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Análise econômica do sistema da reciclagem em Portugal

Economic analysis of the Portuguese recycling system

Resumos

A reciclagem de resíduos de embalagens é um grande objetivo da União Europeia. A legislação comunitária impõe metas muito ambiciosas relativamente às taxas de reciclagem a atingir por todos os Estados-membros. Por conseguinte, a análise das operações e dos custos acrescidos que resultaram dessa política ambiental constitui um relevante tópico de investigação. Uma vez que cada Estado-membro tem seu próprio sistema de reciclagem, existe uma clara falta de informação acerca dos custos reais das várias etapas do ciclo de vida dos resíduos e de como esses custos têm sido distribuídos por todos os intervenientes. Este artigo caracteriza o caso português e discute as transferências financeiras feitas pela organização que gerencia o Sistema Ponto Verde. Essas transferências são posteriormente comparadas com os custos reais dos prestadores locais (operadores de resíduos), pelo que é possível discutir a eficiência e justiça do sistema. Conclui-se que cada tonelada de resíduos de embalagens triada custa cerca de 289€ aos prestadores de resíduos (custos de investimento, operação e manutenção com a coleta diferenciada e processo de triagem). Se os custos evitados com a coleta indiferenciada e a destinação final desses resíduos forem contabilizados como benefícios do sistema, então os benefícios correspondem a 127% dos custos totais. Contudo, se os custos evitados com a coleta indiferenciada e a destinação final não forem considerados, os benefícios dos prestadores de gestão de resíduos cobrem apenas 77% dos seus custos.

reciclagem; resíduos de embalagens; sistema ponto verde


Recycling packaging waste is a major objective for the European Union. The European law sets clear targets for the recycling rates to be attained by all member states. Hence, to analyze the operations and added costs resulting from this environmental policy is an important research topic. Since every member state has its own recycling system, there is a clear lack of information regarding the true costs of the life cycle of packaging waste and how these costs have been allocated to the various participants. This study illustrates the Portuguese case and discusses the financial transfers made by the company that manages the Green Dot scheme. These transfers are compared with the true costs of the local authorities (waste management operators), which allow us to discuss the efficiency and justice of the national framework. Each ton of sorted packaging waste costs about 289€ to waste management operators (investment, operation and maintenance costs with selective collection and sorting). If the avoided costs with undifferentiated collection and final disposal of this waste are accounted for as benefits of the system, then the total benefits correspond to 127% of the total costs. However, if these “opportunity" costs are not considered, the benefits of the waste management operators only cover 77% of the costs.

green dot; packaging waste; recycling


INTRODUÇÃO

A história mostra que existem vantagens inequívocas em reciclar certos tipos de resíduos (FOLZ, 1995FOLZ, D.H. (1995) The economics of municipal recycling: a preliminary analysis. Public Administration Quarterly, v. 19, n. 3, p. 299–320.). Com efeito, quantidades significativas de embalagens eram recicladas em diversos Estados-membros mesmo antes da entrada em vigor da Diretiva Europeia 94/62/EC sobre embalagens e resíduos de embalagens (COMISSÃO EUROPEIA, 2006COMISSÃO EUROPEIA. (2006) Report from the Commission to the Council and the European Parliament on the implementation of Directive 94/62/EC on packaging and packaging aaste and its impact on the environment, as well as on the functioning of the internal market. COM(2006)767 final. Bruxelas: Comissão Europeia, 10 p.). A reciclagem de resíduos de embalagens evita o consumo de matérias primas. Por outro lado, a diminuição da quantidade de resíduos destinados à “deposição final" pode aumentar a vida útil dos aterros sanitários (BJÖRKLUND & FINNVEDEN, 2007BJÖRKLUND, A. & FINNVEDEN, G. (2007) Life cycle assessment of a national policy proposal: the case of a Swedish waste incineration tax. Waste Management, v. 27, n. 8, p. 1046–1058.). Para além de potenciais poupanças financeiras com a deposição em aterro, reduzir a quantidade de resíduos a serem depostos ou incinerados deveria levar a uma menor contaminação de solos e de lençóis freáticos (redução de emissões). De uma maneira geral, a reciclagem pode ajudar as autoridades competentes a alcançar uma melhor gestão global dos recursos ambientais (matérias primas, território, qualidades do solo e da água, entre outros).

