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Ui, que nojo! Tem mais é que fechar esse valetão! Um estudo com o conceito deleuzeano de devir

Ew, how disgusting! We must close this sewer channel: a study with the deleuzean becoming concept

Resumos

Este artigo relata o processo de investigação para a construção e aplicação de um conjunto de atividades relacionadas à temática água, em um Colégio de Curitiba. Os atores desta investigação são estudantes do Ensino Médio que moram e estudam perto de um curso d'água conhecido como Valetão da Rua Henry Ford. Discutimos, a partir do conceito deleuzeano de devir, o interesse/desinteresse instituídos sobre este valetão, com o objetivo de infectar, dissolver, desconstruir o que foi apagado nas vidas desses estudantes, moradores da comunidade e promover a mobilização para a revitalização do que é de fato, um rio, o rio Pinheirinho.

devir; educação ambiental; Deleuze


This paper reports the investigation process to build and test a group of activities related to water in a Curitiba High School. The subjects of this study are High School Students who live and study close to a body of water known locally as Sewer channel of Henry Ford street. Based on the deleuzean concept of becoming we discussed the students' interests / disinterests in this body of water. The objective was to infect, dissolve, demolish what was removed from the lives of the students and inhabitants of the community and promote the mobilization to revitalize what is in fact a river, the Pinheirinho river.

becoming; science education; environmental education; Deleuze


DOSSIÊ: GEOTECNOLOGIAS E A EDUCAÇÃO

Ui, que nojo! Tem mais é que fechar esse valetão! Um estudo com o conceito deleuzeano de devir

Ew, how disgusting! We must close this sewer channel: a study with the deleuzean becoming concept

Vandamir PalmeiroI; Christiane GioppoII

IEspecialista. Professora da Rede Estadual de Ensino do Paraná e bolsista do Programa de Desenvolvimento Educacional da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná (PDE/ SEED/PR) 2007-2008, Brasil

IIDoutora em Educação em Ciências. Professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil

RESUMO

Este artigo relata o processo de investigação para a construção e aplicação de um conjunto de atividades relacionadas à temática água, em um Colégio de Curitiba. Os atores desta investigação são estudantes do Ensino Médio que moram e estudam perto de um curso d'água conhecido como Valetão da Rua Henry Ford. Discutimos, a partir do conceito deleuzeano de devir, o interesse/desinteresse instituídos sobre este valetão, com o objetivo de infectar, dissolver, desconstruir o que foi apagado nas vidas desses estudantes, moradores da comunidade e promover a mobilização para a revitalização do que é de fato, um rio, o rio Pinheirinho.

Palavras-chave: devir; educação ambiental; Deleuze.

ABSTRACT

This paper reports the investigation process to build and test a group of activities related to water in a Curitiba High School. The subjects of this study are High School Students who live and study close to a body of water known locally as Sewer channel of Henry Ford street. Based on the deleuzean concept of becoming we discussed the students' interests / disinterests in this body of water. The objective was to infect, dissolve, demolish what was removed from the lives of the students and inhabitants of the community and promote the mobilization to revitalize what is in fact a river, the Pinheirinho river.

Keywords: becoming; science education; environmental education, Deleuze.

Introdução

Este artigo relata o processo de investigação para a construção de uma atividade e sua implementação no colégio, realizado por mim1 1 Este artigo foi escrito de forma conjunta pelas duas autoras, no entanto, parte da coleta de materiais para a elaboração das atividades e implementação no colégio foi realizada pela primeira autora. A segunda autora além de orientar o trabalho também participou na busca de informações e enriqueceu a discussão e análises dos dados. Assim, mesmo considerando a parceria na autoria do material optamos por elaborar um relato na primeira pessoa do singular para valorizar as demandas para a seleção do tema e enfatizar o processo de constituição dos dados da pesquisa. , professora de Ciências e Biologia, para estimular o interesse e participação dos estudantes. No ano de 2007 fui aprovada pelo (então) recém-criado Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), um programa de formação continuada proporcionado pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná que possibilita progressão funcional na carreira do Magistério aos participantes que o completam com sucesso. Para entrar no programa, os candidatos propõem uma investigação-ação, em sala de aula. A proposta inicial que apresentei mostrava minha percepção de que os estudantes não tinham interesse nas aulas de Ciências e havia rápida dispersão da turma durante a apresentação dos conteúdos usuais dos livros didáticos. Assim, como forma de intervenção pedagogia, sugeri a produção e implementação de um material didático sobre água, que pudesse minimizar esse desinteresse.

Inicialmente, chamou a atenção de minha supervisora, coautora deste artigo, a relação que estabeleci entre o desinteresse e a necessidade de produção de um material didático, mas, ao conversarmos sobre essa produção, minha ideia era que os conteúdos usualmente mencionados em livros didáticos fossem, de alguma forma, reeditados em CD-ROM para serem usados em computadores no laboratório de informática do colégio, assim, cumpriríamos a exigência de uso de tecnologias educacionais. Entendi que, dessa maneira, os estudantes poderiam se interessar mais pela ciência.

Minha orientadora e eu tivemos algumas conversas sobre o assunto para delinear e focar mais o projeto e com isso realizei também algumas leituras mais específicas. Primeiramente discutimos sobre o papel do livro didático como mercadoria (APPLE, 1995) e as similaridades e diferenças entre um material impresso no formato de livro didático e sua versão similar em CD-ROM, e entendemos que, com meus conhecimentos de informática, a proposta final seria, provavelmente, uma versão muito similar ao próprio livro impresso, reduzindo as possibilidades de contribuição para a sala de aula.

Em seguida voltamo-nos para minha percepção sobre o desinteresse dos estudantes. Foi daí que optamos por trabalhar com a ideia de devir, em Deleuze. Gualandi (2003, p.19) esclarece que, para Deleuze, devir é "O princípio da vontade de potência... o mundo de Deleuze é um mundo de devires e de fluxos dissolvendo toda a coisa estabelecida, um mundo de ações e de paixões profundas destruindo toda compacidade material e toda identidade conceitual

Entendemos, então, que percepções iniciais sobre desinteresse poderiam ser desconstruídas, ampliando tanto as perspectivas de abordagem dos materiais quanto a própria abordagem do tema.

