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Alunos no ensino fundamental, ampliação da jornada escolar e Educação Integral

Elementary school students, the increase of daily school hours and the Complete Education concept

Resumos

Este ensaio é tecido com falas de alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, coletadas durante pesquisa nacional que trabalhou com experiências de ampliação da jornada escolar. Discutimos concepções de Educação Integral, materializadas nas práticas de ampliação de jornada escolar, a partir do olhar desses alunos e fundadas em dois pressupostos: (1) a ampliação da jornada escolar pode influir na qualidade da educação, quando se constitui como uma formação completa do ser humano; e (2) essa concepção de Educação Integral inicia-se nos anos iniciais do ensino fundamental. O trabalho estrutura-se em três partes que descrevem falas desses alunos, realizando inferências sobre como veem a ampliação da jornada escolar; analisam essas falas, com quadro conceitual que apresenta diferentes propostas de ampliação da jornada escolar com Educação Integral e refletem sobre a concepção de Educação Integral na contemporaneidade, comparando-a às falas desses alunos.

Educação Integral; ampliação da jornada escolar; estudantes


This paper is based on Elementary School students' speeches, gathered through a national survey. An experience to increase the daily school hours was underway at the time of the survey and concepts about education were discussed. These concepts were brought into action through practical experiences based on two fundamental assumptions: (1) increasing the daily school hours can have influence on the quality of learning when it is constituted as complete education for the human being; (2) the concept of complete education starts at the early years of Elementary School. The work was based on three parts to describe the students' speeches, including inferences on how they see the increase of daily school hours; analyzing these speeches through a conceptual image of different proposals to increase the daily school hours providing a complete education; and thinking about the concept of complete education nowadays, comparing it to the students' speeches.

Integral Education; expanding the school day; students


DOSSIÊ O VALOR DO TEMPO EM EDUCAÇÃO: JORNADAS ESCOLARES AMPLIADAS, EDUCAÇÃO INTEGRAL E OUTRAS EXPERIÊNCIAS SOBRE O USO E O SIGNIFICADO DO TEMPO EDUCATIVO ESCOLAR

Alunos no ensino fundamental, ampliação da jornada escolar e Educação Integral1 1 Este ensaio, revisto e ampliado, foi aprovado para apresentação durante a 34ª. Reunião Anual da ANPEd, ocorrida em Natal/RN, em outubro de 2011.

Elementary school students, the increase of daily school hours and the Complete Education concept

Lígia Martha C. da C. Coelho

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio De Janeiro (UNIRIO); Coordenadora do NEEPHI-Núcleo de Estudos-Tempos, espaços e Educação Integral/ UNIRIO, Brasil. E-mail: ligiamartha@alternex.com.br

RESUMO

Este ensaio é tecido com falas de alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, coletadas durante pesquisa nacional que trabalhou com experiências de ampliação da jornada escolar. Discutimos concepções de Educação Integral, materializadas nas práticas de ampliação de jornada escolar, a partir do olhar desses alunos e fundadas em dois pressupostos: (1) a ampliação da jornada escolar pode influir na qualidade da educação, quando se constitui como uma formação completa do ser humano; e (2) essa concepção de Educação Integral inicia-se nos anos iniciais do ensino fundamental. O trabalho estrutura-se em três partes que descrevem falas desses alunos, realizando inferências sobre como veem a ampliação da jornada escolar; analisam essas falas, com quadro conceitual que apresenta diferentes propostas de ampliação da jornada escolar com Educação Integral e refletem sobre a concepção de Educação Integral na contemporaneidade, comparando-a às falas desses alunos.

Palavras-chave:Educação Integral; ampliação da jornada escolar; estudantes.

ABSTRACT

This paper is based on Elementary School students' speeches, gathered through a national survey. An experience to increase the daily school hours was underway at the time of the survey and concepts about education were discussed. These concepts were brought into action through practical experiences based on two fundamental assumptions: (1) increasing the daily school hours can have influence on the quality of learning when it is constituted as complete education for the human being; (2) the concept of complete education starts at the early years of Elementary School. The work was based on three parts to describe the students' speeches, including inferences on how they see the increase of daily school hours; analyzing these speeches through a conceptual image of different proposals to increase the daily school hours providing a complete education; and thinking about the concept of complete education nowadays, comparing it to the students' speeches.

Keywords: Integral Education; expanding the school day; students.

...Da(s) pesquisa(s), de seus instrumentos e do sujeito aluno

Falar sobre ampliação da jornada escolar já não é mais uma "novidade" na educação brasileira. Se até o século XX essa era uma temática raramente discutida em nosso meio acadêmico, no século XXI ela emerge juntamente com um conjunto de políticas e práticas que objetivam influir na melhoria da qualidade de ensino no Brasil. Como o tempo de permanência na escola, desde há muito, se constitui como nosso objeto de estudo, podemos dizer que as várias experiências de jornada ampliada que vêm proliferando pelo país afora têm qualificado as reflexões que empreendemos sobre a ampliação do tempo escolar.

Entre esses estudos, destacamos os que realizamos entre os anos de 2008 e 20102 2 Estamos nos referindo às pesquisas denominadas Educação Integral/Educação Integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira – estudo quantitativo e Educação Integral/Educação Integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira – estudo qualitativo. . Fruto de financiamentos oriundos de órgãos de fomento federais, as duas pesquisas – de caráter nacional e natureza interinstitucional – apresentavam, como objetivo, aprofundar reflexões em torno do conceito de tempo escolar e, ainda nesse contexto, mapear experiências de ampliação da jornada escolar no país.

