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Detecção de Closterovirus em videira e caracterização parcial de um isolado do Grapevine leafroll-associated virus 3

Detection of Closterovirus in grapes and partial characterization of an isolate of Grapevine leafroll-associated virus 3

Resumos

O enrolamento da folha da videira (Vitis spp.) é uma doença causada por até oito vírus, Grapevine leafroll-associated virus (GLRaV) 1 a 8, sorologicamente distintos e associados ao floema de videiras infetadas. Neste trabalho, foram detectados GLRaV-1 e -3 por DAS-ELISA em 6,9 e 14,7% das amostras analisadas, respectivamente, e provenientes de duas importantes regiões vitícolas do Brasil (Serra Gaúcha e Vale do São Francisco). Os GLRaV-2, -5 e -7 não foram detectados. O GLRaV-3 também foi detectado por dot-ELISA e western blot, observando-se a provável proteína capsidial com cerca de 36 kDa. Um fragmento de 340 pb, compreendendo o terminal 3' do gene da polimerase viral de GLRaV-3, foi amplificado por PCR e seqüenciado. As seqüências de nucleotídeos e aminoácidos deduzidos deste isolado apresentaram alta homologia, 95,0 e 97,1%, respectivamente, com outro isolado de GLRaV-3 (NY1).

Vitis; GLRaV-1; GLRaV-3; sorologia; RT-PCR; RNA polimerase


Grapevine (Vitis spp.) leafroll is a disease caused by up to eight viruses, denominated Grapevine leafroll-associated viruses (GLRaV- 1 to -8), which are serologically unrelated and associated with phloem tissue. In the present paper, GLRaV-1 and -3 were detected by DAS-ELISA in 6.9 and 14.7% of the samples, respectively, and GLRaV-2, -5 and -7 were not detected in grapes. The analysed samples came from two of the most important grape growing regions in Brazil (Serra Gaúcha and Vale do São Francisco). The GLRaV-3 was also identified by dot-ELISA and western blot, associated with a probable coat protein subunit of approximately 36 kDa. A fragment of 340 bp, comprising the 3' terminal of the viral polymerase gene, was PCR-amplified and sequenced. The nucleotide and deduced amino acid sequences of this isolate showed high homology, 95 and 97.1%, respectively, with another GLRaV-3 isolate (NY1).


DETECÇÃO DE CLOSTEROVIRUS EM VIDEIRA E CARACTERIZAÇÃO PARCIAL DE UM ISOLADO DO Grapevine leafroll-associated virus 3

THOR V.M. FAJARDO1, GILMAR B. KUHN1, MARCELO EIRAS2 & OSMAR NICKEL1

1Embrapa Uva e Vinho, Cx. Postal 130, CEP 95700-000, Bento Gonçalves, RS, e-mail: thor@cnpuv.embrapa.br; 2Centro de Sanidade Vegetal, Instituto Biológico de São Paulo, Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 1252, CEP 04014-002, São Paulo, SP

(Aceito para publicação em 07/06/2001)

Autor para correspondência: Thor V.M. Fajardo

RESUMO

O enrolamento da folha da videira (Vitis spp.) é uma doença causada por até oito vírus, Grapevine leafroll-associated virus (GLRaV) 1 a 8, sorologicamente distintos e associados ao floema de videiras infetadas. Neste trabalho, foram detectados GLRaV-1 e -3 por DAS-ELISA em 6,9 e 14,7% das amostras analisadas, respectivamente, e provenientes de duas importantes regiões vitícolas do Brasil (Serra Gaúcha e Vale do São Francisco). Os GLRaV-2, -5 e -7 não foram detectados. O GLRaV-3 também foi detectado por dot-ELISA e western blot, observando-se a provável proteína capsidial com cerca de 36 kDa. Um fragmento de 340 pb, compreendendo o terminal 3' do gene da polimerase viral de GLRaV-3, foi amplificado por PCR e seqüenciado. As seqüências de nucleotídeos e aminoácidos deduzidos deste isolado apresentaram alta homologia, 95,0 e 97,1%, respectivamente, com outro isolado de GLRaV-3 (NY1).