Passamos a discutir a escolha do o tema em si, para tanto analisamos o livro didático de ciências adotado, que apresenta água em dois momentos, no conteúdo de 6.º Ano (5.ª série) e 9.º Ano (8.ª série). No conteúdo do 6.ª Ano havia uma discussão sobre a água como elemento abiótico, e como solvente universal, apresentava-se a fórmula química da água, os estados físicos e o ciclo da água na natureza. No 9.º Ano (8.ª série) o conteúdo já estava muitíssimo mais restrito, apresentando a fórmula química da água e sua ação como solvente universal, com um esquema da molécula de H2O. Percebemos que não havia qualquer conexão com questões ecológicas e ambientais, não havia sequer uma compreensão de que a vida no planeta depende da presença da água não só porque os seres vivos bebem água, mas porque ela faz parte do organismo desses seres, sendo muitas vezes mais da metade de sua composição, como no próprio organismo humano. Esta visão fragmentada sobre a água nos levou a refletir sobre a necessidade de outra abordagem do assunto.

Paralelamente às discussões mais teóricas sobre livro didático e o desinteresse e sua desconstrução com a ideia de devir (GUALANDI, 2003) e também a análise do conteúdo do próprio livro, percebi que meu material deveria ter um foco mais localizado. Assim, senti necessidade de analisar o entorno do colégio e sua relação com a comunidade. Eu mesma sabia pouco do local, mesmo morando no bairro. Verifiquei que minha própria percepção sobre a região precisava ser desconstruída, pois ao descrever o bairro disse:

Na quadra de trás da escola há um canal, que os alunos chamam de "valetão da Henry Ford", por causa do nome da rua, mas eu não sei bem o que é aquilo. Tem uma placa ali, da Secretaria de Obras da prefeitura que fala em "Córrego Henry Ford", mas o cheiro é muito ruim, então eu não sei se é um córrego ou esgoto a céu aberto.2 2 Depoimento oral coletado por minha orientadora em seus diários de orientação, em um de nossos primeiros encontros.

Nesse momento, minha orientadora e eu concordamos que este seria um tema interessante para discutirmos outras possibilidades de abordagens da água, de maneira contextualizada e significativa para aqueles estudantes, e poderíamos então analisar a participação e o interesse/desinteresse do grupo.

O tema água contextualizado no Valetão traria uma série de vantagens, pois a água deixaria de ser vista apenas como uma molécula, um solvente universal, ou mesmo como um elemento abiótico do ambiente e passaria a ser entendida em seu contexto. Afinal, o valetão é algo bastante presente (e que incomoda) a comunidade, mas que ela que não quer ver nem sentir seus odores fétidos. Em favor desta ideia de contextualização, Dias (1992) sugeriu que se coloque em primeiro plano o tratamento de questões que afetam o entorno imediato e, em seguida, de forma progressiva, das questões pertinentes às esferas seguintes – como um modelo de vários círculos concêntricos, de raios crescentes – até abordagens mais abrangentes, de grandes problemas mundiais.

Assim, considerando: a não reedição de textos de livros didáticos em CD-ROM; a possibilidade de trabalhar com a ideia de Devir para desconstruir a ideia de desinteresse; a contextualização do tema no entorno do colégio, superando a perspectiva de abordagens estritamente conceituais e distantes dos problemas da comunidade, optei conhecer e trabalhar com o valetão da Rua Henry Ford como meu objeto de estudo.

Nesse sentido iniciei averiguando o que é o valetão da Rua Henry Ford e, para isso fui até a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Curitiba (SMMC), onde descobri que o valetão, que para a Secretaria de obras era o Córrego Henry Ford, para a SMMC tinha outro nome, era o rio Pinheirinho, ou seja, mesmo dentro do município, havia diferenças sobre esse curso d'água. Nessa secretaria recebi um mapa de arruamento e dos rios de Curitiba, nele havia indicação da localização aproximada de pelo menos três nascentes para este rio. Localização aproximada porque a Prefeitura, até naquela data ainda não havia realizado as devidas medições para descobrir qual delas é a mais distante, e que determinaria o maior comprimento do rio.

Em seguida tentei localizar com visitas in loci as nascentes, mas encontrei apenas uma delas, o que me fez perceber que as outras devem estar dentro dos quintais das casas, ou encanadas, ou ainda ligadas a rede pluvial, de forma que em qualquer situação o código florestal relativo à proteção de nascentes e mananciais fora descumprido, pois descobri até uma das nascentes no quintal de uma oficina mecânica local.

Visitei também o Instituto ambiental do Paraná (IAP), e lá descobri que esse rio, para aquela instituição, é denominado Guaíra. Percebi, então, que esse rio, qualquer que fosse seu nome, era um rio com múltiplas nascentes e múltiplas identidades (HALL, 2000), oscilando entre o córrego da Rua Henry Ford, o rio Pinheirinho e o Rio Guaíra, mas entre os estudantes era apenas conhecido como o "Valetão da Henry Ford". Intrigava-me especialmente a ambiguidade rio/valetão, mas depoimentos informais de funcionários da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Curitiba3 3 Depoimentos coletados durante a visita a SMMA no dia 17 de agosto de 2007. denunciaram que a rede de esgotos da cidade, em muitos pontos, não está conectada a uma Estação de Tratamento de Esgotos (ETE), ao invés disso, a própria Sanepar4 4 Em seu sítio eletrônico a Sanepar informa que sua missão é "Prestar serviços de Saneamento Ambiental de forma sustentável, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida" e sua visão é "ser uma empresa de excelência, comprometida com a universalização do Saneamento Ambiental" (SANEPAR, 2011). (Companhia de Saneamento do Paraná) despeja esgotos sem tratamento em mais de mil pontos da cidade, diretamente dentro dos rios. Isso tudo na cidade de Curitiba, uma capital de mais de 300 anos e alardeada como "ambientalmente correta". O Rio Pinheirinho faz parte da bacia do Rio Belém, o rio mais poluído da cidade que nasce e morre em Curitiba, e este por sua vez faz parte da bacia do rio Iguaçu, que finalmente desaguará no mais importante ponto turístico do estado do Paraná, as Cataratas do Iguaçu. Ao entrar em contato com esses dados, mesmo que informalmente, configurei a possibilidade de que o Rio Pinheirinho esteja sendo usado como despejo de esgotos tanto pela companhia de saneamento quanto pelos próprios moradores e, por isso, o codinome de "Valetão da Henry Ford".

