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Germinação de Dyckia encholirioides var encholirioides (Bromeliaceae, Pitcairnioideae)

Germination of Dyckia encholirioides var encholirioides (Bromeliaceae, Pitcairnioideae)

Resumo

Dyckia encholirioides é uma bromélia considerada como vulnerável, pois apresenta restritos e descontínuos aglomerados, dispersos pelo centro-sul do Brasil, sendo listada como endêmica dessas regiões. Dessa forma e devido à importância ecológica desta espécie, descreve-se neste trabalho uma metodologia para germinação de sementes de D. encholirioides. A análise dos dados revelou que o frio retarda o potencial germinativo da espécie, não diminuindo, entretanto, sua germinabilidade. Percebeu-se ainda que as sementes não possuem barreira germinativa quando germinadas in vitro, ao contrário do que acontece na natureza, onde encontram outras barreiras, provavelmente de natureza física que as impossibilite de germinar.

Palavras-chave:
regeneração de plantas; bromélia; gravatá

Abstract

Dyckia encholirioides is a bromeliad considered vulnerable, because it is found in restricted areas and in interrupted agglomerates, dispersed through the center-south of Brazil, being considered endemic of those regions. Due to this fact and because of the ecological importance of this species, this work describe a methodology for Dyckia encholirioides seeds germination. The data analysis reveals that the cold delays the germinative potential of this species, without decreasing, the germinative index. This species have no germinative limitation when germinated in vitro, unlike what happen in nature, where finds other barriers, probably of physical nature that decrease. the germination.

Key-words:
plant regeneration; bromeliad; gravatá; Introdução

Introdução

Dyckia encholirioides var encholirioides, bromélia listada na categoria de vulnerável, pertence à família das Bromeliaceae, subfamília Pitcairnioideae. Conhecida popularmente como bromélia ou gravatá, é uma espécie endêmica do litoral brasileiro, ocorrendo em faixas descontínuas desde o Estado do Rio de Janeiro até Santa Catarina. Apresenta características de crescimento lento, com abundante produção de estolões e frutos. Os frutos, assim como as flores, são tricarpelares, com três cavidades distintas onde se inserem as sementes. Com a deiscência do fruto, do tipo valvar, as sementes são dispersas, normalmente por via anemófila; entretanto não é raro a observação de pequenos animais, inclusive mamíferos, atuando como agentes de dispersão dos frutos e de sementes (Pompelli & Guerra, 2004POMPELLI, M.F.; GUERRA, M.P. Ex situ conservation of Dyckia distachya: an endangered bromeliad from South Brazil. Crop Breeding and Applied Biotechnology, V. 4, (3), p.273-279, 2004.; Klein, 1990KLEIN, R.M. Espécies raras ou ameaçadas de extinção : Estado de Santa Catarina. Rio de Janeiro: IBGE, 1990. V. 1.).

Nos últimos anos tem se intensificado o interesse na propagação de espécies florestais nativas, devido à ênfase atual nos problemas ambientais, ressaltando-se a necessidade de recuperação de áreas degradadas e recomposição da paisagem natural. Entretanto, é restrito o conhecimento disponível para o manejo e análise das sementes da maioria das espécies de modo a caracterizar seus atributos físicos e fisiológicos. Há também, necessidade de se obter informações básicas sobre a germinação, o cultivo e as potencialidades dessas espécies nativas, visando sua utilização para os mais diversos fins.

Atualmente, vários trabalhos têm sido realizados na tentativa de promover a germinação de sementes de espécies florestais nativas. É reconhecido que a água, a luz e a temperatura, bem como os fitorreguladores etileno, ácido abscísico e giberelinas podem interferir nos processos metabólicos que desencadeiam a germinação de sementes.

