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A inteligência brasileira na virada de 1920/30: encontros e desencontros entre artistas e educadores

Brazilian intelligence at the turning point of 1920/30: encounters and disencounters between writers and educators

Resumos

A ausência de um maior número de estudos acadêmicos que explorem a relação entre Literatura e Educação constitui uma das motivações propositivas deste texto; isto porque, afora as metodologias de ensino da literatura, não se tem muita coisa aproximando pedagogos e literatos. Assim, Literatura e Educação serão consideradas pela visão alargada da História, refletindo sobre os problemas referentes ao pensamento educacional brasileiro e contribuindo para a compreensão crítica das idéias que influíram sobre a nossa cultura. Com relação aos personagens desta narrativa, o estudo estará centrado em dois dos mais expressivos intelectuais da época: Fernando de Azevedo e Mário de Andrade, cuja importância para a educação e a literaturas nacionais dispensa maiores apresentações. Quanto ao período enfocado, conhecido em nossa história como virada dos anos de 1920 e 1930, a opção é justificada por se constituir numa espécie de incubadora das idéias germinais da "intelligentsia" do país, como se procurará evidenciar ao longo da exposição.

educação; literatura; cultura brasileira


The absence of a larger number of academic studies which explore the relationship between Literature and Education constitutes one of the motivations for proposing this text; this, because besides the methodologies for teaching literature, there is not very much that brings pedagogues and men of letters together. Thus, Literature and Education will be considered through the broad vision of History, reflecting on the problems which refer to Brazilian educational thought and contributing to the critical understanding of the ideas that influenced our culture. In relation to the characters in this narrative, the study will be centred on two of the most expressive intellectuals of the period: Fernando de Azevedo and Mário de Andrade, whose importance for education and national literature makes further presentation unnecessary. As to the period being focused on, known in our history as the turning point of the years 1920 and 1930, the option is justified as it constitutes the type of incubator for the germinal ideas of the "intelligentsia" of the country, as will be seen throughout the exposition.

education; literature; Brazilian culture


ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

A inteligência brasileira na virada de 1920/30: encontros e desencontros entre artistas e educadores* * Texto apresentado na 27ª Reunião Anual da Anped, realizada em Caxambu/MG, entre os dias 21 e 24 de novembro de 2004. 1 Nas suas crônicas de educação, pelo Diário de Notícias, Cecília Meireles várias vezes discorreu sobre a importância do profissionalismo do ensino, trazido pelos escolanovistas, em particular pelo "doutor Anísio Teixeira". Em crônica de outubro de 1932, observava que "o povo, pois, é que tem direito de exigir técnicos para sua educação. Saber o que isso significa, o valor que isso tem". (MEIRELES, 2001, p. 99) 2 É de Paulo Duarte o relato das noitadas insones em que ele e Mário de Andrade discutiam o projeto de criação do departamento de Cultura, e da contribuição de vários intelectuais, com destaque a Fernando de Azevedo, para a sua elaboração. Falando das cópias dos documentos encaminhados, Paulo Duarte observa que "(...) todas tinham coisas utilíssimas, mas a mais completa, a melhor estruturada era a de Fernando de Azevedo". (DUARTE, 1971, p. 51). 3 O interesse de Fernando de Azevedo pelos clássicos, especialmente pela cultura latina, o fez leitor assíduo de Petrônio, além de Horácio, Virgílio, Ovídio e outros, como é possível depreender de seus estudos publicados em 1923 (1ª ed.), sob o título: No tempo de Petrônio - ensaios sobre a Antigüidade Latina. De interesse para a educação, é notável o capítulo A Educação entre os romanos, em que analisa os "segredos e os erros" da sua pedagogia. Ao enaltecer a feição prática da educação romana, e lamentar a condição em que chegou, sob a influência grega, o seu sistema escolar - um "aparelho de desnacionalização" -, Fernando de Azevedo já antecipava as preocupações do futuro "pioneiro" da Escola Nova. Cf.: AZEVEDO, 1962. 4 Publicada em 1944, A cultura brasileira expressa o esforço de Fernando de Azevedo em esboçar um retrato de corpo inteiro do Brasil; como observaria no prefácio da 3ª edição do livro, apresentava ali "um conjunto de nossa cultura e civilização." Curiosamente, Mário de Andrade aparece muito timidamente em toda a obra, com destaque nas referências à música brasileira. Entretanto, apesar das citações parcimoniosas, o tratamento respeitoso deixa entrever uma admiração que seria rara mesmo partindo de amigos mais próximos de Mário de Andrade: "O que destacava Mário de Andrade, dentre todos de sua geração no país, não era apenas a universalidade de seu espírito polimorfo, mas a admirável vocação de servir e de orientar". (AZEVEDO, 1963, p. 356 (nota). 5 Procurando separar o joio do trigo, Cecília Meireles distinguia a Reforma Fernando de Azevedo, implantada em 1930, no sistema de ensino do Distrito Federal: "um novo rumo na vida, orientado por uma razão ideológica e visando a uma finalidade superior", daquelas reformas "que se fazem pelo simples gosto de mudar de lugar, pessoas e coisas." (MEIRELES, 2001, p. 121) 6 Expressão de que se vale Mário de Andrade para referir-se à sua produção mais política e militante. 7 Ver, a propósito, quantas notas elogiosas e de crítica sincera e propositiva saíram da pena de Cecília Meireles, em suas crônicas jornalística do período: "A implantação da Reforma Fernando de Azevedo marca uma época no Brasil. Por muitas imperfeições que ainda contenha, e por maiores que sejam as dificuldades que o ambiente opõe à sua execução, ela, ainda que não tivesse dado mais que o abalo formidável que deu à escola do passado, teria, só por isso, o mérito para ser louvada indefinidamente (...)" (MEIRELES, 2001, p. 111)

