Acessibilidade / Reportar erro

Tendências de mudanças climáticas na precipitação pluviométrica nas bacias hidrográficas do estado de Pernambuco

Trends of climate changes in the rainfall in river basins of the state of Pernambuco

RESUMO

Diversos estudos têm demonstrado que o aumento da temperatura média do planeta causa uma intensificação do ciclo hidrológico, o que poderá ocasionar mudanças nos regimes das chuvas, como o aumento da ocorrência de eventos hidrológicos extremos, alterando fortemente a disponibilidade hídrica de uma região e a qualidade de vida da população. A análise da tendência de séries históricas de precipitação pluviométrica é uma das maneiras de se inferir a ocorrência de mudança climática local. Nesse contexto, este trabalho objetiva a estimativa da tendência dos índices de detecção de mudanças climáticas elaborados pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), referentes à precipitação pluvial diária, utilizando o software RClimDex, e a avaliação dessas tendências nas bacias hidrográficas do estado de Pernambuco. Para isso, foram utilizados 75 postos pluviométricos distribuídos de forma uniforme pelo estado com séries históricas variando de 1962 a 2011, com cerca de 50 anos de dados. Foram observadas tendências em vários índices de detecção de mudanças climáticas nas bacias dos rios Goiana, Capibaribe, Ipojuca, Sirinhaém, Una, Mundaú, Ipanema, Moxotó, Terra Nova, Brígida, Garças e Pontal. Concluiu-se que existem evidências de mudanças no clima de algumas bacias hidrográficas principais, diagnosticando indícios de aceleração no processo de aridez das bacias dos rios Ipanema, Brígida e Garças, e tendência de aumento dos eventos extremos máximos de precipitação para as bacias dos rios Mundaú, Sirinhaém e Garças.

Palavras-chave:
variabilidade climática; tendência climática; precipitação pluviométrica

ABSTRACT

Several studies have shown that the increasing of planet’s average temperature causes an intensification of the hydrological cycle, which may lead to changes in rainfall regimes, such as increasing of the occurrence of extreme hydrological events, modifying the water availability of a region and the quality of life of its population. The trend analysis of time series of rainfall is one of the ways to determine the occurrence of local climate changes. In this context, this work aims to estimate the trend in rates of climate change detection, referring to daily rainfall, defined by World Meteorological Organization (WMO), using the software RClimDex, and to evaluate the implications of these trends in river basins of the state of Pernambuco. For this, 75 rain gauge stations uniformly distributed along the state, varying from 1962 to 2011, with about 50 years of data, were used. Several trends in detection rates of climate change in the basins of Goiana, Capibaribe, Ipojuca, Sirinhaém, Una, Mundaú, Ipanema, Moxotó, Terra Nova, Brígida, Garças e Pontal were observed. It was concluded that there is evidence of climate variability for some of its major river basins: it was verified evidence of acceleration in the process of dryness of the river basins of Ipanema, Brígida and Garças, and it was observed a higher tendency of occurrence of extreme rainfall events for the basins of Mundaú, Sirinhaém and Garças.

Keywords:
climate variability; climate tendency; rainfall

INTRODUÇÃO

Ultimamente, a sociedade tem discutido frequentemente sobre as mudanças climáticas e suas consequências no meio em que vivemos. Segundo Souza e Azevedo (2009SOUZA, W. M. de; AZEVEDO, P. V. de. (2009)Avaliação de tendências das temperaturas em Recife-PE: mudanças climáticas ou variabilidade? Engenharia Ambiental - Espírito Santo do Pinhal, v. 6, n. 3, p. 462-472.), toda essa preocupação está associada aos impactos das mudanças climáticas sobre o meio ambiente e as diversas atividades humanas no globo terrestre, e, principalmente, aos efeitos dos extremos climáticos que se tor nam mais frequentes, após divulgação dos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2014IPCC - INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE: Climate Change 2014: Synthesis Report. 2014 Contribution of Working Groups I, II and III to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, R.K. Pachauri and L.A. Meyer (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland, p. 151.).

Grande parte dos pesquisadores acredita que as alterações climáticas que vêm acontecendo são consequências da atividade antrópica, especificamente do aumento na emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE) na atmosfera; outros acreditam que essas alterações climáticas devem-se à variabilidade climática natural do planeta, colocando em dúvida as afirmações dos Relatórios de Avaliação do IPCC. Apesar dessas incertezas referentes à influência do homem no clima, a grande maioria dos pesquisadores tem demonstrado em estudos que nas últimas décadas a atmosfera tem, de fato, sofrido um processo de variabilidade climática, com maior tendência de aquecimento.

O Quinto Relatório Científico do IPCC (IPCC, 2014IPCC - INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE: Climate Change 2014: Synthesis Report. 2014 Contribution of Working Groups I, II and III to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, R.K. Pachauri and L.A. Meyer (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland, p. 151.) apresenta evidências de que mudanças do clima podem afetar significativamente o planeta, especificamente quanto aos extremos climáticos, e informa que os riscos relacionados aos eventos climáticos extremos, tais como ondas de calor, precipitação extrema e inundações costeiras, já são de moderado (alta confiança) a alto, com 1ºC de aquecimento adicional.

Outros fatores que podem afetar o clima de uma região são o desflorestamento e o mau uso dos ecossistemas. Esses fatores alteram o clima regional e, assim, contribuem para as alterações no sistema global. Em áreas de ecossistemas frágeis e vulneráveis, como o semiárido, as mudanças climáticas mais drásticas podem ocorrer por meio da soma das ações produzidas pelos GEE com o mau uso e desflorestamento dos ecossistemas locais (SANTOS, 2006SANTOS, L. A. R. dos; LUCIO, P. S.; REBELLO, E. R. G.; BALBINO, H. T.; FORTES, L. T. G.; SALES, N. D. de; DINIZ, F. de A.; COSTA, M. C. G.; FERREIRA, D. B.; SALVADOR, M. A.; LEANDRO, I. V.; PAULA, T. P de. (2006) Caracterização de extremos climáticos utilizando o software RClimdex. Estudo de Caso: Sudeste de Goiás. In: XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia, Florianópolis(SC).).