Durante o enchimento e dessecação da semente, as estruturas biológicas tais como membranas e organelas, bem como as enzimas, geralmente permanecem inalteradas, assegurando ao embrião uma certa longevidade. Dessa forma, com a reintrodução da água, durante a embebição da semente, os processos metabólicos e fisiológicos inerentes ao processo de germinação são prontamente reiniciados (Koslowski & Pallardy, 1997KOSLOWSKI, T.T.; PALLARDY, G.G. Seed Germination and Seedling Growth. In. Growth Control in Wood Plant, San Diego: Academic Press, p.16-72. 1997.).

Em relação ao comportamento germinativo, existem espécies fotoblásticas positivas, fotoblásticas negativas e espécies indiferentes quanto ao requerimento de luz (Vidaver, 1980VIDAVER, W. Light and seed germination. In: KHAN, A.A. (Ed.). The physiology and biochemistry of seed dormancy and germination, New York: North-Holland Publishing Company, 1980, p.181-192.). Segundo o autor, o fitocromo, nas suas formas vermelho e vermelho distante, é o pigmento receptor responsável pela captação de sinais luminosos que podem ou não, desencadear a germinação das sementes.

As sementes têm a capacidade de germinar dentro de uma determinada faixa de temperatura, característica para cada espécie, sendo esse fator determinante para a velocidade e a porcentagem máxima de germinação (Araújo-Neto et al., 2003ARAÚJO NETO, J.C. et al. Efeito da temperature e da luz na germinação de sementes de Acacia polyphylla DC. Revista Brasileira de Botânica, São Paulo, V. 26, (2), p.249-256, jun. 2003.). Esses autores observaram uma relação estreita entre a temperatura e a germinação das sementes de Acacia polyphylla. Neste sentido, Okusanya (1980)OKUSANYA, O.T. Germination ans growth of Celosia cristata L., under various light and temperature regimes. American Journal of Botany, V. 67, (6), p.854-858, 1980. refere-se à sensibilidade de sementes de Celosia cristata L. à baixa temperatura, as quais apresentam limites inferiores entre 15-21ºC e máximo de 31ºC. Entretanto, somente 16% das sementes expostas a 21ºC germinaram, fator que foi revertido quando as sementes foram expostas a temperaturas mais elevadas, o que indica, segundo o autor, que as baixas temperaturas inibem a germinação. Dessa forma, o autor descreveu que a temperatura mostrou-se mais importante do que a luz na germinação das sementes daquela espécie.

O etileno pode atuar como mediador da germinação de sementes por auxiliar na regulação do processo de dormência em várias espécies (Esashi, 1991ESASHI, Y.. Ethylene and seed germination. In: MATTOO, A.K.; SUTTLE, J.C. (Ed.). The plant hormone ethylene. Boca Raton: CRC Press, 1991, p. 133-157.), embora não seja bem compreendido como o fenômeno ocorre (Nascimento, 2000NASCIMENTO, W.M. Envolvimento do etileno na germinação de sementes. Revista Brasileira de Fisiologia Vegetal, V. 12, p.163-174, 2000.). No entanto, Takayanagi & Harrington (1971)TAKAYANAGI, K. & HARRINGTON, J.F. Enhancement of germination rate of aged seeds by ethylene. Plant Physiology, V. 47, p.521-524, 1971. encontraram somente um pico de produção de etileno durante a germinação de sementes de canola, coincidente com a emergência, a elongação da radícula, a expansão do cotilédone e a ruptura da testa.

Na germinação, o etileno pode atuar: (i) na interação com reguladores de crescimento, como o ácido abscísico (ABA), em níveis básicos do metabolismo; (ii) em combinação com promotores de crescimento otimizando uma determinada resposta fisiológica e (iii) na síntese e secreção de enzimas do tipo amilases (Ketring, 1977KETRING, D.L. Ethylene and seed germination. In: Khan, A.A. (Ed.) The physiology and biochemistry of seed dormancy and germination. Amsterdam: North-Holland Publishing Company, 1977. p.157-178.). Neste processo, o ácido giberélico (AG3) atua como mediador da síntese de novo e liberação de enzimas hidrolíticas do tipo amilases no endosperma amiláceo, sendo estas as responsáveis pela degradação de longas cadeias de amido, gerando dessa forma açúcares livres os quais serão utilizados para prover energia para o embrião em germinação (Taiz & Zeiger, 2004TAIZ, L., ZEIGER, E. Fisiologia Vegetal. 3. ed. Tradução de Eliane Romanato Santarém (Ed.). Porto Alegre: Artmed, 2004. 719 p.).