Contudo, a reciclagem não tem só vantagens (MASSARUTTO; CARLI; GRAFFI, 2011MASSARUTTO, A.; CARLI, A.; GRAFFI. M. (2011) Material and energy recovery in integrated waste management systems: a life-cycle costing approach. Waste Management, v. 31, n. 10, p. 2102–2011.). É bastante evidente que esse processo tem custos diretos acrescidos para os agentes dos setores público e privado (que se podem traduzir, por exemplo, em preços de produtos embalados mais elevados ou num acréscimo das tarifas ou impostos afetos à gestão de resíduos sólidos urbanos). Outro aspecto negativo tem a ver com o baixo valor de mercado dos produtos recicláveis de resíduos de embalagens, especialmente para os casos em que as matérias-primas têm um baixo custo. A cadeia logística da reciclagem é normalmente bastante complexa e implica grandes investimentos em novos equipamentos e infraestruturas (para a coleta seletiva e triagem de resíduos), mais transporte e maiores distâncias percorridas (os resíduos recolhidos seletivamente são encaminhados para centrais de triagem e só depois são enviados para os recicladores ou para armazenamento). Grande parte dos custos envolvidos não são recuperáveis (sunk costs); é importante, portanto, identificar quem está a financiar, quer os custos de investimento, quer os custos de operação do “sistema de reciclagem" de resíduos de embalagens provenientes do circuito urbano (i.e. resíduos residenciais e comerciais de pequena escala (DA CRUZ et al., 2014DA CRUZ, N.F., FERREIRA, S., CABRAL, M., SIMÕES, P., MARQUES, R.C. (2014). Packaging waste recycling in Europe: is the industry paying for it? Waste Management, v. 34, n. 2, p. 298–308.).

Tendo em vista os aspectos positivos e negativos que já foram enunciados, é preciso também referir que a reciclagem pode ser uma fonte de inovação tecnológica e de criação de emprego. Além disso, a implementação de sistemas de reciclagem pode servir de ponto de partida para "obrigar" a indústria a internalizar os custos ambientais e sociais que decorrem da sua atividade econômica. Em teoria, se fosse possível determinar as taxas de reciclagem ótimas (i.e. a percentagem de resíduos a reciclar) para cada tipo de material e tendo em conta os efeitos de tecnologias complementares, tais como a incineração com recuperação de energia, se poderia globalmente atingir melhores resultados do ponto de vista econômico (incluindo a valorização de impactos ambientais e sociais) (PIRA & ECOLAS, 2005PIRA & ECOLAS. (2005) Study on the Implementation of Directive 94/62/EC on Packaging and Packaging Waste and Options to Strengthen Prevention and Re-Use of Packaging. Final Report. Brussels: PIRA International & ECOLAS Environmental Consultancy & Assistance. 251 p.). Contudo, na Europa existe o perigo de se excederem as taxas de reciclagem ótimas (que são desconhecidas e variam de região para região) e de se desvalorizar estratégias de gestão de resíduos alternativas (KINNAMAN, 2009KINNAMAN, T.C. (2009) The economics of waste management. Waste Management, v. 29, n. 10, p. 2615–2617.). Na União Europeia (UE), a complexidade e a heterogeneidade dos ambientes institucionais (diferentes leis, instituições, know-how, etc. em cada Estado-membro) são também fatores que podem servir de barreira para que se alcance uma solução ótima do ponto de vista do interesse público (WATSON; BULKELEY; HUDSON, 2008WATSON, M.; BULKELEY, H.; HUDSON, R. (2008) Unpicking environmental policy integration with tales from waste management. Environment and Planning C: Government and Policy, v. 26, n. 3, p. 481–498.).

De acordo com a Diretiva Europeia 94/62/EC e com o princípio do “poluidor-pagador", todas as entidades envolvidas na produção, uso, importação e distribuição de embalagens e de produtos embalados são forçados a assumir a responsabilidade pelos respetivos resíduos de embalagens (BAILEY, 1999BAILEY, I. (1999) Flexibility, harmonization and the single market in EU environmental policy: the packaging waste directive. Journal of Common Market Studies, v. 37, n. 4, p. 549–571.). Os usuários e as autoridades públicas devem cooperar com a indústria e prestadores econômicos (i.e. fabricantes de produtos de embalagens, produtores e transformadores de embalagens, fabricantes de produtos embalados, importadores, retalhistas e distribuidores) na implementação de medidas para gerir esses resíduos corretamente, protegendo o ambiente e adotando um espírito de responsabilidade partilhada (COGGINS, 2001COGGINS, C. (2001) Waste prevention – an issue of shared responsibility for UK producers and consumers: policy options and measurement. Resources, Conservation and Recycling, v. 32, n. 3–4, p. 181–190.). Os setores econômicos em causa devem firmar acordos voluntários com as autoridades competentes de cada Estado-membro de maneira que os objetivos e metas estabelecidos na Diretiva sejam efetivamente alcançados (BAILEY, 2002BAILEY, I. (2002) European environmental taxes and charges: economic theory and policy practice. Applied Geography, v. 22, n. 3, p. 235–251.).

Neste artigo os autores analisam o sistema de gestão de resíduos de embalagens existente em Portugal. Em primeiro lugar, as várias “componentes" do sistema são descritas em pormenor e, posteriormente, os custos dos prestadores de resíduos (prestadores públicos locais) são comparados com o suporte financeiro levado a cabo pela indústria. Na análise são incluídos (como benefícios) os custos evitados pelos operadores locais que resultam do desvio dos resíduos de embalagem da deposição em aterro. São também incluídos (como custos) os montantes relativos ao retorno do capital investido na construção das novas infraestruturas e na aquisição do equipamento necessário para constituir o sistema de reciclagem (essencialmente a coleta seletiva e a triagem de resíduos). Por conseguinte, este estudo dá origem a um debate sobre a interpretação dos vários intervenientes em relação à Diretiva e aos princípios de poluidor-pagador e de responsabilidade partilhada.

