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Análise dos usos finais de água em hospital público de Brasília, Brasil

Water end-use analysis in a public hospital in Brasília, Brazil

RESUMO

Hospitais são grandes consumidores de água. A compreensão detalhada dos usos finais de água em edificações hospitalares abre o caminho para uma maior precisão na avaliação de diferentes estratégias de conservação de água, dimensionamento de sistemas prediais, previsão da demanda urbana de água e, consequentemente, na gestão da demanda de água e criação de políticas públicas voltadas à conservação de água em hospitais. Entretanto, observa-se uma carência de dados específicos sobre o uso de água em edificações hospitalares. Com o intuito de contribuir para o conhecimento, esta pesquisa teve como objetivo analisar os usos finais de água em um hospital público de Brasília/DF. Para tanto, foi delineado um método capaz de coletar informações de consumo, vazão, frequência e duração de uso da água por aparelho hidrossanitário, compreender os hábitos de uso de água e rotinas de manutenção predial, além de identificar vazamentos e ineficiência hidráulica em hospitais. O método demonstrou ser capaz de gerar indicadores de consumo predial diário (por pessoa, por área e por leito), de consumo setorizado e de usos finais de água, com base nas principais variáveis que afetam o consumo de água em hospitais. Em geral, o hospital apresentou indicadores de consumo predial equivalentes a 113,46 litros por pessoa por dia, 11,16 litros por área construída por dia e 854,81 litros por leito por dia. Resultados mostram que as bacias sanitárias apresentaram os maiores índices de consumo de água (23%), seguidas pelas pias de uso geral (18%), máquinas de lavar roupas (18%) e pias de cozinha (15%), em função de elevada frequência de uso diário e vazão dos equipamentos. Elevada vazão de aparelhos hidrossanitários e altos índices de vazamento (10%) estão associados a um sistema predial datado e desgastado, o que sugere a necessidade de investimentos públicos para uma readequação dos sistemas hidráulicos prediais a fim de promover economias e conservação da água.

Palavras-chave:
auditoria do consumo de água; indicadores de consumo de água; usos finais de água; hospital; sistemas prediais; instalações hidrossanitárias

ABSTRACT

Hospitals are large consumers of water. A detailed understanding of how water is used in hospital buildings allows greater precision evaluating water conservation strategies, sizing building plumbing systems, forecasting urban water demand and, consequently, managing water demand and creating public policies for water conservation in hospitals. However, there is a lack of specific data on water use in health care buildings. In order to contribute to knowledge, this research aimed to analyse water end-use consumption in a public hospital in Brasilia, Brazil. With this in mind, a method was designed that was capable of collecting information on consumption, flow, frequency and duration of water use per fixture device, understanding water use habits and building maintenance routines, in addition to identifying plumbing inefficiency in hospitals. The method proved to be capable of generating building consumption indicators (per capita, per area and per bed), sectorized consumption and end uses of water, based on the main variables that affect water consumption in hospitals. Overall, the hospital presented building consumption indicators equivalent to 113.46 litres per person per day, 11.16 litres per built area per day and 854.81 litres per bed per day. Results indicate that toilet flushing had the highest water consumption rate (23%), followed by general purpose sinks (18%), washing machines (18%) and kitchen sinks (15%), due to high frequency of daily use and fixture/appliance flow-rates. Elevated fixture flow-rates and leakage rates (10%) are associated with an out-dated and worn-out plumbing system, suggesting that public investments are needed for building retrofit in order to promote water saving and conservation.

Keywords:
water audit; water consumption indicators; water end-uses; hospital; building services; plumbing

INTRODUÇÃO

Hospitais públicos são grandes consumidores de água (SANT’ANA; MEDEIROS, 201711 SANT’ANA, D.; MEDEIROS, L.B.P. Aproveitamento de águas pluviais e reúso de águas cinzas em edificações: padrões de qualidade, critérios de instalação e manutenção. Relatório Técnico 1. Brasília, 2017. 68 p.). Em vista disso, faz-se necessária a elaboração de um plano de gestão de água em edificações capaz de promover a conservação e o uso racional de água em estabelecimentos assistenciais de saúde. Além de promover benefícios ambientais, as ações voltadas ao uso racional de água e ao uso de fontes alternativas podem proporcionar economia de gastos públicos com contas de água e esgoto. No entanto, para avaliar a eficácia de diferentes tecnologias voltadas à conservação de água em edificações, torna-se essencial compreender como esse recurso está sendo utilizado em cada ponto de consumo (DEOREO; HEANEY; MAYER, 19963 DEOREO, W.B.; HEANEY, J.P.; MAYER, P.W. Flow trace analysis to assess water use. American Water Works Association, v. 88, n. 1, p. 79-90, 1996. https://doi.org/10.1002/j.1551-8833.1996.tb06487.x
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).

