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Determinação de parâmetros cinéticos da inativação térmica de Escherichia coli em lodo de esgoto

Determining kinetic parameters for thermal inactivation of Escherichia coli in sewage sludge

Resumos

O presente trabalho objetivou determinar parâmetros cinéticos da inativação térmica de Escherichia coli em lodo de esgoto. Os ensaios foram realizados em laboratório pelo método do frasco de três bocas nas temperaturas de 45, 50, 55, 60 e 65ºC. Os resultados indicaram que a cinética de inativação térmica deste microrganismo pode ser descrita por um modelo de primeira ordem. A resistência da bactéria é reduzida consideravelmente em temperaturas acima de 55ºC. A energia de inativação encontrada foi 2,48x10(5) J.mol-1. O tempo de redução decimal D55ºC foi de 3,61 minutos e o coeficiente térmico z foi 8,3ºC.

lodo de esgoto; Escherichia coli; inativação térmica; parâmetros cinéticos


The present study aimed to determine the kinetic parameters of thermal inactivation of Escherichia coli in sewage sludge. The tests were performed in the laboratory using the three-neck flask method at temperatures of 45, 50, 55, 60 and 65ºC. The results indicated that the thermal inactivation kinetic of this microorganism can be described by a first order model. The resistance of bacteria is greatly reduced at temperatures above 55ºC. The inactivation energy was found 2.48x10(5) J.mol-1. The decimal reduction time D55ºC was 3.61 minutes and the thermal coefficient z was 8.3ºC.

sewage sludge; Escherichia coli; thermal inactivation; kinetic parameters


NOTA TÉCNICA

Determinação de parâmetros cinéticos da inativação térmica de Escherichia coli em lodo de esgoto

Determining kinetic parameters for thermal inactivation of Escherichia coli in sewage sludge

Odinei FogolariI; Crisleine Zottis dos ReisII; Luiz Sérgio PhilippiIII

IEngenheiro Químico. Mestre em Engenharia Ambiental. Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Florianópolis (SC), Brasil

IIEngenheira Química. Doutoranda em Engenharia Química. Departamento de Engenharia Química e de Engenharia de Alimentos da UFSC - Florianópolis (SC), Brasil

IIIDoutor em Hidrologia e Saúde Pública pela Université de Montpellier I. Professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental e do Programa de Pós-graduação em Engenharia Ambiental da UFSC - Florianópolis (SC), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Odinei Fogolari Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos/UFSC Rodovia Admar Gonzaga, 1.346 - Itacorubí 88034-001 - Florianópolis (SC), Brasil E-mail: fogolari@gmail.com

RESUMO

O presente trabalho objetivou determinar parâmetros cinéticos da inativação térmica de Escherichia coli em lodo de esgoto. Os ensaios foram realizados em laboratório pelo método do frasco de três bocas nas temperaturas de 45, 50, 55, 60 e 65ºC. Os resultados indicaram que a cinética de inativação térmica deste microrganismo pode ser descrita por um modelo de primeira ordem. A resistência da bactéria é reduzida consideravelmente em temperaturas acima de 55ºC. A energia de inativação encontrada foi 2,48x105 J.mol-1. O tempo de redução decimal D55ºC foi de 3,61 minutos e o coeficiente térmico z foi 8,3ºC.

Palavras-chave: lodo de esgoto; Escherichia coli; inativação térmica; parâmetros cinéticos.

ABSTRACT

The present study aimed to determine the kinetic parameters of thermal inactivation of Escherichia coli in sewage sludge. The tests were performed in the laboratory using the three-neck flask method at temperatures of 45, 50, 55, 60 and 65ºC. The results indicated that the thermal inactivation kinetic of this microorganism can be described by a first order model. The resistance of bacteria is greatly reduced at temperatures above 55ºC. The inactivation energy was found 2.48x105 J.mol-1. The decimal reduction time D55ºC was 3.61 minutes and the thermal coefficient z was 8.3ºC.

Keywords: sewage sludge; Escherichia coli; thermal inactivation; kinetic parameters.

Introdução

O lodo de esgoto pode ser considerado uma fonte de nutrientes para a agricultura. Contudo, sua utilização desperta preocupações associadas à transmissão de patógenos para alimentos ou trabalhadores rurais, à contaminação de águas subterrâneas e superficiais, além do possível acúmulo de metais e contaminantes orgânicos no ambiente. Com isso, pesquisadores e gestores públicos de diversos países têm lançado esforços a fim de normatizar e aprimorar técnicas de tratamento que possibilitem o uso do lodo com segurança (WHO, 2006; VENGLOVSKY; MARTINEZ; PLACHA, 2006).