Depois dessa introdução, o próximo item apresenta uma breve descrição do ciclo de vida dos resíduos de embalagens. No item seguinte, o caso português é descrito em pormenor, com referência à legislação e instituições relevantes bem como ao histórico e à evolução da reciclagem nesse país. O próximo item descreve os mecanismos de transferências financeiras entre a indústria (responsável pelos resíduos de embalagens) e os operadores públicos locais (que efetivamente gerem os resíduos urbanos). Os dados, metodologia e resultados são apresentados no item seguinte. Por fim, o último item contém a discussão dos resultados e as conclusões do estudo.

A CADEIA LOGÍSTICA DA RECICLAGEM DE RESÍDUOS URBANOS

No ciclo de vida dos resíduos urbanos, a origem corresponde ao momento em que determinado objeto ou produto é entendido pelo usuário como “sem valor" e é por isso descartado (CLEARY, 2009CLEARY, J. (2009) Life cycle assessments of municipal solid waste management systems: a comparative analysis of selected peer-reviewed literature. Environment International, v. 35, n. 8, p. 1256–1266.). O destino final dos resíduos urbanos é muitas vezes o aterro sanitário. No caso particular dos resíduos de embalagens, o destino final pode ser também o aterro ou um processo de valorização, como a incineração com recuperação de energia ou a reciclagem. Os vários “caminhos possíveis" existentes no ciclo de vida dos resíduos de embalagens são representados na Figura 1. Nem todos os resíduos de embalagens entram no fluxo da coleta seletiva, ou seja, no “sistema da reciclagem". Apesar disso, algum material pode ser ainda reciclado via coleta indiferenciada, através de um sistema de tratamento mecânico biológico (TMB), por exemplo, durante o pré-tratamento da compostagem, ou através da incineração de resíduos, onde alguns metais podem ainda ser encaminhados para reciclagem. Qualquer sistema produz sempre uma percentagem de rejeitos que são inevitavelmente encaminhados para deposição em aterro.

Figura 1
Caminhos possíveis dos resíduos de embalagens no circuito urbano.

Todos os sistemas de reciclagem são diferentes. O conjunto de diferentes opções relaciona-se com o tipo de coleta seletiva, os modelos institucionais e de gestão de resíduos, os agentes envolvidos, o tipo de equipamento e infraestruturas utilizados, etc. (BULKELEY; WATSON; HUDSON, 2007BULKELEY, H.; WATSON, M.; HUDSON, R. (2007) Modes of governing municipal waste. Environment and Planning A, v. 39, n. 11, p. 2733–2753.; BOHM et al., 2010BOHM, R.; FOLZ, D.; KINNAMAN, T.C.; PODOLSKY, M. (2010) The costs of municipal waste and recycling programs. Resources Conservation and Recycling, v. 54, n. 11, p. 864–871.). O ciclo de vida dos resíduos urbanos de embalagens e, particularmente, o sistema de reciclagem, têm impactos financeiros (os custos extras dos equipamentos e infraestruturas necessários para a coleta seletiva e triagem) e econômicos (por exemplo, os custos evitados com a deposição em aterro desses resíduos). Atualmente, não existe ainda um conhecimento aprofundado dos custos reais da operação destes sistemas.

Embora seja um tópico de interesse mundial (e.g. vide LAVEE, 2007LAVEE, D. (2007) Is municipal solid waste recycling economically efficient? Environmental Management, v. 40, n. 6, p. 926–943.; YAU, 2010YAU, Y. (2010) Domestic waste recycling, collective action and economic incentive: the case in Hong Kong. Waste Management, v. 30, n. 12, p. 2440–2447.), a UE fornece um contexto interessante para o estudo dos sistemas de reciclagem. Todos os Estados-membros têm de respeitar a chamada “hierarquia dos resíduos" (do mais desejável para o menos desejável: prevenção e redução, preparação para reutilização, reciclagem, outro tipo de valorização, destinação final). Em particular, os países têm de atingir metas exigentes de reciclagem e valorização de resíduos de embalagem (ver item seguinte). Apesar de cada país apresentar seu próprio sistema de reciclagem (que varia de acordo com as leis, instituições e mercados nacionais), muitos Estados-membros adotam o “Sistema Ponto Verde", onde uma entidade privada sem fins lucrativos assume as responsabilidades da indústria relativamente à reciclagem dos seus resíduos de embalagem (por exemplo Bélgica, França, Roménia e também Portugal). Contudo, alguns países decidiram estabelecer metas de reciclagem ainda mais altas. A Alemanha é um desses países onde se decidiu também introduzir concorrência no mercado da reciclagem (situação bem diferente dos restantes Estados-membros da UE) (PRO-EUROPE, 2011PRO-EUROPE. (2011) Uniformity in Diversity:producer responsibility in action. Brussels: Packaging Recovery Organisation Europe, 83 p.). Esse ambiente concorrencial (onde muitas entidades privadas com fins lucrativos gerem os sistemas) fez com que o mercado se tornasse muito menos transparente, sendo muito difícil saber quanto custam os serviços de coleta seletiva e triagem de resíduos (apesar disso, os custos são 100% suportados pela indústria) (BUNDESKARTELLAMT, 2011BUNDESKARTELLAMT. (2011) Case summary: coordination of tenders for sales packaging waste collection services by compliance schemes. Bonn: The Bundeskartellamt. 9 p.). Outro caso muito particular é o sistema dinamarquês. Nesse país nenhuma entidade privada é responsável pela gestão dos resíduos de embalagens. Em vez disso, se estabeleceu um sistema de depósito-retorno para as embalagens de bebida e garrafas reutilizáveis. Os custos de gerir os restantes resíduos de embalagens são internalizados pelos municípios (e financiados por impostos locais) (PRO-EUROPE, 2011PRO-EUROPE. (2011) Uniformity in Diversity:producer responsibility in action. Brussels: Packaging Recovery Organisation Europe, 83 p.).