Estimar os usos finais de água é um dos melhores meios de identificar os locais que consomem a maior quantidade de água (KAMMERS; GHISI, 20056 KAMMERS, P.C.; GHISI, E. Usos finais de água em edifícios públicos localizados em Florianópolis, SC. Ambiente Construído, v. 6, n. 1, p. 75-90, 2005.), avaliar as diferentes alternativas disponíveis para diminuir o consumo de água potável nos edifícios (PROENÇA; GHISI, 201010 PROENÇA, L.C.; GHISI, E. Water end-uses in Brazilian office buildings. Resources, Conservation and Recycling, v. 54, n. 8, p. 489-500, 2010. https://doi.org/10.1016/j.resconrec.2009.10.005
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) e possibilitar o desenvolvimento de programas de gestão da demanda de água (SANT’ANA, 201212 SANT’ANA, D. Domestic water end-uses and water conservation in multi-storey buildings in the federal district, Brazil. In: INTERNATIONAL PLEA CONFERENCE ON SUSTAINABLE ARCHITECTURE + URBAN DESIGN: OPPORTUNITIES, LIMITS AND NEEDS - TOWARDS AN ENVIRONMENTALLY RESPONSIBLE ARCHITECTURE, 28., 2012. Anais… 2012.). Os usos finais de água fornecem informações essenciais sobre os padrões de demanda diária, variações sazonais do consumo de água, caracterização do consumo interno e externo das edificações, detecção de vazamentos e informações para planejamento e projeto de abastecimento de água (WILLIS, 201014 WILLIS, R.M. Domestic Water End Use Study: an Investigation of the Water Savings Attributed To Demand Management Strategies and Dual Reticulated Recycled Water Systems. 336f. Tese (Doutorado em Engenharia) – Griffith School of Engineering, Austrália, 2010.).

Diferentes estudos foram desenvolvidos com o intuito de avaliar o desempenho de tecnologias voltadas à conservação e ao uso racional de água em hospitais. No entanto, até onde vai a literatura, não foram identificados trabalhos que caracterizassem os usos finais de água. Alguns analisaram os padrões de consumo de água dos hospitais por setor e não desagregaram os usos finais de água (OLIVEIRA, 19997 OLIVEIRA, L.H. Metodologia para a implantação de programa de uso racional da água em edifícios. 366f. Tese (Doutorado em Engenharia) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.; VACCARI et al., 201713 VACCARI, M.; MONTASSER, W.; TUDOR, T.; LEONE, L. Environmental audits and process flow mapping to assess management of solid waste and wastewater from a healthcare facility: an Italian case study. Environmental Monitoring and Assessment, v. 189, n. 5, 2017. https://doi.org/10.1007/s10661-017-5940-4
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); outros não realizaram uma auditoria de consumo detalhada ou não apresentaram informações suficientes para validar os resultados (COLLETT et al., 20162 COLLETT, S.; SAMARIN, I.; BHALCHANDRA, R.; SOUNDARANAYAGAM, J.R.; GARAI, S.; CHANDY, M.; BHATTACHARYA, S. Water usage in a multi-speciality hospital and its effective management. Journal of the Academy of Clinical Microbiologists, v. 18, n. 2, p. 135, 2016. https://doi.org/10.4103/0972-1282.194956
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; VACCARI et al., 201713 VACCARI, M.; MONTASSER, W.; TUDOR, T.; LEONE, L. Environmental audits and process flow mapping to assess management of solid waste and wastewater from a healthcare facility: an Italian case study. Environmental Monitoring and Assessment, v. 189, n. 5, 2017. https://doi.org/10.1007/s10661-017-5940-4
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); e ainda podem ser citados aqueles que utilizaram dados de usos finais de água de edificações comerciais e industriais (GAITÁN; TEIXEIRA, 20204 GAITÁN, M.C.P.; TEIXEIRA, B.A.D.N. Aproveitamento de água pluvial e sua relação com ações de conservação de água: estudo de caso em hospital universitário, São Carlos (SP). Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 25, n. 1, p. 133-144, 2020. https://doi.org/10.1590/S1413-41522020189032
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) e indicadores de consumo obtidos de outras pesquisas (CALZA; NOGUEIRA; SIQUEIRA, 20121 CALZA, L.F.; NOGUEIRA, C.E.C.; SIQUEIRA, J.A.C. Diagnóstico preliminar e proposta de adequação para o uso eficiente da água no hospital universitário do oeste do Paraná. Acta Iguazu, v. 1, n. 4, p. 27-35, 2012. https://doi.org/10.48075/actaiguaz.v1i4.7730
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; PRASETYADI; KOONSRISUK, 20209 PRASETYADI, A.; KOONSRISUK, A. Minimization of Energy and Water Cost for the Main Building of Suranaree University of Technology Hospital (SUTH). In: International Conference on Mechanical Engineering, 10., 2020. IOP Conference Series: Materials Science and Engineering, v. 886, n. 1, p. 1-14, 2020.).

No Brasil, Oliveira (1999)7 OLIVEIRA, L.H. Metodologia para a implantação de programa de uso racional da água em edifícios. 366f. Tese (Doutorado em Engenharia) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999. realizou uma auditoria do consumo de água no Instituto do Coração em São Paulo, identificou ineficiências nos sistema hidráulico e elaborou um plano de intervenção voltado à otimização das instalações, por meio da correção de vazamentos e do emprego de equipamentos economizadores de água. O indicador de consumo no período histórico de janeiro de 1996 a janeiro de 1997 foi de 1.618 L/leito/d e, após correção de vazamentos, 1.158 L/leito/d. No período histórico de maio de 1998 a junho de 1998, o indicador de consumo base foi de 1.382 L/leito/d e, após a segunda intervenção (substituição dos equipamentos convencionais por economizadores), 1.171 L/leito/d.