No Brasil, a Resolução nº 375/2006 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) define critérios e procedimentos para o uso agrícola de lodo de esgoto, classificando-o em duas categorias (A e B) de acordo com as concentrações máximas de agentes patogênicos em cada uma delas. Para coliformes termotolerantes são exigidos menos de 103 NMP.g-1 de sólidos totais (ST) para o lodo Classe A e menos de 106 NMP.g-1 de ST para o lodo Classe B (BRASIL, 2006).

Nos Estados Unidos, a U.S. Environmental Protection Agency, que regulamenta o uso de lodo de esgoto, também o classifica em duas categorias (Classes A e B) de acordo com a sua qualidade, estabelecendo requisitos diferentes para cada uma delas (USEPA, 2003). A norma brasileira apresenta semelhança em vários aspectos com a americana, como por exemplo, na concentração de coliformes fecais para o lodo Classe A, que também deve ser inferior a 103 NMP.g-1 de ST, e para o lodo Classe B que deve ser inferior a 2x106 NMP.g-1 de ST. Entretanto, divergem em outros quesitos, um exemplo é a concentração de ovos de helmintos no lodo Classe B, em que a norma brasileira impõe limite de 10 ovos.g-1 de ST, já a americana não exige redução deste parâmetro, mas faz severas restrições ao uso do lodo enquadrado nesta classe.

A Resolução CONAMA nº 375/2006 apresenta diversos processos de tratamento que podem ser utilizados para redução significativa ou redução adicional de agentes patogênicos no lodo. Dentre estes processos, estão incluídos os que utilizam calor úmido, com destaque para a secagem térmica; o tratamento térmico definido pelo aquecimento a 180ºC por 30 minutos; e a pasteurização que consiste no aquecimento a 70ºC por 30 minutos. Todos estão categorizados no item de redução adicional de patógenos, indicados para obtenção de lodo Classe A.

O calor é um dos métodos mais empregados para inativar microrganismos. Estes são considerados inativados quando perdem, de forma irreversível, a capacidade de se multiplicar. Os microrganismos morrem pela desnaturação de proteínas na presença de calor úmido, ou por oxidação, quando se trata de calor seco. Quando uma população microbiana é aquecida, a redução do número de organismos viáveis ocorre em taxas elevadas, contudo, há variações de resistência de organismo para organismo (ALTERTHUM; CARVALHAL, 1999).

Pode-se destacar dois parâmetros importantes no processo de inativação térmica: tempo de redução decimal (DT), que expressa o tempo, em minutos, necessário para redução de uma unidade logarítmica na concentração de células viáveis a uma dada temperatura (T); e o coeficiente térmico (z), que representa a diferença de temperatura necessária para a redução de uma unidade logarítmica no valor de DT. Ambos estão relacionados com o grau de resistência ao calor de um determinado microrganismo (HAUG, 1993).

A relação tempo-temperatura para cada microrganismo é específica e dependente das características do meio em que está inserido. Em meios mais nutritivos, com condições mais favoráveis à reprodução, há uma tendência da resistência aumentar. Diversos modelos preditivos de inativação já foram desenvolvidos, mas nenhum é amplamente aceito como sendo capaz de descrever todos os dados experimentais, cada um aborda uma situação específica para um determinado microrganismo (PFLUG; HOLCOMB; GÓMEZ, 2001; LANG; SMITH, 2008).

De acordo com Haug (1993) e Stumbo (1973), a cinética de inativação térmica de muitos microrganismos, principalmente bactérias, pode ser modelada assumindo um decaimento de primeira ordem, conforme a Equação 1.

Onde,

N: concentração de células viáveis;

t: tempo de tratamento;

kd: taxa de inativação térmica.

Esta equação é válida para sistemas que exibem curvas de sobrevivência tipo exponencial à temperatura constante. Sistemas que não exibem essa característica exigem modelagem específica.

Diante da necessidade de exploração da resistência térmica de agentes patogênicos em lodo de esgoto, diversos estudos vêm sendo realizados a fim de determinar a cinética de inativação de microrganismos que possam servir de indicadores da eficiência do tratamento. Dentre eles pode-se destacar os trabalhos de Aitken et al. (2005), Lang e Smith (2008), Pecson et al. (2007) e Mocé-Llivina et al. (2003).