O CASO DE PORTUGAL

A Diretiva 94/62/CE, de 20 de dezembro de 1994 (BRUXELAS, 1994BRUXELAS. (1994) Diretiva 94/62/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 1994. Jornal Oficial nº L 365. Bruxelas.), foi transposta para o ordenamento jurídico nacional através do Decreto-lei nº 366-A/97 (LISBOA, 1997LISBOA. (1997) Decreto-lei n° 366-A/97, de 20 de dezembro de 1997. Diário da República, I série A, n° 293. Lisboa.) e da Portaria nº 29-B/98 (LISBOA, 1998LISBOA. (1998) Portaria n° 29-B/98, de 15 de janeiro de 1998. Diário da República, I série B, n° 12. Lisboa.), constituindo o quadro legal relativo à gestão de embalagens e resíduos de embalagens em Portugal. Essa Diretiva, atualizada posteriormente pela Diretiva 2004/12/CE, de 11 de fevereiro de 2004 (ESTRASBURGO, 2004ESTRASBURGO. (2004) Diretiva 2004/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004. Jornal Oficial nº L 047. Estrasburgo.), fixou metas de valorização e reciclagem para todos os Estados-membros (Tabela 1), deixando ao critério desses a escolha das políticas e dos modelos de gestão dos resíduos de embalagens a adotar. Tendo em conta as particularidades (e.g. territoriais, demográficas e econômicas), para os casos da Grécia, Irlanda e Portugal, as metas de 2001 foram alargadas até ao final de 2005, e os objetivos de 2008 poderiam ser atingidos apenas em 31/12/2011.

Tabela 1
Metas da Diretiva 94/62/CE (alterada pela Diretiva 2004/12/CE) para a reciclagem e valorização de resíduos de embalagens (em % de peso).

Desde a publicação da Diretiva 94/62/CE, houve um grande investimento na gestão de resíduos em Portugal. Com a erradicação dos lixões no final dos anos 1990 foram criados diversos sistemas multimunicipais e intermunicipais para a gestão dos resíduos sólidos urbanos, foram construídas infraestruturas de valorização e destinação final e teve início a coleta seletiva multimaterial. A evolução no quadro legislativo nacional levou ao licenciamento de prestadores de fluxos especiais de resíduos, aumentando assim a valorização e a reciclagem.

A responsabilidade dos prestadores econômicos (os responsáveis pela colocação de embalagens no mercado) pela gestão dos seus resíduos de embalagens pode ser transferida para um prestador devidamente licenciado para exercer essa atividade. A Sociedade Ponto Verde (SPV) é uma entidade privada sem fins lucrativos que tem como objetivo promover a coleta seletiva, a triagem, a valorização e a reciclagem de resíduos de embalagens, a nível nacional. Foi licenciada a 01 de outubro de 1997 pelos Ministérios da Economia e do Ambiente. Em 2004 foi emitida uma nova licença, válida até 31 de dezembro de 2011. Nesse momento, a SPV assegura a gestão de todos os tipos e materiais de embalagens não reutilizáveis colocadas no mercado nacional. Assim, os responsáveis pela colocação de embalagens no mercado podem transferir sua responsabilidade de gestão dos resíduos para a SPV através do pagamento do valor “Ponto Verde" (ver item seguinte). No final de 2010 encontravam-se firmados 10.008 contratos com embaladores. Existem valores de Ponto Verde para cada tipo de material de embalagem: vidro, plástico, papel/cartão, embalagens de cartão para alimentos líquidos, aço, alumínio, madeira e outros materiais.

