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Um novo caminho: perfil e trajetórias de alunos de psicologia ingressos como portadores de diploma

A new perspective: the profile and development of psychology students who already have degrees in other areas

Resumos

O presente trabalho objetivou conhecer o perfil de alunos ingressos como portadores de diploma, cursando a graduação em Psicologia, e, simultaneamente, recuperar elementos que auxiliassem a identificação dos motivos subjacentes à opção por Psicologia. Para tanto, operacionalizaram-se dois componentes: um, de natureza descritiva, onde foram levantadas informações sobre o grupo (n=112) e outro, de cunho interpretativo (n=17), que buscou identificar, nas percepções desses alunos, alguns determinantes do seu ingresso no curso de Psicologia e suas vivências ao longo do processo de formação. Os resultados apontam um perfil sócio econômico elevado, associando-se a outras características que, em conjunto, explicam a possibilidade de busca de um "novo caminho". Quanto aos aspectos subjetivos, destaca-se a importância das experiências pessoais associadas à utilização de serviços psicológicos como elemento decisivo na escolha. Paralelamente, a adaptação à graduação impõe o enfrentamento de várias dificuldades que, entretanto, não se sobrepõem aos aspectos positivos vivenciados pelo grupo.

psicologia; orientação profissional; profissão


This study shows the profile of psychology students who have degrees in other areas, while at the same time retrieves elements which assist in the identification of the underlying motives for choosing psychology. In order to accomplish this, two components were utilised. One was of a descriptive nature (n=112) in which information was gathered about the group and the other was interpretative (n=17), which sought to identify some of the determining factors in their choice of in the psychology course as well as their experiences throughout their course from these students' perceptions. The students' profile shows a high socio-economic level. This together with other characteristics explain the possibility of a search for a 'new perspective.' From subjective aspects, the importance of personal experiences associated with the use of psychological services is highlighted as a determining factor in the choice of the course of study. Parallel to this is the adaptation to a graduate level course, which forces students to face several difficulties, but which does not supersede the positive aspects experienced by the group.

psychology; professional orientation; profession


ARTIGO

Um novo caminho: perfil e trajetórias de alunos de psicologia ingressos como portadores de diploma

A new perspective: the profile and development of psychology students who already have degrees in other areas

Maria Lúcia Magalhães BosiI; Terezinha Façanha EliasII

IPsicóloga, Professora Adjunta -Faculdade de Medicina -UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

IIPsicóloga, Professora Adjunta -UNIFOR - Universidade de Fortaleza

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Octávio de Rezende, 108 Freguesia Rio de Janeiro - RJ CEP 22743-650 E-mail: malubosi@uol.com.br

RESUMO

O presente trabalho objetivou conhecer o perfil de alunos ingressos como portadores de diploma, cursando a graduação em Psicologia, e, simultaneamente, recuperar elementos que auxiliassem a identificação dos motivos subjacentes à opção por Psicologia. Para tanto, operacionalizaram-se dois componentes: um, de natureza descritiva, onde foram levantadas informações sobre o grupo (n=112) e outro, de cunho interpretativo (n=17), que buscou identificar, nas percepções desses alunos, alguns determinantes do seu ingresso no curso de Psicologia e suas vivências ao longo do processo de formação. Os resultados apontam um perfil sócio econômico elevado, associando-se a outras características que, em conjunto, explicam a possibilidade de busca de um "novo caminho". Quanto aos aspectos subjetivos, destaca-se a importância das experiências pessoais associadas à utilização de serviços psicológicos como elemento decisivo na escolha. Paralelamente, a adaptação à graduação impõe o enfrentamento de várias dificuldades que, entretanto, não se sobrepõem aos aspectos positivos vivenciados pelo grupo.

Palavras-chave: psicologia; orientação profissional; profissão;

ABSTRACT

This study shows the profile of psychology students who have degrees in other areas, while at the same time retrieves elements which assist in the identification of the underlying motives for choosing psychology. In order to accomplish this, two components were utilised. One was of a descriptive nature (n=112) in which information was gathered about the group and the other was interpretative (n=17), which sought to identify some of the determining factors in their choice of in the psychology course as well as their experiences throughout their course from these students' perceptions. The students' profile shows a high socio-economic level. This together with other characteristics explain the possibility of a search for a 'new perspective.' From subjective aspects, the importance of personal experiences associated with the use of psychological services is highlighted as a determining factor in the choice of the course of study. Parallel to this is the adaptation to a graduate level course, which forces students to face several difficulties, but which does not supersede the positive aspects experienced by the group.