Especificamente a segunda dessas pesquisas proporcionou-nos colecionar um significativo e rico material, a partir de coleta de dados realizada por meio de entrevistas com gestores municipais, professores e outros sujeitos que atuam em experiências de ampliação da jornada escolar em municípios espalhados pelas regiões nordeste e sudeste do Brasil. Em alguns desses municípios e experiências, tivemos a oportunidade de também entrevistar alunos dos anos iniciais do ensino fundamental. Este estudo é tecido com e sobre as falas desses alunos.

Olhando para esse material como o ourives de Bilac olhava para as pedras que lapidava, nele buscamos encontrar pistas de como os alunos justificam a ampliação da jornada em relação à sua vida, dentro e fora do espaço escolar e como compreendem as diversas atividades por que passam na escola, ao longo dos dias. Nossa indagação, nesse sentido, era a de saber se essas experiências poderiam ser consideradas como de Educação Integral.

A partir desses nortes e questão, constituímos como objetivo deste trabalho discutir concepções de Educação Integral, materializadas nas práticas de ampliação de jornada escolar a partir do olhar daqueles que se formam por meio delas – os alunos, estudantes nos anos iniciais do ensino fundamental. Firmando-nos nesse ponto, a questão detonadora do estudo se amplia: Serão essas atividades entendidas como Educação Integral, por esses alunos? Em caso afirmativo, de qual Educação Integral falamos?

Metodológica e eticamente, procuramos não expor diretamente os entrevistados e os municípios que nos receberam3 3 Na consecução deste trabalho, levamos em consideração a Lei n. 9610, de 19 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre os direitos autorais. , motivo pelo qual nos referimos aos três municípios que recortamos da pesquisa nacional, utilizando as três primeiras letras do alfabeto (municípios A, B e C, respectivamente). Em relação aos alunos cujas falas serão transcritas, optamos por indicá-los por meio do número de falas que recortamos, totalizando sete. É preciso destacar, ainda, que a opção pelos três municípios se deu em virtude de termos entrevistado alunos nesse grupo, situação que não se repetiu nos outros cinco dos oito municípios visitados, quando da coleta de dados.

Fechando esta introdução, é preciso deixar claro que há pressupostos embutidos no problema e nas questões aqui apresentados – os de que (1) a ampliação da jornada escolar dificilmente consegue influir na qualidade da educação, se não se constitui como uma Educação Integral, entendida esta como formação completa do ser humano e que (2) a ampliação da jornada escolar, com Educação Integral, deve começar no ensino fundamental, mais precisamente nos anos iniciais. Esses pressupostos serão resgatados nas seções que se seguem, uma vez que fundamentam parte de nossas argumentações.

Visando assim discutir as questões já expostas em parágrafo anterior, o texto se estrutura em três momentos, todos baseados nas falas de alunos de três municípios/experiências com que trabalhamos na referida pesquisa nacional. O primeiro momento relata sete dessas falas, possibilitando uma primeira inferência acerca do que dizem e percebem os alunos dos anos iniciais sobre a ampliação da jornada escolar. Na segunda seção, procuramos refletir sobre essas falas, a partir de um quadro conceitual e de referencial teórico que expõe conflitos e possibilidades, desafios e tendências existentes entre diferentes propostas de ampliação da jornada escolar com Educação Integral.

Já na terceira e última parte, retomando e reforçando as falas em que os alunos demonstram seu interesse por esta ou aquela atividade, procuramos refletir sobre a concepção de Educação Integral que permeia essas falas, ou seja, apresentamos uma reflexão acerca das atuais posturas existentes sobre Educação Integral, na contemporaneidade, em comparação com as falas desses alunos: Estarão elas abarcando qual(is) concepção(ões) de Educação Integral?

Com a palavra o aluno: ampliação da jornada escolar com Educação Integral?

Conforme anunciamos na Introdução a este trabalho, nossas reflexões acerca da ampliação da jornada escolar e da Educação Integral são realizadas a partir das falas de alunos dos anos iniciais, inseridos em escolas que funcionam em tempo integral, em três municípios situados nas regiões sudeste e nordeste do Brasil. Inicialmente, visando a precisão nos conceitos que estamos utilizando, é preciso esclarecer que entendemos o tempo integral como a forma mais acabada de ampliação da jornada escolar, o que é legitimado, inclusive, pelos Decretos 6253/2007 e 7083/2010, quando consideram educação básica em tempo integral "a jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias, durante todo o período letivo".

Em cada um daqueles três municípios, conhecemos de perto as experiências de ampliação da jornada escolar desenvolvidas por seus órgãos gestores, no período da pesquisa Buscando melhor caracterizá-los sem, no entanto, identificá-los, passamos a apresentar alguns dados que cumpram essa função, relacionando-os aos dados educacionais e aos que compõem o cenário que implantou aquelas propostas de ampliação de jornada.

O município A situa-se na região sudeste do país e, no estado a que pertence, desenvolve atividades agroindustriais e turísticas. Sua população ultrapassa, em pouco, os 50 mil habitantes, podendo ser considerado como um município de pequeno porte. Em relação aos aspectos educacionais, conta também com uma rede pequena (aproximadamente dez – 10 – escolas municipais) e, verificando-se dados do INEP relacionados ao seu IDEB, constata-se que, se comparado aos dados nacionais e aos do seu estado, o município apresenta-se acima da média, no ano de 20074 4 Até a elaboração do relatório enviado ao MEC, os dados do IDEB/2009 não tinham sido divulgados. – um ponto percentual em relação ao Brasil e meio ponto percentual em relação à media do estado.