O atual regime institucional de gestão de resíduos urbanos divide-se entre sistemas municipais e intermunicipais, situados na esfera dos municípios, e sistemas multimunicipais, situados na esfera do estado central. Os serviços de resíduos têm sido classificados segundo as designações em “alta" e “baixa", de acordo com as atividades realizadas pelas várias entidades gestoras (DA CRUZ; SIMÕES; MARQUES, 2013DA CRUZ, N.F.; SIMÕES, P.; MARQUES, R.C. (2013) The hurdles of local governments with PPP contracts in the waste sector. Environment and Planning C: Government and Policy, v. 31, n. 2, p. 292–307.). A componente em baixa abrange as atividades de coleta e transporte de resíduos, desempenhadas essencialmente pelos sistemas municipais. A componente em alta inclui a armazenagem, triagem, transporte, valorização (TMB ou incineração com recuperação de energia) e destinação final (e.g. deposição em aterro) dos resíduos urbanos de origem residencial, bem como outros resíduos que pela sua natureza e composição sejam semelhantes aos provenientes de habitações e cuja produção diária não exceda os 1.100 L por produtor. Existem também os conceitos de mercado “primário" e “secundário" para referir a coleta e a deposição e tratamento de resíduos, respetivamente, e ainda de mercado “terciário", que se refere à reciclagem (SIMÕES & MARQUES, 2009SIMÕES, P. & MARQUES, R. (2009) Avaliação do desempenho dos serviços de resíduos urbanos em Portugal. Engenharia Sanitária e Ambiental, v. 14, n. 2, p. 285–294.). O mercado de gestão de resíduos urbanos em alta é dominado pelas entidades gestoras multimunicipais (empresas detidas em 51% pelo estado português através da sua empresa EGF, uma sub-holding da Águas de Portugal, onde os restantes 49% pertencem ao municípios abrangidos). No mercado de gestão de resíduos em “alta" existem 12 concessionárias multimunicipais, 8 empresas intermunicipais (parcerias público-privadas ou detidas a 100% pelos municípios), 4 associações de municípios (gestão pública direta), 2 serviços intermunicipalizados (gestão pública direta) e 1 operador privado. Na grande maioria dos casos, essas entidades também levam a cabo a coleta seletiva de resíduos. Em termos de infraestruturas e equipamentos de gestão de resíduos urbanos, em 2009 existiam no país 32.614 contentores de coleta seletiva de resíduos recicláveis, 201 centros para coleta seletiva de fluxos especiais, 27 estações de triagem, 83 estações de transferência, 10 unidades de valorização orgânica, 2 unidades de incineração com valorização energética e 35 aterros (ERSAR, 2010ERSAR – Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos. (2010) Relatório Anual do Sector de Águas e Resíduos em Portugal 2009. Lisboa: ERSAR. 109 p.).

Ao contrário do que acontece na grande maioria dos países da UE, Portugal tem um regulador para o setor dos resíduos, a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR). Para além das atribuições de regulador das áreas econômica e da qualidade do serviço no setor de águas e resíduos, a ERSAR tem também como atribuições assegurar a regulação estrutural do setor e promover a comparação e divulgação pública do desempenho das entidades gestoras (através de relatórios anuais) através da regulação sunshine (MARQUES & SIMÕES, 2008MARQUES, R. & SIMÕES, P. (2008) Does the sunshine regulatory approach work? Governance and regulation model of the urban waste services in Portugal. Resources Conservation and Recycling, v. 52, n. 8–9, p. 1040–1049.). Em 2011 o âmbito de intervenção da ERSAR foi alargado a todas as entidades gestoras dos serviços de águas e resíduos, independentemente do modelo de gestão. Todos os serviços municipais passaram a ser regulados economicamente pela ERSAR através de um mecanismo de supervisão das tarifas no caso das concessões, delegações, parcerias e verificação tarifária por amostragem nos serviços municipais e municipalizados (ERSAR, 2010ERSAR – Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos. (2010) Relatório Anual do Sector de Águas e Resíduos em Portugal 2009. Lisboa: ERSAR. 109 p.).

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) é a autoridade nacional de resíduos, tendo como competências desenvolver e acompanhar a execução das estratégias de gestão de resíduos. É a APA que licencia as operações de gestão de resíduos e as entidades gestoras de fluxos específicos de resíduos (como a SPV) e de controle operacional e administrativo das transferências de resíduos. Os embaladores e/ou os responsáveis pela colocação de produtos embalados no mercado nacional devem comunicar anualmente à APA os dados estatísticos referentes às quantidades de embalagens reutilizáveis e não reutilizáveis que produzem; bem como as quantidades de embalagens usadas efetivamente valorizadas e reutilizadas e as quantidades entregues a entidades que se responsabilizem pela sua valorização ou eliminação. Os responsáveis pela colocação de embalagens no mercado são responsáveis pela gestão e destino final dos seus resíduos de embalagens, ainda que, atualmente, todos optem por transferir a sua responsabilidade para a SPV (pagando por todos os kgs de embalagens colocadas no mercado). Qualquer prestador que tenha a seu cargo a gestão de resíduos de embalagens necessita de licença, a conceder por decisão conjunta dos Ministros da Economia e do Ambiente. A responsabilidade do prestador pela reciclagem e valorização de resíduos de embalagens é assumida através de contratos com os municípios ou com as empresas gestoras de sistemas multimunicipais ou intermunicipais a quem tenha sido atribuída a concessão da coleta seletiva e triagem, e com as organizações de fornecedores e transformadores de materiais de embalagem criadas ou a criar para assegurar a reciclagem e valorização dos materiais. O prestador fica obrigado a entregar à APA um relatório anual de atividade.