Há, ainda, indícios de que o etileno possa, atuando no endosperma das sementes, facilitar o processo de emergência do eixo embrionário. Abeles (1986)ABELES, F.B. Role of ethylene in Lactuca sativa cv. ‘Grand Rapids’ seed germination. Plant Physiology, Maryland, V. 81, p.780-787, 1986. sugeriu que o etileno promova a expansão celular no hipocótilo em sementes de alface. O envelhecimento pode afetar a capacidade das sementes em produzir etileno e aparentemente, também destruir o local de ação deste. Assim, Esashi (1991)ESASHI, Y.. Ethylene and seed germination. In: MATTOO, A.K.; SUTTLE, J.C. (Ed.). The plant hormone ethylene. Boca Raton: CRC Press, 1991, p. 133-157. constatou uma elevação da germinação de sementes envelhecidas com a aplicação de etileno exógeno, mesmo que em valores inferiores ao constatado em sementes novas.

Apesar dessas informações em relação à germinação de sementes e o potencial ecológico das espécies nativas, não se conhece até o momento, nenhum trabalho descrevendo o potencial germinativo das sementes de Dyckia encholirioides, sendo conhecido somente que estas não germinam na natureza. Assim, o presente trabalho teve como objetivo estudar os efeitos dos fatores escarificação da testa e temperatura, combinados ou não com tratamento hormonal na germinação das sementes de Dyckia encholirioides var encholirioides visando a elaboração de um protocolo para tal fim.

Material e Métodos

Coleta, transporte e armazenamento dos frutos e sementes

No mês de setembro de 2002, frutos ao acaso, de diferentes plantas, foram coletados no Costão do Santinho, Florianópolis - SC. Esses foram embalados em sacos de polietileno, identificados e acondicionados em caixas de isopor, e transportados, sob refrigeração, para o Laboratório de Botânica Aplicada da Universidade do Oeste de Santa Catarina - Videira (SC). Após a colheita, os frutos foram secos ao ar livre, em local sombreado, por sete dias, para completarem sua deiscência e facilitar a extração das sementes. As sementes foram então armazenadas sob refrigeração (4 ± 2ºC) em tubos de polietileno conforme metodologia proposta por Pompelli & Guerra (2004)POMPELLI, M.F.; GUERRA, M.P. Ex situ conservation of Dyckia distachya: an endangered bromeliad from South Brazil. Crop Breeding and Applied Biotechnology, V. 4, (3), p.273-279, 2004. onde permaneceram até o uso.

Superação da dormência com a utilização de Ácido Giberélico

Neste tratamento utilizou-se um Fatorial 3 x 2, sendo três concentrações de AG3 inseridos no meio de cultura (0, 100 e 200 μM) e dois tempos de frio na ausência de luz (48 horas e 168 horas). O delineamento experimental foi inteiramente 4 placas, onde foram dispostas 10 sementes em cada, totalizando 120 sementes por tratamento. Quando a baixa temperatura associada ao escuro foi utilizada, as sementes permaneceram em geladeira com temperatura de 4 ± 2ºC embrulhadas em papel alumínio para promover total obscuridade. Passados os tempos de escuro e frio, as placas foram transferidas para a luz e então a etapa foi transcorrida em germinador do tipo BOD à temperatura constante de 25 ± 2ºC, com um fotoperíodo de 16 horas.

