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Diversidade da virulência de Pyricularia grisea num local de melhoramento genético de arroz

Virulence diversity of Pyricularia grisea at one rice breeding site

Resumos

O presente trabalho objetivou estudar a diversidade da virulência de isolados de Pyricularia grisea coletados na Estação Experimental do IAC, Mococa, estado de São Paulo. A composição das raças do fungo e sua compatibilidade com genes de resistência foram estudadas utilizando-se cultivares diferenciais de arroz (Oryza sativa) do Japão. Cinqüenta isolados monospóricos foram obtidos das panículas das cultivares IAC 201 e IAC 4440 afetadas com brusone. As raças JP 137 e JP 177 de P. grisea na cultivar de arroz de sequeiro IAC 201 e a raça JP 200 na cultivar IAC 4440, arroz irrigado, foram identificadas. Foi observada uma baixa freqüência de ocorrência de raças fisiológicas no local de seleção de linhagens de melhoramento. Enquanto todos os 25 isolados provenientes de IAC 4440 foram compatíveis somente ao gene de resistência pi-ta², os isolados de IAC 201 foram compatíveis para sete dos nove genes das diferenciais japonesas. Os resultados mostraram que somente um gene de resistência (pi-z t) foi efetivo a todos os isolados de P. grisea coletados das cultivares de arroz IAC 201 e IAC 4440.

brusone; raças fisiológicas; resistência; Magnaporthe grisea


The objective of this investigation was to examine the virulence diversity of Pyricularia grisea isolates collected from the Experimental Station of IAC, Mococa in the state of São Paulo. The composition of races and their compatibility with known resistance genes were studied using the Japanese rice (Oryza sativa) differentials. Fifty single spore isolates were obtained from diseased panicles of rice cultivars IAC 201 and IAC 4440. Two races affecting upland rice cultivar IAC 201, JP 137 and JP 177, and one race (JP 200) affecting the lowland rice cultivar IAC 4440 were identified. The results showed low frequency of physiologic races in this breeding site. While all 25 isolates from IAC 4440 were compatible to one resistance gene, pi-ta², the isolates from IAC 201 were compatible to seven out of nine known resistance genes in the Japanese rice differentials. Furthermore only one resistance gene (pi-z t) was effective to all isolates of P. grisae collected from rice cultivars IAC 201 and IAC 4440.


COMUNICAÇÕES / COMMUNICATIONS

Diversidade da virulência de Pyricularia grisea num local de melhoramento genético de arroz

Virulence diversity of Pyricularia grisea at one rice breeding site

Ana P. Amaral Mello1 1 Autor para correspondência: Alfredo S. Urashima Bolsista IC FAPESP 99/05103-3 2 Bolsista Post Doc FAPESP 98/03699-3 ; Alfredo S. Urashima2 1 Autor para correspondência: Alfredo S. Urashima Bolsista IC FAPESP 99/05103-3 2 Bolsista Post Doc FAPESP 98/03699-3

Departamento de Biotecnologia Vegetal, Centro de Ciências Agrárias, Universidade Federal de São Carlos, CEP 13600-970, Araras, SP, e-mail: alfredo@dbv.cca.ufscar.br

RESUMO

O presente trabalho objetivou estudar a diversidade da virulência de isolados de Pyricularia grisea coletados na Estação Experimental do IAC, Mococa, estado de São Paulo. A composição das raças do fungo e sua compatibilidade com genes de resistência foram estudadas utilizando-se cultivares diferenciais de arroz (Oryza sativa) do Japão. Cinqüenta isolados monospóricos foram obtidos das panículas das cultivares IAC 201 e IAC 4440 afetadas com brusone. As raças JP 137 e JP 177 de P. grisea na cultivar de arroz de sequeiro IAC 201 e a raça JP 200 na cultivar IAC 4440, arroz irrigado, foram identificadas. Foi observada uma baixa freqüência de ocorrência de raças fisiológicas no local de seleção de linhagens de melhoramento. Enquanto todos os 25 isolados provenientes de IAC 4440 foram compatíveis somente ao gene de resistência pi-ta2, os isolados de IAC 201 foram compatíveis para sete dos nove genes das diferenciais japonesas. Os resultados mostraram que somente um gene de resistência (pi-zt) foi efetivo a todos os isolados de P. grisea coletados das cultivares de arroz IAC 201 e IAC 4440.

Palavras-chave adicionais: brusone, raças fisiológicas, resistência, Magnaporthe grisea.

ABSTRACT

The objective of this investigation was to examine the virulence diversity of Pyricularia grisea isolates collected from the Experimental Station of IAC, Mococa in the state of São Paulo. The composition of races and their compatibility with known resistance genes were studied using the Japanese rice (Oryza sativa) differentials. Fifty single spore isolates were obtained from diseased panicles of rice cultivars IAC 201 and IAC 4440. Two races affecting upland rice cultivar IAC 201, JP 137 and JP 177, and one race (JP 200) affecting the lowland rice cultivar IAC 4440 were identified. The results showed low frequency of physiologic races in this breeding site. While all 25 isolates from IAC 4440 were compatible to one resistance gene, pi-ta2, the isolates from IAC 201 were compatible to seven out of nine known resistance genes in the Japanese rice differentials. Furthermore only one resistance gene (pi-zt) was effective to all isolates of P. grisae collected from rice cultivars IAC 201 and IAC 4440.