O grupo de pesquisa escolheu visitá-lo, levando em consideração o fato de o município possuir uma única experiência de ampliação da jornada escolar, implantada há aproximadamente 72 meses, na totalidade das escolas municipais de ensino fundamental, para todos os alunos dos anos iniciais. Nesse sentido, os critérios privilegiados foram os da (1) experiência estar aparentemente consolidada em toda a rede e (2) para todo o quantitativo do alunado dos anos iniciais do ensino fundamental. Contudo, quando de nossa visita, em entrevista com a gestora municipal, fomos informadas de que, a partir daquele ano, o tempo integral seria opcional.

O município B é uma cidade onde residem aproximadamente 100 mil habitantes. Está situado no vale do Rio Doce, e também pertence à região sudeste. Observando-se o IDEB do município no ano de 2007, verificamos que seus índices são maiores em relação à média nacional e à do estado, para os anos iniciais do ensino fundamental, mesma situação que encontramos no município anterior. Em entrevista com a secretária de Educação, a gestora atribuiu esse resultado à implantação da ampliação da jornada escolar no município que, em 2009, possuía setenta e duas (72) escolas municipais de ensino fundamental. Nele, as pesquisadoras conheceram três experiências, sendo duas delas materializadas em escolas e/ou centros educativos cujos espaços possibilitavam sua efetivação e uma em que os alunos, opcionalmente, frequentavam as atividades no contraturno, em um espaço parceiro.

Já o município C pertence à região nordeste e possui uma população de aproximadamente 800 mil habitantes, caracterizando-se assim como uma cidade de grande porte. Sua economia centra-se nas atividades turísticas e da indústria têxtil. Em relação à educação, o município possui setenta (70) escolas municipais de ensino fundamental. Seu IDEB aumentou, de 2005 para 2007; no entanto, seus índices encontram-se ainda abaixo da média nacional, nesses anos. Nesse cenário, a ampliação da jornada escolar emerge como uma estratégia para superar o desafio da qualidade do ensino. A rede, quando de nossa visita, trabalhava com três experiências, sendo a mais concorrida a que se relacionava ao Programa Mais Educação, do governo federal5 5 Esse Programa, instituído por meio da Portaria Interministerial n. 17/2007, que "visa fomentar a Educação Integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades sócio-educativas no contraturno escolar", vem multiplicando suas ações em vários municípios brasileiros, por meio de alocação de verbas específicas para essa finalidade. .

Nessas três realidades locais, foi possível entrevistar pais e alunos, o que não foi conseguido nos outros cinco municípios, uma vez que esses contatos eram organizados no interior das escolas, por planejamento de suas direções. No município A, as declarações dos alunos foram dadas na presença de seus responsáveis. Já nos municípios B e C, eles se encontravam realizando as atividades na ampliação da jornada, o que facilitou o contato mais direto e independente das pesquisadoras com o grupo.

Visando compreender o movimento desses alunos dos anos iniciais em torno da ampliação da jornada escolar e suas expectativas acerca das atividades que desenvolviam nessa ampliação, solicitamos a eles que nos contassem suas impressões sobre "o tempo que ficavam a mais na escola" – como o justificavam; se as atividades que realizavam lhes pareciam significativas e por que assim as consideravam.

Muitas respostas que obtivemos se repetiram – obviamente com variações discursivas – o que nos possibilitou sintetizá-las em conjuntos representativos de certos posicionamentos acerca da ampliação da jornada escolar. Outras nos chamaram a atenção pela formulação de um pensamento nem sempre presente nos alunos, quando se posicionam frente a essa ampliação. Desse conjunto de respostas, destacamos então as sete falas que apresentamos a seguir:

(1) No começo eu não gostava muito, porque a professora passava muita coisa, mas depois eu comecei a gostar, porque tinha café da manhã e almoço e à tarde tinha informática, pintura, música. Então eu aprendia mais coisa (Aluno 2, município C).

(2) Eu gosto de pintura. Eu gosto que quando eu venho aqui e tenho uns deveres difíceis que eu não sei fazer, eles têm alguém aqui pra me ajudar (Aluno 1, município C).

(3) [...] é um projeto educacional que tira a criança da rua, isso me ajudou bastante, eu gosto de tudo aqui, não tem uma aula que eu goste mais que outras, eu gosto de tudo, tem capoeira, natação, tem quadra, a gente aprende muita coisa aqui (Aluno 1, município B).

(4) Pra não ficar na rua fazendo besteira. [...] Porque em casa não tem nada pra fazer, tem desenho pra gente assistir, mas é meio sem graça (Aluno 3, município B).

(5) Eu acho boa essa experiência porque a pessoa tem aula de português, matemática, reforço, tem horta, futebol, futsal, tem internet [...] como eu não tenho computador em casa, posso interagir pela escola, pelo Mais Educação; e outras coisas a mais que eu não sabia que existiam, e existem, como coral, canto, rádio também, nunca tive essa experiência de ficar na rádio, de ser locutor, alguma coisa assim [...] Na rádio a gente também tem a oportunidade de aprender os equipamentos do rádio, o professor ensina (Aluno 1, município C).

(6) Algumas pessoas gostavam de horário integral [...] mais ou menos, né. Algumas pessoas, tipo, quando crescer eu quero fazer medicina, mas eu quero fazer uma aula de arte, eu quero ser pintora, a escola já teve essa aula [...] e aí eu já tenho isso aí em mente, né. E eu posso me destacar mais, ser uma profissional de pintura... medicina, que não tem [...] É você vai ser médica e na hora do lazer você vai ser pintora (Aluno 3, município A).