A análise da tendência de séries históricas de precipitação é uma das maneiras de se determinar a ocorrência de mudança climática local, possibilitando a avaliação de suas consequências sobre as bacias hidrográficas e, consequentemente, sobre a sociedade. Em regiões como o Nordeste do Brasil, principalmente no semiárido, a precipitação é uma variável determinante das condições do clima local, bem como da sua variabilidade e mudança em longo prazo (SANTOS et al., 2009SANTOS, C. A. C. dos; BRITO, J. I. B. de; RAO, T. V. R.; MENEZES, H. E. A. (2009) Tendências dos índices de precipitação no Estado do Ceará. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 24, n. 1, p. 39-47.).

Desde o surgimento da questão “mudança climática”, diversos autores vinham propondo diferentes índices e metodologias para a detecção e um melhor entendimento das variações climáticas, a fim de que esses índices, padrões, pudessem ser utilizados para identificar as tendências de mudanças climáticas em regiões com qualquer tipo de clima. Além disso, a maioria dos estudos de extremos e variabilidades climáticas era desenvolvida para escalas globais. Poucos estudos de clima eram realizados em escala regional ou local. Segundo Sant’anna Neto (2010SANT’ANNA NETO, J. L. (2010) A climatologia dos geógrafos: a construção de uma abordagem geográfica do clima. In: Uma geografia em movimento. 1ed. São Paulo: Expressão Popular, v. 1, p. 295-318.), as escalas globais permitem apenas a generalização dos elementos e processos, as regionais possibilitam a compreensão das suas formas de organização, que podem ser verificadas de maneira especializada, e mais complexa, nas escalas locais.

Para melhor definir essa questão, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) criou um grupo de trabalho que elaborou índices de detecção de mudanças climáticas. Ao todo, foram definidos 27 índices de detecção de mudanças climáticas, dos quais 11 são decorrentes da precipitação e 16 da temperatura do ar (SANTOS et al., 2006SANTOS, L. A. R. dos; LUCIO, P. S.; REBELLO, E. R. G.; BALBINO, H. T.; FORTES, L. T. G.; SALES, N. D. de; DINIZ, F. de A.; COSTA, M. C. G.; FERREIRA, D. B.; SALVADOR, M. A.; LEANDRO, I. V.; PAULA, T. P de. (2006) Caracterização de extremos climáticos utilizando o software RClimdex. Estudo de Caso: Sudeste de Goiás. In: XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia, Florianópolis(SC).). Desde então, pesquisadores de diversos países, como Toreti & Desiato (2008TORETI, A.; DESIATO, F. (2008) Changes in temperature extremes over Italy in the last 44 years. International Journal of Climatology, v. 28, p. 733-745.), Insaf et al. (2012INSAF, T.Z.; S. LIN.; AND S. C. SHERIDAN. (2012) Climate trends in indices for temperature and precipitation across New York State, 1948-2008. Air Quality, Atmosphere, and Health, in press. .) e O. Rusz (2012RUSZ, O. (2012) Temperature and precipitation changes in Târgu-Mures (Romania) from period 1951-2010. In: Aerul şi Apa: Componente ale Mediului, p. 397-404.), vêm estimando os índices de detecção de mudanças climáticas, também chamados de índices de extremos climáticos, com base em dados de precipitação e temperatura elaborados pela OMM, com o objetivo de avaliar as tendências de variabilidade climáticas em escalas locais.

No Brasil, diversos estudos também têm se baseado na estimativa dos índices de detecção de mudanças climáticas da OMM para avaliação das mudanças climáticas locais (SANTOS et al., 2006SANTOS, L. A. R. dos; LUCIO, P. S.; REBELLO, E. R. G.; BALBINO, H. T.; FORTES, L. T. G.; SALES, N. D. de; DINIZ, F. de A.; COSTA, M. C. G.; FERREIRA, D. B.; SALVADOR, M. A.; LEANDRO, I. V.; PAULA, T. P de. (2006) Caracterização de extremos climáticos utilizando o software RClimdex. Estudo de Caso: Sudeste de Goiás. In: XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia, Florianópolis(SC).; SILVA;DERECZYNSKY, 2010SILVA, W. L.; DERECZYNSKI, C. (2010) Tendências observadas nos índices extremos diários de temperatura e precipitação na cidade do Rio de Janeiro. In: XVI Congresso Brasileiro de Meteorologia, Belém (PA).; ALMEIDA et al., 2010ALMEIDA, R.; REBELLO, E.; AMBRIZZI, T. (2010) Variabilidade de eventos extremos e identificação de tendências climáticas no litoral Norte do Brasil. In: XVI Congresso Brasileiro de Meteorologia, Belém.). Porém, a maior parte destes se concentra na região Sul e Sudeste do país, já que essas regiões apresentam maior quantidade de estações e séries com melhor qualidade e intervalo de dados.