As sementes foram germinadas em meio de cultura MS (Murashige & Skoog, 1962MURASHIGE, T.; SKOOG, F. A revised medium for rapid growth and bio assays with tobacco tissue cultures. Physiologia Plantarum, V. 15, p.473-497, Floresta e Ambiente 1962.), suplementada com sacarose (30 g L-1), Vitaminas de Morel (Morel & Wetmore, 1951MOREL, G.M.; WETMORE, R.H. Fern callus tissue culture. American Journal of Botany, V. 38, p.141-143, 1951.) e geleificado com ágar Vetec (6 g L-1).

Os dados da percentagem de germinação foram coletados aos 5, 8 e 14 dias, sendo que os referentes ao quinto dia de germinação foram transformados em ArcoSeno (x/100) e os dados dos demais dias foram transformados em log (x+2) (Sokal & Rohlf, 1995SOKAL, R.R.; ROHLF, F.J. Biometry. 3. ed. New York: W.H. Freeman and Co., 881p. 1995.). Posteriormente foram submetidos a ANOVA e teste de separação de médias (SNK p≤0,05) utilizando o programa estatístico Statgraphics for DOS.

Superação da dormência com escarificação ácida

Neste tratamento utilizou-se um Fatorial 3 x 4, sendo três concentrações de H2SO4 (30, 50 e 100%) e quatro tempos (0, 10, 30 e 60 segundos) de imersão. O tempo zero consistiu de breve imersão das sementes no ácido. O delineamento experimental foi o inteiramente casualizado, com três repetições, cada qual com 4 placas, onde foram dispostas 10 sementes em cada, totalizando 120 sementes por tratamento.

As sementes foram germinadas em meio de cultura MS, suplementada com sacarose (30 g L-1), Vitaminas de Morel e geleificado com ágar Vetec (6 g L-1).

A germinação foi avaliada diariamente, calculando-se a percentagem de germinação (%), o tempo médio de germinação (TMG) e a percentagem de plântulas viáveis ao final de 30 dias (% de regeneração). Os dados relativos ao TMG foram, quando necessários, transformados em Log (x+2) e os demais dados foram transformados, quando casualizado, com três repetições, cada qual com necessários em ArcoSeno (x/100) (Sokal & Rohlf, 1995SOKAL, R.R.; ROHLF, F.J. Biometry. 3. ed. New York: W.H. Freeman and Co., 881p. 1995.). Posteriormente foram submetidos a ANOVA e teste de separação de médias SNK utilizando o programa estatístico Statgraphics for DOS.

A assepsia das sementes seguiu metodologia estipulada por Pompelli & Guerra (2005POMPELLI, M.F.; GUERRA, M.P. Micropropagation enables the mass propagation and conservation of Dyckia distachya Hassler. Crop Breeding and Applied Biotechnology, V. 5, (1), p.117-126, 2005., 2004).

Determinação da capacidade hídrica das sementes

Após avaliação de suas massas em balança analítica, as sementes foram imersas por 0, 30, 60, 90 e 120 minutos em água destilada e novamente pesadas para determinar a quantidade de água absorvida pelos seus tecidos. Para tanto, utilizou-se 200 sementes para cada variável tempo. Assim o valor médio, expresso em gramas, equivale a 200 sementes em cada tempo.

O experimento foi realizado em triplicata, sendo os dados submetidos a ANOVA e teste de separação de médias SNK utilizando o programa estatístico Statgraphics for DOS.

Resultados e Discussão

Superação da dormência com a utilização de Ácido Giberélico

Conforme a Tabela 1 que as sementes de Dyckia encholirioides, quando em presença de AG3, apresentaram maiores taxas de germinação sem diferir, no entanto, do tratamento controle sem a utilização desse hormônio. Não obstante, percebe-se que a concentração de 100 μM de AG promoveu uma taxa de germinação levemente superior quando comparada a taxa de 200 μM. Uma explicação plausível para tal fato pode ser devido a um efeito fitotóxico da concentração mais elevada sobre os embriões, porém essa evidência não pode ser confirmada visto que os valores são muito semelhantes e não evidenciaram significância estatística.