(7) É importante pro nosso crescimento, né. Quando a gente crescer [...] a gente aprende alguma coisa na parte da manhã e aprende alguma coisa na parte da tarde. Se você está só até o meio-dia, por exemplo, eu não poderia, quando eu crescer, eu não podia ser professora de música. Mas agora como eu estou aprendendo música, se eu quiser, quando eu crescer eu posso ser professora de música e veterinária [...] Ah, eu gosto muito de bichos, né, dos animais. De manhã eu aprendo... sem a parte da manhã, sem matemática, português, sem eu poder completar até o terceiro colegial e a faculdade, eu não vou poder conseguir o meu sonho e ser veterinária. Eu posso até querer, mas só que sem isso eu não vou conseguir chegar lá. Aí a parte da tarde é bom porque a gente faz alguma coisa e também aprende (Aluno 2, município A).

As falas apresentadas nos levam a pensar sobre o como esses alunos e alunas compreendem os momentos que ficam na escola, ou em algum outro espaço que, de alguma forma, se mostre educativo.

Nessa reflexão, encontramos três conjuntos de justificativas que comportam a opinião dos alunos sobre a ampliação da jornada escolar e que caracterizamos como: (1) fatores intrínsecos à natureza da escola; (2) fatores correlatos ao papel da escola contemporânea e (3) fatores essenciais ao entendimento da natureza da Educação Integral. No primeiro conjunto, situamos as falas (1), (2) e (3). No segundo conjunto, estão as falas (3) e (4); já as falas (5), (6) e (7) estão situadas no terceiro conjunto.

Buscando uma sistematização do encontro entre falas e os fatores apresentados nos conjuntos citados, verificamos que as três primeiras correlacionam a ampliação da jornada escolar com a aprendizagem: "Eu aprendia mais coisa" (1); "a gente aprende muita coisa aqui" (3), constatam os alunos dos municípios B e C. Essa constatação advém das atividades que desenvolvem – "quando eu venho aqui e tenho uns deveres difíceis que eu não sei fazer" (2); "à tarde tinha informática, pintura, música" (1) –, e situam-se tanto no campo pedagógico propriamente dito (deveres difíceis), quanto em campos que compõem a formação humana (informática, pintura, música).

No segundo conjunto de falas, os alunos traçam uma linha contínua entre a ampliação da jornada escolar e situações que envolvem risco social – "é um projeto educacional que tira a criança da rua" (3); "Pra não ficar na rua fazendo besteira" (4) –, ou ainda se posicionam perante as opções que lhes são dadas no dia a dia – "Porque em casa não tem nada pra fazer, tem desenho pra gente assistir, mas é meio sem graça" (4). Caracterizamos essas falas como constituintes de uma forma de se compreender o papel da escola hoje, na contemporaneidade, em que funções sociais ampliadas6 6 Estamos denominando de funções sociais ampliadas aquelas atividades que, historicamente, não se constituíam como funções da escola, embora entendamos que esta instituição possui uma função social que lhe é própria. Em relação à ampliação das funções sociais da escola, ver estudo de Algebaile (2009). são imputadas à instituição escolar, sem que esta tenha autonomia suficiente para aceitá-las ou rejeitá-las, em nome de sua natureza – a apreensão do(s) conhecimento(s) sócio-historicamente construídos.

No último conjunto de falas incluímos aquelas em que os alunos, justificando e/ou avaliando o porquê de sua permanência em uma experiência de ampliação da jornada escolar, o fazem evidenciando a ausência de oportunidades e/ou instituições sociais e culturais no seu cotidiano – "tem horta, futebol, futsal, tem internet [...] como eu não tenho computador em casa, posso interagir pela escola, pelo Mais Educação" (5). Ao mesmo tempo, esses alunos indicam – ainda que indiretamente – uma função para essa ampliação, que visualizamos como essencial ao entendimento da natureza de uma Educação Integral, em sua relação com a expansão qualitativa do tempo: "outras coisas a mais que eu não sabia que existiam, e existem, como coral, canto, rádio também, nunca tive essa experiência de ficar na rádio, de ser locutor, alguma coisa assim" (5); "quando crescer eu quero fazer medicina, mas eu quero fazer uma aula de arte, eu quero ser pintora, a escola já teve essa aula" (6).

As duas últimas falas recortadas no parágrafo anterior nos possibilitam entrever que esses alunos, ainda nos anos iniciais do ensino fundamental, por meio das atividades que desenvolvem, percebem-nas como igualmente constitutivas de sua(s) formação(ões) humana(s) – em outras palavras, percebem-nas como Educação Integral. E como, além de descrever, compreender também essas falas, à luz da reflexão teórica que se coloca sobre a ampliação da jornada escolar e sua relação com a Educação Integral?

Por que ampliar a jornada escolar?

Como dissemos anteriormente, a ampliação da jornada escolar já é uma realidade em diversos municípios brasileiros. As pesquisas que realizamos evidenciaram, por meio de entrevistas com gestores municipais, escolares e também com os diversos sujeitos que atuam nas experiências desenvolvidas por esses municípios, que dois são os motivos mais presentes para sua implantação. Sem qualquer pretensão classificatória, podemos dizer, assim, que (1) a busca de melhoria na qualidade do ensino, por meio de uma formação mais completa e (2) a proteção à criança em situação de vulnerabilidade social, sintetizam essas duas justificativas.