O objetivo deste estudo foi determinar parâmetros cinéticos da inativação térmica de Escherichia coli em lodo de esgoto líquido. O estudo foi desenvolvido por meio de testes laboratoriais de bancada, sendo uma etapa complementar à pesquisa realizada sobre a desinfecção térmica de lodo em reator piloto com energia solar, conforme Fogolari (2011).

Material e Métodos

Caracterização do lodo de esgoto

O lodo de esgoto utilizado neste estudo foi proveniente de um tanque séptico instalado no Centro de Treinamento da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI) em Florianópolis (SC).

A caracterização do lodo bruto é apresentada na Tabela 1 e foi obtida através de 15 amostragens realizadas entre dezembro de 2009 e setembro de 2010.

As concentrações de E. coli e coliformes totais no lodo bruto variaram na ordem de 104 a 107 NMP.100 mL-1. O método empregado para quantificação de coliformes totais e E. coli foi o do Substrato Definido Colilert® - o-nitrofenil-b-D-galactopiranosídeo (ONPG) e 4-metilumbeliferil-b-D-glucuronídeo (MUG).

Determinação da resistência térmica da Escherichia coli

Preparação do inóculo

O inóculo foi preparado a partir de amostras de lodo coletadas no tanque séptico. Alíquotas de 50 mL de lodo bruto foram centrifugadas a 1.650 x g por 15 minutos. Após a centrifugação, 40 mL do sobrenadante foram descartados e o restante guardado em recipiente estéril, por no máximo 6 horas, até sua utilização nos experimentos de inativação térmica. Antes do início de cada experimento, foi determinada a concentração de E. coli no inóculo.

Ensaios de inativação térmica

Os ensaios para determinação dos parâmetros cinéticos de inativação térmica da E. coli foram realizados em bancada pelo método do frasco de três bocas, adaptado de Stumbo (1973). O frasco consiste em um balão de três bocas, as quais são utilizadas para a inserção de termopares para monitoramento da temperatura; agitador mecânico; e pipetas para introdução do inóculo e retirada de amostras, conforme ilustrado na Figura 1.


O método do balão é utilizado para determinar a resistência térmica de microrganismos em temperaturas abaixo do ponto de ebulição da água à pressão atmosférica. O frasco é empregado para acondicionar a solução (meio reacional) durante o aquecimento. Quando a temperatura desejada é atingida, uma quantidade pequena de inóculo é adicionada ao meio, de modo a não causar mudanças consideráveis na temperatura. Exemplos de trabalhos que utilizaram essa metodologia com sucesso foram Augusto, Tribst e Cristianini (2009) e Reveron, Barreiro e Sandoval (2005).

Os testes de inativação da E. coli foram realizados em duplicata nas temperaturas de 45, 50, 55, 60 e 65ºC. O meio utilizado nos experimentos foi lodo de esgoto coletado no tanque séptico, previamente esterilizado em autoclave por 30 minutos a 121ºC, de forma a se obter material isento de qualquer microrganismo e não interferir, assim, na qualidade do inóculo adicionado posteriomente. Assim, a concentração inicial de E. coli na solução que é aquecida pode ser assumida como igual à concentração do inóculo, apenas levando em consideração a diluição do meio.

O balão contendo a suspensão de lodo de esgoto estéril (utilizada como meio reacional) foi fixado em um banho termostático com agitação. A temperatura da suspensão foi monitorada por dois termopares. Após o sistema atingir equilíbrio térmico na temperatura definida, adicionou-se 10% de inóculo preparado conforme o item anterior, completando um volume de 1L de solução. Neste momento, iniciou-se o monitoramento do tempo de aquecimento e da concentração de E. coli na solução.

Amostras foram retiradas da solução em tempos predefinidos e colocadas rapidamente em banho de gelo. Após serem devidamente diluídas, as amostras receberam o substrato Colilert® e foram, em seguida, incubadas a 35ºC por 24 horas até a contagem bacteriana.

Análise dos dados

Conforme já relatado, muitos microrganismos apresentam decaimento de primeira ordem quando submetidos ao aquecimento. Em processos nos quais a temperatura não sofre variações significativas, pode-se assumir kd como constante. Assim, integrando a Equação 1 nas condições limites de concentração e temperatura e aplicando o logaritmo aos termos do resultado, chega-se à Equação 2, expressa a seguir.

Onde,

Nt: concentração de células no tempo t;

No: concentração de células em t = 0 (inicial).