Ainda de acordo com a Tabela 1, os tratamentos com resfriamento, retardaram a germinação das sementes; no entanto, quando estas retornaram a temperatura ótima, seu potencial de germinação retornou a normalidade, não se diferenciando significativamente dos demais tratamentos, fato ressaltado quando as sementes foram avaliadas aos 14 dias de germinação, quando todos os tratamentos mostraram-se homogêneos (SNK p≤0,05).

A germinação das sementes é o resultado de uma série de reações bioquímicas dependentes da temperatura, uma vez que neste processo estão envolvidas enzimas hidrolíticas, as quais possuem condições ótimas para atuação (Spera et al., 2001SPERA, M.R.N.; CUNHA, R.; TEIXEIRA, J.B. Quebra de dormência, viabilidade e conservação de sementes de buriti (Mauritia flexuosa). Pesquisa Agropecuária Brasileira, V. 36, (12), p. 1567-1572, 2001.; Bewley, 1997BEWLEY, J.D. Seed Germination and Dormancy. The Plant Cell, Netherlands, V.9, p.1055-1066, 1997.). Dessa forma é plausível que com a redução da temperatura a germinação tenha sido retardada, porém não bloqueada, visto que quando as sementes foram transferidas para temperaturas mais elevadas o potencial germinativo foi restituído, conforme já descrito por Araújo-Neto e colaboradores (2003)ARAÚJO NETO, J.C. et al. Efeito da temperature e da luz na germinação de sementes de Acacia polyphylla DC. Revista Brasileira de Botânica, São Paulo, V. 26, (2), p.249-256, jun. 2003. e Okusanya (1980)OKUSANYA, O.T. Germination ans growth of Celosia cristata L., under various light and temperature regimes. American Journal of Botany, V. 67, (6), p.854-858, 1980. em sementes de Acacia polyphylla e Celosia cristata, respectivamente.

Tabela 1
Germinação de Dyckia encholirioides ao longo do período e de acordo com o tratamento empregado. Médias seguidas de letras iguais não diferem entre si (SNK p≤0,05).
Table 1
= Germination of Dyckia encholirioides seeds in response to different treatments. Mean followed by the same letter are statistically similar (SNK p≤0,05).

Outro fator que pode ter retardado a germinação das sementes, durante o período de resfriamento, pode ter sido a obscuridade, pois algumas sementes, especialmente as fotoblásticas positivas, dependem da exposição à luz para iniciarem seu processo de germinação (Vidaver, 1980VIDAVER, W. Light and seed germination. In: KHAN, A.A. (Ed.). The physiology and biochemistry of seed dormancy and germination, New York: North-Holland Publishing Company, 1980, p.181-192.). Tal fato, segundo o autor, pode estar envolvido nas reações de fitocrono, pigmento responsável pela captação dos sinais luminosos e indispensável na germinação destas sementes.

A temperatura de 15ºC prejudicou o desempenho germinativo de Acacia polyphylla, pela ausência de crescimento da raiz primária das plântulas; ao final do teste as sementes não germinadas encontravam-se com sinais evidentes de deterioração. No entanto, a 20ºC a percentagem e a velocidade de germinação foram menores do que a 25ºC, resultando, também, em maior tempo médio de germinação (Araújo- Neto et al. 2003ARAÚJO NETO, J.C. et al. Efeito da temperature e da luz na germinação de sementes de Acacia polyphylla DC. Revista Brasileira de Botânica, São Paulo, V. 26, (2), p.249-256, jun. 2003.). Durante as contagens de sementes germinadas a 30ºC algumas plântulas apresentaram inibição no crescimento da parte aérea, resultando em atraso no processo germinativo.

Temperaturas inferiores ou superiores à ótima tendem a reduzir a velocidade do processo germinativo, expondo as plântulas por maior período a fatores adversos, o que pode levar à redução no total de germinação (Carvalho & Nakagawa, 1988CARVALHO, N.M.; NAKAGAWA, J. Sementes: ciência, tecnologia e produção. 3. ed. Campinas : Fundação Cargill, 1988).