Conforme investigava o rio e sua história, maior era minha indignação em relação ao descumprimento das legislações ambientais. Nesse sentido, notei que desigualdades sociais se repetem no ambiente, em outras palavras, em Curitiba há rios que são protegidos por parques lineares, ao longo das margens, rios perfeitamente estudados e identificados, rios com campanhas de preservação, limpeza e revitalização de matas ripárias. Por outro lado, há rios que não foram preservados, transformaram-se em valetões e a população os deseja invisíveis, silenciados (ORLANDI, 2007) longe de suas casas, estes são indesejáveis. O rio Pinheirinho é um desses rios indesejáveis, desconhecido desde sua nascente, com múltiplas identidades e que ao longo de seu curso se transformava em despejo de esgotos, para desaguar no rio mais poluído de Curitiba. Então, por que preservar um rio conhecido como "Valetão da Henry Ford?". Uma solução fácil e rápida seria torná-lo efetivamente invisível fazendo, no colégio, uma campanha para encaná-lo, tornando-o inexistente no cotidiano dessa comunidade. A solução difícil seria desconstruir esse desconforto com o rio reconhecendo essa multiplicidade5 5 A lógica de multiplicidades sugere a subtração das ideias de análogo, semelhante e mesmo, trazendo a tona a perspectiva da diferença (DELEUZE, 1988). (DELEUZE, 1988) e analisando as diferenças entre os rios da cidade e a ideia que temos deles, esse foi o meu trajeto de preferência.

Trabalhando com a lógica da multiplicidade (DELEUZE, 1988) e devir (GUALANDI, 2003) passei a analisar dados de impactos antrópicos em ambientes urbanos e rurais. Em um estudo da UNESCO sobre o consumo da água, encontrei que somente 5% do consumo mundial da água é de origem doméstica; 75% é usado para irrigação em atividades agrícolas e os 20% restantes são usados pela indústria (UNESCO, 2008). Além dessa diferença alarmante, o estudo me informou que também há descompassos entre o uso da água por diferentes classes sociais. Ou seja, uma pessoa de classe média, morando em um país altamente industrializado consome 70 vezes mais água do que uma pessoa de classe média em um país em desenvolvimento (UNESCO, 2008). Desse estudo depreendi que ao desenvolver meus materiais não poderia deixar de considerar os impactos humanos do uso da água. Isso significa que apenas discutir a água como um elemento abiótico seria totalmente insuficiente, por outro lado, apenas analisar aspectos sobre o consumo individual doméstico (como costumeiramente se vê em atividades com análises de contas de água, por exemplo) também não seria razoável uma vez que tais análises não trariam parâmetros suficientes para "acessar melhor a real magnitude do impacto humano" (IAP, 2005, p.74). Assim, concordo com IAP (2005) que adverte que, apesar do consumo de água ser maior nas atividades agrícolas, é nas cidades que o ser humano tem produzido seu maior impacto sobre a natureza. Nelas os ambientes naturais são drasticamente alterados.

Em termos gerais, as áreas urbanas e industriais representam uma das mais profundas modificações antrópicas na superfície terrestre, das águas, da atmosfera e do ecossistema em geral. Ao contrário da atividade agrícola, por exemplo, os efeitos urbanos são intensivos e localizados. Nas áreas urbanas, os fluxos de energia e de massa estão concentrados, sendo que a maior parte da energia utilizada é importada. Com o uso da energia e massa disponíveis há uma reversão destes para o estado difuso e não concentrado, cujo resultado é expresso na produção de resíduos e calor. Na hipótese de não controle destes resíduos, parte deles acabam (sic) por poluir os mananciais superficiais, que são sistemas abertos e por isso mesmo, mais vulneráveis (IAP, 2005, p.74).

Para compreender a vulnerabilidade do sistema aquático do rio Pinheirinho, minha proposta precisaria ser contextualizada na região do colégio, tendo como primeiro plano o entorno imediato (DIAS, 1992), mas, na sequencia, seria imprescindível analisar aspectos do uso da água em área agrícolas e industriais.

Voltei-me então ao entorno imediato do colégio estudando o processo de urbanização da cidade e as legislações de proteção as águas. Curitiba é considerada pelos gestores urbanos locais como uma cidade industrializada, embora esteja encravada em um país em desenvolvimento. A cidade cresceu entre as nascentes e rios que a recortam e, nesse processo, a qualidade dos cursos d'água foram se deteriorando. Schuster (1994) levantou a história do abastecimento de água na cidade o que me permitiu compreender melhor a problemática da diferença entre os rios urbanos e seu uso. O autor relata que em meados de 1850 "os cidadãos de Curitiba utilizavam bicas para o abastecimento e, nessa época não havia tratamento da água. As águas que vertiam dos olhos d'água eram de boa qualidade. Além das fontes, o rio Ivo também se prestava para o abastecimento da cidade" (p.25).

A legislação sobre o uso das águas na Curitiba do século XIX complementaria minha compreensão sobre os usos da água nas áreas urbanas. Naquela época os governantes municipais já mostravam preocupação com a qualidade da água e haviam elaborado normas relativas à manutenção da sua qualidade e ao seu uso. Eram as chamadas "Posturas Municipais – Paraná" que vigoraram de 1829 a 1895. As posturas eram o agente estruturador, a manifestação do poder que agia no processo transformador da paisagem urbana construída da cidade (BONAMETTI, 2007). Nelas havia artigos que faziam prescrições detalhadas relativas ao ordenamento urbano. Transcrevo a seguir os artigos 66, 67 e 74 que tratam especificamente da Higiene e a Saúde Pública, e as águas:

Art 66: É prohibido lançar águas servidas, lixo, aves ou animaes mortos ou quaesquer outro detritos, nas ruas e praças, sargetar e estradas e em logares próximos ás fontes, ou vertentes, e conservar cloacas junto a estas. A infracção será punida com 15$000 de multas, sendo a despeza de remoção por conta do infractor.

Art 67: É prohibido tapar ou fazer despejos nas vallas e boeiros que dão esgotto ás águas da Cidade. A infracção será punida com 15$000 de multa. .... Art 74: Os que depositarem ou mandarem depositar nos rios e córregos animaes mortos ou fizerem nelles despejo de materiais feccaes, lixo, etc., incorrerão na multa de 20$000 (CURITIBA, 1998).