Brazilian intelligence at the turning point of 1920/30: encounters and disencounters between writers and educators

Ivan Russeff

Professor do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Católica Dom Bosco/MS

RESUMO

A ausência de um maior número de estudos acadêmicos que explorem a relação entre Literatura e Educação constitui uma das motivações propositivas deste texto; isto porque, afora as metodologias de ensino da literatura, não se tem muita coisa aproximando pedagogos e literatos. Assim, Literatura e Educação serão consideradas pela visão alargada da História, refletindo sobre os problemas referentes ao pensamento educacional brasileiro e contribuindo para a compreensão crítica das idéias que influíram sobre a nossa cultura. Com relação aos personagens desta narrativa, o estudo estará centrado em dois dos mais expressivos intelectuais da época: Fernando de Azevedo e Mário de Andrade, cuja importância para a educação e a literaturas nacionais dispensa maiores apresentações. Quanto ao período enfocado, conhecido em nossa história como virada dos anos de 1920 e 1930, a opção é justificada por se constituir numa espécie de incubadora das idéias germinais da "intelligentsia" do país, como se procurará evidenciar ao longo da exposição.

Palavras-chave: educação, literatura, cultura brasileira.

ABSTRACT

The absence of a larger number of academic studies which explore the relationship between Literature and Education constitutes one of the motivations for proposing this text; this, because besides the methodologies for teaching literature, there is not very much that brings pedagogues and men of letters together. Thus, Literature and Education will be considered through the broad vision of History, reflecting on the problems which refer to Brazilian educational thought and contributing to the critical understanding of the ideas that influenced our culture. In relation to the characters in this narrative, the study will be centred on two of the most expressive intellectuals of the period: Fernando de Azevedo and Mário de Andrade, whose importance for education and national literature makes further presentation unnecessary. As to the period being focused on, known in our history as the turning point of the years 1920 and 1930, the option is justified as it constitutes the type of incubator for the germinal ideas of the "intelligentsia" of the country, as will be seen throughout the exposition.

Key-words: education, literature, Brazilian culture.

Texto completo disponível apenas em PDF.

Full text available only in PDF format.