Nos últimos anos tem sido verificado um aumento na produção de resíduos sólidos urbanos atingindo as 5.154.434 toneladas em 2008, nesse mesmo ano a capitação anual atingiu os 509 kg.hab−1, o que corresponde a 1,39 kg.hab−1.dia−1 (APA, 2010APA – Agência Portuguesa do Ambiente. (2010) Caracterização da Situação dos Resíduos Urbanos em Portugal Continental em 2009. Lisboa: Ed. Agência Portuguesa do Ambiente. 11 p.). Isso corresponde a um aumento na geração per capita de 15% em apenas quatro anos. Quanto ao seu destino final, cerca de 65,5% foram encaminhados para aterro, 16,9% foram encaminhados para valorização energética e 10,4% foram para coleta seletiva e triagem. Na Tabela 2 se encontram descritos os quantitativos de resíduos urbanos por fluxo em Portugal Continental.

Tabela 2
Quantitativos de resíduos sólidos urbanos por fluxo em Portugal Continental.

Em apenas 10 anos a taxa de valorização de resíduos de embalagens em Portugal aumentou significativamente (de 34,8% em 1998 para 66,0% em 2008). Como se pode observar na Tabela 3, os últimos dados do Eurostat sobre reciclagem e valorização de resíduos de embalagem em Portugal mostram que as metas globais da Diretiva 94/62/CE já tinham sido atingidas em 2008. Em termos de cada material, o plástico e o vidro terão de aumentar ligeiramente as taxas de reciclagem para que as respetivas metas da Diretiva sejam respeitadas no final de 2011 (EIMPACK, 2011aEIMPACK – Economic Impact of the Packaging and Packaging Waste Directive. (2011a) Framework and Evolution of the Packaging Sector in Portugal - Report 0. Lisboa: Instituto Superior Técnico, 28 p.).

Tabela 3
Taxas de reciclagem e de valorização de resíduos de embalagem em Portugal em 2008.

MECANISMOS DE TRANSFERÊNCIAS FINANCEIRAS

Fluxos financeiros

A atividade desenvolvida pela SPV assenta em termos financeiros nos seguintes fluxos (DA CRUZ; SIMÕES; MARQUES, 2012DA CRUZ, N.F.; SIMÕES, P.; MARQUES, R.C. (2012) Economic cost recovery in the recycling of packaging waste: the case of Portugal. Journal of Cleaner Production, v. 37, p. 8–18.): valor ponto verde (VPV, montante pago pela indústria pela transferência de responsabilidade), valor de retoma liquido (VRL, montante pago pelos recicladores pelos materiais triados), valor de contrapartida (VC, fluxo urbano), valor de informação complementar (VIC, fluxo urbano não proveniente da coleta seletiva), valor de informação e motivação (VIM, fluxo não urbano), comunicação, investigação e desenvolvimento (I&D) e gastos gerais. No âmbito dessa investigação interessa-nos dar ênfase às transferências financeiras entre a indústria e os operadores de gestão de resíduos urbanos (autoridades locais). Assim, se apresentam a seguir os mecanismos de determinação dos montantes financeiros relativamente ao VPV, VC e VIC.

Valor ponto verde

De acordo com a lei em vigor, os embaladores e outros responsáveis pela colocação de embalagens no mercado nacional têm duas opções para cumprir com as suas obrigações ambientais (ou, na denominação anglo-saxónica, respeitar o princípio de extended producer responsibility). Podem criar o seu próprio sistema de coleta e reutilização ou reciclagem de embalagens (esse sistema tem de ser aprovado pela APA) ou podem aderir ao sistema integrado gerido pela SPV para retomar embalagens não reutilizáveis. Até agora, todos os prestadores econômicos optaram por aderir ao sistema da SPV.

As receitas da SPV provêm das contribuições dos prestadores econômicos e indústria e do valor de retoma pago pelos recicladores de materiais de resíduos de embalagens. Essas receitas são utilizadas para suportar o funcionamento do sistema integrado, nomeadamente os custos das entidades responsáveis pela coleta seletiva e triagem dos resíduos de embalagens inseridos nos resíduos urbanos e outros eventuais custos associados à gestão de resíduos de embalagens. O VPV corresponde ao montante da contribuição financeira prestada pelos embaladores/importadores à SPV (Tabela 4). Os embaladores e importadores calculam a sua contribuição anual multiplicando o peso total de cada tipo de embalagem colocada no mercado pelo respetivo VPV.

Tabela 4
Valor ponto verde para 2010.

