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Ação alelopática da jaqueira (Artocarpus heterophyllus) em laboratório

Allelopathy effects of jackfruit (Artocarpus heterophyllus).

Resumo

A jaqueira (Artocarpus heterophyllus) pertence à família Moraceae e tem sido considerada invasora no Brasil. Nas áreas dominadas por esta espécie pode ser observado um pequeno número de plântulas de outras espécies, o que leva a supor algum tipo de ação alelopática. Foi feito um bioensaio, visando detectar efeitos alelopáticos em polpa, folhas verdes e folhas secas de jaqueira (Artocarpus heterophyllus), utilizando sementes de alface, como espécie receptora. Em comparação com água destilada e extrato do solo, os extratos da planta tiveram forte efeito inibitório na germinação. Estes dados apontam para características relevantes e que devem ser consideradas para o controle de invasão desta espécie, em unidades de conservação.

Palavras-chaves
Alelopatia; Jaqueiras; Espécies invasoras.

Abstract

An experiment was made, aiming to detect in pulp, green leaves and falling leaves of jaqueira (Artocarpus heterophyllus), using lettuce seeds, as receiving species. In comparison with distilled water, the extracts of the plant had strong inhibitory effect in the germination. These data, besides indicating the necessity of a more detailed study, point with respect to relevant characteristics that must be considered for the control of invasion of this species, in protected areas.

Key words
Allelopathy; Jackfruit; Invasive plants

Introdução

O termo alelopatia define um fenômeno químico-ecológico no qual metabólitos secundários produzidos por uma espécie vegetal são liberados e interferem na germinação e/ou no desenvolvimento de outras plantas num mesmo ambiente. Num sentido amplo, os efeitos alelopáticos se referem tanto à inibição quanto ao estímulo de desenvolvimento (Rice, 1984RICE, E.L. Allelopathy. London, Academic Press, 1984. 422p.). As substâncias alelopáticas são produtos intermediários ou finais do metabolismo secundário. Constituem-se também em formas de comunicação, pois permitem às plantas distinções entre os organismos que lhes são prejudiciais, benéficos ou até mesmo, indiferentes (Almeida, 1993ALMEIDA, A.R.P. Efeito alelopático de espécies brachiárias Griseb, sobre algumas leguminosas forrageiras tropicais. 1993. 73p. (Dissertação). Piracicaba, ESALQ.). Substâncias alelopáticas podem ser liberadas para o meio ambiente por exudação, lixiviação, decomposição de resíduos vegetais ou volatilização (Rice, 1987RICE, E. L. Allelopathy: an overview. Allelochemical: role in agriculture and forestry. In: American Chemical Society, Symposium series n. 330, p.8-22, 1987.).

A jaqueira (Artocarpus heterophyllus) pertence à família Moraceae, sendo originária da Índia. Ela foi trazida durante o período de colonização e se adaptou muito bem às condições ambientais da cidade do Rio de Janeiro. Além do uso na alimentação, diversos autores têm indicado o potencial medicinal desta espécie, pela sua ação, por exemplo, na atividade hipoglicêmica (Fernando, 1990FERNANDO M. R., THABREW M. I., KARUNANAYAKE E. H. Hypoglycaemic activity of some medicinal plants in Sri-Lanka. General Pharmacollogy: the vascular system V. 21, n. 5, p.779-782, 1990.) e no metabolismo ligado à produção de melanina (Arung et al., 2006ARUNG ET, SHIMIZU K, KONDO R. Inhibitory effect of artocarpanone from Artocarpus heterophyllus on melanin biosynthesis. Biological Pharmaceutical Bulletin. V. 29,n. 9, 1966-1969, 2006.), dentre outros.

Esta essência tem sido considerada invasora na região da Mata Atlântica e diversos gestores de unidades de conservação têm sido levados a controlar sua população através de anelamentos e outros métodos de exclusão. Os resultados obtidos por Abreu (2003)ABREU, R.C.R. Estrutura de populações de uma espécie exótica na Mata Atlântica: o caso da potencial invasora Artocarpus heterophyllus L. (jaqueira) no Parque Nacional da Tijuca - RJ. 2003. 62 f. Monografia (Bacharel em Ciências Biológicas) - Departamento. de Historia Natural, UNIRIO. já indicaram que espécies nativas podem estar sendo excluídas devido a esta invasão.