Texto recebido em 03 fev. 2005

Texto aprovado em 18 maio 2005

  • ANDRADE, M. de. Aspectos da Literatura Brasileira 5. ed. São Paulo: Martins, 1974.
  • ______. Taxi e crônicas no Diário Nacional São Paulo: Duas Cidades/Secretaria de Cultura, Ciência e Tecnologia de São Paulo, 1976.
  • AZEVEDO, F. de. No tempo de Petrônio Ensaios sobre a Antigüidade Latina. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1962.
  • ______. A educação na encruzilhada São Paulo: Melhoramentos, [19-a]
  • ______. A educação entre dois mundos São Paulo: Melhoramentos, [19-b]
  • ______. A cultura brasileira 4. ed. Brasília: UNB, 1963.
  • CURY, C. R. J. Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais. São Paulo: Cortez & Moraes, 1978.
  • DUARTE, P. Mário de Andrade por ele mesmo São Paulo: Edart, 1971.
  • IANNI, O. Industrialização e desenvolvimento social no Brasil Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963.
  • KOIFMAN, G. (Org.). Cartas de Mário de Andrade a Prudente de Moraes, neto 1924/36. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
  • LIMA, A. de A. Humanismo pedagógico: estudos de filosofia da educação. Rio de Janeiro: Stella, 1944.
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  • NAGLE, J. Educação e sociedade no Brasil: 1920-1929. Araraquara, 1966. v. 2. Tese (Livre Docência em Pedagogia Geral) - Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Araraquara. (mimeo.
  • TEIXEIRA, A. Ensino superior no Brasil 1. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1989.
  • *
    Texto apresentado na 27ª Reunião Anual da Anped, realizada em Caxambu/MG, entre os dias 21 e 24 de novembro de 2004.
    1 Nas suas crônicas de educação, pelo
    Diário de Notícias, Cecília Meireles várias vezes discorreu sobre a importância do profissionalismo do ensino, trazido pelos escolanovistas, em particular pelo "doutor Anísio Teixeira". Em crônica de outubro de 1932, observava que "o povo, pois, é que tem direito de exigir técnicos para sua educação. Saber o que isso significa, o valor que isso tem". (MEIRELES, 2001, p. 99)
    2 É de Paulo Duarte o relato das noitadas insones em que ele e Mário de Andrade discutiam o projeto de criação do departamento de Cultura, e da contribuição de vários intelectuais, com destaque a Fernando de Azevedo, para a sua elaboração. Falando das cópias dos documentos encaminhados, Paulo Duarte observa que "(...) todas tinham coisas utilíssimas, mas a mais completa, a melhor estruturada era a de Fernando de Azevedo". (DUARTE, 1971, p. 51).
    3 O interesse de Fernando de Azevedo pelos clássicos, especialmente pela cultura latina, o fez leitor assíduo de Petrônio, além de Horácio, Virgílio, Ovídio e outros, como é possível depreender de seus estudos publicados em 1923 (1ª ed.), sob o título:
    No tempo de Petrônio - ensaios sobre a Antigüidade Latina. De interesse para a educação, é notável o capítulo A
    Educação entre os romanos, em que analisa os "segredos e os erros" da sua pedagogia. Ao enaltecer a feição prática da educação romana, e lamentar a condição em que chegou, sob a influência grega, o seu sistema escolar - um "aparelho de desnacionalização" -, Fernando de Azevedo já antecipava as preocupações do futuro "pioneiro" da Escola Nova. Cf.: AZEVEDO, 1962.
    4 Publicada em 1944,
    A cultura brasileira expressa o esforço de Fernando de Azevedo em esboçar um retrato de corpo inteiro do Brasil; como observaria no prefácio da 3ª edição do livro, apresentava ali "um conjunto de nossa cultura e civilização." Curiosamente, Mário de Andrade aparece muito timidamente em toda a obra, com destaque nas referências à música brasileira. Entretanto, apesar das citações parcimoniosas, o tratamento respeitoso deixa entrever uma admiração que seria rara mesmo partindo de amigos mais próximos de Mário de Andrade: "O que destacava Mário de Andrade, dentre todos de sua geração no país, não era apenas a universalidade de seu espírito polimorfo, mas a admirável vocação de servir e de orientar". (AZEVEDO, 1963, p. 356 (nota).
    5 Procurando separar o joio do trigo, Cecília Meireles distinguia a Reforma Fernando de Azevedo, implantada em 1930, no sistema de ensino do Distrito Federal: "um novo rumo na vida, orientado por uma razão ideológica e visando a uma finalidade superior", daquelas reformas "que se fazem pelo simples gosto de mudar de lugar, pessoas e coisas." (MEIRELES, 2001, p. 121)
    6 Expressão de que se vale Mário de Andrade para referir-se à sua produção mais política e militante.
    7 Ver, a propósito, quantas notas elogiosas e de crítica sincera e propositiva saíram da pena de Cecília Meireles, em suas crônicas jornalística do período: "A implantação da Reforma Fernando de Azevedo marca uma época no Brasil. Por muitas imperfeições que ainda contenha, e por maiores que sejam as dificuldades que o ambiente opõe à sua execução, ela, ainda que não tivesse dado mais que o abalo formidável que deu à escola do passado, teria, só por isso, o mérito para ser louvada indefinidamente (...)" (MEIRELES, 2001, p. 111)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      18 Maio 2005
    • Recebido
      03 Fev 2005
    Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná Educar em Revista, Setor de Educação - Campus Rebouças - UFPR, Rua Rockefeller, nº 57, 2.º andar - Sala 202 , Rebouças - Curitiba - Paraná - Brasil, CEP 80230-130 - Curitiba - PR - Brazil
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