Se nos detivermos nos estudos existentes sobre o tema, verificaremos que ambas correspondem, no Brasil contemporâneo, às duas principais naturezas da ampliação da jornada escolar, quando conjugada a uma possibilidade de Educação Integral que, reforçamos, é o nosso ponto de partida para discutir a temática da ampliação (GUARÁ, 2006; CAVALIERE, 2007; MAURÍCIO, 2009). Essas naturezas podem aparecer como complementares, ou ainda, dependendo da situação concreta, como contraditórias. Em ambos os casos, a(s) prática(s) que as materializam consubstanciam-se obviamente em concepção(ões) de mundo, de sociedade e de educação que, ou se atraem, ou se rejeitam.

Essas práticas vão se formando – complementares ou contraditórias –, abarcando o campo pedagógico-educacional nas escolas. Cavaliere (2009), por exemplo, nos diz que essas relações e práticas – sem o intuito de constituir antagonismos ou engessamentos no pensamento da autora – podem ser tipificadas nas expressões escola de tempo integral e aluno em tempo integral.

A grosso modo, podemos dizer que a primeira expressão – escola de tempo integral – compreende a ampliação da jornada como um fator demandado pela própria natureza e função da escola. Em outras palavras, se entendemos ser essa função a de apresentar, constituir e construir os conhecimentos sócio-historicamente consolidados, quanto maior for o tempo dedicado a esse processo, obviamente dentro de uma organização curricular própria à escola e a essa meta, além de presente no projeto pedagógico da instituição, maiores serão as possibilidades de que essa construção aconteça, com qualidade. Já a segunda expressão – aluno em tempo integral – abre espaço não para o adensamento da função da escola, como a entendemos e evidenciamos no parágrafo anterior, mas sim para o sujeito que nela se (con)forma: o aluno. Entretanto, essa abertura, pressupomos, consiste por vezes em um quase-fechamento para a função precípua da instituição escolar. Expliquemos melhor.

Nessa vertente, a ampliação da jornada escolar se dá, não obrigatoriamente relacionada à organização própria da escola, mas por meio de atividades que acontecem no contraturno e que, como tal, podem ou não estar vinculadas ao projeto pedagógico da instituição. Neste caso, as atividades enriquecem, muito provavelmente, o universo sociocultural do aluno, mas não necessariamente se constituem como Educação Integral, no sentido da articulação de conhecimento(s) e de saber(es) que fazem parte da constituição mesma do ser humano, que o vinculam ao processo humanizador para o qual a escola precisa lhe abrir a porta.

Nossas reflexões nos levam a incluir, nesta segunda possibilidade – aluno em tempo integral –, as concepções de ampliação da jornada que visam a proteção social da criança, o que pode ser corroborado pelos estudos de outro grupo de pesquisadores que, mesmo defendendo a Educação Integral como formação humana, questionam a perspectiva que a visualiza na escola e deslocam o eixo dessa instituição para o todo social (CARVALHO, 2006). Isto é um problema? Pensamos que não necessariamente, desde que, referindo-se ao aluno, as atividades desenvolvidas fora da escola estejam, de alguma forma, a ela vinculadas – seja pelo projeto pedagógico que formulou, seja pelos projetos construídos pelos docentes, o que, convenhamos, nem sempre acontece.

Em algumas experiências que vêm acontecendo país afora, ousamos dizer que há uma espécie de rejeição pela escola, no sentido de considerá-la como sempre tradicional, retrógrada e pouco permeável às mudanças sociais. Nestes casos, o discurso reforça o papel social mais amplo que a instituição deveria ter, (re)dimensiona e formata suas funções para além do trabalho com o conhecimento.

A questão, voltamos a dizer, está tanto nesse para além, quanto no como isto se dá, ou seja, ampliar as funções sociais da escola talvez não seja um problema tão maior quanto o esgarçar do trabalho que deve ser feito com o conhecimento – entendendo este último conceito também em toda sua amplitude (conhecimentos científicos, físicos, estético-expressivos, comunicativos e éticos).

Retomando as reflexões com que iniciamos esta seção, podemos dizer que as falas que destacamos aparecem permeadas pelas duas proposições apresentadas. A busca de melhoria na qualidade do ensino (proposição 1) é percebida, pelos alunos dos anos iniciais, na quantidade de atividades que desenvolvem – "Então eu aprendia mais coisa" (1) – mas também na qualidade da relação estabelecida entre as atividades desenvolvidas e o trabalho pedagógico que as mantinha – "eles têm alguém aqui pra me ajudar" (2). Expressões como "mais coisa" e "alguém pra me ajudar" sintetizam, respectivamente, a "quantidade" e a "qualidade" presentes nessas falas.

Já a proteção à criança em situação de vulnerabilidade social (proposição 2) pode ser sintetizada no início da fala (4): "Pra não ficar na rua fazendo besteira. [...] Porque em casa não tem nada pra fazer". Em outras palavras, as expressões "pra não ficar na rua" e "em casa não tem nada pra fazer" resumem a ausência de possibilidades socioculturais na comunidade em que esse aluno reside, facultando-lhe esse tipo de resposta.

Neste ponto da análise, é importante destacar que tanto os alunos cujas falas apontamos como pertencentes à primeira proposição como os que situamos na segunda proposição se referiram às atividades que desenvolvem na ampliação da jornada escolar como algo que converge para o desempenho que podem vir a ter na escola, em sua aprendizagem. Em outras palavras, podemos inferir que a ideia do aprender, ou melhor, da apreensão do(s) conhecimento(s) por meio da aprendizagem está sempre presente, repercutindo, pulsando na escola.