Palavras-chave adicionais: Vitis, GLRaV-1, GLRaV-3, sorologia, RT-PCR, RNA polimerase.

Detection of Closterovirus in grapes and partial characterization of an isolate of Grapevine leafroll-associated virus 3

Grapevine (Vitis spp.) leafroll is a disease caused by up to eight viruses, denominated Grapevine leafroll-associated viruses (GLRaV- 1 to -8), which are serologically unrelated and associated with phloem tissue. In the present paper, GLRaV-1 and -3 were detected by DAS-ELISA in 6.9 and 14.7% of the samples, respectively, and GLRaV-2, -5 and -7 were not detected in grapes. The analysed samples came from two of the most important grape growing regions in Brazil (Serra Gaúcha and Vale do São Francisco). The GLRaV-3 was also identified by dot-ELISA and western blot, associated with a probable coat protein subunit of approximately 36 kDa. A fragment of 340 bp, comprising the 3' terminal of the viral polymerase gene, was PCR-amplified and sequenced. The nucleotide and deduced amino acid sequences of this isolate showed high homology, 95 and 97.1%, respectively, with another GLRaV-3 isolate (NY1).

INTRODUÇÃO

Verifica-se alta incidência de vírus em vinhedos das principais regiões vitícolas brasileiras. A disseminação é facilitada, em grande parte, pelo uso de material propagativo infetado de cultivares e porta-enxertos obtidos principalmente de vinhedos mais antigos da região ou introduzido de outras regiões, porém, sem atender a requisitos sanitários (Kuhn, 1989a).

Dentre as viroses da videira (Vitis spp.) constatadas no Brasil, o enrolamento da folha destaca-se em importância. Essa virose foi relatada em São Paulo com incidência de até 78% em cultivares de copa (Kuniyuki & Costa, 1987) e no Rio Grande do Sul atingindo níveis de infecção de 15,6 a 98% em vinhedos de produtoras viníferas, americanas e porta-enxertos amostrados (Kuhn, 1989a). Os danos causados variam em função da suscetibilidade varietal e da virulência do isolado viral. Em plantas severamente afetadas, verificou-se redução de 42,4% no número de cachos, de 62,8% na produção e de 65,2% no vigor, além de decréscimo no teor de açúcares redutores da uva (Kuhn, 1989b).

Os sintomas típicos são observados em cultivares de videira européias (Vitis vinifera L.), tintas e brancas, no final do ciclo vegetativo, pelo enrolamento dos bordos da folha para baixo. Estes sintomas aparecem sempre nas folhas a partir da base dos ramos, evoluindo para as demais folhas da extremidade, podendo provocar o completo definhamento das plantas. Nos cachos de plantas muito afetadas, observa-se maturação irregular e atrasada da uva. As videiras americanas (Vitis labrusca L.) e híbridas não mostram os sintomas característicos da doença e os porta-enxertos não mostram qualquer sintoma foliar quando infetadas (Kuhn & Nickel, 1998).

A doença é atribuída ao vírus associado ao enrolamento da folha da videira (Grapevine leafroll-associated virus, GLRaV), pertencente a família Closteroviridae, gênero Closterovirus. Até o presente, são conhecidos oito vírus (GLRaV-1 a -8), sorologicamente distintos, que, isoladamente ou em mistura, causam sintomas similares (Monis, 2000).

O GLRaV-3 possui um único tipo de partícula, alongada e flexuosa, com cerca de 1800-2100 nm de comprimento e 12 nm de diâmetro, genoma de RNA fita simples, senso positivo, de cerca de 20 kb e dsRNA com aproxidamente 18 kbp (Ling et al., 1997). A polimerase viral tem massa molecular de 61 kDa e a proteína capsidial 35 kDa (Ling et al., 1998) ou 43 kDa (Hu et al., 1990; Zimmermann et al., 1990). À exceção do GLRaV-2, transmissível mecanicamente para hospedeiras herbáceas, basicamente Nicotiana spp. (Kuhn & Nickel, 1998), os outros GLRaVs são restritos à videira.