Apesar das Posturas Municipais vigorarem desde 1829, minha percepção foi que as determinações coloniais e seu cumprimento auxiliaram a atribuir a Curitiba características próprias, porém similares a outras cidades brasileiras, estabelecidas na organização socioespacial urbana. As sociabilidades urbanas coloniais e seus espaços estavam sendo conformados em um modelo higienista-sanitarista (KUMMER, 2007).

As posturas vigentes no século XIX me permitiram desvelar a preocupaçãosanitarista daquele período. Outro estudo (KLÜPPEL, 1990) já em meados do século XX evidenciou, por meio de um levantamento histórico o processo de degradação de um rio à medida que a população do entorno crescia e o processo de urbanização alterava a paisagem. O autor pesquisou a bacia hidrográfica do rio Belém entre as décadas de 1940 e 1970 e estabeleceu parâmetros comparativos com as demais sub-baciais contribuintes do rio Iguaçú. O Belém é um rio exclusivamente urbano, que nasce e morre em Curitiba e também possui porte mediano em relação aos demais rios da cidade, assim, estudá-lo é estudar o processo de urbanização da cidade. Os principais resultados encontrados por Klüppel (1990) foram compilados por décadas:

Na década de 40, quando a população de Curitiba era de 100 mil habitantes, na bacia do Belém residiam aproximadamente 40 mil pessoas. A área total da bacia é de 10.000 há, ou seja, a densidade, na época era de 4 hab/ha.

• Na época, as condições sanitárias do rio eram aceitáveis, uma vez que existia ainda uma boa variedade de peixes em suas águas, conforme informações dos moradores;

• Na década de 50, a densidade demográfica estava em torno de 15 a 20 hab/há e o rio já começava a apresentar sinais de poluição elevada, diante da inexistência de algumas variedades de peixes, como o ambari, a saicanga e outras mais sensíveis;

• Na década de 60, quando a densidade demográfica da bacia superou a marca dos 20 hab/há, o rio começou a 'morrer' passando a ser mais um emissário de esgotos do que um rio propriamente dito. Em 1965/66 o lago do Passeio Público tornou-se intolerável. O prefeito Ivo Arzua foi obrigado a realizar obras de desvio do córrego e o abastecimento do lago passou a ser feito através de poços profundos;

• Na década de 70, quando a densidade demográfica ultrapassou os 40 hab/há o Governador do Estado iniciou a implantação da ETE-Belém [Estação de Tratamento de Esgoto] e dos respectivos emissários, isto porque as condições sanitárias do rio já eram alarmantes (KLÜPPEL, 1990, p.104-105).

Embora o estudo de Klüppel (1990) tenha sido realizado apenas na bacia hidrográfica do rio Belém, é importante lembrar que a cidade de Curitiba contém também outras bacias. Com isso constatei que a cidade cresceu literalmente sobre um conjunto de nascentes, fontes e cursos d'água e, assim, como muitas outras cidades brasileiras, não conseguiu conciliar o processo de urbanização com a preservação ambiental, tendo crescido mais rapidamente do que sua capacidade para instituir propostas efetivas para a manutenção da qualidade dos cursos d'água nela existentes, assim, propõe soluções que se assemelham às estratégias de desodorização do século XVIII (CORBIN, 1987), como o desvio e a canalização do rio Belém.

Em 2005, o IAP (2005) reconheceu que "em detrimento dos esforços feitos no sentido de proteger e conservar os recursos hídricos do Alto Iguaçu [principal bacia na qual convergem as bacias do rio Pinheirinho e rio Belém, além de outras], ainda persistem problemas a serem enfrentados" (p.73).

A análise das Posturas Municipais (CURITIBA, 1998) e a identificação do modelo higienista-sanitarista proposto para Curitiba me fizeram refletir sobre a necessidade de entender a legislação mais recente para verificar se o modelo foi extrapolado ou mantido. Assim, localizei uma legislação sobre a preservação das águas e da correspondente vegetação do entorno, no Código Florestal Municipal (Lei n.º 9.805 de 3 de janeiro de 2000) – que estabeleceu áreas de preservação da vegetação ripária nas margens de alguns rios. Esta legislação criou um "Setor Especial do Anel de conservação", no qual há prioridades e cuidados especiais para a proteção e ações de mitigação para ALGUNS rios, margens e vegetação ripária. Esse processo seletivista não incluiu outros rios, como o Pinheirinho, que compõe a principal bacia de Curitiba, a bacia do rio Iguaçu. Com essa legislação percebi que a preocupação com a preservação das bacias hidrográficas ainda se dá de forma elitista e seletiva esquadrinhando espaços em "uma estratégia higienista que assimila simbolicamente a desinfecção a submissão", como descrito por Corbin (1987, p.226), sobre o século XVIII na França.

Em resumo, minhas buscas, tanto no que tange aos aspectos históricos quanto nos de legislação, descortinaram o modelo de urbanização proposto para Curitiba como higienista, seletivo e excludente que abandona rios e margens de áreas em que não há interesse. Posso dizer então que, no que se refere à história e à legislação, neste estudo parti das seguintes constatações:

• O modelo de desenvolvimento urbano de Curitiba caracterizou-se por um processo de urbanização e industrialização que afetou profundamente a qualidade ambiental, especialmente em alguns setores da cidade.

• Uma das consequências desse modelo de urbanização foi a redução drástica da qualidade das águas dos rios urbanos que não estavam nestes setores elitizados, como o rio Pinheirinho.

Conhecendo o entorno do colégio, constatei também que:

• O Colégio Estadual estudado localiza-se entre dois cursos d'água que fazem parte da bacia hidrográfica do rio Pinheirinho, que por sua vez fazem parte das bacias dos rios Belém e Iguaçu. Conhecendo o contexto escolar, minha percepção inicial no que tange ao interesse/ desinteresse dos estudantes foi que:

• Os estudantes, de forma geral, apresentavam desinteresse e desapego às questões ambientais do entorno do colégio, oscilando entre a resignação, desapego e asfixia e ao mesmo tempo resistentes à visão instituída de que o valetão era parte de suas vidas.

Esse conjunto de constatações e percepções agiu como um catalisador para a construção de uma proposta de investigação que visou a um devir deleuzeano, no sentido de desconstruir o desinteresse e desapego subsumidos no que concerne às questões ambientais do entorno do colégio, estabelecendo relações identitárias com o rio Pinheirinho e sua história na busca de resistência e ruptura com tais olhares.