Keywords: psychology, professional orientation, profession.

I- INTRODUÇÃO

A escolha da profissão, como se sabe, representa "uma das decisões mais sérias na vida de uma pessoa" (Pires &Araújo, 1976:11). Com efeito, mais do que uma opção isolada, essa escolha é multideterminada e influenciará fortemente a totalidade das vivências do indivíduo, afetando desde o processo educacional até a própria integração da pessoa ao seu meio social. Frente a isto, alguns autores consideram a escolha profissional uma"escolha de vida" e consideram um erro nessa escolha equivalente a "um erro de vida" (Ungricht, J., 1966; Goldberg, 1972).

Frente à multiplicidade de opções profissionais disponíveis, historicamente determinadas pela divisão social e técnica do trabalho-traço constitutivo do modo de produção prevalecente na nossa sociedade - escolher uma profissão representa uma decisão cada vez mais difícil, em especial, se isto implica numa formação de maior complexidade. Face ao investimento necessário à formação em nível universitário, uma opção que se revela inadequada trará conseqüências para toda a vida, uma vez que se torna muito árdua a retomada desse momento, no sentido de uma

No passado, a vida profissional das pessoas era definida pelas tradições familiares, pela posição social e condições gerais de cada sociedade.Poucos questionamentos eram feitos ao caráter desta trajetória profissional no sentido de oferecer maior poder de decisão às pessoas frente a esta circunstância.

Nos últimos séculos, assistimos à ascendência do "ideal de liberdade humana", defendido com veemência na Revolução Francesa do século XVIII, levando a sociedade a questionar os padrões sociais vigentes. Concomitantemente, assiste-se a emergência e sucessivas atualizações do modelo capitalista acarretando um ajuste mais "adequado" das pessoas às exigências produtivas.

No plano da ciência psicológica, a primeira metade do século XX foi marcada por um misto de determinismos ora biológicos, ora ambientais. O primeiro, especialmente, por situar-se no âmbito de cada indivíduo, dava uma falsa sensação de liberdade; o comportamento e a capacidade das pessoas estavam estritamente vinculadas à ordem genética e, portanto, inerentes a cada um; nesta perspectiva, a individualidade confunde-se com liberdade.

Na verdade, tanto no determinismo biológico, quanto no ambiental, o homem foi considerado vítima de fatores que fugiam ao seu reorientação do caminho até então trilhado. controle. A capacidade de decisão sobre a sua vida era insignificante. Neste contexto, surgiram os primeiros trabalhos de orientação profissional fundamentados nessa idéia de determinismo e estruturados metodologicamente nos testes psicológicos que, segundo se pensava, ofereceriam a indicação precisa do caminho profissional a ser seguido, através do diagnóstico das capacidades individuais e do conhecimento das demandas do mercado de trabalho (ELlAS, 1995).

Como exemplo de propostas nesta linha poderíamos citar a obra de Paul Kline, onde ele marca com clareza sua posição:

"... existem diferenças individuais em capacidade, aptidão, personalidade e interesses; as ocupações diferem nas exigências que fazem de atributos e habilitações pessoais; e uma pessoa fará melhor trabalho quando suas capacidades e personalidade se ajustarem ao que lhe é exigido do que quando são incompatíveis. Deste ponto de vista decorre logicamente que a essência da orientação vocacional, ajustar um homem a uma ocupação, reside na avaliação acurada das pessoas e na descrição exata das ocupações." (KLlNE, P., 1977, p.270)

A análise que SPACCAGUERCHE faz desta posição é a que segue:

"... esta posição é a de adequação do indivíduo à sociedade, como se indivíduo e sociedade fossem estruturas estáticas e como se as informações que obtenho hoje, tanto do indivíduo como da sociedade, fornecessem um padrão profissional que se ajustaria ao indivíduo no exercício de suas ocupações por tempo indeterminado."(in MAZINI, E., 1981, p.300)

Diversos outros autores fazem críticas à posição determinista na compreensão da orientação profissional, acrescentando outras dimensões ao processo. Hoje já se considera que múltiplos e diferentes fatores influenciam a opção por uma ocupação específica. Essa escolha decorre de uma dinâmica bastante complexa que conjuga fatores individuais e sociais, verificando-se na literatura referente ao tema, distintas perspectivas de análise do referido processo.