Fechando esta seção, precisamos nos referir, ainda, às falas (5), (6) e (7), que constituem um bloco em que identificamos uma concepção de Educação Integral subjacente à ampliação da jornada escolar. Especificando melhor, nessas três falas, os alunos que as proferiram apresentaram suas perspectivas de futuro, a partir das atividades desenvolvidas naquela ampliação.

Na fala (6), a aluna confirmou sua expectativa: "quando crescer eu quero fazer medicina". No entanto, essa mesma aluna também quer ser pintora, "na hora do lazer", e pode ter essa perspectiva, porque a escola lhe proporcionou conhecer a pintura. Da mesma forma, o aluno da fala (7) sustenta que "[...] a gente aprende alguma coisa na parte da manhã e aprende alguma coisa na parte da tarde", ou seja, nos dois turnos há aprendizagens acontecendo, há conhecimento(s) pulsando, de modo que "sem a parte da manhã, sem matemática, português, sem eu poder completar até o terceiro colegial e a faculdade, eu não vou poder conseguir o meu sonho e ser veterinária". Mas esse sonho se alia a um outro, que pode se tornar realidade com a aprendizagem do segundo turno – "Se você está só até o meio-dia, por exemplo, eu não poderia, quando eu crescer, eu não podia ser professora de música. Mas agora como eu estou aprendendo música, se eu quiser, quando eu crescer eu posso ser professora de música e veterinária".

Ora, as duas alunas apontam o significativo valor, tanto dos denominados conhecimentos científicos – capazes de alavancar suas futuras profissões – quanto dos conhecimentos estéticos – capazes, também, de impulsionar suas outras aptidões e/ou habilidades. E percebem a escola como o lócus da apreensão desses conhecimentos – o verbo "crescer", presente nas falas (6) e (7), de certa forma sintetiza essas duas possibilidades e a perspectiva de futuro que ambas vislumbram, a partir das atividades desenvolvidas no tempo ampliado da instituição escolar. Podemos inferir, então, que ambas compreendem-se em uma Educação Integral – formação em todos os conhecimentos humanos e, assim, capazes de se tornarem seres mais humanos. Como afirma o aluno na fala (5), "outras coisas a mais que eu não sabia que existiam, e existem, como coral, canto, rádio também, nunca tive essa experiência de ficar na rádio, de ser locutor, alguma coisa assim"...

Considerandos...

São considerandos o que pretendemos escrever nesta seção que encerra nossa reflexão, se levarmos em conta o fato de que ainda há pontos que devemos reforçar para, ao final, concluirmos o inconcluso – sim, porque em pesquisa nunca se dá um problema por terminado. Assim sendo, destacamos cinco pontos de retorno, no sentido de melhor precisar as relações que estabelecemos ao longo deste estudo e que, em última análise, o estruturam temática e metodologicamente. Eles não se constituem como "resultados"; no entanto, possibilitam pensar para além das reflexões aqui colocadas.

Em primeiro lugar é preciso dizer, mais uma vez, que o trabalho se construiu a partir de recorte de uma pesquisa mais ampla, e visou aprofundar questões não trabalhadas naquela investigação nacional. Assim, buscamos compreender o compreender (SAMPAIO, 2009) de alunos dos anos iniciais do ensino fundamental em relação à ampliação da jornada escolar, bem como sua(s) concepção(ões) de Educação Integral, além de discutir esse conceito. Afinal, são eles os sujeitos que importam na relação escola-conhecimento – ou não?

É bem verdade que a escolha das falas desses alunos foi interessada, tanto em relação ao seu conteúdo, quanto acerca da etapa de ensino com que trabalhamos – os anos iniciais do ensino fundamental. Sobre a etapa de ensino, podemos dizer que levamos em conta anos de reflexão acerca do binômio: ampliação da jornada escolar/tempo integral – Educação Integral, e as concepções e práticas que as colocam em conflito ou em atuação conjunta. Por este motivo é que a opção por uma ou outra fala refletiu essas questões, que acabam por fazer com que uma experiência seja talvez exitosa, ou naufrague ao sabor da calmaria dos ventos educacionais...

A escolha de falas oriundas de alunos dos anos iniciais do ensino fundamental tem ainda sua razão de ser baseada em três motivos: dois operacionais e um mais próximo a questões conceituais. Iniciando pelo motivo final, acreditamos que a ampliação da jornada escolar com Educação Integral deve iniciar-se no ensino fundamental – base para que os conhecimentos sócio-historicamente construídos sejam apresentados, visando à construção de caminhos pelo aluno. Nesse sentido, quanto mais cedo essa criança-aluno tomar "conhecimento" das várias possibilidades que envolvem sua formação, mais cedo também poderá refletir sobre suas escolhas. E não foi isso o que constatamos, por meio das falas (6) e (7), quando as alunas apresentaram suas expectativas de vida – medicina, pintura, veterinária, música – no envolvimento do "quando crescer"?

Quanto aos motivos operacionais, (a) trabalhamos com os Cursos de Pedagogia – formadores dos professores para o ensino fundamental em seus anos iniciais; por isso, essa etapa possui grande sentido para nós e se constitui, sempre que possível, em cenário de nossas investigações. Além disso, (b) a pesquisa nacional de que participamos também se concentrou em escolas de ensino fundamental, o que possibilitou a criação de um corpus de dados e de entrevistas de sujeitos em formação e/ou em atuação circunscritas a essa etapa de ensino, demandando estudos a seu respeito. Foi o que buscamos neste ensaio.