Brusone causada pelo fungo Pyricularia grisea (Cooke) Sacc. (telem. Magnaporthe grisea Barr.) é a mais importante doença na cultura do arroz (Oryza sativa L.). O desenvolvimento de cultivares resistentes é o método mais viável de controle dessa doença. Entretanto, cultivares resistentes têm apresentado uma vida útil de dois a três anos após seu lançamento (Correa-Victoria & Zeigler, 1993). As causas foram atribuídas à mudança no padrão de freqüência da população das raças do patógeno (Levy et al., 1993), a não detecção de uma raça patogênica durante o processo de seleção de uma linhagem (Correa-Victoria & Zeigler, 1993) e à evolução do patógeno em resposta a pressão seletiva exercida devido à resistência da cultivar lançada ou uso de fungicidas específicos, além da migração de populações do patógeno de uma região a outra (Leung et al., 1993).

A caracterização da variabilidade do patógeno no local onde se realizam os programas de melhoramento e seleção das linhagens/cultivares de arroz é, portanto essencial para entender a dinâmica da virulência do patógeno e adotar as estratégias adequadas para aumentar a durabilidade das cultivares resistentes.

Várias pesquisas já demonstraram a existência de raças fisiológicas de P. grisea no Brasil (Prabhu & Fillipi, 1989; Urashima & Isogawa, 1990; Prabhu et al.,1992), mas nenhuma dessas estudou a variabilidade do patógeno nos locais onde se realizam os trabalhos de melhoramento de arroz no estado de São Paulo. Nos poucos estudos a esse respeito, Filippi & Prabhu (2001) identificaram 16 raças de P. grisea em três locais distintos de melhoramento no Brasil Central e Correa-Victoria & Zeigler (1993) detectaram mais de 45 raças num local de melhoramento genético na Colômbia.

O objetivo do presente trabalho foi estudar a diversidade da virulência de P. grisea na Estação Experimental de Mococa do Instituto Agronômico de Campinas (E.E.M.), um dos locais de seleção e melhoramento genético de arroz do estado de São Paulo.

Isolados monospóricos do fungo foram obtidos das panículas após esterilização superficial do tecido e esporulação em câmara úmida. Foram analisadas 50 panículas, 25 de cada uma das cultivares IAC 201 (sequeiro) e IAC 4440 (irrigado). Essas cultivares foram as únicas que se encontravam na E.E.M. por ocasião da coleta dos materiais (22/02/99). Somente um isolado por panícula foi utilizado no presente estudo. Em seguida, os fungos foram transferidos para tubos de BDA para uso imediato. Para manutenção por longo prazo, foram mantidos em sementes autoclavadas de cevada (Hordeum vulgare L.), conforme metodologia de Urashima et al. (1993).

As cultivares diferenciais de arroz do Japão foram utilizadas nesse trabalho, pois cada uma possui somente um gene vertical de resistência a P. grisea (Yamada et al, 1976). Essas cultivares e seus respectivos genes foram: Shin2 (pi-ks), Aichi Asahi (pi-a), Ishikarishiroke (pi-i), Kanto51 (pi-k), Tsuyuake (pi-km), Fukunishiki (pi-z), Yashiromochi (pi-ta), Pi nº. 4 (pi-ta2), Toride1 (pi-zt). As sementes foram semeadas em casa de vegetação em solos de mata nativa com alto teor de matéria orgânica. Posteriormente as mudas foram transplantadas para copos de poliestileno com volume de 200 ml utilizando-se em média duas a três mudas por copo. As plantas permaneceram em casa de vegetação com temperatura entre 20 oC a 25 oC até atingirem estádio de três-quatro folhas quando foram inoculadas.

A multiplicação do fungo para inoculação foi realizada em meio de aveia. Após três semanas, o micélio aéreo foi retirado com água destilada e expostas à luz fluorescente contínua e temperatura controlada de 22 oC para induzir esporulação abundante (Prabhu et al, 1992). A inoculação foi feita através de pulverização manual, empregando-se 25 ml de suspensão de esporos por isolado e concentrações variando entre 1 a 6 x 105 esporos/ml e Tween20 a concentração de 10-4. Em seguida, as plantas foram colocadas em sacos de polietileno para manutenção de umidade próxima da saturação, no escuro, a uma temperatura média de 20 oC a 25 oC por 18 h. Após esse período foram retiradas dos sacos e colocadas em casas de vegetação por uma semana, sob temperatura de 22 oC a 28 oC, quando foram avaliadas quanto aos sintomas da doença.