Frenk (1984) oferece duas alternativas principais para explicar as preferências vocacionais: a "perspectiva sociológica" e a "perspectiva econômica" que, por sua vez, apresentam diferentes enfoques, já que não representam dois pontos de vista monolíticos.

Schen, citado por Carvalho et aI. (1988), afirma que as escolhas profissionais, na vida adulta, guardam coerência com o modo de ver e ser de quem as faz, além de se dirigirem para >o tipo de vida pretendida pelo indivíduo.

Holland apud Oliveira (1987:32), aponta como possibilidades escolhas ocupacionais que o autor considera como "estilos de vida" por representarem modos de "lidar" com problemas diários, incluindo valores, interesses, papéis procurados e evitados, habilidades interpessoais etc.

Podemos dizer, portanto, que os determinantes apontados na literatura disponível envolvem aspectos políticos, econômicos, sociais, educacionais, familiares e psicológicos (Soares, 1987). Assim, a análise das escolhas deve ser feita na confluência das diferentes perspectivas apontadas, não sendo possível esgotá-la a partir de um único enfoque, seja econômico, sociológico, psicológico ou de outra natureza. Tampouco é possível uma leitura do indivíduo como elemento "passivo" frente a este processo. Nesta rede de complexidade há um sujeito atuante que precisa ser considerado.

Frente a isto, a prática da orientação vocacional passa a constituir campo de ação de vários profissionais, dentre eles o Psicólogo, atendendo, cada vez mais, a uma necessidade social, colocada historicamente e que se acentua frente ao movimento de especialização do conhecimento (disciplinarização) e seus efeitos no nível do processo de profissionalização. (LUZ, 1988; 80SI, 1996). Desta forma, cabe aos psicólogos, em especial, se afirmarem no interior desta prática o que os situa frente ao desafio teórico-metodológico de buscarinstrumentos que os capacitem à realização de uma prática epistemologicamente fundamentada.

Uma análise dos motivos que levam um indivíduo a buscar determinada opção profissional pede referência a uma série de aspectos, situados tanto no plano macro como na esfera microssocial. Contudo, frente à impossibilidade de analisar o objeto em toda a sua amplitude, impôs-se, no presente estudo, a necessidade de um recorte: elegemos a dimensão psicológica como aquela a ser enfatizada e, como perspectiva teórica central, a proposta apresentada por Rodolfo Boholavsky, um autor clássico neste campo, e representante da perspectiva que, considerando a escolha multideterminada, acredita na capacidade de decisão do sujeito frente à sua vida.

Embora enfatizando o psicológico, Bohoslavsky destaca que o humano não pode ser apreendido apenas no nível da análise psicológica. Para este autor "... as coisas são tão complexas que muitas vezes se tem a sensação de enfrentar uma encruzilhada que, por intrincada assusta, fazendo-nos recuar (...)" (1996:18).

Com efeito, a compreensão deste fenômeno nos situará sempre no confronto entre o individual e o social, sendo oportuno lembrar que "a dialética das identificações" se por um lado, exerce um papel importante, não deve ser tomada como "determinante em última instância". (1996:19).

Ainda assim e conscientes das questões levantadas pelo próprio autor no prólogo da edição brasileira do seu livro, julgamos que o referencial Psicológico ocupa um espaço fundamental na compreensão do como e do por que se faz uma escolha.

Boholavsky define orientação vocacional como sendo "os procedimentos dos psicólogos especializados, cujos clientes são as pessoas que enfrentam, em determinado momento de sua vida (...) a possibilidade e a necessidade de tomar decisões. Isto faz da escolha um momento crítico de mudança na vida dos indivíduos". (1996:28).

No nível teórico metodológico, buscando uma caracterização das principais modalidades de orientação, Bohoslavsky situa dois pólos: a "modalidade estatística" e a"modalidade clínica", sendo a primeira filiada à abordagem diretiva, onde a psicometria dentre outros procedimentos quantitativos, é amplamente utilizada; já na segunda modalidade, a "clínica", a orientação é concebida como um processo, no qual o psicólogo assume um papel não-diretivo, enfoque que também determina a entrevista como técnica central. Esta última modalidade é a que nos orientou nesta investigação.