Para atingir esse objetivo propus-me a realizar as seguintes investigações:

1. Qual o perfil socioeconômico cultural dos estudantes atores nesta investigação?

2. Quais os interesses/desinteresses/resistências (instituídos) desses estudantes em relação à questão ambiental?

Com base nessas investigações preliminares, usei o que a literatura em Educação em Ciências sugere para elaborar e aplicar uma unidade didática voltada à temática ambiental, centrada na tessitura dessa multiplicidade identitária do próprio rio entre os estudantes e moradores da comunidade. Com isso, meu intuito foi investigar:

1. Qual é a efetividade dessa unidade temática para infectar e desconstruir o desinteresse instituído, gerando ruptura e promovendo a mobilização dos estudantes participantes na revitalização da bacia do rio Pinheirinho?

Aspectos metodológicos

Os atores desta pesquisa

Para superar minha percepção inicial sobre os estudantes, primeiramente selecionei os atores neste estudo. Os atores eram oriundos de três turmas de 8ª série6 6 A nomenclatura séria ainda era usada no colégio durante a pesquisa. do colégio em questão. Todas as turmas eram do turno diurno, sendo duas do período matutino e uma do vespertino, em um total de 83 estudantes. Escolhi as turmas em função da disponibilidade de meus horários, já que trabalho no colégio.

As turmas envolvidas eram compostas por estudantes que, em sua maioria, moram próximos ao colégio. Apesar de conhecê-los por tratar-se de meus estudantes, pensei em propor uma conversa preliminar sobre interesses e desinteresses do grupo. Durante a conversa minha primeira impressão foi a de que eles não tinham interesse em atividades ambientais em geral nem nos problemas ambientais da comunidade. A partir dessa percepção de desinteresse imanente constatei que havia necessidade de conhecê-los melhor e verificar se minha primeira impressão era verdadeira.

Um questionário socioeconômico

Para conhecer melhor os estudantes, elaborei um questionário socioeconômico composto por duas partes. O objetivo era responder as duas primeiras questões de investigação deste estudo. Na primeira parte havia dados para a identificação dos estudantes sujeitos de pesquisa, com nome, idade, endereço etc. Na segunda parte havia questões fechadas e abertas sobre os interesses dos participantes de forma mais geral, e sobre o uso do tempo e atividades extracurriculares. Havia também questões sobre o córrego Henry Ford (ou Rio Pinheirinho) e os estudantes poderiam escrever seus anseios sobre o destino desse curso d'água e o papel e as ações que eles esperavam dos órgãos públicos com relação a esse córrego. Havia também uma questão de cunho mais genérico sobre o interesse pessoal em assuntos ambientais e uma última questão que investigava se e o que os estudantes conversavam com os familiares sobre os problemas ambientais da comunidade. Esse questionário foi revisado por meus colegas de colégio e também meus colegas do PDE (Programa de Desenvolvimento da Educação), no qual este projeto foi desenvolvido.

As respostas foram tabuladas com o intuito de verificar se minhas impressões iniciais poderiam ou não ser confirmadas. Assim, eu teria um ponto de partida e um conhecimento sobre o grupo em si. Os resultados dessa tabulação e toda a pesquisa histórica, médica e legal foram usados como parâmetro para a criação de um conjunto de atividades que compuseram uma unidade didática. O conceito deleuzeano de Devir (DELEUZE; GUATTARI, 1995) foi usado como orientador da investigação da postura do estudante durante a aplicação da unidade.

Unidade didática

Para construir a unidade didática elaborei uma proposta que pudesse ser capilarizada em várias áreas do conhecimento, isso é o material proposto não se restringe às Ciências da Natureza ou a Biologia. O período de produção da unidade didática ocorreu paralelamente ao desenvolvimento de toda a pesquisa compreendendo várias visitas técnicas, entrevistas, análises documentais e coleta de mapas e materiais que foram riquíssimos em subsídios teóricos e instrumentais para a criação de atividades diversificadas, e também de atividades que abordassem diferentes aspectos da problemática ambiental de um rio urbano. Algumas visitas foram relatadas no início deste artigo, e considerando o foco desse dossiê, complemento as informações mencionando as seguintes visitas: ao Instituto Municipal de Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), para seleção e coleta de fotos aéreas da região; a Biblioteca Pública do Paraná (BPP) e a Casa da Memória de Curitiba, para localizar fotos históricas e livros raros da cidade; a Companhia de Saneamento do Paraná, para localizar materiais sobre a história do saneamento; A Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) do rio Belém onde consegui os mapas da rede de esgoto da cidade; ao Museu de História Natural do Capão da Imbuia, para aprender com uma especialista a reproduzir e interpretar mapas com curvas em nível; ao departamento de Geografia da UFPR, para serem introduzidas as metodologias de análise de fotos aéreas e de bacias hidrográficas; várias visitas in loci ao rio para localizar suas nascentes e identificar a vegetação ripária; e ao Museu Botânico para identificação da flora ripária da região.

Além das incontáveis visitas, tive também a oportunidade de localizar uma antiga moradora da região, que vive na comunidade muito antes de o rio ter sido retificado em canaletas e pude entrevistá-la e ouvir dela histórias sobre o bairro e seu processo de urbanização. Em função das limitações em relação aos agendamentos e do volume de pesquisas necessário, optei por elaborar um conjunto bastante diversificado de atividades desenvolvidas ao longo de todo o processo e não apenas no final da coleta de informações. Lembrando que meu principal objetivo era subverter, desconstruindo o desinteresse e desapego às questões ambientais, estabelecendo relações identitárias com o rio e sua história, na busca de ruptura e resistência com tais olhares, no sentido deleuzeano de devir.

Então, após um ano de pesquisas e coletas, iniciei o processo de aplicação com os estudantes sujeitos da pesquisa, ou seja, enquanto aplicava algumas atividades eu continuava coletando e criando outras e as avaliações das próprias atividades foram planejadas e usadas como instrumento de análise sobre a efetividade da unidade temática (terceira questão de investigação) e sobre a aprendizagem do conteúdo específico.

Todas as atividades foram criadas em quatro partes (que eu chamei de momentos) cada. No escopo deste dossiê sobre Geotecnologias descrevo a seguir duas delas:

• Atividade 1: Rio Pinheirinho: uma multiplicidade identitária que se constrói nas diferenças.

O principal objetivo desta atividade foi discutir o valetão/ rio Pinheirinho e suas múltiplas identidades, relacionando-o com o crescimento da cidade.