As análises em escalas locais das tendências de índices de extremos climáticos começaram a ser desenvolvidas com mais intensidade no Nordeste brasileiro, a partir dos estudos de Santos (2006SANTOS, L. A. R. dos; LUCIO, P. S.; REBELLO, E. R. G.; BALBINO, H. T.; FORTES, L. T. G.; SALES, N. D. de; DINIZ, F. de A.; COSTA, M. C. G.; FERREIRA, D. B.; SALVADOR, M. A.; LEANDRO, I. V.; PAULA, T. P de. (2006) Caracterização de extremos climáticos utilizando o software RClimdex. Estudo de Caso: Sudeste de Goiás. In: XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia, Florianópolis(SC).) e Silva et al. (2006SILVA, G. B. da; MELO, E.C. de S.; AZEVEDO, P. V. de. (2006) Tendência dos índices no setor semiárido do Estado da Bahia. In: XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia, Florianópolis.). Poucos estudos referentes a índices de extremos climáticos foram desenvolvidos para alguns postos ou regiões específicas do estado de Pernambuco (SOUZA; AZEVEDO, 2009SOUZA, W. M. de; AZEVEDO, P. V. de. (2009)Avaliação de tendências das temperaturas em Recife-PE: mudanças climáticas ou variabilidade? Engenharia Ambiental - Espírito Santo do Pinhal, v. 6, n. 3, p. 462-472.; LACERDA et al., 2009LACERDA, F. F.; MELO, A. V. P. V.; SOARES, D. B. (2009) Análise preliminar na detecção de tendências no padrão pluviométrico na bacia do Pajeú-PE: mudanças climáticas ou variabilidade? XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, Campo Grande (MS).; LACERDA et al., 2010LACERDA, F. F.; ASSIS, J. M. O.; MOURA, M. S. B. de; SILVA, L. S.; SOUZA, L. S. B. de. (2010) Índices climáticos extremos para o município de Petrolina - PE. In: XVI Congresso Brasileiro de Meteorologia, Belém - (PA).; ASSIS et al., 2011ASSIS, J. M. O. de; LACERDA, F. F.; SILVA, L. L.; JUNIOR, H. D. da S.; COUTINHO, R. D. da S.; SILVA, V. N. L. (2011) Análise de índices de detecção de mudanças climáticas no sertão de Pernambuco. In: IV Simpósio Internacional de Climatologia, João Pessoa (PB).; SOUZA et al., 2012SOUZA, W. M. de; SILVA, R. F. da; CORREIA, A. M.; SOUSA, W. S. de; MELO, I. D. F. de. (2012) Índices de extremos climáticos de precipitação observados na bacia do rio Sirinhaém - Pernambuco - Brasil. In: XI Congresso Argentino de Meteorologia, Mendoza, Argentina.; SOUZA & AZEVEDO, 2012SOUZA, W. M. de; AZEVEDO, P. V. de. (2012) Índices de Detecção de Mudanças Climáticas Derivados da Precipitação Pluviométrica e das Temperaturas em Recife - PE. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 5, n. 1, p. 143-159.; ASSIS et al., 2012ASSIS, J. M. O. de; SOBRAL, M. do C. M.; SOUZA, W. M. de (2012) Análise de Detecção de Variabilidade Climáticas com Base na Precipitação nas Bacias Hidrográficas do Sertão de Pernambuco. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 5, n. 3, p. 630-645.). Estima-se que aproximadamente 64% dos municípios do estado e 3,2 milhões de pessoas residam no semiárido pernambucano (IBGE, 2000IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Municípios e população do semiárido brasileiro. Disponível em: <Disponível em: http://www.previdenciasocial.gov.br/arquivos/office/3_081014-104505-099.pdf. 2000 > Acesso em: 12 fev. 2012.
http://www.previdenciasocial.gov.br/arqu...
, 2010IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estimativas da população para 1º de julho de 2009. Disponível em: <Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2009/POP_2009_TCU.pdf >. Acesso em: 12 fev. 2012.
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
), onde grande parte da população sofre com problemas de acesso à água, e as atividades agrícolas são altamente dependentes da precipitação, sendo o conhecimento de sua variabilidade de fundamental importância para o planejamento do uso dos recursos hídricos. Além disso, cerca de 80% dos habitantes do estado moram em zonas urbanas (POPULAÇÃO, 2013POPULAÇÃO. Disponível em: <Disponível em: http://www.pe.gov.br/conheca/populacao/ >. Acesso em: 02 mar. 2013.
http://www.pe.gov.br/conheca/populacao/...
). Essas zonas poderão sofrer bastante, principalmente, com a intensificação de eventos extremos de precipitação, gerando diversos danos sobre as infraestruturas de drenagem urbana das cidades.

Na maioria dos estudos de tendências dos índices de detecção de mudanças climáticas desenvolvidos para o estado, as análises das tendências são baseadas na determinação de um ou poucos índices de extremos climáticos e utilizam pequenos intervalos de dados das séries históricas. Nota-se, portanto, a necessidade de um estudo para a análise de evidências de variabilidade climática mais abrangente e com maior confiabilidade para o estado de Pernambuco, utilizando maior quantidade de dados, maiores intervalos das séries históricas, dados mais atuais, além de uma melhor regionalização das áreas de estudo, semelhante aos trabalhos de Souza et al. (2012SOUZA, W. M. de; SILVA, R. F. da; CORREIA, A. M.; SOUSA, W. S. de; MELO, I. D. F. de. (2012) Índices de extremos climáticos de precipitação observados na bacia do rio Sirinhaém - Pernambuco - Brasil. In: XI Congresso Argentino de Meteorologia, Mendoza, Argentina.) e Assis et al. (2012ASSIS, J. M. O. de; LACERDA, F. F.; SOBRAL, M. do C. M.(2012) Análise de Detecção de Tendências no Padrão Pluviométrico na Bacia Hidrográfica do Rio Capibaribe. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 5, n. 2, p. 320-331.), que estimaram e avaliaram índices de detecção de mudanças climáticas nas bacias do rios Sirinhaém e Capibaribe, respectivamente, apresentando estudos de variabilidade climática bastante criteriosos para o estado. Ambos apresentam uma bacia hidrográfica como região de estudo, embora tenham contemplado apenas 2 das 29 bacias (Unidades de Planejamento - UP) do estado. Segundo o Plano Estadual de Recursos Hídricos do Estado de Pernambuco (PERH/PE, 1998PERH/PE. (1998) Plano Estadual de Recursos Hídricos - Estado de Pernambuco. SECTMA-PE.), a divisão hidrográfica através de bacias ou Unidades de Planejamento é a que oferece melhores condições para a avaliação das potencialidades, disponibilidades e o aproveitamento dos recursos hídricos de uma região. Além disso, as duas pesquisas utilizaram intervalo de dados consideráveis (aproximadamente 45 anos de dados até o ano de 2008) e estimaram diversos índices climáticos em suas análises.

Nesse contexto, este estudo teve a finalidade de analisar as tendências climáticas de índices de precipitação pluviométrica nas principais bacias hidrográficas do estado de Pernambuco, possibilitando mais conhecimento climático da área em escala local e estimulando o desenvolvimento de pesquisas e políticas de mitigação das consequências das mudanças climáticas para o estado, suas principais bacias, e, consequentemente, para sua população.

METODOLOGIA

Área de estudo

O Estado divide-se em 29 UP (Figura 1), sendo 13 correspondentes a bacias hidrográficas importantes: Goiana, Capibaribe, Ipojuca, Sirinhaém, Una, Mundaú, Ipanema, Moxotó, Pajeú, Terra Nova, Brígida, Garças e Pontal, e 16 constituídas por grupos de bacias, 6 das quais de pequenos rios litorâneos (GL1 a GL6), 9 de pequenos rios interiores (GI1 a GI9) e 1 de pequenos rios que compõem a rede de drenagem do arquipélago de Fernando de Noronha (PERH-PE, 1998PERH/PE. (1998) Plano Estadual de Recursos Hídricos - Estado de Pernambuco. SECTMA-PE.).