Apesar de não ter caracterizado os usos finais de água, Oliveira (1999)7 OLIVEIRA, L.H. Metodologia para a implantação de programa de uso racional da água em edifícios. 366f. Tese (Doutorado em Engenharia) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999. utilizou medições setorizadas com instalação de hidrômetros e verificou que, após a correção dos vazamentos e a instalação de equipamentos economizadores, os sistemas especiais hidráulicos foram responsáveis por 15,2% do consumo total de água. Medições em setores como leitos, cozinha, lanchonete e ambulatório indicaram consumo de 12,2, 10, 2,3 e 2,1%, respectivamente. No entanto, 57,6% dos usos de água dos demais setores não foram identificados (setor administrativo, laboratórios, centro cirúrgico, vestiários do centro cirúrgico e dos funcionários, biotério, sala de autópsia, entre outros ambientes).

Calza, Nogueira e Siqueira (2012)1 CALZA, L.F.; NOGUEIRA, C.E.C.; SIQUEIRA, J.A.C. Diagnóstico preliminar e proposta de adequação para o uso eficiente da água no hospital universitário do oeste do Paraná. Acta Iguazu, v. 1, n. 4, p. 27-35, 2012. https://doi.org/10.48075/actaiguaz.v1i4.7730
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realizaram uma auditoria do consumo de água no Hospital Universitário do Oeste do Paraná, Brasil, para avaliar o potencial de redução de água por meio do reúso de águas cinzas provenientes da lavanderia e, também, pelo uso racional de água com a substituição dos equipamentos convencionais por economizadores (torneiras de lavatórios com fechamento automático, torneiras de pia de cozinha com acionamento por pedal e instalação de arejadores). Entretanto, não foram identificados os usos finais de água e foram utilizados dados compilados de estudos diversos. O indicador de consumo obtido foi de 1.243 L/leito/d.

Na Índia, Collett et al. (2016)2 COLLETT, S.; SAMARIN, I.; BHALCHANDRA, R.; SOUNDARANAYAGAM, J.R.; GARAI, S.; CHANDY, M.; BHATTACHARYA, S. Water usage in a multi-speciality hospital and its effective management. Journal of the Academy of Clinical Microbiologists, v. 18, n. 2, p. 135, 2016. https://doi.org/10.4103/0972-1282.194956
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analisaram os padrões de consumo de água de um hospital por meio de observações do comportamento do usuário, leituras de hidrômetro, medições de vazão, análise documental e entrevistas e obtiveram um indicador de consumo de 1.093 L/leito/d. Verificou-se que os sistemas de aquecimento, ventilação e ar condicionado foram responsáveis pelo maior consumo (36%), seguidos de bacia sanitária (24%) e lavatório (18%). No entanto, as medições de vazões e de consumo de água não tiveram seus processos descritos no estudo. Nesse sentido, o método é limitante, pois não apresenta informações suficientes sobre os meios utilizados para estimar os usos finais de água, o que dificulta a replicação dos procedimentos e a validação dos resultados.

Por sua vez, Vaccari et al. (2017)13 VACCARI, M.; MONTASSER, W.; TUDOR, T.; LEONE, L. Environmental audits and process flow mapping to assess management of solid waste and wastewater from a healthcare facility: an Italian case study. Environmental Monitoring and Assessment, v. 189, n. 5, 2017. https://doi.org/10.1007/s10661-017-5940-4
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realizaram auditoria de consumo de água em um hospital no norte da Itália para avaliar a gestão dos resíduos sólidos e águas residuais. Verificaram que o maior consumo de água (85%) foi devido a usos domésticos (bacias sanitárias, pias, lavatórios e bidês), enquanto apenas 15% resultaram dos usos não domésticos (preparação de alimentos, autoclaves, lavadora de comadre e tratamento osmótico). No entanto, os autores selecionaram apenas quatro setores do hospital para a realização da auditoria do consumo de água (cantina, diálise, enfermaria e esterilização) e estimaram os usos finais com base em dados de consumo da literatura. Nesse sentido, o estudo não realizou uma auditoria detalhada para identificar os padrões de consumo e caracterizar os usos finais de água.

Em São Paulo, no Hospital Universitário de São Carlos, Gaitán e Teixeira (2020)4 GAITÁN, M.C.P.; TEIXEIRA, B.A.D.N. Aproveitamento de água pluvial e sua relação com ações de conservação de água: estudo de caso em hospital universitário, São Carlos (SP). Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 25, n. 1, p. 133-144, 2020. https://doi.org/10.1590/S1413-41522020189032
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estimaram o potencial de conservação de água pelo emprego de equipamentos economizadores e pelo aproveitamento de água de chuva em fins não potáveis com base em suposições de usos finais de água de edificações comerciais e industriais apresentadas por Gleick et al. (2003)5 GLEICK, P.H.; HAASZ, D.; HENGES-JECK, C.; SRINIVASAN, V.; WOLFF, G.; CUSHING, K.K.; MANN, A. Waste Not, Want Not: The Potential for Urban Water Conservation in California. Califórnia, 2003. Disponível em: https://pacinst.org/wpcontent/uploads/2013/02/waste_not_want_not_full_report1.pdf. Acesso em: 12 mar. 2021.
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, o que pode não representar a realidade do consumo de água por uso final deste hospital público.

Na Tailândia, Prasetyadi e Koonsrisuk (2020)9 PRASETYADI, A.; KOONSRISUK, A. Minimization of Energy and Water Cost for the Main Building of Suranaree University of Technology Hospital (SUTH). In: International Conference on Mechanical Engineering, 10., 2020. IOP Conference Series: Materials Science and Engineering, v. 886, n. 1, p. 1-14, 2020. analisaram o consumo de água correlacionado ao consumo de energia para propor um método de conservação de energia que considerava os fatores hídricos de um hospital universitário. No entanto, eles estimaram o consumo de água utilizado nas atividades médicas e nos banheiros com o uso de indicadores de consumo de outros estudos. O consumo de água do sistema de aquecimento, ventilação e ar condicionado (HVAC) foi estimado por meio de simulações do sistema, e o restante do consumo diário, registrado por medições diárias do hidrômetro do edifício, foi atribuído ao consumo do refeitório.