• Momento 1: Fizemos descrições e comparações de fotos atuais do rio Pinheirinho e de fotos antigas deste e de outros rios de Curitiba, como o rio Uvú, o Belém. O objetivo era a partir da análise das fotos, reconhecer o valetão como um rio que foi tendo seu curso e paisagem modificado ao longo dos anos, pelo processo de urbanização do bairro e da cidade.

• Momento 2: Discutimos as Posturas Municipais de 1829 (especialmente os artigos 65, 66, 67, 70 e 74. O objetivo era propiciar reflexões sobre aquela legislação a questão ambiental de cunho higienista, que focava na desinfecção e suas relações com a produção de um local de despejo de dejetos, um valetão.

• Momento 3: Leitura do mapa de Curitiba de 1915 com os objetivos de: localizar os rios Belém e Pinheirinho; apontar a posição aproximada do colégio (que não existia naquela época); inferir o local provável da residência do estudante; perceber o crescimento da mancha urbana de Curitiba em menos de um século e estabelecer relações identitárias com o rio.

• Momento 4: avaliação: com base nas fotos, nos documentos, e no mapa de Curitiba de 1915, propusemos que os estudantes elaborassem quadrinhos retratando o processo de urbanização de Curitiba em três momentos: final do século XIX, meados de 1970, dias atuais. Os critérios de correção dessa atividade envolveram a análise do desenho produzido no sentido de percepção dos estudantes sobre a mudança na paisagem, entendendo o processo de urbanização e suas consequências para o rio e a qualidade da água.

• Atividade 2: Análise quali-quantitativa do processo de urbanização do bairro com o uso de fotos aéreas.

Esta atividade permitiu analisar o crescimento da mancha urbana no bairro e suas consequências para o uso da água e produção do esgoto e lixo.

• Momento 1: os estudantes trabalhando em duplas receberam uma foto aérea da região de 1972 e uma folha de papel de seda. A foto continha o traçado das principais vias de acesso ao bairro, a área onde posteriormente seria construído o Colégio e o rio. Os estudantes deveriam localizar as vias e o rio. Em seguida colocariam sobre a foto o papel de seda e delineariam esses itens. Com as vias de acesso e os rios identificados passavam a analisar novamente a foto procurando áreas com mata nativa ou áreas sem construções entre as vias e o rio. As áreas seriam esquematizadas no papel de seda na forma de polígonos.

• Momento 2: O papel de seda com os traçados seria reservado. Na segunda parte, entreguei uma foto aérea da mesma área do ano de 2002. Os estudantes inicialmente observaram e compararam as duas fotos, procurando as vias de acesso e o rio. Depois colocavam o pa-pel de seda posicionando os traçados sobre a foto mais recente. Em seguida escolhiam um dos polígonos delineados para estudá-lo mais profundamente. O polígono selecionado correspondia a uma área que deveria ter sido significativamente alterada em termos de processos de urbanização e proximidade ao rio e ao colégio.

• Momento 3: A análise da área consistia em contagens e cálculos de estimativas. Os estudantes contavam quantas casas havia na área do polígono. Em seguida a partir de dados do IBGE sobre média de pessoas em cada moradia (3,8) arredondamos o cálculo para quatro pessoas por moradia e estimamos quantas pessoas passaram a morar naquela área nesse intervalo de vinte anos. Daí calculamos consumo de água, a produção de esgotos e lixo por dia/ por indivíduo e calculamos também o montante por mês. O objetivo não era a exatidão dos cálculos, mas a percepção das mudanças ocorridas neste intervalo de tempo e suas consequências para a área em questão e para o rio.

• Momento 4: Com os cálculos e estimativas concluídos, os estudantes refletiram sobre as mudanças antrópicas geradas na área em questão em termos de necessidades de tubulações de água e esgoto e inferiram o que ocorreria com a qualidade da água do rio, se as tubulações de esgoto fossem direcionadas para o rio ao invés das Estações de Tratamento de Esgotos (ETA).

Outras atividades que produzi para este projeto estão descritas separadamente. Algumas podem ser encontradas em Palmeiro e Gioppo (2009). Ao final da execução de todas as atividades, apliquei um conjunto de questões para investigar se o interesse/desinteresse instituído dos estudantes no tema ambiental havia sido infectado e desconstruído entre os participantes. O objetivo desta aplicação foi responder à terceira e última questão proposta neste estudo: "Qual é a efetividade dessa unidade temática para gerar um devir deleuzeano infectando e desconstruindo o desinteresse instituído, gerando ruptura e promovendo a mobilização dos estudantes participantes na revitalização da bacia do rio Pinheirinho?" O questionário aplicado possuía onze questões, sendo 10 abertas e uma de marcação em escala horizontal.

Alguns achados

O questionário socioeconômico inicial proposto para responder à questão "Qual é o perfil dos estudantes participantes desta investigação?" foi respondido pelos 83 estudantes das três turmas de 8.ª série participantes. As respostas foram tabuladas em termos de porcentagens. A porcentagem de meninos e meninas foi bem equilibrada. Quanto ao local de moradia, 44% moram no bairro Lindóia e 21%, no bairro Fanny, ou seja, 65% desses estudantes residem nos dois bairros que margeiam o Colégio e o rio. Os 35% restantes estão distribuídos em outros cinco bairros da região. Quanto à escolaridade dos pais, 43% dos pais completaram o Ensino Fundamental e mais de 45% de pai, ou mãe não tem o Ensino Médio e menos de 10% possuem o nível superior. Setenta e três vírgula cinco por cento responderam possuir computador em casa e dentre esses, apenas 61,5% desses computadores é ligado à internet.

O levantamento mostrou também que, apesar da proximidade do colégio, nem todos os estudantes conheciam o Córrego Henry Ford7 7 Nome mais usual entre os estudantes, por isso preferido para o questionário. (67,5% conheciam). E, mais ainda, ninguém sabia que este córrego era, na verdade, o rio Pinheirinho, para eles era apenas o "Valetão", que nos dias quentes liberava odores fétidos.

Algumas dessas respostas foram completadas por opiniões sobre o córrego, tais como "o Córrego tá um lixo"; "O córrego deveria ser colocado encanamento"; "que é prejudicial a saúde"; "tampar e deixar debaixo da avenida...(sic)"8 8 Opiniões dos estudantes coletadas do questionário. .