O GLRaV-3 é transmitido experimentalmente e existem relatos de sua disseminação em vinhedos por várias espécies de cochonilhas algodonosas: Planococcus ficus Signoret, P. citri Risso, Pseudococcus longispinus Targioni Tozzetti, P. calceolariae Maskell, P. viburni Signoret (P. affinis Maskell) (Engelbrecht & Kasdorf, 1990; Petersen & Charles, 1997) e por Pulvinaria vitis L., uma cochonilha de carapaça (Belli et al., 1994). Fortusini et al. (1996) também relataram a disseminação natural de GLRaV-1 em vinhedos por cochonilhas vetoras. Não há informação da transmissão do GLRaV pela tesoura de poda ou pelo contato das raízes (Kuhn & Nickel, 1998).

Este trabalho foi conduzido com o objetivo de identificar os Closterovirus associados ao enrolamento das folhas da videira em duas das principais regiões vitícolas do Brasil e também caracterizar o GLRaV-3, principal espécie viral do complexo do enrolamento da folha da videira que ocorre nestas regiões.

MATERIAL & MÉTODOS

Amostragem

Foram analisadas 650 amostras foliares (uma amostra/planta) de videiras provenientes de plantas básicas conservadas em casa de vegetação e telado, da coleção de cultivares da Embrapa Uva e Vinho (Bento Gonçalves, RS), de vinhedos comerciais e de campo de matrizes situados na Serra Gaúcha e de vinhedos comerciais do Vale do São Francisco (Petrolina, PE/Juazeiro, BA). No campo ou em casa de vegetação, algumas das plantas amostradas apresentavam enrolamento das folhas e outras se mostravam assintomáticas.

As cultivares, para consumo in natura ou para processamento, analisadas foram: Petite Syrah, Seibel, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Franciscana, Perlona, Itália, Alphonse Lavallée, Centennial, Perlette, Sun Red, Pinot Noir, Flora, Malvasia de Lipari, Sémillon, Catalunha, Red Globe, Thompson Seedless, Dona Zilá, Vênus, Alwood, Moscato, Bordô, Goethe, Pinotage, Gewürztraminer, Niagara, Concord, Merlot, Sauvignon Blanc, Ruby Seedless, Alicante Bouchet, Isabel, Gamay, Chardonnay e White Riesling.

Os porta-enxertos amostrados foram: P1103, IAC 572, IAC 766, IAC 313, Riparia Gloire, Solferino, SO4, 161-49 e 101-14.

Avaliação por ELISA

Foram analisados nervuras e pecíolos de folhas basais de videira, coletadas no campo ou em casa de vegetação no outono, de abril a junho, que corresponde ao final do ciclo vegetativo da cultura. As amostras foram trituradas em almofariz na presença de nitrogênio líquido e diluídas 1:5 (p/v) em tampão Tris-HCl 0,5 M, pH 8,2, NaCl a 0,8% (p/v), PVP 40000 a 2% (p/v), PEG 6000 a 1% (p/v) e Tween 20 a 0,05% (v/v).

Foram utilizados anti-soros comerciais (Sanofi, França) para os vírus GLRaV-1, -2, -3, -5 e -7. Utilizou-se o teste DAS-ELISA (Clark & Adams, 1977) para a detecção do GLRaV-1 e -3, com IgG-fosfatase alcalina, e o ELISA, com IgG biotinilada ligando-se ao conjugado streptavidina-fosfatase alcalina, para a detecção de GLRaV-2, -5 e -7, procedendo-se conforme as recomendações do fabricante.

As placas de ELISA, com os extratos das amostras, foram incubadas a 4 oC por 14 h, com o objetivo de minimizar o desenvolvimento de reações oxidativas nos extratos foliares e, conseqüentemente, a ocorrência de reações inespecíficas nos testes. Definiu-se como infetadas, as amostras cuja absorbância era, no mínimo, duas vezes superior à verificada nas amostras sadias.

Eletroforese, western blot e dot-ELISA

Extratos de nervuras e pecíolos, de videiras sadias e infetadas, obtidos em tampão de extração TBS, pH 7,5 com sulfito de sódio a 0,2% (p/v), na proporção 1:5 (p/v), foram utilizados em western blot e dot-ELISA.