Parece-nos pertinente situar o que o referido autor define como orientação vocacional na perspectiva clínica:

"Colaboração não diretiva com o cliente, no sentido de retribuir-lhe uma identidade e/ou promover o estabelecimento de uma imagem não conflitiva de sua identidade profissional" (1996:32).Passa-se,portanto, de um interesse pelo que é escolhido para uma ênfase maior na pessoa que faz a escolha, sendo a "estratégia clínica (...) a síntese entre investigação e ação; entre teoria e prática; entre conhecer e fazer' (1996:40).

Bohoslavsky destaca a ausência de um modelo teórico capaz de integrar as várias dimensões envolvidas nos problemas de orientação profissional. Sua produção objetiva preencher, ainda que parcialmente, esta lacuna e dentre os vários elementos sugeridos, como pontos fundamentais a serem considerados numa orientação profissional citamos:

  • enfatizar a capacidade de escolha e decisão de cada indivíduo;

  • conceber a escolha como fruto do contexto social onde diferentes dimensões se interpenetram;

  • adotar um modelo de orientação vocacional que inclua variáveis sociológicas, econômicas e históricas e não só o contexto familiar;

  • considerar que a identidade ocupacional não é algo definido mas um momento no interior de um processo;

  • compreender que as ocupações fazem parte do espaço psicológico da pessoa e que jamais gozam de neutralidade afetiva;

  • identificar escolhas autônomas, ou seja, aquelas derivadas de um processo de atualização das potencialidades e aspirações do sujeito;

  • considerar a identidade ocupacional como algo que se relaciona com a identidade entendida em sentido amplo;

  • reconhecer que uma escolha madura é uma escolha que depende da identificação consigo mesmo; neste sentido, menos conflitiva porque se integra à identidade;

  • considerar que a necessidade da escolha profissional pode se dar em qualquer momento da vida e que inclusive as opções anteriormente feitas devem ser revisadas sempre, levando a uma reafirmação ou não do caminho selecionado.

As premissas anteriores, destacadas ao longo do estudo que empreendemos sobre o quadro de referência proposto pelos autores consultados, representam o eixo central do modelo analítico em que nos baseamos, modelo este que nos possibilitou desvendar importantes elementos cuja compreensão constituiu o objetivo do presente estudo: conhecer o perfil de um grupo de profissionais graduados em diferentes áreas do conhecimento ingressos como "portadores de diploma" num curso de graduação em Psicologia. Ao lado desse levantamento, buscou-se uma compreensão dos motivos que levaram o grupo em foco à escolha de um novo caminho profissional no campo da Psicologia.

II. MÉTODO

O presente trabalho desenvolveu-se no primeiro semestre de 1998, na Cidade de Fortaleza-CE, tendo como espaço de observação um dos Cursos de Graduação em Psicologia em funcionamento na região.

Trata-se de um estudo de caso exploratório, de tipo transversal, constituído por dois componentes:um de natureza descritiva e, outro, subsequente, onde se procurou aprofundar o contexto -objetivo e subjetivo -em que se deu a opção por cursar Psicologia.

Para o desenvolvimento do estudo descritivo (componente I), contamos com a colaboração da Coordenação do curso de Psicologia que nos disponibilizou a estatística por modalidade de entrada. Esse levantamento possibilitou-nos não só apreciar o movimento dos alunos ao longo do curso, por modalidade de ingresso - vestibular, transferência, ingresso como graduado - como também dimensionar nosso grupo-alvo.

Os dados referentes ao intervalo 19901998, indicou-nos um total de 442 ingressos como portadores de diploma dos quais 248 haviam abandonado o curso. No momento em que este estudo foi realizado, 112 diplomados em outros cursos cursavam a graduação em Psicologia. Esse foi o segmento estudado no componente I.

Para o levantamento do perfil do grupo, procedemos à consulta a fontes secundárias, através das quais procuramos obter informações referentes a distintas variáveis, dentre elas: sexo; idade; estado civil; número de filhos; naturalidade; curso(s) de procedência (escolaridade);renda; profissão; ocupação/ cargo; rendimento no curso; data de ingresso.