Figura 1:
Unidades de planejamento hídrico do estado de Pernambuco. Fonte: Adaptado da Série Bacias Hidrográficas de Pernambuco: Rio Ipojuca (AGÊNCIA CONDEPE/FIDEM, 2005AGÊNCIA CONDEPE/FIDEM. (2005) Rio Ipojuca. Série Bacias Hidrográficas de Pernambuco,Recife (PE), 2005.).

Seleção dos dados

Para a realização deste estudo, foram selecionados 75 postos com dados diários de precipitação pluviométrica, referentes ao período de 1962 a 2001, distribuídos ao longo das bacias hidrográficas de Pernambuco (Figura 2). Dentre as 29 UP, 8 não apresentaram postos de acordo com o intervalo de dados considerado (1962 a 2011), sendo elas: Pontal, GI2, GI7, GI9, GL2, GL5, GL6 e uma bacia de pequenos rios que compõem a rede de drenagem do arquipélago de Fernando de Noronha. Dentre essas, apenas a bacia do riacho do Pontal faz parte do grupo das 13 principais bacias hidrográficas do estado; o restante compõe o grupo de bacias de pequenos rios litorâneos e interioranos. Com o objetivo de que todas as bacias principais fossem abarcadas no estudo, o intervalo de dados foi considerado reduzido apenas para a UP Pontal. Assim, todas as bacias principais do estado foram representadas por no mínimo um posto pluviométrico.

Figura 2:
Distribuição espacial dos 75 postos selecionados no mapa da divisão hidrográfica do estado de Pernambuco.

Esses dados foram obtidos com o Instituto de Tecnologia de Pernambuco (ITEP), o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e a Agência Nacional de Águas (ANA), de um total de cerca de 560 postos pluviométricos distribuídos pelo estado de Pernambuco.

Ressalta-se que o intervalo de dados pluviométricos utilizado contempla 50 anos, com informações entre os anos de 1962 e 2011, já que, de acordo com OMM, o clima de uma região deve ser caracterizado com base no período mínimo de 30 anos de dados e apresentar o maior período de dados das séries, pois quanto maior for esse período, maior será a confiabilidade da caracterização climática delas. Isso resultou na seleção de 75 postos pluviométricos espalhados pelo estado. Esses postos, além de apresentarem séries históricas longas suficientes para serem classificados quanto à variabilidade climática, são distribuídos de forma uniforme pelo Estado.

Determinação das tendências dos índices de detecção de mudanças climáticas referentes à precipitação

Para a determinação dos índices de detecção de mudanças climáticas referentes à precipitação pluvial dos postos selecionados no estado de Pernambuco, foi utilizado o software RClimdex.

O RClimdex calcula 27 índices climáticos básicos derivados da precipitação (11 índices) e temperatura (16 índices) recomendados pela Equipe de Especialistas em Detecção, Monitoramento e Índices de Mudanças Climáticas (ETCCDMI) do Programa Internacional de Pesquisa em Previsão da Variabilidade Climática (CCI/CLIVAR). Porém, como o estudo baseia-se na variável meteorológica “precipitação pluvial”, foram calculados apenas os índices que dependem dessa variável. Na Tabela 1, estão apresentados os índices climáticos derivados da precipitação pluvial, gerados pelo software, que foram utilizados para o presente trabalho.

Tabela 1:
Índices climáticos dependentes da precipitação pluviométrica diária, temperaturas máxima e mínima com suas definições e unidades.

Para o cálculo dos índices supramencionados, o Manual do Usuário do RClimDex (1.0) (ZHANG;YANG, 2004ZHANG, X.; YANG, F. (2004) RClimDex (1.0) User Guide. Climate Research Branch Environment Canada. Downsview (Ontario, Canada), 22p.) estabelece alguns critérios:

  1. os índices mensais são calculados se em um mês não existirem mais de três dias faltosos,

  2. os valores anuais são calculados se em um ano não existirem mais de 15 dias faltosos,

  3. não será calculado um valor anual se qualquer mês de dados estiver faltando, e

  4. para os indicadores de duração de temporada, uma temporada pode continuar no ano seguinte e esta é contada no ano em que a temporada termina.

Os dados de precipitação pluvial diária dos postos selecionados para o estudo tiveram que ser organizados de acordo com o formato de entrada de dados-padrão do software. O RClimDex inclui somente um procedimento simples de controle de qualidade dos dados que foi proporcionado pelo ClimDex:

  1. substitui todos os dados faltosos (codificados como -99.9) em um formato interno reconhecido pelo R e

  2. substitui todos os valores não aceitáveis por -99.9, por exemplo, precipitações diárias menores que zero.

Esse procedimento busca oferecer maior qualidade aos índices gerados. Para que isso ocorra, é necessário que os dados de precipitação pluvial diária dos postos selecionados sejam homogêneos, ou seja, que apresentem somente variações nos seus valores devido às mudanças do clima (precipitação), estando livre de variações não relacionadas com o clima. A verificação dessa homogeneização foi realizada através de uma análise visual dos dados de todos os postos pluviométricos utilizados no estudo, na qual se verificou a ausência de discrepâncias nos dados.

Neste trabalho, foram consideradas como possíveis alterações climáticas as situações em que o índice apresentou tendência linear (positiva ou negativa) com boa significância estatística (p≤0,1) e alta significância estatística (p≤0,05), sendo ele obtido pelo próprio ­software através do teste t de Student. A última versão da plataforma “R” (2.14.1) pode ser obtida através do websitehttp://www.r-project.org e o pacote “RClimDex”, que também é gratuito, pode ser obtido pelo websitehttp://cccma.seos.uvic.ca/ETCCDMI/RClimDex/rclimdex.r. Nesse último também pode se adquirir o tutorial do software, o qual apresenta informações referentes ao formato de entrada dos dados, controle de qualidade, entre outras.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os valores das tendências dos índices de detecção de mudanças climáticas para os 75 postos selecionados e distribuídos no estado de Pernambuco estão listados na Tabela 2.

Tabela 2:
Tendências dos índices climáticos extremos dependentes da precipitação pluviométrica para o estado de Pernambuco. Os índices negritados apresentam boa significância estatística (p<0,1) e os índices negritados e realçados apresentam ótima significância estatística (p<0,05).