Conforme verificado, há uma limitação dos estudos com relação aos dados de usos finais de água em hospitais. As pesquisas analisaram os padrões de consumo setorizado da água, utilizaram indicadores de consumo da literatura, empregaram dados fornecidos por fabricantes ou não realizaram uma auditoria de consumo de água. É evidente a necessidade de buscar uma melhor compreensão dos usos da água em hospitais, mais especificamente de gerar indicadores de usos finais, apresentando dados relativos ao consumo, vazão, frequência e duração de uso de água por aparelho hidrossanitário.

Essas informações são essenciais para a obtenção de estimativas mais precisas no processo de avaliação dos benefícios promovidos por ações voltadas à conservação de água em hospitais públicos. Com o intuito de contribuir para o conhecimento, esta pesquisa teve como objetivo analisar os usos finais de água em um hospital público de Brasília/DF, gerando indicadores de consumo, vazão, frequência e duração de uso por aparelho hidrossanitário.

MÉTODO

Para alcançar o objetivo traçado, este estudo delineou um método capaz de caracterizar os usos finais de água em edificações hospitalares, gerando dados de consumo, frequência, tempo de uso, vazão de equipamentos hidrossanitários, hábitos de uso de água e rotinas de manutenção predial, padrão de consumo predial, vazamentos e ineficiências do sistema hidráulico. O método proposto aplica-se a um Hospital Público do Distrito Federal e a seleção do estabelecimento foi decorrente da liberação de acesso pela Secretaria de Infraestrutura de Saúde do Distrito Federal (SINFRA/SES-DF). O enfoque na tipologia hospitalar deveu-se à falta de dados sobre os usos finais de água desses estabelecimentos.

Como ponto de partida, após a permissão de acesso ao Hospital de Apoio de Brasília (HAB), foi realizada uma reunião com a administração para compreender as atividades desenvolvidas no hospital, obter documentos de apoio (como contas de água, plantas de arquitetura e sistemas hidráulicos e sanitários), adquirir informações sobre os padrões de ocupação do hospital e agendar um cronograma para a realização de uma vistoria hidráulica, instalação e desinstalação dos equipamentos de medição do consumo de água e realização de entrevistas com as pessoas responsáveis pela manutenção predial, limpeza, lavanderia, cozinha e técnicos dos laboratórios.

Os dados coletados referentes ao consumo predial foram tratados estatisticamente. Os valores atípicos identificados foram retirados da amostra de dados e, em seguida, foram avaliados a média e o desvio padrão. Com as informações resultantes foram gerados indicadores de consumo predial, indicadores de usos finais de água e foi realizado um diagnóstico do consumo de água no hospital.

Caracterização do objeto de estudo e análise documental

O Hospital de Apoio de Brasília possui uma organização pavilhonar predominantemente térrea para o desenvolvimento de suas atividades de atendimento ambulatorial e internações, cuidados paliativos oncológicos, reabilitação física, genética (triagem neonatal e doenças raras) (Figura 1). O hospital possui 59 leitos distribuídos em 21 enfermarias e é composto de uma população fixa (funcionários públicos e terceirizados) de 341 pessoas e uma população flutuante (internações, acompanhantes, visitantes e atendimento ambulatorial) de aproximadamente 132 pessoas. O maior índice da população total diária é representado pelo número de servidores (55,6%).

Figura 1
Planta de setorização do Hospital de Apoio de Brasília.

Com uma área construída de 4.520 m², o HAB possui um sistema de suprimento misto com distribuição indireta, incluindo reservatórios inferior e superior nos pontos de uso em banheiros, cozinha, refeitório, copas, lavanderia, lavatórios e pias de uso geral em alas de atendimento, assistência e administrativa, bem como alimentação direta nos pontos de torneiras de uso geral utilizadas para lavagem de pisos, torneiras de jardim e o registro da piscina de fisioterapia.

O perfil do consumo de água da edificação foi obtido após a análise das contas de água para um período de seis anos (2013 a 2018). O histórico do consumo de água foi fornecido pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (CAESB) e complementado pela gestora do estabelecimento. A área construída foi fornecida pela SES/DF, as áreas dos ambientes internos foram extraídas da planta arquitetônica do hospital e as medidas da piscina de fisioterapia foram levantadas in loco.

Dados referentes à população fixa e flutuante possibilitaram a identificação do número de pessoas consumidoras de água. Foram fornecidas médias mensais1 1 Dados informados pela própria gestão do hospital com base no cadastro de acesso ao estabelecimento. do número de acompanhantes e visitantes, número de servidores e funcionários terceirizados (limpeza, vigilância e alimentação), número de internações (janeiro a julho de 2018), número de atendimentos ambulatoriais por um período de três meses (agosto, setembro e outubro de 2018) e número de refeições fornecidas (1° a 30 de setembro de 2018) para pacientes, acompanhantes, refeições servidas no refeitório e venda de tickets.