Em espécies consideradas como fotoblásticas positivas, a luz é importante para os eventos germinativos, assim como descritos para Acacia polyphylla, sendo que houve redução considerável na porcentagem e na velocidade de germinação quando as sementes foram incubadas no escuro (Araújo-Neto et al., 2003ARAÚJO NETO, J.C. et al. Efeito da temperature e da luz na germinação de sementes de Acacia polyphylla DC. Revista Brasileira de Botânica, São Paulo, V. 26, (2), p.249-256, jun. 2003.).

Embora a quantidade de luz não tenha sido avaliada neste experimento, percebe-se que a mudança nas condições de luz foi favorável à germinação, assim como evidenciado em sementes de Celosia cristata (Okusanya, 1980OKUSANYA, O.T. Germination ans growth of Celosia cristata L., under various light and temperature regimes. American Journal of Botany, V. 67, (6), p.854-858, 1980.). O autor refere-se à necessidade de certa quantidade de luz para a germinação das sementes de tal espécie. No entanto, períodos alternados de luz e escuro induziram mais rapidamente a germinação do que a luz contínua e promoveram muito mais plântulas do que o tratamento com escuro contínuo.

Ainda segundo o autor, um choque térmico pode ser necessário para que as sementes germinem, uma vez que a percentagem de germinação foi significativamente maior quando a temperatura primeiramente foi deixada mais baixa e posteriormente elevada os valores foram sensivelmente maiores do que quando a temperatura foi mantida estável durante todo o período.

Superação da dormência com escarificação ácida

As Tabelas 2-4 revelam que a escarificação com a utilização de H2SO4 (30%) foi significativamente melhor do que a escarificação com 50 ou 100% da concentração desse ácido, independente do tempo de exposição. Analisando-se o TMG percebe-se que as concentrações de 30 e 100% não foram significativamente diferentes. No entanto, a primeira concentração possibilitou a germinação média de 72,2% das sementes com a regeneração de 50,7% de plântulas completas, contendo tanto parte aérea quanto radicular, enquanto a concentração de 100% possibilitou a germinação de apenas 14,4% das sementes com a regeneração de apenas 7,1% de plântulas com formação completa.

Percebeu-se, ainda, que o tempo de exposição ao ácido não foi relevante, pois dentro de cada concentração este fator não mostrou significância; mas na concentração de 100% as sementes não resistiram ao tratamento, pois se desintegraram ao serem expostas por 60 segundos naquela concentração, inviabilizando sua utilização.

A testa das sementes pode influenciar a retomada do crescimento do embrião, e por conseqüência, a germinação. Este fato pode se dar por dois mecanismos sob condições de estresse: (i) pode servir como uma barreira mecânica; e (ii) pode criar um ambiente anaeróbico desfavorável para a conversão de 1-aminocidopropano-1-ácido caboxílico(ACC) em etileno (Nascimento, 2000NASCIMENTO, W.M. Envolvimento do etileno na germinação de sementes. Revista Brasileira de Fisiologia Vegetal, V. 12, p.163-174, 2000.). Neste sentido a utilização de escarificação ácida poderia ser um tratamento viável, o qual poderia diminuir a pressão da testa sobre o embrião, com efeitos positivos sobre a germinação das sementes.

É oportuno destacar dois fatores que na primeira análise podem parecer dúbios: (i) a percentagem de germinação e (ii) a percentagem de plântulas regeneradas. Sob o ponto de vista tecnológico, são consideradas para fins de cálculos de percentagem de germinação apenas as sementes que emitem todos os tecidos funcionais, ou seja, tanto parte aérea quanto radicular, originando futuramente uma planta saudável (Brasil, 1992BRASIL, Ministério da Agricultura e Reforma Agrária. Regras para análise de sementes. Brasília: SNDA/DNDV/CLAV, 1992.). No entanto, como a germinação de Dyckia encholirioides é um processo assincrônico que demanda algum tempo de avaliação, considerou-se como germinada as sementes que se apresentavam verdes, com iniciação da emissão da parte aérea, e planta completa ou regenerada a plântula que após 30 dias originou uma planta funcionalmente saudável. Devido a este fator, existe uma diferença, às vezes considerável entre germinação e regeneração. Uma justificativa para o fato das sementes emitirem parte aérea e depois não progredirem, é o vigor das sementes, o qual pode ser influenciado por diversos fatores sendo o mais preponderante o estádio fisiológico do embrião contido dentro da semente, bem como os fatores extrínsecos a esta, onde o meio circundante tem papel preponderante.