A avaliação das plantas inoculadas quanto à susceptibilidade à brusone foi feita uma única vez, sete dias após a inoculação, e seguiu a mesma classificação empregada por Urashima (2002). Os tipos de lesões foram classificados em cinco categorias: 0 = sem sintoma visível da doença; 1 = lesões minúsculas do tamanho cabeça de alfinete; 2 = manchas amarronzadas, embora possa haver variação quanto à coloração, sem centro discernível; 3 = pequenas lesões com formato de olho e centro cinza; 4 = lesões típicas de brusone, elíptica e centro cinza. Lesões tipo 0, 1 e 2 foram consideradas resistentes porque não esporularam quando submetidas às condições apropriadas, enquanto lesões 3 e 4 foram consideradas susceptíveis devido à esporulação em condições favoráveis. Para essas avaliações, as plantas não foram consideradas individualmente e sim como população, assim sendo uma cultivar foi considerada suscetível ao exibir mais de 50% das plantas com lesões em cada inoculação. Cada isolado foi repetido duas vezes.

A identificação das raças fisiológicas foi feita segundo Yamada et al., (1976). Nesse sistema cada cultivar diferencial possui um gene de resistência vertical e um número de código e segue a proposta octonal de Gilmour (1973) para identificação de cada raça. Assim, cada raça é a soma do número de código da cultivar no qual um determinado isolado foi virulento. Exemplificando, um isolado virulento às cultivares Shin2, Aichi Asahi, Ishikari-shiroke, Kanto51, Tsuyuake e Yashiromochi vai ser identificado como JP (Japan)137, que é o resultado da somatório de 1 + 2 + 4 + 10 + 20 + 100, que são os números de códigos dessas respectivas variedades.

De acordo com os dados obtidos sobre as raças de P. grisea identificadas na E. E. M. (Tabela 1), observa-se que somente três raças foram identificadas nos 50 isolados de P. grisea do local. No arroz de sequeiro IAC 201, duas raças foram identificadas sendo 14 isolados como raça JP 177 e 11 como JP 137. Já em relação ao arroz irrigado IAC 4440, todos os 25 isolados foram classificados como raça JP 200. A identificação de somente três raças do fungo nas duas cultivares estudadas sugere uma relação direta entre a prevalência de uma raça do fungo e a cultivar de arroz cultivada nessa área, indicando especificidade da raça do patógeno quanto a cultivar, conforme salientado anteriormente (Yamada, 1979; Yamada, 1985, Bonman et al, 1986). Entretanto, a especificidade entre a raça do patógeno e a cultivar de arroz não pode ser aplicada em todas as regiões, visto que Correa-Victoria & Zeigler (1993) e Urashima (2002) observaram que em algumas cultivares de arroz existiam múltiplas raças do patógeno, sem prevalência de nenhuma.

Se analisados somente através das raças fisiológicas, a população de P. grisea se caracterizou por uma pequena variação na virulência visto que somente três raças foram identificadas. Entretanto, devido à utilização das cultivares diferenciais Japonesas onde cada cultivar possui somente um gene de resistência vertical, foi possível o estudo da análise do espectro de virulência da população do patógeno. Assim, a raça JP 137 se caracterizou por superar a resistência conferida por seis genes: pi-ks, pi-a, pi-i, pi-k, pi-km e pi-ta, ao passo que a raça JP 177 teve a habilidade de suplantar além dos genes mencionados mais o gene pi-z. Já a raça JP 200, identificada no arroz irrigado IAC 4440, superou a resistência conferida pelo gene pi-ta2 (da cultivarPi n°°4).

Isolados de P. grisea de IAC 201 acumularam fatores de virulência capazes de superar um grande número de genes de resistência. Uma observação por longos períodos da população do patógeno nesse local pode fornecer subsídios para esclarecer a quebra de resistência de cultivares.

O presente estudo indicou que somente o gene de resistência pi-zt (cultivar Toride1) foi efetivo à população do patógeno desse local de melhoramento. Entretanto este gene não se mostra promissor para futuros programas de melhoramento de cultivares visto que foi ineficiente para os isolados do fungo em Tremembé (Urashima, 2002). Portanto, para o sucesso do controle da brusone através de cultivares resistentes será necessário busca urgente de novos genes de resistência.

Todas as plantas avaliadas apresentaram lesão tipo 0 (resistência) e lesão tipo 4 (suscetibilidade). Lesões intermediárias (tipo 1, 2 e 3) foram raramente observadas. Embora outros conjuntos com gene de resistência vertical tenham sido empregados para estudo de P. grisea de regiões tropicais (Mekwatanakarn et al., 2000) esse fato, acrescido da reação diferencial de compatibilidade em função do isolado empregado confirmaram a utilidade das diferenciais de arroz empregada (Yamada et al., 1976) para os propósitos do presente estudo.

Aceito para publicação em 18/03/2003

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  • 1
    Autor para correspondência: Alfredo S. Urashima
    Bolsista IC FAPESP 99/05103-3
    2
    Bolsista Post Doc FAPESP 98/03699-3
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2003
    • Data do Fascículo
      Out 2003
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