É importante notar que o córrego não sofreu "melhorias" recentemente e, em alguns trechos, ainda há pequena quantidade de vegetação ripária. Em outros trechos restou apenas um gramado, mas há um trecho com mata nativa que não foi canalizado nem retificado. Este trecho fica próximo as suas três nascentes. Sobre este curso d'água pairam opiniões bastante negativas que sugerem que o córrego não deve ser mantido às vistas da população.

Quanto ao outro córrego da mesma bacia, conhecido como córrego Santa Bernadete, 74,7% dos estudantes revelaram conhecê-lo. Provavelmente a recente retificação do córrego e o asfaltamento da avenida com o mesmo nome auxiliaram neste reconhecimento. No córrego Santa Bernadete toda a vegetação ripária foi eliminada e substituída por muretas de concreto. Nesse sentido, as opiniões sobre o córrego foram mais afirmativas, tais como "ficou até bom depois da construção da avenida"9.

As opiniões com relação aos dois córregos denotam uma postura de apagamento, de tentativa de invisibilidade e silenciamento (ORLANDI, 2007) em relação ao córrego Henry Ford (rio Pinheirinho), como se os cursos d'água maculassem a imagem do bairro, representando verdadeiros retrocessos ao "progresso" da comunidade.

Para responder à segunda questão de investigação deste estudo "Quais os interesses/desinteresses/resistências (instituídos) desses estudantes em relação a questão ambiental?" fiz duas questões diretas no início do estudo. A primeira foi "Você tem interesse em atividades ambientais?".

As respostas mostraram que 50,60% dos estudantes revelaram ter algum interesse em atividades ambientais. Em seguida perguntamos: "você conversa com seus pais/responsáveis sobre questões ambientais?" O estudante deveria responder entre as alternativas sim (59,03%); não (27,71%); ou às vezes (9,63%). 3,61% dos estudantes não opinaram. Novamente as respostas estavam ligadas aos problemas como mau cheiro, moscas, mosquitos e ratos nas vizinhanças, etc.

As respostas obtidas com esse questionário foram fundamentais para orientar a criação de atividades e as abordagens a serem adotadas em cada uma. Com isso, começamos a etapa de elaboração das atividades. Os resultados a seguir, referem-se à aplicação das atividades descritas neste artigo, uma vez que as demais atividades geradas não cabem no escopo deste dossiê.

Resultados da atividade 1: As histórias em quadrinhos produzidas deveriam incluir três momentos (final do século XIX, meados dos anos 1970-1980; e dias atuais) e as ilustrações deveriam mostrar diferenças em relação à qualidade da água. Nesse sentido, 80% dos estudantes conseguiram cumprir o objetivo da atividade, e 20% dos estudantes cumpriram parcialmente, pois tiveram dificuldades para trabalhar em equipe, mas, ainda assim, participaram dos momentos de discussão e reflexão possibilitando a expressão de opiniões. Chamou-me a atenção a dificuldade inicial dos estudantes para localizar o bairro no mapa de Curitiba de 1915, mas o contato com outros mapas em atividades subsequentes, como, por exemplo, a leitura do mapa atual da cidade e do mapa de arruamentos relacionado ao mapa de curvas de nível da bacia do rio Pinheirinho, bem como a leitura das fotos aéreas (proposta na atividade 2) auxiliaram, de forma gradual, ao aperfeiçoamento do processo de leitura de mapas entre os estudantes.

Resultados da atividade 2: Os estudantes deveriam analisar a foto aérea de 1972 e traçar no papel as principais ruas, o rio e os polígonos em que havia vegetação nativa ou ausência de construções. Consideramos, então, os traçados executados e a seleção dos polígonos, para o cumprimento do objetivo inicial. Em seguida consideramos os cálculos efetuados e as estimativas realizadas, além das inferências e análises a partir dos cálculos. Os resultados mostraram que, embora tenha havido dificuldades iniciais para análise das fotos aéreas, todos os estudantes atingiram plenamente os objetivos propostos para a atividade. Percebi ainda o interesse dos estudantes em buscar sua moradia na foto mais antiga e notarem que o colégio ainda não existia. Depois de entender a foto em si, foi mais fácil comparar com a foto mais recente e notar a redução da área de cobertura vegetal. Considero que esta atividade pode transcender as fronteiras da disciplina escolar de ciências, gerando tessituras interdisciplinares com várias disciplinas como geografia, matemática, português e a história, simultaneamente.

A atividade dois também foi revisitada na sequência, quando os estudantes foram explorar o rio in locus. Eles buscaram e reconheceram alguns locais que viram nas fotos e também entrevistaram moradores. Constataram também a fragilidade da fotografia aérea em áreas urbanas para estudar o relevo. As atividades também provocaram uma série de discussões e reações entre os estudantes, entre elas, posso destacar a participação das turmas em contraturno para a atividade de campo. A indignação do grupo, em atividades subsequentes, ao se deparar com o mapa da rede de esgotos, mostrando que ainda há pontos em que a tubulação da rede não chega à Estação de Tratamento, mas finaliza-se em um ponto próximo ao rio. Essa indignação mostrou que a proposta extrapolou uma aprendizagem de conteúdo, mas reações quanto ao desejo de que o processo de degradação fosse discutido para além da perspectiva de "fechamento do valetão", mas sim de reação e recuperação do local.

No entanto, me pergunto: como separar o papel exclusivo dessas duas atividades em um contexto de devir tanto meu quanto dos estudantes? Todas as atividades dentro e fora deste projeto também tiveram sua contribuição. O que posso ressaltar foi o impacto visual das mudanças na paisagem trazido pelas fotografias de várias épocas. A análise das fotos aéreas e o esquadrinhamento da mancha urbana aliados às estimativas que elas permitiram realizar, também causaram reações imediatas nos estudantes quanto ao rio e o seu processo de degradação.

Para encerrar as atividades do projeto e responder à terceira questão de investigação "qual é a efetividade dessa unidade temática para infectar e desconstruir o desinteresse instituído gerando ruptura e promovendo a mobilização dos estudantes participantes na revitalização da bacia do rio Pinheirinho?", reaplicamos as duas questões abertas do questionário socioeconômico, mesmo entendendo que aquelas questões já foram parcialmente respondidas pelos resultados obtidos nas atividades e também informalmente pela participação intensa dos estudantes em cada atividade. A principal função do questionário era investigar se as atividades afetaram o interesse dos estudantes em questões ambientais contribuindo para dissolver a coisa (desinteresse) estabelecida, remetendo-nos à ideia de fluxo em Deleuze (1988).