Valor de contrapartida

O VC corresponde à compensação financeira devida aos prestadores de gestão de resíduos sólidos (e.g. sistemas multimunicipais, sistemas intermunicipais, etc.) pelo acréscimo de custos com a coleta seletiva e triagem de resíduos de embalagens urbanos. Os montantes são estipulados na lei e geralmente revistos de dois em dois anos. Para os anos 2008, 2009 e 2010 estiveram em vigor os valores de referência descritos na Tabela 5, para cada tipo de material. Os valores contrapartida variam segundo o desempenho de cada sistema, em que os Xs representam os per capita de retoma de cada patamar e os Ps representam as contrapartidas financeiras correspondentes. Para desempenhos per capita inferiores a X1, os operadores locais recebem P1, para desempenhos entre X1 e X2, recebem P2, entre X2 e X3, recebem P3; para o excedente per capita acima de X3, os sistemas recebem P4. Os patamares foram definidos da seguinte forma (SPV, 2010SPV – Sociedade Ponto Verde. (2010) Relatório de Actividades e Contas 2009. Oeiras: SPV. 93 p.):
  • X1: média de retoma dos sistemas, aplicada a todo o território nacional e excluindo os valores nulos;

  • X2: desempenho em kg/hab/ano necessário para o cumprimento das metas da Diretiva para 2011 (por material e globalmente);

  • X3: valor do mercado potencial de embalagens colocadas no mercado (quociente do mercado potencial para cada material pela população).

Tabela 5
Valor de contrapartida para o período 2008–2010.

Valor de informação complementar

A intervenção direta da SPV consiste maioritariamente no VC descrito no subitem anterior (sendo aquela maior fonte de receita dos operadores de gestão de resíduos). O VC se aplica unicamente aos resíduos de embalagens provenientes da coleta seletiva. Contudo, outros resíduos de embalagens que sejam valorizados ou reciclados por outra via (por exemplo, compostagem ou incineração com recuperação de energia) são também contabilizados pela SPV para o alcance das metas da Diretiva. Por essa razão, a SPV paga aos prestadores o VIC por tonelada de resíduos, sempre que tal for aplicável. A Tabela 6 apresenta os valores da VIC em vigor em 2010.

Tabela 6
Valor de informação complementar para 2010.

CUSTOS E BENEFÍCIOS DA RECICLAGEM

As várias componentes que são determinadas na análise econômica e financeira levada a cabo neste artigo são as expostas na Figura 2. Como se pode observar, o objetivo é fazer uma análise do ponto de vista dos prestadores de gestão de resíduos (a monetização dos impactos ambientais não é, pela sua subjetividade, ainda tida em conta nesta avaliação). Por conseguinte, foi necessário determinar todos os custos (diretos e indiretos, Figura 2A) envolvidos nas operações de coleta seletiva e triagem (as responsabilidades dos prestadores de gestão de resíduos). Para avaliar a sustentabilidade econômica do sistema de gestão de resíduos de embalagens foi também necessário contabilizar todos os benefícios advindos dos serviços de coleta seletiva e triagem (Figura 2B).

Figura 2
Os custos e benefícios da reciclagem de resíduos residenciais de embalagens em Portugal.

A apreciação inclui duas componentes inovadoras. No lado dos custos, é tido em conta o retorno do capital investido nas infraestruturas e equipamentos afetos à coleta seletiva e triagem; apesar de se tratarem de entidades de capitais públicos, os prestadores de gestão de resíduos estão a levar a cabo investimentos “em nome da indústria", pelo que o capital investido deve ser devidamente recompensado. No lado dos benefícios são tidos em conta os custos não incorridos pelo desvio dos resíduos dos sistemas de coleta indiferenciada e outro tratamento (e.g. deposição em aterro); do ponto de vista econômico, é razoável considerar que o evitar desses custos (custo de oportunidade) é um benefício do sistema de reciclagem.

As várias componentes da estrutura de custos e benefícios da reciclagem foram determinadas para todos os prestadores de gestão de resíduos (27 entidades) para o ano de 2010. A amostra cobre a totalidade da população portuguesa, que é de cerca de 10,5 milhões de habitantes. Tal como foi já exposto, a análise se foca no fluxo de resíduos residenciais. Os resíduos de embalagens não residenciais não são coletados seletivamente nos sistemas municipais. Nesses casos os resíduos são triados na fonte (i.e. nas próprias fábricas e/ou grandes superfícies comerciais) e coletados por empresas especializadas, nunca chegando a entrar nos sistemas municipais.

Os dados necessários para calcular cada componente foram retirados dos relatórios e contas anuais dos prestadores e de dois questionários enviados aos operadores de resíduos sólidos urbanos. No lado dos benefícios, o custo evitado com a coleta indiferenciada foi calculado multiplicando a quantidade de resíduos coletados seletivamente pelo custo unitário da coleta indiferenciada (que foi estimado em 49,0 €.ton−1 — média ponderada pelas toneladas coletadas — de acordo com os dados do questionário enviado aos municípios onde se obtiveram 196 respostas de 308 possíveis, representando 80% da população). O custo unitário de tratamento e deposição final foi obtido dos relatórios e contas de 2010 incluindo 100% da população portuguesa (cerca de 53,9 €.ton−1 — média ponderada). No lado dos custos, na sua grande maioria, os dados foram obtidos do segundo questionário enviado aos 27 operadores de gestão de resíduos. Por exemplo, para calcular o retorno de capital investido, se obtiveram os seguintes valores:
  • Vida útil média dos ativos: 9,6 anos;

  • Percentagem de patrimônio líquido: 18,99% na estrutura de capital;

  • Taxa de imposto corporativo: 20,29%;

  • Custo da dívida: 4,6%;

  • Custo do patrimônio líquido: 6,0%.