A taxa de inativação térmica (kd) pode ser obtida por regressão linear dos dados de concentração microbiana versus tempo. Após a obtenção da taxa de inativação, o tempo de redução decimal (DT) pode ser obtido pela Equação 3, o qual corresponde ao tempo necessário para redução de uma unidade logarítmica na concentração de células a uma dada temperatura:

A inativação térmica tem sido abordada frequentemente como uma reação química, sendo o modelo de Arrhenius, apresentado na Equação 4, usado para explicar o efeito da temperatura sobre a taxa de reação (HAUG, 1993; PFLUG; HOLCOMB; GÓMEZ, 2001):

Onde,

TK: temperatura em Kelvin;

C: constante de inativação;

Ed: energia de inativação;

R: constante dos gases (R = 8,3145 J.K-1.mol-1).

A energia de inativação (Ed) e a constante C podem ser obtidas pela linearização da Equação 4, conforme segue (Equação 5).

A Equação 5 pode ser representada genericamente por uma função de primeiro grau do tipo Y=B+AX. Sendo assim, os parâmetros Ed e C podem ser determinados por meio de regressão linear no gráfico de ln kdvs. TK-1.

Resultados e Discussão

Resistência térmica da Escherichia coli

A Figura 2 apresenta as curvas de inativação térmica da E. coli em lodo de esgoto obtidas nas temperaturas de 45, 50, 55, 60 e 65ºC. A Tabela 2 apresenta os valores da taxa de inativação térmica (kd), além do tempo de redução decimal (DT) (obtido pela Equação 3) em cada temperatura. O decaimento na concentração microbiana pode ser descrito por cinética de primeira ordem, sendo que o coeficiente de determinação (R2) das regressões lineares ficou acima de 0,93.


A utilização do modelo cinético de primeira ordem para determinação do valor de DT de diferentes cepas de E. coli, também pode ser verificada em trabalhos como de Chung, Wang, Tang (2007), Jin et al. (2008) e Lang e Smith (2008).

Observa-se que a baixa taxa de inativação a 45ºC ocasiona alto valor de DT, tendo sido necessários mais de 142 minutos para redução de uma unidade logarítmica, o que tornaria o processo de desinfecção térmica pouco recomendado se conduzido nesta condição.

Em 50ºC, o valor de DT diminuiu para 25,93 minutos, sendo este ainda um valor alto, representando um tratamento de baixa intensidade. Já em 55ºC ou mais, os valores de DT são bastante reduzidos (menores que 3,61 minutos), o que implica a condição mais apropriada para o tratamento térmico de lodo de esgoto.

Vários autores determinaram valores de DT para E. coli em diferentes meios. Lang e Smith (2008), utilizando sobrenadante de lodo líquido centrifugado, encontraram D55ºC=2,1 minutos para a cepa NCTC 9001; D55ºC=2,4 minutos para O148; e D55ºC=2,6 minutos para O158. Utilizando Caldo Triptona de Soja, os autores encontraram D55ºC=4,4 minutos para NCTC 9001; D55ºC=7,1 minutos para O148; e D55ºC=5,9 minutos para O158. Revelando uma maior resistência do microrganismo em meio mais nutritivo.

Gabriel e Nakano (2009), realizando testes em suco de maçã, determinaram D55ºC=4,43 minutos para a cepa O157:H7 e D55ºC=0,96 minutos para K-12. Oteiza, Giannuzzi e Califano (2003), utilizando caldo nutritivo comercial como meio, determinaram D54ºC=4,5 minutos; D58ºC=1,5 minutos; e D62ºC=0,5 minutos para a cepa G335. Spinks et al. (2006) encontraram D55ºC=6,68 minutos para O3:H6 e D55ºC=3,72 minutos para O157:H7, ambos realizados em água deionizada.

Observa-se, pelos trabalhos citados, que os valores de DT podem variar conforme a cepa do microrganismo e o meio em que ela está inserida. Os valores encontrados nesse estudo, descritos na Tabela 2, não correspondem a nenhuma cepa específica, pois elas não foram pré-selecionadas no inóculo e o método de quantificação detecta todas as células de E. coli presentes, contudo, mostraram-se dentro do esperado, não se distanciando dos dados observados em outros trabalhos.

A dependência da taxa de inativação com a temperatura pode ser descrita pelo modelo de Arrhenius (Equação 4). A energia de inativação (Ed) e a constante C foram obtidas através da linearização deste modelo, expresso pela Equação 5, cuja reta está representada na Figura 3. O valor encontrado para Ed foi de 2,48x105 J.mol-1, e para a constante C foi 1,03x1039 minutos-1. Esses parâmetros podem ser úteis na modelagem da inativação de processos que exibem um perfil de temperatura variável (HAUG, 1993; FOGOLARI, 2011).