Em relação às variáveis - idade, estado civil, curso de procedência, profissão, renda - não foi possível localizar dados nos registros dos alunos. Tendo em vista esse incidente, associamos uma ficha ao instrumento distribuído para a amostra selecionada para o estudo qualitativo (n = 37), tal como descrito adiante, pedindo aos informantes que registrassem essas informações.

Na medida em que, neste estudo, interessava-nos investigar as vivências do grupo ao longo do curso de graduação e sua opinião sobre a formação recebida, selecionamos para o estudo qualitativo (componente II) os alunos ingressos como diplomados que já estivessem cursando, no mínimo, o 7º período, estando, portanto, mais aptos a emitir opinião acerca de suas vivências e sobre a formação recebida. Essa decisão nos situou frente a um universo de 37 alunos, representando cerca de 30% dos ingressos como graduados que, no momento do estudo, cursavam Psicologia, percentual que se mostra bastante representativo do conjunto.

Com base nesses dados, selecionou-se a amostra que, de acordo com a tradição da pesquisa qualitativa, teve sua representatividade validada pela possibilidade de "objetivar o objeto" (Minayo, 1988) e não por critérios inerentes ao método quantitativo (representatividade estatística). Conforme já dito, buscamos incluir alunos que já estivessem cursando, no mínimo, o 7º período, tendo sido este o principal critério de seleção.

Para esta etapa do estudo, prevíamos a utilização de técnicas combinadas, em especial, a entrevista semi-estruturada, privilegiando, na medida do possível, procedimentos não-diretivos, dado ser este um caminho que possibilita ao informante discorrer sobre o tema apresentado a partir de uma lógica própria, alcançando conteúdos mais profundos, em geral, não acessíveis com uso de instrumentos fechados (Kandel, 1972; Michelat, 1975; Haguette, 1987; Minayo, 1992)

Tendo em vista que a condução do estudo caberia, exclusivamente, às autoras e levando-se em conta as dificuldades apresentadas à viabilização do trabalho de campo no tempo disponível, substituiu-se as entrevistas individuais pela aplicação de um instrumento contendo questões abertas de modo a preservar, ao máximo, a não-diretividade.

O referido instrumento divide-se em três partes, correspondendo ao "itinerário" hipotético do aluno, desde a sua primeira graduação, passando pela escolha do curso de Psicologia, até chegar à vivência do aluno ao longo do Curso. A privacidade e o anonimato dos informantes foram, evidentemente, preservados, solicitando-se para tanto que os informantes respondessem o instrumento em local de sua livre escolha, sem necessidade de identificação pessoal, retomando o material numa data a ser acordada com os pesquisadores. Dos 37 alunos localizados, conseguimos um retorno de 17 no componente lI, podendo-se atribuir as perdas às dificuldades de tempo dos alunos, especialmente no caso dos últimos períodos do curso, e aos obstáculos encontrados para contatá-los individualmente, tendo em vista não pertencerem à mesma turma e desenvolverem atividades em tempo integral em diferentes instituições. Os resultados correspondentes aos dados não encontrados nos arquivos bem como ao componente qualitativo, referem-se, portanto, a essa parcela e não à totalidade. Ainda assim, julgamos que o perfil apresentado se aproxima daquele que encontraríamos se o estudo tivesse incluído todo o universo.

Na análise do material, procurou-se identificar os eixos principais do universo subjetivo do grupo investigado, ao mesmo tempo em que se buscou responder às questões condutoras, bem como apontar os problemas mais urgentes no plano da inserção institucional e da formação recebida por esses alunos.

IV - RESULTADOS/DISCUSSÃO

Analisando-se as variáveis selecionadas para o estudo podemos destacar:

Quanto ao sexo, 80% do grupo são do sexo feminino, percentual que se aproxima das estatísticas relativas à composição da categoria. Revela-se, portanto, uma corporação predominantemente feminina, fato que, em parte, pode ser atribuído à divisão social do trabalho na nossa sociedade, onde se observa uma concentração feminina naquelas ocupações que se ligam às funções tradicionalmente atribuídas à mulher: nutrição, cuidados de enfermos, aconselhamento, etc. (MACHADO,1993; BOSI, 1996; PRADO, 1985)

Outro dado que pudemos obter a partir da consulta às estatísticas e aos históricos dos alunos foi a "performance média global", ou seja, o rendimento do grupo. As médias são bastante elevadas, situando-se 70% acima de 8,2 (intervalo 8,2 - 9,3) e 95% acima de 7,0, cabendo assinalar que são raríssimos os casos de reprovação; estas, quando ocorrem, são por ausência às aulas, sugerindo a dificuldade de conciliação do curso com outras atividades.