Alguns trabalhos têm mostrado ação bactericida por parte da jaqueira (Kahn et al., 2003KHAN, M. R.; OMOLOSO, A. D.; KIHARA, M. Antibacterial activity of Artocarpus heterophyllus. Fitoterapia V. 74, n. 5, p.501-505, 2003.) e, além dos fatores climáticos e os ligados à biologia de reprodução (Abreu, 2003ABREU, R.C.R. Estrutura de populações de uma espécie exótica na Mata Atlântica: o caso da potencial invasora Artocarpus heterophyllus L. (jaqueira) no Parque Nacional da Tijuca - RJ. 2003. 62 f. Monografia (Bacharel em Ciências Biológicas) - Departamento. de Historia Natural, UNIRIO.), uma observação nas áreas de incidência de jaqueiras, onde se vê um número inexpressivo de plântulas de outras espécies, leva a supor algum tipo de ação alelopática. Isto é reforçado por Kumar et al. (2006)KUMAR, M.; LAKIANG, L.L. & GOPICHAND, B. Phytotoxic effects of agroforestry tree crops on germination and radicle growth of some food crops of Mizoram. Lionya. V. 11, n.2, p.83-89, 2006., que mostraram um efeito inibitório da jaqueira sobre a germinação de Pisum sativum em bioensaios, embora o mesmo não tenha sido observado para sementes de Oryza sativa e de Phaseolus vulgaris, em concentrações de 1 e 2% em solução aquosa.

Durante o processo de invasão, com o menor número ou mesmo a ausência de inimigos naturais, as espécies exóticas podem dispor de sua energia para reprodução e novas colonizações. Além disto, ao ingressar em novos ambientes, algumas características ecofisiológicas podem sofrer mudanças, e mecanismos de defesa no ambiente original podem se intensificar e passar a agir como mecanismos de expansão. Assim, o estudo destas características, tanto no ambiente nativo, quanto nas áreas de invasão, pode ajudar na sua compreensão, bem como no seu controle.

O objetivo deste trabalho foi o de observar possíveis efeitos alelopáticos de extratos de Artocarpus heterophyllus, sobre a germinação de sementes de alface, em condições de laboratório.

Material e Métodos

O material utilizado nas extrações foi coletado na área do campus da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), município de Seropédica, RJ. As amostras utilizadas foram de Artocarpus heterophyllus (Jaca), sendo as folhas verdes coletadas diretamente das árvores, as folhas secas no solo sob a copa, a polpa do fruto e o solo sob a copa.

O preparo do extrato foi feito no Laboratório da Bioquímica, do Departamento de Química, da UFRRJ. Na extração, foi utilizada água destilada como solvente. Para a extração da folha verde, folha seca e da polpa foram usados 50g de material e 200mL de água destilada para a proporção de 1:4mL, ou 25%. Além destas foi feita outra extração, com 400ml de água destilada para a proporção de 1:8, ou 12,5%. Estes foram submetidos à centrifugação de 3000g por 20 min. Assim, foram obtidos oito tratamentos: Folha verde, folha seca e polpa nas concentrações 1:4 e 1:8, solo coletado sob as jaqueiras e o controle, no qual somente água destilada foi utilizada. Foram instaladas cinco repetições, em delineamento inteiramente casualizado.

Os ensaios foram montados no Laboratório de Biologia Reprodutiva e Conservação de Espécies Arbóreas (LACON), no Departamento de Silvicultura da UFFRJ, com o objetivo de avaliar o efeito alelopático dos extratos e do solo sobre a germinação de sementes de Lactuca sativa (alface). O experimento foi instalado em caixas germinadoras, utilizando papel filtro (autoclavado a 120º por 20 min) como substrato e cinco repetições para cada tratamento, cada um contendo trinta sementes de alface; no tratamento da folha verde, folha seca e polpa o papel filtro foi umedecido com 14mL dos respectivos extratos, no tratamento do solo foi utilizado 14mL de água destilada e 15g de solo sobre as sementes e no controle usou-se somente 14mL de água destilada; sob luz constante e temperatura de 30ºC.

Após sete dias da semeadura foi realizada a contagem do número de sementes germinadas, sendo avaliadas de acordo com o tamanho da radícula. Foram consideradas germinadas as plântulas que apresentaram no mínimo 0,5 cm de radícula. Para avaliar o nível de significância dos resultados foi utilizado o Teste de Kruskal - Wallis, no programa SAEG (UFV, 1997UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA - UFV - SAEG - Sistema de Análises estatísticas e genéticas. Viçosa, MG: 1997. 150p., Versão 7.1.).

Resultados e Discussão

Na Figura 1 observa-se o número de sementes germinadas nos extratos da polpa e folhas da jaqueira, comparados aos de solo e controle. É possível perceber o efeito marcante dos extratos da planta na diminuição do número de sementes germinadas. Com o teste de Kruskal - Wallis (Tabela 1), verificou-se que houve diferença significativa entre o controle e os tratamentos correspondentes ao extrato da polpa a 25%, ao extrato da polpa a 12,5% e ao extrato da folha seca com concentração de 25%, ao nível de 5 % de probabilidade.