Vistoria do sistema hidráulico e sanitário

Em seguida, foi realizada uma vistoria das condições existentes no sistema hidráulico e sanitário do HAB. Para tanto, foram identificados todos os pontos de uso de água, foi realizada a medição de vazão de cada aparelho consumidor e foram detectadas eventuais ineficiências e vazamentos para estimar suas perdas.

Para a identificação da vazão dos aparelhos consumidores de água em lavatórios, chuveiros, pias de cozinha, tanques, torneiras de uso geral e torneiras de jardim foi utilizada, como técnica, a medição do tempo necessário para encher um recipiente de um litro. Para os demais aparelhos e equipamentos, as vazões (ou volume por uso) foram identificadas conforme especificações do manual do fabricante.

O volume de água dos vazamentos aparentes foi estimado com um medidor de vazamento de água do tipo becker graduado, da marca DECA. O medidor foi posicionado nos pontos de uso de água que apresentaram vazamento e foram cronometrados cinco segundos para verificar, por meio da graduação do medidor, a vazão de perda de água diária. A identificação de possíveis vazamentos em bacias sanitárias foi realizada de forma visual, verificando a existência de pequenas ondulações no fecho hídrico e posicionando um pequeno pedaço de papel higiênico na parede da louça sanitária seca para averiguar se ele molhava sem acionar a descarga. Apesar de não terem sido identificados vazamentos nas bacias sanitárias, o volume de perdas diárias de água poderia ter sido estimado conforme o método apresentado por Oliveira (2002)8 OLIVEIRA, L.H. As bacias sanitárias e as perdas de água nos edifícios. Ambiente Construído, v. 2, n. 4, p. 39-45, 2002..

Medições gerais

Por meio de medições diárias do hidrômetro geral no cavalete de entrada da edificação foi possível registrar o consumo predial durante o período de 15 dias, para conferir o volume de água utilizado pela edificação ao longo da semana e identificar perdas por vazamentos. As leituras do hidrômetro foram registradas diariamente por meio de fotografias tiradas pelo gestor predial entre os dias 4 e 18 de abril de 2018, aproximadamente no mesmo horário pela manhã, entre 7h e 8h, e foram enviadas aos pesquisadores via aplicativo de celular.

Medições específicas

Foram realizadas medições específicas do uso de água em torneiras (lavatórios, pias de cozinha, pias de uso geral, pia de expurgo, tanque e torneiras de uso geral), chuveiros, mictórios e filtros de água. Para tanto, foram instalados equipamentos de medição do fluxo de água acoplado a um data logger para registrar eventos de consumo (Figura 2).

Figura 2
(A) Equipamento de medição composto de medidor de fluxo e (B) módulo data logger.

O equipamento utilizado é composto de medidores de fluxo tipo turbina de 1/2” capazes de medir o volume de água utilizado entre vazões de 1 a 30 L/min. Possui um sensor que emite um pulso a cada giro de dente da turbina e encaminha, por meio de um cabo de sinal blindado, o volume, dia, horário de início e horário de fim de cada evento de uso de água a um módulo data logger para armazenamento de dados em um cartão de memória SD. Com essas informações foi possível extrair dados do volume de água por uso em litros (L), tempo de uso em segundos (s), vazão de água durante o uso (L/s) e frequência de uso diário (número de vezes ao dia).

Os medidores de fluxo passaram por um teste de aferição antes do processo de instalação e monitoramento do uso nos pontos de consumo de água. Até quatro medidores de fluxo puderam ser conectados a um módulo posicionado em um ponto estratégico, de forma que não ficasse exposto aos processos de lavagem dos ambientes (Figura 3). O monitoramento do uso de água em pontos de consumo ocorreu por pelo menos uma semana. Em geral, os equipamentos registraram medições entre sete e dez dias. Todavia, nos casos em que houve alguma falha no equipamento instalado, feriado ou indisponibilidade de acesso às instalações, o período de medição estendia-se por até 20 dias.

Figura 3
Medidores de fluxo instalados em torneiras, chuveiros, mictórios e filtros de água, conectados a módulos data logger.

Foram monitorados todos os pontos de uso de água na cozinha, refeitório e copas, porém não foi possível realizar a instalação dos medidores nas bacias sanitárias com válvula de descarga. Para tanto, foi instalado um minicontador digital entre a válvula de descarga e seu acabamento para registrar o número de vezes em que a descarga sanitária era acionada, nos mesmos banheiros em que foram instalados os medidores de fluxo (Figura 4).

Figura 4
Instalação de (A) minicontador junto (B) à válvula de descarga.

As medições com o uso de minicontadores foram realizadas por um período de 17 dias e foi obtida a frequência média de uso diário dos aparelhos. Com a informação da vazão nominal de fluxo da bacia sanitária especificada pelo fabricante, em litros por fluxo (Lpf), foi possível estimar o volume de uso diário de cada aparelho sanitário pelo produto do volume de descarga e pela frequência média de uso diário.

Projeção de medições específicas

Dada a complexidade e o tamanho do HAB, não foi possível monitorar os usos finais de água em todos os banheiros. Para tanto, foram selecionados banheiros representativos de cada setor do hospital em função das atividades desenvolvidas (atendimento, assistência e administração) e tipo de usuário (funcionário e paciente) para o monitoramento dos usos finais de água. O número de usuários dos banheiros foi levantado e, portanto, foi possível gerar indicadores de consumo per capita para cada uso final monitorado em litros por funcionário por dia (L/fun/d) e litros por paciente por dia (L/pac/d). Em seguida, os indicadores de consumo por uso final foram multiplicados pelo número total de funcionários e pacientes para estimar o consumo de água por uso final nos banheiros. Os usos finais das pias de uso geral também foram projetados utilizando indicadores de medições específicas.