Yaghmaee e Durance (2005) determinaram a energia de inativação térmica da E. coli (ATCC 11775) em suspensão aquosa e o valor encontrado foi 2,32x105 J.mol-1, o que se aproxima muito do valor encontrado no presente trabalho.

O coeficiente térmico z pode ser definido como a diferença de temperatura necessária para provocar a redução de um ciclo logarítmico no valor de DT. O valor de z é obtido através da curva de log DT em função da temperatura. O valor encontrado foi de 8,3ºC, com coeficiente de determinação (R2) de 0,97.

O valor de z obtido esteve próximo a valores observados na literatura. Oteiza, Giannuzzi e Califano (2003) determinaram z=7,9ºC para a cepa G335 e z=7,8ºC para O157:H7); e Chung, Wang e Tang (2007), utilizando caldo BHI como meio, encontraram z=6,5ºC para a cepa K-12.

De modo geral, os testes de inativação térmica da E. coli e os parâmetros cinéticos encontrados indicam que a desinfecção do lodo de esgoto pode atingir níveis consideráveis em temperaturas acima de 55ºC. Considerando os tempos de redução decimal obtidos, infere-se que 30 minutos de aquecimento do lodo em temperaturas superiores a 55ºC seriam suficientes para redução de 6 unidades logarítmicas na concentração de E. coli, o que possivelmente permitiria enquadrá-lo como Classe A, com relação a coliformes termotolerantes, pela Resolução CONAMA nº 375/2006.

Deve-se considerar que os testes foram realizados em escala laboratorial e em condições controladas. Processos em escala real devem considerar outros fatores, como por exemplo, variações na temperatura, homogeneidade do meio, recrescimento microbiano, possíveis recontaminações durante e após o tratamento. Obviamente, para efetivação da segurança de um processo de inativação térmica, as cinéticas de outros microrganismos indicadores e patogênicos devem ser avaliadas. Cabe destacar que a Resolução CONAMA nº 375/2006 estabelece concentrações limites para ovos viáveis de helmintos, Salmonella e vírus entéricos, além de coliformes termotolerantes.

A utilização da E. coli como único parâmetro da eficiência do tratamento térmico não é recomendada devido à grande variedade de microrganismos patogênicos que podem estar presentes no lodo, muitos deles apresentam resistência térmica considerável. Pode-se citar Lang e Smith (2008), que avaliaram a inativação térmica de diversas cepas de E. coli e Salmonella, sendo que a Salmonella Senftenberg 775W foi a bactéria mais resistente do estudo, apresentando D55ºC=3,2 minutos. Conforme observado nos trabalhos de Aitken et al. (2005) e Pecson et al. (2007), ovos de helmintos também podem apresentar resistência ao calor, sendo outro parâmetro essencial na avaliação de processos de desinfecção de lodo.

Conclusões

A inativação térmica da E. coli demonstrou seguir o modelo cinético de primeira ordem. O valor encontrado para a energia de inativação foi 2,48x105 J.mol-1, e para a constante C foi 1,03x1039 min-1. A resistência térmica da bactéria foi reduzida consideravelmente em temperaturas acima de 50ºC. O tempo de redução decimal D55ºC foi de 3,61 minutos e o coeficiente térmico z foi 8,3ºC. Considerando o agente microbiológico avaliado, observou-se que desinfecção térmica de lodo de esgoto líquido ocorreu com mais intensidade em temperaturas acima de 55ºC. Os resultados obtidos podem contribuir na avaliação dos fatores tempo-temperatura de inativação da E. coli, assim como fornecer dados complementares à modelagem de processos de higienização de lodo em escala real, visto que outros parâmetros também devem ser considerados para o atendimento das normas vigentes.

Agradecimentos

Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsade estudos e à Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) pelo apoio financeiro concedidoà pesquisa pelo Edital 01/2007.

Recebido: 17/11/11

Aceito: 27/09/12

Reg. ABES: 144

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  • Endereço para correspondência:

    Odinei Fogolari
    Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos/UFSC
    Rodovia Admar Gonzaga, 1.346 - Itacorubí
    88034-001 - Florianópolis (SC), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Fev 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      17 Nov 2011
    • Aceito
      27 Set 2012
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