Os resultados indicaram que os estudantes estavam inquietados com sua comunidade e o rio Pinheirinho e havia uma preocupação em como o projeto teria andamento e como eles poderiam trabalhar com a comunidade e as autoridades. Foram 58 respondentes presentes durante a aplicação do instrumento. Os interesses autoindicados pelos estudantes antes e depois da execução do projeto mostraram diferenças. Por exemplo, somente quatro estudantes indicaram ter muito interesse em questões ambientais no início dos trabalhos, já no final este número subiu para 37. O desinteresse também teve números similares, mas inversos, ou seja, 32 estudantes indicaram ter desinteresse no tema no início dos trabalhos, e no final esse número caiu para sete. Isso mostra outras possibilidades, devires. Retomando Deleuze e sua ideia devir, é importante lembrar que para Deleuze e Guattari (1980, p.18)

Um devir não é uma correspondência de relações. Mas tampouco é ele uma semelhança, uma imitação e, em última instância, uma identificação. Toda crítica estruturalista da série parece inevitável. Devir não é progredir nem regredir segundo uma série. E, sobretudo, devir não se faz na imaginação, mesmo quando a imaginação atinge o nível cósmico ou dinâmico mais elevado, como em Jung ou Bachelard. Os devires-animais não são sonhos nem fantasmas. Eles são perfeitamente reais. Mas de que realidade se trata? Pois se o devir animal não consiste em se fazer de animal ou imitá-lo é evidente também que o homem não se torna 'realmente" outra coisa. O devir não produz outra coisa senão ele próprio. É uma falsa alternativa que nos faz dizer: ou imitamos ou somos. O que é real é o próprio devir, o bloco de devir e não os termos supostamente fixos pelos quais passaria aquele que se torna.

Em outras palavras, há uma relação com a ideia de imanência, pois o ser é inventado, reinventado, e não nos remete a uma melhoria, a um degrau superior, é um ser em imanência absoluta.

Algumas opiniões dos estudantes são mencionadas a seguir:

M. M. S. S. (vespertino): "sim. Porque antes eu não estava nem aí, até jogava lixo, mais hoje em dia eu cuido muito mais do rio, e até junto lixo nas beiras".

B. P. da S. (matutino): "sim, não sabia que córregos pequenos faziam diferença".

O tempo é um fator fundamental e cada estudante tem o seu. Por exemplo, para

M. C. (vespertino): "mudou um pouco, mais sempre tem uns cabeça dura que continua maltratando o meio ambiente".

Nesse sentido, entendo que um projeto pontual aplicado uma única vez e, mesmo com características interdisciplinares, pois foi realizado somente com auxílio da professora de Língua Portuguesa, sem outras disciplinas, e outros atores escolares, é limitado no que concerne ao estabelecimento de novas condições de possibilidades.

Finalmente...

Considerando as perspectivas de vontades de potência e dos fluxos dissolvendo toda a coisa estabelecida (GUALANDI, 2003), entendemos que o projeto nos oferece algumas possibilidades, mas não é uma questão de "sensibilizar" ou alterar pontualmente uma atitude, mas de transgredir, criar novos fluxos, outras tessituras e, nesse sentido, meu aprendizado foi marcante, a vontade de refazer, desfazer, continuar, propor novas perspectivas é um resultado claro no meu devir professora. Para além de minha formação/deformação, houve também um desejo de continuidade dos estudantes, e, no ano seguinte, refiz algumas das atividades e apliquei no Ensino Médio. Alguns estudantes eram os mesmos, e avançamos, encaminhando e-mail aos vereadores, propusemos uma reunião no colégio com esses vereadores e encaminhamos um pedido formal a prefeitura de Curitiba para alteração no Código Florestal Municipal solicitando a inclusão do Rio Pinheirinho no "Setor Especial do Anel de Conservação", com isso estamos buscando reconstituir o apagamento do rio pela própria cidade e seus moradores, reconfigurar a perspectiva higienista dos odores fétidos, ressignificar o silêncio (ORLANDI, 2007) e entremear o rio Pinheirinho a nossas vidas e a nossa comunidade.

Agradecimentos

Agradeço à Secretaria de Estado da Educação do Paraná e à Secretaria de Ciência e Tecnologia do Paraná, pela bolsa PDE, que me permitiu executar este estudo. Agradeço a Universidade Federal do Paraná pela coordenação e orientação dos bolsistas PDE de Ciências; e ainda agradeço a todos os que contribuíram cedendo materiais, fotografias, abrindo suas casas, e até mesmo me auxiliando a desenhar os mapas e ensinando-me a interpretá-los e a compreender a legislação.

REFERÊNCIAS

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Texto recebido em 08 de abril de 2011.

Texto aprovado em 30 de abril de 2011.

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  • 1
    Este artigo foi escrito de forma conjunta pelas duas autoras, no entanto, parte da coleta de materiais para a elaboração das atividades e implementação no colégio foi realizada pela primeira autora. A segunda autora além de orientar o trabalho também participou na busca de informações e enriqueceu a discussão e análises dos dados. Assim, mesmo considerando a parceria na autoria do material optamos por elaborar um relato na primeira pessoa do singular para valorizar as demandas para a seleção do tema e enfatizar o processo de constituição dos dados da pesquisa.
  • 2
    Depoimento oral coletado por minha orientadora em seus diários de orientação, em um de nossos primeiros encontros.
  • 3
    Depoimentos coletados durante a visita a SMMA no dia 17 de agosto de 2007.
  • 4
    Em seu sítio eletrônico a Sanepar informa que sua missão é "Prestar serviços de Saneamento Ambiental de forma sustentável, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida" e sua visão é "ser uma empresa de excelência, comprometida com a universalização do Saneamento Ambiental" (SANEPAR, 2011).
  • 5
    A lógica de multiplicidades sugere a subtração das ideias de análogo, semelhante e mesmo, trazendo a tona a perspectiva da diferença (DELEUZE, 1988).
  • 6
    A nomenclatura séria ainda era usada no colégio durante a pesquisa.
  • 7
    Nome mais usual entre os estudantes, por isso preferido para o questionário.
  • 8
    Opiniões dos estudantes coletadas do questionário.
  • 9
    Idem.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      30 Abr 2011
    • Recebido
      08 Abr 2011
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