As amostras foram analisadas por eletroforese em géis de poliacrilamida (SDS-PAGE) e transferidas para membranas de nitrocelulose, como descrito anteriormente (Fajardo et al., 2000). Para o teste dot-ELISA, foram aplicados sobre membranas de nitrocelulose, 20 ml de extrato por amostra. As etapas desenvolvidas a seguir, compostas pelo tratamento das membranas com anti-soro específico e a revelação das membranas, foram conduzidas conforme descrito por Fajardo et al. (2000).

Foram utilizados anti-soros comerciais (Sanofi, França) contra GLRaV-3, além de um anti-soro polivalente contra um complexo do enrolamento da folha da videira, que também possuia anticorpos para GLRaV-3.

Extração de RNA total

A extração de RNA total, a partir de folhas de videira infetada com GLRaV-3, foi realizada conforme o Método 4 descrito por Rowhani et al. (1993), com pequena modificação. Um grama de nervuras e pecíolos foi triturado em almofariz, na presença de nitrogênio líquido, adicionando-se a seguir 10 ml de tampão de extração da amostra, pH 7,6, composto de fosfato de potássio, sacarose, BSA, PVP-10 e ácido ascórbico. As etapas seguintes até a ressuspensão final do sedimento em 0,2 ml de tampão TE pH 7,4 foram desenvolvidas segundo o protocolo mencionado.

Síntese do cDNA e RT-PCR

Para a síntese do cDNA viral, utilizou-se como molde RNA total obtido de plantas infetadas, conforme descrito por Fajardo et al. (2000). Foram utilizados os oligonucleotídeos para a amplificação de parte do genoma do GLRaV-3 descritos por Minafra & Hadidi (1994), C547: 5'ATTAACTTGAC GGATGGCAC GC3' (complementar) e H229: 5'ATAAGCA TTCGGGATG GACC3' (viral), preparando-se as reações de acordo com Fajardo et al. (2000). Após aquecimento a 94 oC por 5 min., seguiram-se 35 ciclos de amplificação, compostos de desnaturação (94 oC/1 min.), pareamento (48 oC/1 min.) e extensão (72 oC/1 min.), com uma extensão final a 72 oC/7 min.

O produto da amplificação foi analizado em gel de agarose 1,5%, preparado em tampão TBE, pH 8,0. A banda, com o fragmento de tamanho esperado, foi extraída do gel e o DNA eluído utilizando-se o kit "Sephaglas Band Prep" (Pharmacia), de acordo com as especificações do fabricante.

Seqüenciamento e estudo de homologia de seqüências

Os fragmentos de DNA, eluídos do gel de agarose, foram precipitados a frio com etanol absoluto e acetato de sódio. O sedimento obtido, por centrifugação, foi ressuspendido em TE pH 8,0 e purificado em coluna Qiaquick (Qiagen) para o seqüenciamento automático de nucleotídeos do fragmento. Foram realizadas cinco reações de seqüenciamento com cada oligonucleotídeo para a confirmação da seqüência.

As seqüências de nucleotídeos e de aminoácidos deduzidos foram analisadas e comparadas às seqüências do banco de dados GenBank, utilizando-se a função BLAST, que alinha as seqüências mais similares àquela de interesse.

RESULTADOS

Sorologia

Foi possível detectar GLRaV-1 e -3 por DAS-ELISA em diversas das cultivares testadas. Constatou-se que 6,9% (8/116) das amostras estavam infetadas com GLRaV-1 e 14,7% (54/367) com GLRaV-3.

De 62 amostras positivas, 87,1% (54) estavam infetadas com GLRaV-3 e apenas 12,9% (8) com GLRaV-1. Estas últimas também estavam infetadas com GLRaV-3 e eram originárias de vinhedos do Vale do São Francisco, no polo vitícola Petrolina (PE)/Juazeiro (BA). Das amostras provenientes de vinhedos da Serra Gaúcha, somente o GLRaV-3 foi detectado.

As cultivares infetadas com GLRaV-1 e -3 foram: Petite Syrah, Franciscana e Red Globe, e somente com GLRaV-3 citam-se: Seibel, Cabernet Franc, Perlona, Alphonse Lavallée, Centennial, Flora, Pinotage, Niagara e Concord. Todas as cultivares de uvas finas de mesa tiveram origem no Vale do São Francisco e as demais na Serra Gaúcha.