É importante ressaltar que, mesmo com a distribuição espacial uniforme de postos pluviométricos no estado de Pernambuco e com a utilização das séries mais recentes, verificou-se que diversos postos apresentavam períodos de ausência de dados diários, consequência da inutilização dos pluviômetros e perca de dados, por exemplo. O ideal é que as séries apresentem a maior quantidade de dados possível, para que se tenha maior confiabilidade na obtenção dos índices e consequentemente melhor interpretação dos resultados. Além disso, as bacias dos rios Ipojuca e Pontal, que apresentaram uma pequena quantidade de postos selecionados (2), foram analisadas no estudo, porém o ideal é que se tenha uma grande quantidade de postos e que estes se encontrem bem distribuídos na bacia, com séries históricas longas que tragam maior representatividade e confiabilidade à caracterização climática dela.

A Tabela 3 apresenta um resumo do percentual das quantidades de postos cujas tendências dos índices de detecção de mudanças climáticas derivados de precipitação pluviométrica diária apresentaram alguma significância estatística por unidade de planejamento. De acordo com esses resultados, foram elaboradas algumas análises sobre o comportamento climático e suas consequências sobre as bacias hidrográficas principais do estado de Pernambuco. Nas análises apresentadas na continuação, foram consideradas relevantes as tendências dos índices em que pelo menos 25% dos postos apresentaram alguma tendência significativa na bacia.

Tabela 3:
Percentual (%) das quantidades de postos cujas tendências dos índices de detecção de mudanças climáticas de precipitação apresentam a tendência da significância estatística por bacia hidrográfica. ↓ indica tendência de diminuição e ↑ indica tendência de aumento.

Os resultados mostraram uma tendência na diminuição da precipitação total anual nas bacias hidrográficas dos rios Brígida, Garças, Goiana, Ipanema e Sirinhaém, nas quais 40,0, 25,0, 25,0, 33,3 e 50,0% dos índices apresentaram alguma tendência significativa, respectivamente. Assis et al. (2012ASSIS, J. M. O. de; LACERDA, F. F.; SOBRAL, M. do C. M.(2012) Análise de Detecção de Tendências no Padrão Pluviométrico na Bacia Hidrográfica do Rio Capibaribe. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 5, n. 2, p. 320-331.) e Souza et al. (2012SOUZA, W. M. de; SILVA, R. F. da; CORREIA, A. M.; SOUSA, W. S. de; MELO, I. D. F. de. (2012) Índices de extremos climáticos de precipitação observados na bacia do rio Sirinhaém - Pernambuco - Brasil. In: XI Congresso Argentino de Meteorologia, Mendoza, Argentina.) também encontraram tendências negativas de precipitação total anual nos dias úmidos (PRCPTOT) para bacias dos rios Brígida e Sirinhaém, respectivamente.

Em contrapartida, considerando a variabilidade espacial do NEB, Silva et al. (2006SILVA, G. B. da; MELO, E.C. de S.; AZEVEDO, P. V. de. (2006) Tendência dos índices no setor semiárido do Estado da Bahia. In: XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia, Florianópolis.) observaram uma sensível tendência de aumento na PRCPTOT para os municípios de Irecê e Feira de Santana, localizados na Bahia. Da mesma forma, os estudos de Santos et al. (2009SANTOS, C. A. C. dos; BRITO, J. I. B. de; RAO, T. V. R.; MENEZES, H. E. A. (2009) Tendências dos índices de precipitação no Estado do Ceará. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 24, n. 1, p. 39-47.) evidenciaram aumento do mesmo índice no estado do Ceará.

As bacias dos rios Garças (25,0%), Goiana (50,0%), Ipanema (50,0%), Ipojuca (50,0%) e Mundaú (33,3%) apresentaram tendência de aumento do índice “dias consecutivos secos” (CDD). As bacias dos rios Moxotó (50,0%), Mundaú (33,3%), Sirinhaém (50,0%) e Una (28,6%) apresentaram tendência positiva do índice “dias consecutivos úmidos” (CWD), enquanto as bacias dos rios Garças (50,0%), Ipojuca (50,0%) e Pontal (50,0%) apresentaram tendência negativa. Tendências positivas de CWD também foram verificadas por Souza et al. (2012SOUZA, W. M. de; SILVA, R. F. da; CORREIA, A. M.; SOUSA, W. S. de; MELO, I. D. F. de. (2012) Índices de extremos climáticos de precipitação observados na bacia do rio Sirinhaém - Pernambuco - Brasil. In: XI Congresso Argentino de Meteorologia, Mendoza, Argentina.) para a bacia do rio Sirinhaém. Os índices de CDD e CWD das bacias dos rios Garças e Ipojuca apresentam tendências coerentes: enquanto há um aumento no número de dias consecutivos secos, há uma diminuição no número de dias consecutivos úmidos, evidenciando-se nestas um aumento no número de dias secos.

Observou-se tendência de diminuição do índice “simples de intensidade diária” (SDII) nas bacias dos rios Brígida (40,0%), Capibaribe (36,4%), Goiana (25,0%), Ipojuca (50,0%), Moxotó (50,0%), Sirinhaém (75,0%) e Una (42,9%). Observa-se que as bacias dos rios Brígida, Goiana e Sirinhaém apresentaram configuração semelhante no tocante ao índice PRCPTOT, confirmando a informação de diminuição da precipitação total anual nos dias de chuva nessas unidades (quanto menor a precipitação total anual menor o índice SDII). Apenas a bacia do rio Garças apresentou tendência de aumento do SDII (50,0%).

Foi verificada uma diminuição no número de dias com precipitação superior a 10 mm nas bacias dos rios Brígida (40,0%), Capibaribe (27,3%), Garças (50,0%), Goiana (50,0%), Ipanema (33,3%), Sirinhaém (50,0%), Terra Nova (40,0%), Una (28,6%) e Pontal (50,0%).