Medições setorizadas

Para verificar o volume de água utilizado na lavanderia, foi instalado um hidrômetro do tipo multijato magnético (DN 50), classe B, no trecho de distribuição de água do setor, antes da coluna de água (Figura 5). Medições do consumo de água foram realizadas em um período de 28 dias. A leitura do hidrômetro foi feita na data da instalação e retirada do equipamento por meio de registros fotográficos tirados pelo técnico de instalações prediais e enviados aos pesquisadores por aplicativo de celular. A lavanderia possui duas máquinas de lavar roupas e tecidos hospitalares com capacidade de 50 kg. Antes de cada lavagem, as roupas e tecidos hospitalares são pesados em balança pelo funcionário do hospital e seu peso é anotado em um diário de registro. A pesagem era realizada diariamente, de quatro a seis vezes por dia.

Figura 5
Instalação de hidrômetro na tubulação que distribui água para a lavanderia.

Dados do registro de pesagem de cada lavagem durante o período de medição foram utilizados para gerar indicadores de uso final e identificar o volume de água utilizado por lavagem em litros por ciclo (L/c). Os modelos e marcas dos equipamentos laboratoriais e cadeira odontológica foram identificados durante a vistoria hidráulica e, com base nas informações técnicas dos fabricantes, seus consumos diários foram estimados pelo tempo de utilização e pelo período de atendimento semanal.

Entrevistas semiestruturadas

Para melhor compreensão do uso da água pelos usuários, realizaram-se entrevistas semiestruturadas e coletaram-se informações referentes às características de ocupação e uso da edificação, dias e horários de funcionamento, atividades relacionadas à limpeza, irrigação, preparo de alimentos, limpeza da piscina e manutenção do sistema hidráulico. Foram realizadas entrevistas com a chefe de limpeza, com os responsáveis pela limpeza da piscina e pela manutenção, chefes de laboratórios de análises clínicas e de triagem neonatal. Para realizar entrevista com o responsável pela limpeza da piscina, utilizou-se um aplicativo tradutor entre português e libras para facilitar o diálogo em função da deficiência auditiva do entrevistado.

Observações in loco

Por meio de observações in loco foi possível acompanhar os serviços de limpeza da piscina, lavagem de pisos e limpeza de ambientes internos e o processo de lavagem de roupas durante um dia de serviço de cada atividade consumidora de água. O volume de água utilizado diariamente para completar o nível de água da piscina de fisioterapia, após o processo de limpeza, foi determinado pelo produto de sua área superficial e pela diferença de altura após enchimento. Já o volume de água usado nos processos de lavagem de pisos e limpeza de ambientes internos foi encontrado pelo produto da vazão de torneiras de uso geral e tempo de abertura das torneiras.

Processamento e análise de dados

Com os dados coletados pela análise documental foi possível gerar indicadores de consumo predial per capita (L/p/d), por leito (L/leito/d) e por área construída (L/m2/d) com base nas medianas de consumo faturado, população (fixa e flutuante), número de leitos e área construída (1).

(1) I C = V V a r

IC: Indicador de consumo de água;

V: Volume de água consumido (L);

Var: Variável (população, leito ou área construída).

Com os dados de usos finais de água coletados com as medições específicas foram gerados indicadores de consumo predial por uso final por paciente e funcionário (L/pac/d e L/fun/d), quilo de roupa lavada (L/kg/d) e refeição consumida (L/ref/d) com base na demanda de água por uso final (2).

(2) I C ¯ = D ¯ d V a r

IC: Indicador de consumo de água por uso final;

Dd: Demanda diária por uso final (L/d);

Var: Variável (paciente, funcionário, quilo de roupa lavada ou refeição).

A demanda diária por uso final foi obtida pela razão entre o somatório dos eventos de consumo diário por uso final dos equipamentos hidráulicos e os dias em que foram monitorados. Para esta análise foram retiradas as ocorrências que não registraram uso durante a medição (3). Com os dados coletados de volume de água consumido por uso final e a frequência de uso foram identificadas as vazões médias dos equipamentos hidráulicos (4).

(3) D ¯ d = 1 d i = 1 n V i

Dd: Demanda diária por uso final (L/d);

d: Número de dias de consumo;

V: Volume consumido por uso final (L).

(4) q ¯ = 1 n ( i = 1 n V i t i )

q¯: Vazão média de equipamento hidráulico (L/s);

V: Volume de água consumido (L);

t: Tempo de uso (s).

Por fim, a demanda diária por uso final foi comparada à média diária do consumo predial medido pela concessionária com a finalidade de verificar a discrepância entre o consumo medido (medições específicas) e o consumo faturado (5).

(5) ε = [ ( i = 1 n D ¯ d i + i = 1 m P d i ^ ) × ( C ¯ a 365 × 1000 ) 1 ] × 100

ε: Discrepância (%);

D¯d: Demanda diária por uso final (L/d);

P^d: Perdas diárias estimadas (L/d);

C¯a: Consumo predial anual (m3/ano).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Consumo predial

A análise dos dados de consumo de água referente ao período de 2013 a 2018 indicou a presença de alguns valores discrepantes da média e uma variabilidade do consumo quando comparados os valores mínimos e máximos, conforme indicados no diagrama (Figura 6). O consumo médio mínimo foi registrado em 2018 (1.317 m³/mês) e o máximo em 2014 (1.939 m³/mês).

