, integráveis progressivamente. Caso ele seja um repetidor de noções e esquemas prontos é muito mais simples aplicar os testes de múltipla escolha de avaliação quantitativa.
Como auxílio, pode-se sugerir como "tarefas operatórias", entre outras, as seguintes, que precisam ser interpretadas pelos alunos, de acordo com o seu grau de desenvolvimento:
1º. sériar: ordenar segundo critérios numéricos ou físicos, seguir seqüências, progressos, ordenar no tempo (cronologicamente).
2º. classificar: distinguir ou aproximar por semelhanças ou diferenças, ordenar por generalização crescente ou decrescente, distinguir gêneros e espécies, enquadrar indivíduos em classes, dividir gêneros em espécies, enquadrar espécies em gêneros, 3º. relacionar: comparar percebendo semelhanças e diferenças; contrastar, distinguir; estabelecer simples e múltiplas entre fatos ou idéias situados no mesmo plano ou ordenados hierarquicamente; aproximar antecedentes e conseqüentes; ligar fins e meios; variar fatores; estabelecer proporção, concatenar, encadear.
4º. compor: reunir totais ou sistemas a partir de elementos dissociados; construir novos sistemas ou objetos; ligar dados conhecidos e desconhecidos, 5o. anaiisar: decompor sistemas ou objetos ou fatos em elementos constitutivos; enumerar qualidades ou quantidades ou propriedades; narrar, descrever, discriminar.
6º. sintetizar: reduzir a elementos essenciais, básicos, fundamentais; escolher ou selecionar elementos segundo critérios determinados; reduzir a esquemas; a quadros sinóticos, a fórmulas; condensar, resumir, compreender relacionando o essencial aos acessórios; distinguir a essência.
7º. localizar: perceber fatos, acontecimentos, situações no tempo e no espaço de forma determinada; situar pessoas, personagens, eventos na história.
8º. representar: interpretar a realidade ou operações por meio de signos convencionais; simplificar a realidade por meio de esquemas ou fórmulas; exprimir graficamente relações por meio de croquis, gráficos, diagramas, organogramas, fluxogramas, cortes, cartas, mapas, diapositivos.
9º. conceituar: definir, explicar, desenvolver idéias, proposições.
10º. provar: justificar, esclarecer, fundamentar, defender pontos-de-vista, concluir com senso e equilíbrio.
11º. transpor: transformar, reproduzir modificando, interpretar segundo critérios; deslocar textos, objetos, princípios, postulados, conseqüências,
12º. avaliar: julgar criteriosamente, discutir valores, apreciar, criticar, debater posições, afirmações ou negações, pontos de vista, opiniões, conclusões,
13º. induzir: observar, experimentar, levantar hipóteses, comprovar hipóteses pela experimentação, generalizar pelos princípios lógicos,
14º. deduzir: compreender relações necessárias; justificar logicamente, argumentar, demonstrar, polemizar, aplicar conseqüências.
Este assunto, à primeira vista, pode ser considerado trivial e até mesmo banal, sem nenhum valor. Entretanto, já tem merecido a atenção de alguns especialistas em aprendizagem escolar.
Norman E. Gronlund, dedicou uma de suas obras para demonstrar que quando se propõe o professor a conduzir alunos a atingirem objetivos, em sala de aula, mediante a instrução, estabelece verbos-de-ação, visando avaliar o nível de aprendizagem sempre em termos de ações pensadas, do tipo aprenderam a deduzir, por exemplo.1
Carl R. Rogers, com a autoridade de sua posição como experiencialista, afirma que a verdadeira aprendizagem é sempre significativa, quenendo dizer que o "trabalho do professor e do educador, assim como do terapeuta, está intrinsecamente envolvido estrategicamente com o problema dos "valores concebidos", entendidos como a antecipação ou previsão do comportamento dirigido no sentido de um objeto simbolizado".3
Parece, assim, que a profissão docente consiste em ativar verbos, abandonando exposições que, na maior parte das vezes preparam devaneios.
NOTAS DE REFERÊNCIAS
1 - GRONLUND, Norman E. A formulação de objetivos comportamentais para as aulas. Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1970.
2 - PIAGET, Jean. La psychologie de l'intelligence. Paris, A. Colin, 1947.
- 1 - GRONLUND, Norman E. A formulação de objetivos comportamentais para as aulas. Rio de Janeiro, Ed. Rio, 1970.
- 2 - PIAGET, Jean. La psychologie de l'intelligence. Paris, A. Colin, 1947.
- 3 - ROGERS, Carl R. Freedon to learn. Columbus, Ohio, C. E. Merril, 1969.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Mar 2015 -
Data do Fascículo
Dez 1984