Também foi verificada a diminuição de eventos de chuva no ano com precipitação superior a 20 mm nas bacias dos rios Garças (25,0%), Moxotó (33,3%), Sirinhaém (50,0%), Una (28,6%) e Pontal (50,0%). As tendências de diminuição dos índices SDII e “número de dias com precipitação intensa” (R10) concordam com os estudos de Assis et al. (2012ASSIS, J. M. O. de; LACERDA, F. F.; SOBRAL, M. do C. M.(2012) Análise de Detecção de Tendências no Padrão Pluviométrico na Bacia Hidrográfica do Rio Capibaribe. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 5, n. 2, p. 320-331.) e Souza et al. (2012SOUZA, W. M. de; SILVA, R. F. da; CORREIA, A. M.; SOUSA, W. S. de; MELO, I. D. F. de. (2012) Índices de extremos climáticos de precipitação observados na bacia do rio Sirinhaém - Pernambuco - Brasil. In: XI Congresso Argentino de Meteorologia, Mendoza, Argentina.) para as bacias dos rios Capibaribe e Sirinhaém, respectivamente.

As bacias dos rios Garças (50,0%) e Mundaú (33,3%) apresentaram tendência de aumento do índice “número de dias com precipitação acima de 50 mm” (R50), enquanto as bacias do rio Brígida (40,0%) e Sirinhaém (50,0%) apresentaram tendência de diminuição. Quanto ao índice “número de dias com precipitação acima de 100 mm” (R100), foi verificada uma tendência de aumento apenas na bacia do rio Ipanema (50%).

A bacia do rio Garças apresentou tendência positiva para os índices “quantidade máxima de precipitação em um dia” (Rx1day) (50,0%) e “quantidade máxima de precipitação em cinco dias” (Rx5day) (50,0%), e as bacias dos rios Mundaú (33,3%) e Sirinhaém (25,0%) apenas para o índice Rx1day. Verificou-se tendência do aumento do índice “dias muito úmidos” (R95p) para as bacias dos rios Garças (50,0%) e Mundaú (33,3%), já para a bacia do rio Brígida (40,0%) foi observada uma tendência de diminuição no índice. Quanto ao índice “dias extremamente úmidos” (R99), observou-se tendência positiva para as bacias dos rios Mundaú (33,3%) e Sirinhaém (25,0%).

Santos et al. (2009SANTOS, C. A. C. dos; BRITO, J. I. B. de; RAO, T. V. R.; MENEZES, H. E. A. (2009) Tendências dos índices de precipitação no Estado do Ceará. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 24, n. 1, p. 39-47.) evidenciaram tendência de aumento dos índices R50, R95p e Rx5day em postos do estado do Ceará. Já Silva e Dereczynsky (2010SILVA, W. L.; DERECZYNSKI, C. (2010) Tendências observadas nos índices extremos diários de temperatura e precipitação na cidade do Rio de Janeiro. In: XVI Congresso Brasileiro de Meteorologia, Belém (PA).) observaram tendência positiva para o índice Rx1day para o município de Rio de Janeiro.

De acordo com esses resultados, foram observadas algumas evidências de mudanças locais no comportamento da precipitação pluviométrica nas bacias hidrográficas do estado de Pernambuco:

A bacia do rio Goiana (UP 01) apresenta tendência de diminuição da precipitação total anual, da intensidade diária média de precipitação e de eventos moderados, e tendência de aumento do número de dias consecutivos secos.

Foram observadas tendências de diminuição da intensidade diária média de precipitação e de chuvas moderadas na bacia do rio Capibaribe (UP 02).

A bacia do rio Ipojuca (UP 03) apresentou aumento no número de dias consecutivos secos e diminuição no número de dias consecutivos úmidos e da intensidade diária média de precipitação.

A bacia do rio Sirinhaém (UP 04) apresenta evidências da diminuição da precipitação total anual, da intensidade diária média de precipitação e dos eventos de chuvas maiores que 10, 20 e 50 mm; em contrapartida, apresenta tendência de aumento no número de dias consecutivos úmidos, com aumento da precipitação máxima em um dia e de dias extremamente úmidos. Observa-se que, mesmo com as tendências de diminuição de precipitação e eventos extremos, essa bacia, que está inserida na Zona da Mata, região de maiores índices pluviométricos do estado, apresenta evidência da ocorrência de dias mais úmidos e consecutivos, o que gera maior escoamento superficial e erosão do solo, tornando essa região mais vulnerável à ocorrência de inundações e cheias, por exemplo.

Verificou-se tendência de aumento dos dias consecutivos úmidos e de diminuição da intensidade diária média de precipitação, chuvas de 10 e 20 mm na bacia do rio Una (UP 05).

A bacia do rio Mundaú (UP 06) apresenta evidências do aumento no número de dias consecutivos com chuva, com aumento da precipitação máxima em um dia, dias mais úmidos e número de dias com precipitação acima de 50 mm, apontando para maior ocorrência de chuvas intensas. Observou-se ainda que a bacia apresentou aumento no número de dias consecutivos secos, demonstrando uma má distribuição temporal da precipitação na bacia. Esses resultados evidenciam tendência de aumento da ocorrência de inundações, cheias, alagamentos e danificação de obras de drenagem, visto que esses acontecimentos estão associados a eventos extremos de chuva e maior quantidade de chuva acumulada em um dia (ou cinco dias).

Em junho de 2010, as bacias dos rios Sirinhaém, Una e Mundaú, as quais apresentam um histórico de cheias, sofreram com fortes enchentes, provocando mortes, inundações e destruição de grandes proporções (JÚNIOR et al., 2010JÚNIOR, C.R.F.; PEDROSA, V.A.; DE SOUZA, V.C.B. (2010) Reflexões sobre a cheia de junho de 2010 nas bacias do Rio Mundaú e Paraíba. In: Simpósio Regional Brasileiro de Recursos Hídricos, Fortaleza(CE).). Estima-se que, no estado de Pernambuco, 68 municípios foram atingidos, ficando 9 deles em estado de calamidade pública e 33 em situação de emergência, com 4.136 casas destruídas ou danificadas, 20 indivíduos mortos, quase 27 mil desabrigados e 56 mil desalojados (ITEP/OS, 2011ITEP/OS. (2011) Estudo de Impacto Ambiental - EIA. Sistema de Controle de Cheias das Bacias do Rio Uma - Barragem Igarapeba: Resumo Executivo, Recife, 2011.).