As informações referentes à renda e ao estado civil revelam um grupo com condições financeiras elevadas, sendo boa parte composta por solteiros (50%), separados, sem filhos ou com filhos já crescidos.

No que concerne à idade, o próprio recorte do estudo já impõe uma idade superior à média dos alunos de graduação. Entretanto, o grupo nos surpreendeu, situando-se numa faixa etária mais elevada do que a esperada: 80% dos alunos situam-se na faixa etária 38-49 anos, tendo se graduado no curso anterior há mais de 10 anos, chegando, em certos casos, a atingir 20 anos.

Os cursos de procedência são os mais diversos, abrangendo desde Serviço Social e Pedagogia (áreas afins) até Engenharia de Pesca, Direito e Administração. Em geral, atuam nesses campos ou áreas correlatas, embora pretendam "um novo caminho" com o diploma de Psicólogo.

Esse é, portanto, o perfil do graduado que cursa Psicologia na instituição analisada, apontando uma forte homogeneidade que caberia aprofundar uma vez que os dados sugerem macro determinantes apontados na literatura consultada tais como renda, gênero, dentre outros que poderiam ser analisados num contraste com alunos ingressos como graduados mas que abandonaram o curso no sentido de se observara"capacidade de decisão" x "possibilidade de escolha".

Passando, agora, à análise dos dados qualitativos - ou seja, das trajetórias desses alunos - seguiremos a ordem do instrumento utilizado no trabalho de campo: a chegada à Psicologia; as experiências anteriores; a experiência como graduando de Psicologia.

A CHEGADA À PSICOLOGIA

A análise dos depoimentos confirmou as premissas teóricas dos diferentes autores estudados no sentido de uma determinação complexa - sociológica, histórica, individual. Entretanto, no grupo em questão, o lugar do individual, do psicológico, não pode ser negligenciado. Ao longo dos relatos, percebem-se determinantes situados num plano muito pessoal de realização existencial.

As referências mais recorrentes sugerem o papel decisivo das experiências pessoais - experiências de vida consideradas "difíceis" ou até mesmo "trágicas" - associadas ao processo de amadurecimento que os levou não só a um interesse teórico pela Psicologia, como ao uso dos serviços Psicológicos (psicoterapia) cuja eficácia Ihes despertou um interesse profissional.

Retomando nossas premissas teóricas, percebe-se muito mais um caminho de "identidade" do que de "identificação", até por conta da maturidade do grupo. Um indicador é o sentimento de "grande alegria", "vitória" ao entrar no curso, percebido como uma síntese existencial, não raro adiada, por circunstâncias pessoais ou materiais:

"Foi um sonho acalentado, muitas vezes adiado e que, afinal, se realiza".

"Há muito tempo desejo cursar Psicologia".

A categoria desejo parece-nos central e se revela muito recorrente nos depoimentos. Parece-nos que o decisivo foi o desejo; pelo menos é o que nos dizem os informantes.

Desejo que se sobrepõe ao enorme ônus, pessoal e profissional, que se impõe num retorno à graduação, sobretudo numa etapa avançada da vida. Há um grande investimento emocional e, sobretudo, material, já que em muitos casos, o curso se torna bastante oneroso, uma vez que os alunos pagam e deixam de receber, de certa forma, pagam bem mais caro que os demais já que sofrem redução nos seus salários. Entretanto, conforme veremos, o investimento parece recompensá-los...

A(S) EXPERIÊNCIA(S) ANTERIOR(ES)

O grupo avalia que suas escolhas anteriores se deram num momento muito precoce, em geral, aos 18/19anosdeidade. Há a clara percepção de que eram muito jovens e despreparados para uma escolha dessa natureza, concordando com o quadro de referência de autores como Bohoslavsky que apontam essa mesma dificuldade.

Em muitos casos, percebe-se uma "adaptação às circunstâncias" mas casos há em que se deu, de fato, uma escolha, até bastante estudada. Entretanto, a qualidade desta nova escolha (Psicologia) é notadamente diferente: "Não me sentia tão no lugar como agora".