Nenhuma das 167 amostras testadas com os anti-soros contra GLRaV-2 e -5 (72 amostras para cada vírus), nem as 23 analisadas para a presença do GLRaV-7 mostraram-se infetadas, mesmo aquelas com sintomas e que estavam infetadas com GLRaV-1 e/ou GLRaV-3.

Não foram verificadas reações sorológicas inespecíficas nos testes conduzidos, sendo que as amostras foliares (nervuras e pecíolos) utilizadas em ELISA, colhidas no final do ciclo vegetativo da videira e da base dos ramos, permitiram a confiável detecção dos vírus. Não foi possível detectar a presença de GLRaV no limbo foliar de videira, desprovido de nervuras, mesmo em folhas sintomáticas para o enrolamento.

O GLRaV-3 foi detectado, especificamente, por dot-ELISA em videiras, de diversas cultivares, sintomáticas para o enrolamento das folhas, tendo-se observado níveis muito baixos de reações inespecíficas.

Em western blot, a provável proteína capsidial do GLRaV-3 foi reconhecida por anticorpos contra este vírus em amostras infetadas. A marcação específica de uma proteína de, aproximadamente, 36 kDa confirma a presença de GLRaV-3 nas amostras avaliadas (Figura 1).


RT-PCR

Amplificou-se um fragmento de DNA com 340 pb, compreendendo parte do terminal 3' do gene da polimerase viral do GLRaV-3 e parte da seqüência não traduzida do RNA viral, entre os nucleotídeos 3502 e 3841. Isto explica a existência de um código de terminação (UAA), correspondente aos nucleotídeos 3711 ao 3713, dentro da seqüência do fragmento (Figura 2). A localização dos oligonucleotídeos foi realizada em relação ao acesso AF037268 de GLRaV-3 (isolado NY1) (Ling et al., 1998) depositado em banco de dados.


Comparação das seqüências de nucleotídeos e aminoácidos deduzidos

A maior identidade de nucleotídeos encontrada foi de 95,0% (326/340) com o isolado NY1 (ou GLRaV 109) de GLRaV-3, acesso AF037268 (Ling et al., 1998), único isolado deste vírus seqüenciado e encontrado infetando videira cv. Pinot Noir no Estado de Nova Iorque, EUA (Zee et al., 1987). As seqüências de nucleotídeos e de aminoácidos deduzidos do terminal 3' do gene da polimerase viral e parte da seqüência não traduzida do GLRaV-3 foram determinadas (Figura 2).

O alinhamento da seqüência de aminoácidos deduzidos revelou alta identidade, 95,6% (66/69) e, similaridade, 97,1% (67/69), entre o isolado de GLRaV-3 estudado e o isolado NY1 de GLRaV-3, considerando-se o terminal 3' do gene da polimerase (Tabela 1). Com outras espécies virais do gênero Closterovirus, as comparações, envolvendo apenas parte da seqüência de aminoácidos deduzidos obtidos, resultaram em baixos valores de identidade, variando de 57,0% com Pineapple mealybug wilt-associated virus 2 (PMWaV-2), a 45,0% com GLRaV-1 e Lettuce infectious yellows virus (LIYV) (Tabela 1).

DISCUSSÃO

Muitas cultivares de videiras não apresentam sintomas evidentes de GLRaV, seja porque a infecção é latente ou por outros fatores, como a reação varietal e a idade da planta (Rowhani & Golino, 1995; Rowhani et al, 1997). Assim, o uso de técnicas de diagnóstico, como as empregadas neste trabalho, é justificada, também em face de infecções múltiplas, que tornam impossível a identificação em campo.

Este é o primeiro relato de ocorrência de GLRaV-1 infetando videira no Brasil e a primeira identificação de GLRaV-3 incidindo em parreirais do estado do Rio Grande do Sul. Devido ao limitado número de amostras testadas para GLRaV-2, -5 e -7, a ausência destes vírus em parrerais brasileiros constitui uma informação preliminar, não conclusiva, embora esteja em concordância com relatos que afirmam ser a distribuição de alguns GLRaV restrita a certas regiões e/ou variedades (Zimmermann et al., 1990).