Tabela 2
Tempo Médio de Germinação (TMG) de sementes de Dyckia encholirioides aos 30 dias de cultivo em meio de cultura MS em função da concentração (30, 50 e 100%) e do tempo de exposição (0, 10, 30 e 60 segundos) das sementes ao H2SO4.
Table 2
Mean Germination Time (TMG) of Dyckia distachya seeds after 30 days of cultivation in MS culture medium due to concentration (30, 50 and 100%) and exposure (0, 10, 30 and 60 seconds) of seeds to H2SO4.
Tabela 3
Percentagem de Germinação de sementes de Dyckia encholirioides aos 30 dias de cultivo em meio de cultura MS em função da concentração (30, 50 e 100%) e do tempo de exposição (0, 10, 30 e 60 segundos) das sementes ao H2SO4.
Table 3
Germination rate of Dyckia distachya seeds after 30 days of cultivation in MS culture medium due to concentration (30, 50 and 100%) and exposure (0, 10, 30 and 60 seconds) of seeds to H2SO4.

Geralmente, a primeira estrutura a emergir da semente é a radícula, seguida pela parte aérea (Bewley, 1997BEWLEY, J.D. Seed Germination and Dormancy. The Plant Cell, Netherlands, V.9, p.1055-1066, 1997.). Entretanto, neste trabalho foi observado que a primeira estrutura a emergir da semente de Dyckia encholirioides foi a parte aérea, emitindo posteriormente a parte radicular. Este fato pode ser confirmado pelo trabalho de Pompelli e colaboradores (2005)POMPELLI, M.F.; FERNANDES, D.; GUERRA, M.P. Somatic embryogenesis in Dyckia distachya Hassler (Bromeliaceae) - an endangered bromeliad from south Brazil. Propagation of Ornamental Plants, V. 5, (4), p.192-198, 2005. que verificaram, através de cortes histológicos, os mesmos resultados quando sementes de Dyckia distachya foram germinadas. Se este fato é isolado para as espécies de Dyckia, ou se acontece com outras espécies e a razão do fenômeno, não são relatados na literatura.

Tabela 4
Regeneração de plantas de Dyckia encholirioides aos 30 dias de cultivo em meio de cultura MS em função da concentração (30, 50 e 100%) e do tempo de exposição (0, 10, 30 e 60 segundos) das sementes ao H2SO4.
Table 4
Regeneration of plantlets of Dyckia distachya after 30 days of cultivation in MS culture medium due to concentration (30, 50 and 100%) and exposure (0, 10, 30 and 60 seconds) of seeds at H2SO4.

Figura 1
Polígono de embebição das sementes de Dyckia encholirioides em função do tempo de exposição em água destilada em diferentes tempos de exposição.
Figure 1
= Imbibitions of Dyckia encholirioides seeds in response of different exposition times in distilled water.

Em todos os tratamentos descritos neste trabalho, consideráveis percentagens de germinação foram alcançadas, pois exceto quando as sementes foram prejudicadas, nunca menos do que 30% das mesmas germinaram podendo este valor chegar até próximo de 90%, quando se empregou ácido giberélico (200 μM) combinado com 48 horas de frio aos 14 dias de germinação. Sendo assim, pode-se concluir que os objetivos foram concretizados. No entanto, percebe-se que as sementes de Dyckia encholirioides var encholirioides necessitam de um processo de escarificação, pois quando postas para germinar sem tal processo ou sem a utilização de um indutor de germinação, não apresentaram germinação. Para confirmar tal procedimento, além do teste controle realizado in vitro, outro teste foi realizado em condições de campo (dados não mostrados) e nenhuma semente mostrou sinais de germinação, até 120 dias após a inoculação.