Ao contrário do que se poderia supor, não há arrependimento relativo às escolhas anteriores; a perspectiva é de complementaridade e não de oposição, surgindo, com freqüência, a imagem de que essas experiências foram como "uma porta", "um degrau" e não um erro. Se pudessem voltar no tempo, alguns talvez escolhessem "Psicologia" mas o sentimento predominante é o de que"o momento atual é mais oportuno para isto'.

A EXPERIÊNCIA COMO ALUNO DE PSICOLOGIA

O sentimento predominante é de realização pessoal e profissional. Apesar do esforço, a realização supera, em muito, a frustração.

Esse achado redimensiona a questão do investimento do desejo, principalmente frente aos obstáculos referidos. Percebe-se, claramente, o componente afetivo envolvido nessa escolha, tal como apontado pela teoria. Contudo, destacam-se várias dificuldades, dentre elas:

  • a dificuldade de entrosamento: em grande parte, devida aos interesses que são distintos daqueles atribuídos aos alunos ingressos via vestibular, ursando sua primeira formação.

  • a "migração" por várias turmas, decorrente dos problemas relativos ao "aproveitamento de créditos".

  • a dificuldade de conciliar trabalho com estudo: "sinto-me sufocado".

  • o tempo disponível: muito menor do que no momento da primeira graduação, fato quer e dimensiona o aproveitamento no curso. Há, ainda, uma importante carga psíquica: querer estudar mais e ter menos tempo.

  • finalmente, há a

    decepção com certos aspectos do curso, em especial, a "parcialidade teórica', "o dogmatismo' que, talvez pelo grau de maturidade, é mais visível para este segmento de alunos.

No que se refere às críticas presentes nos relatos, dizem respeito, principalmente, à didática e à falta de preparo e qualificação de alguns professores, instalações desconfortáveis, disciplinas mal elaboradas, muita teoria e pouca prática, além da forma de avaliação considerada arcaica e estressante.

V- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em primeiro lugar, torna-se clara a multideterminação que incide sobre uma escolha profissional.Os dados deste estudo referem-se a várias ordens e esferas que se interpenetram, mas fica como conclusão que a escolha profissional é, fundamentalmente, processual, pertencendo à pessoa, a cada um de nós, podendo ser revista, ao longo da história pessoal. Representa o lugar que cada um "decide" ocupar a partir das condições de que dispõe (pessoais e sócio-ambientais) e da análise e sentimentos relacionados a essas condições. Ao Psicólogo, no processo de orientação profissional, não cabe apontar a opção, mas apoiar, subsidiar o processo, ajudando e orientando a fim de que a pessoa possa entrar em contato com seu mundo interno e externo.

Parece-nos também evidente a articulação entre a identidade profissional e a identidade como um todo; daí a importância de se buscar, cada vez mais, escolhas autônomas e não baseadas em identificações não conscientes, ou seja, escolhas onde nos identifiquemos conosco, onde os conflitos sejam menores, onde haja menos sombras. Pensamos que aí se situa o lugar do Psicólogo.

No que se refere à Administração Acadêmica, cremos que este estudo aponta importantes elementos a serem considerados na seleção e relacionamento com alunos ingressos como graduados. Julgamos oportuno aprofundá-los e, na medida do possível, incorporá-los ao processo seletivo. Parece-nos que considerar a subjetividade dos candidatos poderá vir a contribuir para a diminuição dos índices de evasão.

Entretanto, fica-nos a questão: quais as implicações de uma postura avaliativa com relação à subjetividade num processo de seleção para ingresso na Universidade? A quem vai caber, afinal, a decisão da escolha? Há como garantir o respeito à escolha de cada sujeito? Como controlar os riscos relacionados aos preconceitos das diversas ordens? Estas questões nos remetem imediatamente à problemática da utilização do saber psicológico para fins avaliativos e classificatórios -tema cuja análise escapa às pretensões desse estudo-que ficam como sugestões para futuras investigações.

No plano ainda das sugestões, recomendamos a realização de investigações junto àqueles que abandonam o curso no sentido de conhecer seu perfil e os motivos do abandono. Além disso, seria importante analisar os pontos críticos apontados pelos alunos, utilizando, dentre outras informações, os resultados aqui apresentados como mais um subsídio para o aperfeiçoamento da formação oferecida pelas instituições universitárias.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Ago 2000
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