No tocante ao conteúdo das falas, as entrevistas recortadas para a elaboração deste estudo abriram espaço para o segundo ponto a destacar, qual seja, a dinâmica que envolve os discursos e a interlocução. Mesmo tendo clareza de que este não é o foco do ensaio apresentado, não podemos deixar de dizer que essas falas – como todas as falas – são influenciadas por vários fatores que interferem nas suas condições de produção, entre eles, o contexto dessa produção, o(s) sujeito(s) que a(s) produz(em) e a quem se dirige(m). Em outras palavras, elas não são neutras, são marcadas por representações, ideologias e valores presentes na sociedade e no entorno em que, já tomando o caso específico, esses alunos se movem. Assim, é preciso ter estes fatos em mente, visando não tomar suas falas como representativas de um grupo mas, ao mesmo tempo, considerando-as como discursos que abrem possibilidades para a análise das realidades que os constituem.

Buscando materializar os argumentos apresentados no parágrafo anterior, podemos dizer que quando os alunos afirmam que a ampliação da jornada escolar lhes possibilita aprender mais, temos a representação discursiva de uma realidade que pode ser ímpar; compartilhada por poucos sujeitos, ou ainda, por um grupo mais amplo. Não temos como afirmá-lo, por meio daquela fala, mas podemos compreender essa representação discursiva como uma possibilidade de entendimento da realidade para aquele sujeito que a enunciou (CHARAUDEAU, 2009).

Como terceiro considerando, reiteramos a necessidade de se refletir criticamente acerca das concepções de Educação Integral em disputa, hoje, pelo país afora, e que vêm se materializando em experiências e políticas públicas de ampliação da jornada escolar.

Retrocedendo um pouco antes de entrar nessa discussão, é preciso ter clareza de que as sociedades modernas buscaram precisar a natureza mesma das instituições que as constituíram. Neste caso, à escola – instituição moderna – caberia o papel de conter7 7 Estamos utilizando o termo conter no sentido de incluir e não de reprimir. o processo ensino-aprendizagem; de trabalhar com o(s) conhecimento(s) historicamente construídos, função essa que ela, por vários motivos, nem sempre desempenhou. Hoje, nas assim denominadas sociedades contemporâneas, as instituições modernas vêm sendo ressignificadas. Essa mesma instituição – a escola, aparece assim mais permeável, cabendo-lhe o papel de conter, agora, outras funções sociais que não apenas aquela que historicamente a criou. Acreditamos que essa (com)formação gesta-se no sentido de legitimar concepções de mundo e de sociedade que vêm buscando espaço na arena mundial, prensada esta por processos político-sociais e político-epistemológicos cujas arestas não se conectam. E, nesse processo, onde entra a Educação Integral?

Nessa arena, a Educação Integral é apresentada como possibilidade de realização de atividades, em geral no contraturno, que procurariam melhorar a autoestima do aluno, seu senso de pertencimento a uma comunidade, sua participação social, além de também ser entendida como uma "estratégia fundamental para melhorar a qualidade da escola" (SILVA, 2011). Ora, pensemos: Educação Integral é uma estratégia, ou ao contrário, é raiz da formação do ser humano? E se essa educação inicia-se na escola, essa formação tem um sujeito – o aluno dos anos iniciais do ensino fundamental...

Esse terceiro ponto continua e abriu caminhos para o quarto considerando que destacamos nesta (in)conclusão. O quarto considerando refere-se, então, ao binômio Educação Integral – ampliação da jornada escolar, quando em sua relação com a categoria aluno. Acreditamos que o destaque é necessário quando, entre as concepções vigentes de Educação Integral, hoje, se compreendem aquelas que trabalham diversas atividades no contraturno, por meio de parcerias que visam, em geral, a melhoria da autoestima de crianças, adolescentes e jovens que estão na escola, bem como outra que aposta na Educação Integral como formação completa, iniciando-se na escola e, portanto, tendo o sujeito aluno como seu foco privilegiado.

Conforme vimos argumentando, essas duas formatações discursivas8 8 Utilizamos a expressão "formatação discursiva" no sentido de expressões que comportam o peso ideológico das concepções e/ou materialidades que as caracterizam. Em outras palavras, ao utilizar a expressão "aluno", referimo-nos a um sujeito contextualizado, cuja dimensão pode até ser complementar – mas não igual – à de "criança/adolescente". e educativas espelham concepções de Educação Integral. Contudo, elas se concretizam de forma diferente; tem propósitos também diferentes e, nesse sentido, os sujeitos que atingem também o são em naturezas diferentes. Em outras palavras, para atingir o sujeito aluno é preciso trabalhar de maneira que o(s) conhecimento(s) humano(s) lhe sejam apresentados e que ele possa usufruir desse(s) conhecimento(s) de modo a, cada vez mais, constituir-se como SER humano. Já para atingir o sujeito adolescente, por exemplo, outras ações e situações são necessárias, inclusive aquelas em que ele se veja diante de sua comunidade, se perceba como integrante dela, identificando-se, o que a segunda concepção de Educação Integral realiza bem, principalmente por meio dessa relação de pertencimento a um grupo, a uma comunidade.

Finalizando, então, verificamos que a concepção de Educação Integral que parte da escola, mas não a tem como centralidade nesse processo; que promove várias atividades com propósito mais assistencial9 9 É preciso não confundir assistência com assistencialismo. Nesse sentido, ver Demo (1996). do que educacional, acaba por reforçar expressão cunhada por Algebaile (2009), em obra bastante instigante sobre o papel e as funções da escola pública – e este é o quinto considerando, com que fechamos nossas reflexões. Nessa obra, a autora afirma que

O tipo de expansão que resultou na intensa utilização da escola para fins não propriamente "educacionais" pareceu-me possível ser indicado pelo termo "robustecimento" [...] diz respeito à permeabilidade que se instaura devido às sucessivas utilizações da escola, cuja insistência e intensidade acabam por imprimir, como traço orgânico, a possibilidade de sua utilização permanente para objetivos transitórios e de curto alcance que, não raro, se realizam, como já dito, em detrimento do ensino (ALGEBAILE, 2009, p. 329).