Figura 6
Consumo anual (2013 a 2018).

A Figura 7 apresenta a evolução do consumo de água no período de 2013 a 2018. Em geral, verificou-se redução no consumo de água ao longo dos anos, principalmente no segundo semestre de 2015 e início de 2016, que pode ter sido provocada pelo agravamento da crise hídrica que afetou o Distrito Federal nesse período. Com a diminuição da oferta de água, as atividades de limpeza foram restringidas à parte interna do edifício. Nas áreas externas, a limpeza passou a ser realizada em caso de extrema necessidade em função das condições de higiene.

Figura 7
Evolução do consumo de água (2013 a 2018).

O consumo médio mensal de água apresentou pequenas variações em função do número de atendimentos realizados e internações. O consumo máximo foi registrado no mês de maio (1.668 m³/mês) e o mínimo, em janeiro (1.402 m³/mês), com média de consumo de 1.582 m³/mês. O desvio padrão mínimo foi de 180 m³/mês e o máximo, de 465 m³/mês (Figura 8).

Figura 8
Consumo mensal médio e desvio padrão (2013 a 2018).

O consumo diário médio aferido foi equivalente a 42,80 m³, com máximo de 60,45 m³ durante o início da semana e valores mínimos nos finais de semana, de 15,31 m³ no sábado e 4,18 m³ no domingo (Figura 9). Esse consumo reduzido nos fins de semana pode ser justificado pela menor ocupação do edifício, tanto pela população fixa quanto pela flutuante. Os pacientes da Ala de internação B recebem alta temporária e o número de acompanhantes e visitantes apresenta-se menor, o que consequentemente diminui o número de roupas na lavanderia e a quantidade de alimentos preparados na cozinha. Outro fator relevante é a diminuição dos atendimentos ambulatoriais, odontológicos e exames, realizados apenas de segunda a sexta. O principal consumo de água nos fins de semana é decorrente da lavagem terminal programada (processo de limpeza que inclui lavagem de pisos, paredes dos banheiros, janelas e lixeiras).

Figura 9
Consumo diário médio (2018).

Indicadores de consumo predial e usos finais de água

Resultados demostraram consumo predial médio de 18.408,38 m³/ano, com demanda mensal equivalente a 1.534,03 m³/mês, e foram obtidos indicadores de consumo per capita (113,46 L/p/d), por área (11,16 L/m²/d) e por leito (854,81 L/leito/d). A Tabela 1. apresenta um resumo dos valores medianos de vazão (Q), tempo por uso (T), frequência diária (F), consumo diário (C) e indicadores de consumo de água (IC) para cada aparelho consumidor. Os indicadores de consumo de água mais representativos foram gerados pelas pias de uso geral do setor de assistência médica (39,90 L/pac/d) e bacias sanitárias dos banheiros dos funcionários (27 L/fun/d).

Tabela 1
Indicadores de usos finais de água* * Em parênteses, o número de aparelhos hidrossanitários; L/s: litro por segundo; Lpf: litro por fluxo; L/c: litro por ciclo de lavagem; s: tempo por uso em segundos; L/d: litro por dia; L/d.u: litro por dia de uso; L/p/d: litro por pessoa por dia; L/kg/d: litro por quilo de roupa por dia; L/ref/d: litro por refeição por dia; L/fun/d: litro por funcionário por dia; L/pac/d: litro por paciente por dia; L/m2/d: litro por área de superfície por dia .

Diagnóstico do consumo setorizado

Resultados da estimativa do volume de água diário demonstraram que os setores de manutenção, lavagem e limpeza foram responsáveis pelos maiores consumos (10.280 L/d), seguidos pelos banheiros dos funcionários (9.854,62 L/d) e cozinha/refeitório/copa (7.762,16 L/d) (Figura 10). A estimativa do volume de água por uso final dos equipamentos hidráulicos mostrou que os maiores consumos foram resultantes das bacias sanitárias (10.307 L/d), pias de uso geral (8.352 L/d), máquina de lavar roupas (8.225 L/d) e pias de cozinha (7.033 L/d). Os vazamentos foram responsáveis por 10% do consumo (4.320 L/d) (Figura 11).

Figura 10
Consumo setorizado.
Figura 11
Usos finais de água.

Ressalta-se que a denominação “pias de cozinha” foi utilizada para todas as pias presentes nas cozinhas e copas. A denominação “pias de uso geral” foi destinada às demais pias, de utilização variada, presentes na sala de Central de Material e Esterilização (CME), posto de enfermagem, laboratórios e outros. Os banheiros caracterizados como administrativos incluem todos aqueles presentes no edifício com exceção dos das enfermarias. Ao fim, foi obtida uma discrepância de −9,90% pela análise do consumo por uso final (45.440,34 L/d) e consumo predial medido pela concessionária (50.433,90 L/d).

CONCLUSÕES

A pesquisa teve como objetivo analisar os usos finais de água em um hospital público de Brasília/DF, gerando indicadores de consumo, vazão, frequência e duração de uso por aparelho hidrossanitário. O método utilizado fez uso de diferentes técnicas para levantar variados tipos de uso da água no hospital e poderá ser replicado em outros estudos. Foi desenvolvido e aplicado no edifício hospitalar de maneira a não causar incômodos aos usuários ou servidores enquanto desenvolviam suas atividades. Evidentemente, o método apresenta suas limitações: apesar da calibração dos equipamentos, podem ocorrer imprecisões dos medidores de fluxo; a medição foi realizada em um curto intervalo de tempo por conta da dificuldade de acesso à edificação e da limitação de recurso; e o acesso restrito não possibilitou o registro do consumo diário do hidrômetro instalado na lavanderia.