Eventos como os ocorridos em junho de 2010 nas bacias dos rios Sirinhaém, Una e Mundaú poderão tornar-se mais frequentes e rigorosos - gerando, assim, mais danos sociais e econômicos ao estado -, segundo as tendências supracitadas de aumento no número de dias consecutivos úmidos (verificado nas três bacias), dentre outras, associadas às características dessas bacias, como solo raso e de baixa capacidade de armazenamento, altas declividades, ocupação irregular das planícies de inundação (JÚNIOR et al., 2010JÚNIOR, C.R.F.; PEDROSA, V.A.; DE SOUZA, V.C.B. (2010) Reflexões sobre a cheia de junho de 2010 nas bacias do Rio Mundaú e Paraíba. In: Simpósio Regional Brasileiro de Recursos Hídricos, Fortaleza(CE).).

Foi verificada uma diminuição da precipitação total anual, com aumento do número de dias secos consecutivos na bacia do rio Ipanema (UP 07). Embora tenha sido constatada uma diminuição dos eventos moderados, observou-se uma tendência positiva para o aumento de eventos com chuvas diárias maiores que 100 mm. Essa bacia, inserida no agreste pernambucano, apresenta clima semiárido e poderá ter seu processo de aridez acelerado, segundo os resultados encontrados. Além disso, apresenta maior vulnerabilidade a alagamentos e comprometimento de obras de drenagem, principalmente nas áreas urbanas das cidades inseridas nessa bacia, devido à ocorrência de chuvas intensas maiores que 100 mm/dia.

Já a bacia do rio Moxotó (UP 08) apresentou aumento dos dias consecutivos com chuva e diminuição do índice simples de intensidade diária, ou seja, é muito provável que tenha ocorrido um aumento no número de dias úmidos na bacia. Também se observou tendência de diminuição de eventos fortes.

A bacia do rio Pajeú (UP 09) não apresentou tendências significativas, e na bacia do rio Terra Nova (UP 10) foram observadas tendências de diminuição de chuvas moderadas.

Na bacia do rio Brígida (UP 11), observou-se tendência da diminuição da precipitação total anual, da intensidade diária média de precipitação e redução de eventos com chuvas diárias maiores que 10 e 50 mm na bacia. De acordo com os resultados, a bacia do Brígida, que se encontra totalmente inserida no semiárido pernambucano e apresenta clima semiárido, associada às tendências de menor precipitação e rios intermitentes, pode ter seu processo de aridez acelerado e maior escassez de água. Essas evidências podem contribuir para a intensificação do processo de desertificação de parte da bacia do Brígida (municípios de Cabrobó, Orocó e Santa Maria da Boa Vista), que está inserida no Núcleo de Cabrobó, um dos núcleos de desertificação já identificados no semiárido brasileiro (SÁ et al., 2010SÁ, I. B.; CUNHA, T. J. F.; TEIXEIRA, A. H. de C.; ANGELOTTI, F.; DRUMOND, M. A. (2010) Desertificação no Semiárido brasileiro. In: 2ª Conferência Internacional: Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas, Fortaleza (CE).).

A bacia do rio Garças (UP 12) apresenta tendência de diminuição da precipitação total anual, de aumento no número de dias secos consecutivos e de diminuição de eventos consecutivos úmidos. Também há uma tendência de diminuição das chuvas moderadas e fortes na bacia, porém observa-se que, mesmo com a diminuição dos dias consecutivos com chuva, houve um aumento dos eventos máximos de precipitação em um e em cinco dias, além de aumento da quantidade de dias mais úmidos e da ocorrência de eventos com chuvas diárias maiores que 50 mm, apontando para maior ocorrência de eventos extremos de chuva. Logo, essa bacia poderá apresentar maior vulnerabilidade a problemas de drenagem, como alagamentos e comprometimentos de obras hidráulicas, principalmente nas áreas urbanas. Em contrapartida, a bacia do Garças também pode apresentar problemas referentes ao aumento de aridez e escassez de água, e, assim como a bacia do rio Brígida, parte de sua área (município de Santa Maria da Boa Vista) está inserida no Núcleo de Desertificação de Cabrobó, o que poderá intensificar esse processo na região.

Verificou-se tendência de diminuição no número de dias consecutivos com chuva e também na ocorrência de chuvas diárias menores que 10 e 20 mm na bacia do rio Pontal (UP 13).

CONCLUSÕES

Do presente estudo, pode-se concluir que a estimativa e a avaliação das tendências dos índices de detecção de mudanças climáticas dos 75 postos selecionados no estado de Pernambuco possibilitaram a constatação de algumas tendências climáticas para algumas das bacias hidrográficas principais do estado. Não se pode afirmar que essas tendências observadas são consequências das mudanças climáticas globais.

Observou-se que as bacias dos rios Goiana, Capibaribe, Ipojuca, Sirinhaém, Una, Mundaú, Ipanema, Moxotó, Terra Nova, Brígida, Garças e Pontal apresentaram tendências de variações climáticas locais. De acordo com as tendências, verificou-se evidência de aceleração no processo de aridez das bacias dos rios Ipanema, Brígida e Garças. Além disso, observou-se maior tendência do acontecimento de eventos extremos de chuva para as bacias dos rios Mundaú, Sirinhaém e Garças.