A incidência relativamente baixa de GLRaV nas amostras analisadas, diferentemente do que se verifica comumente em campo (Kuhn, 1989a) é explicada pela procedência das mesmas. Grande parte das amostras foi proveniente de videiras, potencialmente sadias, originadas de plantas matrizes ou de plantas obtidas por termoterapia e micropropagação de segmentos caulinares de uma gema, mantidas em telado ou em campo. Desta forma, os percentuais de infecção obtidos para GLRaV-1 e -3 não podem ser considerados representativos para as regiões que foram amostradas.

Milkus et al. (2000) analisaram por ELISA a presença de vírus em videiras importadas pelo Missouri (EUA) de países do Leste Europeu, encontrando 6,8 e 11,4% de incidência de GLRaV-1 e GLRaV-3, respectivamente. Estes percentuais de infecção são muito semelhantes aos obtidos neste trabalho. Nestes dois casos foram analisados, em sua maioria, materiais com indicativo de bom estado fitossanitário, ou seja, onde não se esperaria, a princípio, a constatação de elevado nível de infecção viral.

A constatação de maior número de amostras infetadas com GLRaV-3 em relação ao GLRaV-1, confirma alguns relatos de que a ocorrência de GLRaV-3 é mais abrangente e mais freqüente que a do GLRaV-1 (Zimmermann et al., 1990). Implicações epidemiológicas decorrem desta constatação preliminar e merecem atenção especial, principalmente se for considerado que os dois vírus não são sorologicamente relacionados, o que poderá requerer testes de detecção sorológica independentes (Forsline et al., 1996). Monis & Bestwick (1996) também relataram infecções múltiplas por GLRaV-1 e -3 em videira, e sugeriram que estudos sobre as interações entre esses vírus poderiam fornecer dados referentes a expressão de sintomas e o desenvolvimento da virose.

A presença de GLRaV-1 apenas em amostras do Vale do São Francisco pode ser possivelmente explicada pela procedência do material propagativo utilizado em vinhedos da região em relação àqueles da Serra Gaúcha. No Vale do São Francisco predominam cultivares destinadas a produção de uvas finas de mesa e na Serra Gaúcha as cultivares são principalmente voltadas à elaboração de vinho. Em decorrência, a procedência de cultivares ou porta-enxertos, empregados em ambas regiões, é diferente, refletindo-se, desta forma, no estado fitossanitário destes materiais.

As indicadoras para a virose do enrolamento da folha da videira, cvs como Cabernet Franc (Rowhani et al., 1997) e Cabernet Sauvignon, dentre outras, não permitem distinguir as diferentes espécies de GLRaV (-1 a -8) (Monis & Bestwick, 1996), nem tampouco determinar a presença de infecções múltiplas, o que é possível através de ELISA, que constitui um importante complemento a indexagem biológica (por enxertia), gerando resultados de forma mais rápida e mais dinâmica que esta última (Forsline et al., 1996).

Na realização do ELISA para a detecção de GLRaV é recomendada a coleta de folhas no final do ciclo vegetativo da videira e da base dos ramos, procedendo-se a análise a partir de nervuras e pecíolos extraídos das folhas maduras (Monis & Bestwick, 1996). No estádio de desenvolvimento e na porção foliar indicados, a concentração do vírus é mais elevada, o que permite a segura detecção viral. Os resultados obtidos neste trabalho confirmam a adequação dos tecidos usados para o diagnóstico do GLRaV, como apontado por Rowhani & Golino (1995). Também foram confirmados os resultados de Monis & Bestwick (1996), pois não foi possível a detecção de GLRaV-3 por ELISA na lâmina foliar (sem as nervuras principais e o pecíolo) sintomática em virtude da baixa concentração do vírus neste tecido.

A determinação da massa molecular da provável proteína capsidial do GLRaV-3 em cerca de 36 kDa está próxima àquela determinada por Ling et al. (1997) de 35 kDa. Esses autores calcularam este valor a partir da seqüência completa (939 pb) de nucleotídeos do gene da proteína capsidial do GLRaV-3 e também pela marcação da proteína capsidial expressada. Por western blot, Zimmermann et al. (1990) e Hu et al. (1990) determinaram o valor da massa molecular da proteína capsidial do GLRaV-3 em 43 kDa.