Em observação preliminar, realizada in situ, não se evidenciou nenhuma plântula jovem que tivesse sido originada da germinação de sementes; as únicas plântulas jovens observadas eram de origem estolonífera, ou seja, de reprodução assexuada. A razão das sementes de Dyckia encholirioides não germinarem a campo, ao contrário do que acontece com Dyckia distachya (Pompelli & Guerra, 2005POMPELLI, M.F.; GUERRA, M.P. Micropropagation enables the mass propagation and conservation of Dyckia distachya Hassler. Crop Breeding and Applied Biotechnology, V. 5, (1), p.117-126, 2005., 2004), não está claro. No entanto, uma das hipóteses para este fato é devido a grande exigência de água que tais sementes precisam ter satisfeita para iniciar o processo de germinação. Na Figura 1, observa-se que após 90 minutos de embebição as sementes absorveram 66% a mais do seu peso em água. Como o meio de cultura in vitro é rico em água livre, as sementes puderam obter deste a quantidade necessária para germinarem, o que pode não ter acontecido nas condições ex vitro e principalmente in situ, pois a bandeja, onde se realizou os experimentos ex vitro, foi regada, até a capacidade de campo, apenas uma vez por dia. No campo o problema é agravado pelo fato desta espécie se desenvolver sob rochas, entremeando suas raízes por entre as pedras, e de lá tirando sua sustentação e a água, visto que o vapor d’água que chega a estas é carregado de partículas de sal e com um potencial hídrico muito negativo.

A germinação incorpora os eventos os quais começam com a captação de água pela semente e terminam com o alongamento do eixo embrionário, o qual é visível quando as estruturas que circundam o embrião são expostas além da testa da semente (Bewley, 1997BEWLEY, J.D. Seed Germination and Dormancy. The Plant Cell, Netherlands, V.9, p.1055-1066, 1997.). Eventos subseqüentes, incluindo a mobilização de reservas, principalmente protéicas, dentro das sementes estão associadas com o crescimento da plântula. Ainda, segundo o autor, uma das primeiras mudanças, após a embebição, é o recomeço das atividades respiratórias, as quais podem ser detectadas após alguns minutos. Após esse passo inicial, inicia-se um aumento do consumo de oxigênio, o qual geralmente diminui assim que a radícula emerge pela semente. Algumas horas após a embebição a via glicolítica contendo o ciclo de Krebs é ativada, fornecendo assim, energia para a semente em processo de germinação.

A longevidade das sementes de Dyckia pode ser considerada alta, pois mesmo após um ano de armazenamento, dentro das condições estabelecidas para Dyckia distachya (Pompelli & Guerra, 2004POMPELLI, M.F.; GUERRA, M.P. Ex situ conservation of Dyckia distachya: an endangered bromeliad from South Brazil. Crop Breeding and Applied Biotechnology, V. 4, (3), p.273-279, 2004.), as sementes ainda mostravam um potencial de germinação de até 70%. Sabendo-se que as sementes não germinam sob condições ex vitro, e que a espécie é listada como vulnerável, justifica-se o procedimento empregado neste trabalho, pois as técnicas de cultura de tecidos vegetais, com ênfase à conservação, são técnicas de grande aplicabilidade, principalmente se a espécie encontra-se ameaçada de extinção (Pompelli & Guerra, 2004POMPELLI, M.F.; GUERRA, M.P. Ex situ conservation of Dyckia distachya: an endangered bromeliad from South Brazil. Crop Breeding and Applied Biotechnology, V. 4, (3), p.273-279, 2004.; Klein, 1990KLEIN, R.M. Espécies raras ou ameaçadas de extinção : Estado de Santa Catarina. Rio de Janeiro: IBGE, 1990. V. 1.).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2006

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2004
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