REFERÊNCIAS

  • AGÊNCIA CONDEPE/FIDEM. (2005) Rio Ipojuca. Série Bacias Hidrográficas de Pernambuco,Recife (PE), 2005.
  • ALMEIDA, R.; REBELLO, E.; AMBRIZZI, T. (2010) Variabilidade de eventos extremos e identificação de tendências climáticas no litoral Norte do Brasil. In: XVI Congresso Brasileiro de Meteorologia, Belém.
  • ASSIS, J. M. O. de; LACERDA, F. F.; SILVA, L. L.; JUNIOR, H. D. da S.; COUTINHO, R. D. da S.; SILVA, V. N. L. (2011) Análise de índices de detecção de mudanças climáticas no sertão de Pernambuco. In: IV Simpósio Internacional de Climatologia, João Pessoa (PB).
  • ASSIS, J. M. O. de; SOBRAL, M. do C. M.; SOUZA, W. M. de (2012) Análise de Detecção de Variabilidade Climáticas com Base na Precipitação nas Bacias Hidrográficas do Sertão de Pernambuco. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 5, n. 3, p. 630-645.
  • ASSIS, J. M. O. de; LACERDA, F. F.; SOBRAL, M. do C. M.(2012) Análise de Detecção de Tendências no Padrão Pluviométrico na Bacia Hidrográfica do Rio Capibaribe. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 5, n. 2, p. 320-331.
  • IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Municípios e população do semiárido brasileiro. Disponível em: <Disponível em: http://www.previdenciasocial.gov.br/arquivos/office/3_081014-104505-099.pdf. 2000 > Acesso em: 12 fev. 2012.
    » http://www.previdenciasocial.gov.br/arquivos/office/3_081014-104505-099.pdf. 2000
  • IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estimativas da população para 1º de julho de 2009. Disponível em: <Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2009/POP_2009_TCU.pdf >. Acesso em: 12 fev. 2012.
    » http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2009/POP_2009_TCU.pdf
  • INSAF, T.Z.; S. LIN.; AND S. C. SHERIDAN. (2012) Climate trends in indices for temperature and precipitation across New York State, 1948-2008. Air Quality, Atmosphere, and Health, in press .
  • IPCC - INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE: Climate Change 2014: Synthesis Report. 2014 Contribution of Working Groups I, II and III to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change [Core Writing Team, R.K. Pachauri and L.A. Meyer (eds.)]. IPCC, Geneva, Switzerland, p. 151.
  • ITEP/OS. (2011) Estudo de Impacto Ambiental - EIA. Sistema de Controle de Cheias das Bacias do Rio Uma - Barragem Igarapeba: Resumo Executivo, Recife, 2011.
  • JÚNIOR, C.R.F.; PEDROSA, V.A.; DE SOUZA, V.C.B. (2010) Reflexões sobre a cheia de junho de 2010 nas bacias do Rio Mundaú e Paraíba. In: Simpósio Regional Brasileiro de Recursos Hídricos, Fortaleza(CE).
  • LACERDA, F. F.; ASSIS, J. M. O.; MOURA, M. S. B. de; SILVA, L. S.; SOUZA, L. S. B. de. (2010) Índices climáticos extremos para o município de Petrolina - PE. In: XVI Congresso Brasileiro de Meteorologia, Belém - (PA).
  • LACERDA, F. F.; MELO, A. V. P. V.; SOARES, D. B. (2009) Análise preliminar na detecção de tendências no padrão pluviométrico na bacia do Pajeú-PE: mudanças climáticas ou variabilidade? XVIII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, Campo Grande (MS).
  • RUSZ, O. (2012) Temperature and precipitation changes in Târgu-Mures (Romania) from period 1951-2010. In: Aerul şi Apa: Componente ale Mediului, p. 397-404.
  • PERH/PE. (1998) Plano Estadual de Recursos Hídricos - Estado de Pernambuco. SECTMA-PE.
  • POPULAÇÃO. Disponível em: <Disponível em: http://www.pe.gov.br/conheca/populacao/ >. Acesso em: 02 mar. 2013.
    » http://www.pe.gov.br/conheca/populacao/
  • SÁ, I. B.; CUNHA, T. J. F.; TEIXEIRA, A. H. de C.; ANGELOTTI, F.; DRUMOND, M. A. (2010) Desertificação no Semiárido brasileiro. In: 2ª Conferência Internacional: Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas, Fortaleza (CE).
  • SANT’ANNA NETO, J. L. (2010) A climatologia dos geógrafos: a construção de uma abordagem geográfica do clima. In: Uma geografia em movimento 1ed. São Paulo: Expressão Popular, v. 1, p. 295-318.
  • SANTOS, C. A. C. dos. (2006) Estimativa e Tendências de Índices de Detecção de Mudanças Climáticas com base na precipitação diária no Rio Grande do Norte e na Paraíba, 98 p., Dissertação (Mestrado em Meteorologia), Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande.
  • SANTOS, C. A. C. dos; BRITO, J. I. B. de; RAO, T. V. R.; MENEZES, H. E. A. (2009) Tendências dos índices de precipitação no Estado do Ceará. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 24, n. 1, p. 39-47.
  • SANTOS, L. A. R. dos; LUCIO, P. S.; REBELLO, E. R. G.; BALBINO, H. T.; FORTES, L. T. G.; SALES, N. D. de; DINIZ, F. de A.; COSTA, M. C. G.; FERREIRA, D. B.; SALVADOR, M. A.; LEANDRO, I. V.; PAULA, T. P de. (2006) Caracterização de extremos climáticos utilizando o software RClimdex. Estudo de Caso: Sudeste de Goiás. In: XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia, Florianópolis(SC).
  • SEMAS - Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade. (2011) Plano Estadual de Mudanças Climáticas. 93p, Recife.
  • SILVA, G. B. da; MELO, E.C. de S.; AZEVEDO, P. V. de. (2006) Tendência dos índices no setor semiárido do Estado da Bahia. In: XIV Congresso Brasileiro de Meteorologia, Florianópolis
  • SILVA, W. L.; DERECZYNSKI, C. (2010) Tendências observadas nos índices extremos diários de temperatura e precipitação na cidade do Rio de Janeiro. In: XVI Congresso Brasileiro de Meteorologia, Belém (PA).
  • SOUZA, W. M. de; AZEVEDO, P. V. de. (2009)Avaliação de tendências das temperaturas em Recife-PE: mudanças climáticas ou variabilidade? Engenharia Ambiental - Espírito Santo do Pinhal, v. 6, n. 3, p. 462-472.
  • SOUZA, W. M. de; AZEVEDO, P. V. de. (2012) Índices de Detecção de Mudanças Climáticas Derivados da Precipitação Pluviométrica e das Temperaturas em Recife - PE. Revista Brasileira de Geografia Física, v. 5, n. 1, p. 143-159.
  • SOUZA, W. M. de; SILVA, R. F. da; CORREIA, A. M.; SOUSA, W. S. de; MELO, I. D. F. de. (2012) Índices de extremos climáticos de precipitação observados na bacia do rio Sirinhaém - Pernambuco - Brasil. In: XI Congresso Argentino de Meteorologia, Mendoza, Argentina
  • TORETI, A.; DESIATO, F. (2008) Changes in temperature extremes over Italy in the last 44 years. International Journal of Climatology, v. 28, p. 733-745.
  • ZHANG, X.; YANG, F. (2004) RClimDex (1.0) User Guide. Climate Research Branch Environment Canada. Downsview (Ontario, Canada), 22p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Nov 2014
  • Aceito
    19 Jul 2016
Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental - ABES Av. Beira Mar, 216 - 13º Andar - Castelo, 20021-060 Rio de Janeiro - RJ - Brasil - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: esa@abes-dn.org.br