Diferenças em relação ao peso molecular da proteína capsidial podem normalmente ser atribuídas a desnaturação incompleta da proteína, alterando por conseguinte sua mobilidade, ou, ainda, a proteína capsidial pode sofrer a ação de proteases presentes na amostra.

A caracterização de GLRaV tem sido lenta, principalmente, devido à dificuldade em se obter preparações virais purificadas, etapa anterior ao estudo das propriedades bioquímicas e moleculares dos vírus (Zee et al., 1987). Esta dificuldade tem sido contornada com a utilização de extrações de dsRNA ou de RNA total de videiras infetadas com enrolamento. É extremamente raro obter-se isolados puros de GLRaV, pois este vírus não possue hospedeiras de lesão local e infecções múltiplas em videiras são muito comuns. Ling et al. (1998) reconhecem que a biblioteca de cDNA gerada para GLRaV-3 pode ter contido clones de diferentes genomas, justamente por ter sido obtida a partir de dsRNA extraído diretamente de videiras infetadas.

A adoção do protocolo de Rowhani et al. (1993) permitiu a realização da PCR para GLRaV-3, pois as preparações obtidas de RNA total de videira apresentaram boa qualidade, destacando-se a ausência de compostos oxidados nestas preparações. Associada a testes sorológicos (ELISA), a PCR viabiliza a indexação de matrizes ou material propagativo básico de videira, justamente por não sofrer muitas das limitações que são normalmente impostas aos testes sorológicos, a exemplo da época do ano para a realização do teste, do tipo de amostra a ser analisada ou do estado fisiológico da planta (Mackenzie et al., 1997).

A alta homologia de nucleotídeos (95,0%) e de aminoácidos deduzidos (97,1%) entre o isolado estudado de GLRaV-3 e outro isolado do mesmo vírus (NY1 ou 109, acesso AF037268), além da amplificação por PCR, confirmam a detecção específica deste vírus. A pequena diferença encontrada pode ser explicada pela comparação ter sido realizada considerando-se apenas cerca de 13% do gene da polimerase viral do GLRaV-3 ou, ainda, pela variabilidade natural existente entre isolados virais.

A constatação neste trabalho de valores relativamente baixos (45% a 57%) de homologia de aminoácidos do terminal 3' da polimerase entre GLRaV-3 e diferentes vírus do gênero Closterovirus está em conformidade com Ling et al. (1998). Estes autores determinaram que os maiores valores de similaridade de aminoácidos entre GLRaV-3 e outros Closterovirus para o gene da polimerase viral foram 39,2% com Beet yellows virus (BYV), seguido por 37,9% para Citrus tristeza virus (CTV), 36,0% para Beet yellow stunt virus (BYSV), 33,1% para LIYV e 32,2% para Little cherry virus (LChV). Ling et al. (1998) também procederam a análise do relacionamento filogenético entre Closterovirus usando várias seqüências gênicas (helicase, polimerase viral, proteína de choque térmico 70 e proteína capsidial) e demonstraram que GLRaV-3, transmitido por cochonilhas, está posicionado intermediariamente (de forma independente) entre os Closterovirus monopartidos transmitidos por afídeos (BYV, CTV, BYSV) e os Closterovirus bipartidos transmitidos por moscas brancas (LIYV).

Em outros trabalhos (Belli et al., 1994) é verificada, com freqüência, a associação de técnicas de detecção, principalmente para estudos etiológicos sobre o enrolamento da folha da videira. O sucesso obtido neste trabalho onde diferentes técnicas sorológicas e moleculares foram empregadas para a detecção de dois Closterovirus em videira e para a identificação de um isolado de GLRaV-3 enfatizam esta postura.

A implementação de testes diagnósticos, como os utilizados neste trabalho, poderá auxiliar as pesquisas que visem a identificação dos GLRaVs, os estudos etiológicos e epidemiológicos e a obtenção de clones de videira livres do enrolamento da folha.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2002
  • Data do Fascículo
    Fev 2002
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