Esses parâmetros são essenciais para o cálculo do retorno do capital. Para construir o sistema de coleta seletiva e triagem os prestadores de gestão de resíduos foram obrigados a investir em vários equipamentos e infraestruturas (contentores e caminhões para coleta seletiva, usinas de triagem, entre outros). Esses ativos imobilizados são depreciados por um período que corresponde à sua vida útil. O retorno do capital investido é calculado com base na depreciação dos ativos relativos à coleta seletiva e triagem (descontando eventuais subsídios ao investimento), a vida útil média desses ativos e o custo de capital médio ponderado (WACC, em inglês). O WACC, por seu lado, representa o custo (ou remuneração requerida) do capital investido tendo em conta as diversas componentes de financiamento. Nesse caso, o patrimônio líquido (parte do financiamento feito pelos acionistas) equivale em média a cerca de 19% do financiamento (e tem um custo médio de 6%), enquanto que o restante corresponde à dívida bancária (com um custo médio de 4,6%).

Uma vez que a perspectiva da análise econômica é a do prestador de resíduos, o VRL não é considerado (uma vez que é a SPV que o recebe). Aqui se pretende apenas determinar os custos extras incorridos pelas autoridades locais devidos ao sistema de reciclagem, bem como os respetivos benefícios. Os resultados são os apresentados na Figura 3.

Figura 3
Custos e benefícios do sistema da reciclagem.

Se todas as componentes da Figura 3 forem consideradas, os sistemas beneficiam 369€ por tonelada de resíduos de embalagem enviada para reciclagem (i.e. por tonelada triada e vendida à SPV). Uma interpretação mais estrita do texto da Diretiva (que responsabiliza exclusivamente a indústria), onde nenhum “dinheiro público" deve ser considerado, leva a um valor de 223 € por tonelada triada. Os custos globais são de cerca de 289 € por tonelada triada. Como parece ser evidente, a adequação do montante das transferências financeiras atualmente pagas aos prestadores locais depende da perspectiva econômica adotada. Se o custo de oportunidade da coleta indiferenciada e destinação final forem considerados, os benefícios cobrem 127% dos custos. Por outro lado, adotando uma perspectiva financeira (onde o custo de oportunidade não é considerado), os benefícios cobrem apenas 77% dos custos dos prestadores de gestão de resíduos.

CONCLUSÕES

O presente artigo contribui positivamente para a literatura sobre a reciclagem por diversas razões. Em primeiro lugar, apresenta detalhadamente os custos e benefícios desagregados do sistema da reciclagem num país onde a legislação impõe as taxas mínimas a atingir. De fato, esses dados ainda são muito pouco conhecidos em todo o mundo. Para além disso, o artigo inova por incluir na análise duas componentes econômicas tradicionalmente “esquecidas", o retorno do capital investido, no lado dos custos, e o custo da coleta indiferenciada e deposição em aterro (custo de oportunidade), do lado dos benefícios. A comparação dos valores unitários determinados permite ainda contribuir para a discussão sobre qual a perspectiva correta a adotar, uma puramente financeira (onde a indústria parece não pagar o suficiente aos prestadores de resíduos pelas operações de coleta seletiva e triagem), ou uma econômica (onde a indústria parece estar a pagar mais do que devia, o que pode ter consequências no preço dos produtos embalados para o consumidor final).

Presentemente, em Portugal, parece reinar um espírito de responsabilidade partilhada no que toca à reciclagem. Existem, contudo, exemplos onde a indústria é efetivamente a única responsável pela valorização dos resíduos de embalagens, vide o exemplo do sistema dual na Alemanha (EIMPACK, 2011bEIMPACK – Economic Impact of the Packaging and Packaging Waste Directive. (2011b) Literature Review. Lisboa: Instituto Superior Técnico, 110 p.). A diferença substancial entre os custos unitários dos fluxos da coleta indiferenciada (cerca de 103 € por tonelada coletada) e da coleta seletiva (cerca de 268 € por tonelada triada ou 189 € por tonelada coletada, se o retorno de capital não for considerado) é surpreendente. Podem existir justificativas técnicas para essa diferença, no entanto, sua magnitude pode se dever também a uma excessiva alocação de custos ao fluxo da coleta seletiva (uma vez que é a indústria que os deve assumir). Por outro lado, não se sabe até que ponto esses custos serão “eficientes", ou seja, não sabemos até que ponto os custos apresentados pelos prestadores de resíduos não poderiam ser inferiores se os serviços de coleta seletiva e triagem fossem prestados com a máxima eficiência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2012
  • Aceito
    11 Mar 2014
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