Estes resultados reforçam as indicações de outros autores que detectaram efeito semelhante em sementes de Pisum sativum (Kumar et al., 2006KUMAR, M.; LAKIANG, L.L. & GOPICHAND, B. Phytotoxic effects of agroforestry tree crops on germination and radicle growth of some food crops of Mizoram. Lionya. V. 11, n.2, p.83-89, 2006.). Mesmo considerando os fatores climáticos e os ligados à biologia de reprodução, apontados por Abreu (2003)ABREU, R.C.R. Estrutura de populações de uma espécie exótica na Mata Atlântica: o caso da potencial invasora Artocarpus heterophyllus L. (jaqueira) no Parque Nacional da Tijuca - RJ. 2003. 62 f. Monografia (Bacharel em Ciências Biológicas) - Departamento. de Historia Natural, UNIRIO., a invasão desta espécie pode ter também fatores ligados a processos alelopáticos.

Os resultados indicam que compostos presentes no solo, sob a espécie, também atuam nesta inibição, mas os valores de germinação neste caso foram maiores que os de extratos da planta. Esta inibição sugere que os compostos ativos no mecanismo alelopático já se encontravam nos tecidos e não dependem de novas reações e recombinações químicas, no solo, para gerarem efeitos.

Tabela 1
Teste de Kruskal - Wallis para a germinação de sementes de Lactuca sativa (alface), em tratamentos com diferentes extratos de folhas e polpa de Artocarpus heterophyllus L. (jaqueira) e de solo sob árvores desta espécie. (Diferença mínima de 24,41, para probabilidade de 5%).

Figura 1
Número total de sementes de alface germinadas em substrato com diferentes extratos de folhas e polpa de Artocarpus heterophyllus (jagueira), bem como de extrato obtido de solos sob árvores desta espécie

Mesmo tendo em conta a concentração dos extratos utilizados, vê-se que estes efeitos merecem investigações mais pormenorizadas. Novos ensaios, combinando outras diluições e um espectro maior de espécies receptoras, deverão fornecer maiores informações a respeito destes mecanismos.

Agradecimentos

À Profa. Sonia Regina de Souza, do Lab. de Bioquímica, ICE/UFRRJ, ao Prof. Tiago Böer Breier, do Laboratório de Biologia Reprodutiva, Sementes e Conservação de Espécies Arbóreas, IF/UFRRJ e ao prof. Jorge Maêda, do Departamento de Silvicultura, IF/UFRRJ.

Referencias Bibliográficas

  • ABREU, R.C.R. Estrutura de populações de uma espécie exótica na Mata Atlântica: o caso da potencial invasora Artocarpus heterophyllus L. (jaqueira) no Parque Nacional da Tijuca - RJ 2003. 62 f. Monografia (Bacharel em Ciências Biológicas) - Departamento. de Historia Natural, UNIRIO.
  • ALMEIDA, A.R.P. Efeito alelopático de espécies brachiárias Griseb, sobre algumas leguminosas forrageiras tropicais 1993. 73p. (Dissertação). Piracicaba, ESALQ.
  • ARUNG ET, SHIMIZU K, KONDO R. Inhibitory effect of artocarpanone from Artocarpus heterophyllus on melanin biosynthesis. Biological Pharmaceutical Bulletin V. 29,n. 9, 1966-1969, 2006.
  • FERNANDO M. R., THABREW M. I., KARUNANAYAKE E. H. Hypoglycaemic activity of some medicinal plants in Sri-Lanka. General Pharmacollogy: the vascular system V. 21, n. 5, p.779-782, 1990.
  • KHAN, M. R.; OMOLOSO, A. D.; KIHARA, M. Antibacterial activity of Artocarpus heterophyllus Fitoterapia V. 74, n. 5, p.501-505, 2003.
  • KUMAR, M.; LAKIANG, L.L. & GOPICHAND, B. Phytotoxic effects of agroforestry tree crops on germination and radicle growth of some food crops of Mizoram. Lionya. V. 11, n.2, p.83-89, 2006.
  • RICE, E.L. Allelopathy London, Academic Press, 1984. 422p.
  • RICE, E. L. Allelopathy: an overview. Allelochemical: role in agriculture and forestry. In: American Chemical Society, Symposium series n. 330, p.8-22, 1987.
  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA - UFV - SAEG - Sistema de Análises estatísticas e genéticas. Viçosa, MG: 1997. 150p., Versão 7.1.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Jul 2007

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2007
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