Os resultados dos usos finais de água mostraram que as bacias sanitárias apresentaram os maiores índices de consumo de água (23%), seguidas pelas pias de uso geral (18%), máquinas de lavar roupas (18%) e pias de cozinha (15%). Verificou-se que os vazamentos correspondem a 10% do consumo total e que, apesar da limpeza do edifício ser realizada duas vezes ao dia e limpezas específicas caracterizadas como “terminais programadas” aos fins de semana, o consumo de água na lavagem de pisos correspondeu apenas a 2%. O consumo por uso final de água nas bacias sanitárias foi semelhante ao encontrado por Collett et al. (2016)2 COLLETT, S.; SAMARIN, I.; BHALCHANDRA, R.; SOUNDARANAYAGAM, J.R.; GARAI, S.; CHANDY, M.; BHATTACHARYA, S. Water usage in a multi-speciality hospital and its effective management. Journal of the Academy of Clinical Microbiologists, v. 18, n. 2, p. 135, 2016. https://doi.org/10.4103/0972-1282.194956
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, de 24%. Outros trabalhos identificados na literatura revisada não caracterizaram os usos finais de água.

Os setores que registraram os maiores consumos foram os de manutenção, lavagem e limpeza (23%) e os banheiros dos funcionários (22%). Vaccari et al. (2017)13 VACCARI, M.; MONTASSER, W.; TUDOR, T.; LEONE, L. Environmental audits and process flow mapping to assess management of solid waste and wastewater from a healthcare facility: an Italian case study. Environmental Monitoring and Assessment, v. 189, n. 5, 2017. https://doi.org/10.1007/s10661-017-5940-4
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identificaram consumo de 85% para os usos não domésticos (bacias sanitárias, pias, lavatórios e bidês), no entanto incluíram apenas quatro setores do edifício para a caracterização dos usos. Oliveira (1999)7 OLIVEIRA, L.H. Metodologia para a implantação de programa de uso racional da água em edifícios. 366f. Tese (Doutorado em Engenharia) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999. verificou que o consumo dos sistemas especiais hidráulicos foi mais representativo (15,2%), entretanto 57,6% dos usos dos demais setores não foram identificados.

O indicador de consumo de água por leito resultante, 854,81 L/leito/d, foi inferior aos encontrados em estudos anteriores, de 1.618 L/leito/d (OLIVEIRA, 19997 OLIVEIRA, L.H. Metodologia para a implantação de programa de uso racional da água em edifícios. 366f. Tese (Doutorado em Engenharia) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.), 1.243 L/leito/d (CALZA; NOGUEIRA; SIQUEIRA, 20121 CALZA, L.F.; NOGUEIRA, C.E.C.; SIQUEIRA, J.A.C. Diagnóstico preliminar e proposta de adequação para o uso eficiente da água no hospital universitário do oeste do Paraná. Acta Iguazu, v. 1, n. 4, p. 27-35, 2012. https://doi.org/10.48075/actaiguaz.v1i4.7730
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) e 1.093 L/leito/d (COLLETT et al., 20162 COLLETT, S.; SAMARIN, I.; BHALCHANDRA, R.; SOUNDARANAYAGAM, J.R.; GARAI, S.; CHANDY, M.; BHATTACHARYA, S. Water usage in a multi-speciality hospital and its effective management. Journal of the Academy of Clinical Microbiologists, v. 18, n. 2, p. 135, 2016. https://doi.org/10.4103/0972-1282.194956
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). Por sua vez, não foi possível comparar os indicadores per capita (113,46 L/p/d) e por área (11,16 L/m²/d) em razão da carência de dados específicos sobre o uso de água em edificações hospitalares e indicadores por uso final de água.

Nesse sentido, é importante destacar que o conhecimento dos consumos específicos decorrente do uso da água nos diversos pontos de utilização permite avaliar os benefícios promovidos por ações conservadoras de água e quantificar as economias de água futura. Apesar de esta pesquisa limitar-se ao estudo de caso realizado no Hospital de Apoio de Brasília, ela representa uma pequena contribuição para a caracterização dos usos finais de água de um hospital. Os dados resultantes podem ser utilizados para especificações de medidores de consumo de água, dimensionamento de reservatório, do alimentador predial e ramais de distribuição, bombas de recalque, entre outros, como também servir de base para futuros estudos relacionados ao desenvolvimento de estratégias de conservação da água.

  • Financiamento: Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Convênio 197.000.977/2015) e Fundação Universidade de Brasília (Edital DPI/DPG n° 02/2021 e Edital DPG n° 0001/2022).
  • 1
    Dados informados pela própria gestão do hospital com base no cadastro de acesso ao estabelecimento.

REFERÊNCIAS

  • 1
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    » https://doi.org/10.48075/actaiguaz.v1i4.7730
  • 2
    COLLETT, S.; SAMARIN, I.; BHALCHANDRA, R.; SOUNDARANAYAGAM, J.R.; GARAI, S.; CHANDY, M.; BHATTACHARYA, S. Water usage in a multi-speciality hospital and its effective management. Journal of the Academy of Clinical Microbiologists, v. 18, n. 2, p. 135, 2016. https://doi.org/10.4103/0972-1282.194956
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2022
  • Aceito
    20 Jun 2023
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