Já fechando a cortina deste estudo, nos perguntamos: Não será esse um possível papel que a concepção de Educação Integral contemporânea estará reforçando na escola pública?

Mesmo que o seja – o que reduziria a natureza dessa instituição e, por conseguinte, a dos sujeitos que nela se formam, fica-nos a esperança de que esses mesmos sujeitos, na condição de alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, continuem compreendendo a Educação Integral que vigora na ampliação de suas jornadas escolares como sua formação completa – em medicina, pintura, veterinária, música, quando crescer(em)...

Texto recebido em 12 de março de 2012.

Texto aprovado em 02 de abril de 2012.

  • ALGEBAILE, Eveline. Escola pública e pobreza no Brasil a ampliação para menos. Rio de Janeiro: Lamparina/FAPERJ, 2009.
  • BRASIL. Decreto n. 6.253, de 13 de novembro de 2007. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, regulamenta a Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 nov. 2007.
  • BRASIL. Portaria Normativa Interministerial n. 17, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa Mais Educação que visa fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades sócio-educativas no contraturno escolar. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 abr. 2007.
  • BRASIL. Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1998.
  • CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. O lugar da educação integral na política social. Cadernos CENPEC, São Paulo, ano I, n. 2, 2006.
  • CAVALIÉRE, Ana Maria. Tempo de escola e qualidade na educação pública. Educação & Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, p. 1015-1036, out. 2007.
  • CAVALIÉRE, Ana Maria. Escolas de tempo integral versus alunos em tempo integral. MAURÍCIO, Lúcia Velloso (Org.). Em Aberto, Brasília, v. 22, n. 80, p. 51-63, abr. 2009.
  • CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso, modos de organização São Paulo: Contexto, 2009.
  • DEMO, Pedro. Cidadania tutelada, cidadania assistida. Campinas: Autores Associados, 1995.
  • FRANCO, Maria Laura Puglisi Barbosa. Análise de conteúdo Brasília: Plano Editora, 2003.
  • GUARÁ, Isa M. F. R. É imprescindível educar integralmente. Cadernos CENPEC Educação integral, São Paulo: Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, ano I, n. 2, 2006.
  • MAURÍCIO, Lúcia V. Políticas públicas, tempo, escola. In: COELHO, Lígia Martha C. da C. (Org.). Educação integral em tempo integral: estudos e experiências em processo. Petrópolis: DPetAlii; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2009.
  • MEC. Educação integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira – estudo quantitativo. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16727&Itemid=1119>. Acesso em: 12/2/2011.
  • MEC. Educação integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira – estudo qualitativo. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=16727&Itemid=1119>. Acesso em: 12/2/2011.
  • SAMPAIO, Carmen Sanches. Revisão textual e o processo de negociação de sentidos no ensino e aprendizagem da língua escrita. In: COELHO, Lígia Martha (Org.). Língua materna nas séries iniciais do ensino fundamental. De concepções e de suas práticas. Petrópolis: Vozes, 2009.
  • SILVA, Maria de Salete. Educação integral é fundamental para melhorar a qualidade da educação, diz UNICEF. São Paulo: Portal Aprendiz, 2011. Disponível em: <http://aprendiz.uol.com.br/homepage.mmp>. Acesso em: 31/3/2011.
  • 1
    Este ensaio, revisto e ampliado, foi aprovado para apresentação durante a 34ª. Reunião Anual da ANPEd, ocorrida em Natal/RN, em outubro de 2011.
  • 2
    Estamos nos referindo às pesquisas denominadas
    Educação Integral/Educação Integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira – estudo quantitativo e
    Educação Integral/Educação Integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira – estudo qualitativo.
  • 3
    Na consecução deste trabalho, levamos em consideração a Lei n. 9610, de 19 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre os direitos autorais.
  • 4
    Até a elaboração do relatório enviado ao MEC, os dados do IDEB/2009 não tinham sido divulgados.
  • 5
    Esse Programa, instituído por meio da Portaria Interministerial n. 17/2007, que "visa fomentar a Educação Integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades sócio-educativas no contraturno escolar", vem multiplicando suas ações em vários municípios brasileiros, por meio de alocação de verbas específicas para essa finalidade.
  • 6
    Estamos denominando de
    funções sociais ampliadas aquelas atividades que, historicamente, não se constituíam como funções da escola, embora entendamos que esta instituição possui uma função social que lhe é própria. Em relação à ampliação das funções sociais da escola, ver estudo de Algebaile (2009).
  • 7
    Estamos utilizando o termo
    conter no sentido de
    incluir e não de
    reprimir.
  • 8
    Utilizamos a expressão "formatação discursiva" no sentido de expressões que comportam o peso ideológico das concepções e/ou materialidades que as caracterizam. Em outras palavras, ao utilizar a expressão "aluno", referimo-nos a um sujeito contextualizado, cuja dimensão pode até ser complementar – mas não igual – à de "criança/adolescente".
  • 9
    É preciso não confundir assistência com assistencialismo. Nesse sentido, ver Demo (1996).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      12 Mar 2012
    • Aceito
      02 Abr 2012
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