Acessibilidade / Reportar erro

Influência dos diferentes assentos no alinhamento postural: rede adaptada para paralisia cerebral

Influencia de diferentes asientos en la alienación postural: hamacas adaptadas para personas con parálisis cerebral

RESUMO

A rede de tecido é uma opção para o sentar na região norte do Brasil. No entanto, sua estrutura flexível pode causar instabilidade postural nos indivíduos com paralisia cerebral (PC), limitando sua independência. Assim, criou-se a rede adaptada, com inserção de sistema assento/encosto, buscando posicionamento sentado com alinhamento postural adequado. O objetivo deste estudo foi verificar o alinhamento de tronco e membros inferiores (MMII) de indivíduos com PC nas condições: rede adaptada, rede sem adaptação e banco, comparando-os com indivíduos-controle, sem alterações neurológicas. Seis indivíduos com PC (GPC) e seis típicos (GC), de 8 a 14 anos, foram avaliados na postura sentada nas condições: rede adaptada, banco e rede sem suporte de assento/encosto. Por meio da análise cinemática foram avaliados ângulos de tronco, pelve e membros inferiores na postura estática por 5 segundos. Houve aplicação de parte do questionário Quebec B-Quest com os responsáveis. Resultados: houve semelhança dos ângulos de MMII, pelve e tronco nas três condições. Quebec B-Quest: maior satisfação quanto às dimensões do produto e menor quanto ao conforto e à segurança. A rede adaptada pode ser considerada opção de sentar por curtos períodos de tempo, pois promoveu adequado alinhamento postural em indivíduos com PC.

Descritores:
Paralisia Cerebral; Equipamentos de Autoajuda; Postura

RESUMEN

Las hamacas hechas de tela son una opción de asiento en la región Norte de Brasil. Sin embargo, su estructura flexible puede generar inestabilidad postural en individuos con parálisis cerebral (PC), lo que limita su independencia. Se creó la hamaca adaptada, con la inserción de un sistema de asiento/respaldo, buscando una posición sentada con una alineación postural adecuada. El objetivo de este estudio fue verificar la alineación del tronco y las extremidades inferiores de individuos con PC en las siguientes condiciones: hamaca adaptada, hamaca no adaptada y banco, comparándolas con sujetos control, sin cambios neurológicos. Se evaluaron a seis individuos con PC (GPC) y seis típicos (GC), de 8 a 14 años de edad, en la postura sentada bajo las siguientes condiciones: hamaca adaptada, banco y hamaca sin asiento/respaldo. Por medio del análisis cinemático, se evaluaron los ángulos del tronco, la pelvis y las extremidades inferiores en la postura estática por 5 segundos. Una parte del cuestionario Quebec B-Quest se aplicó a los responsables. Hubo similitud de los ángulos de las extremidades inferiores, la pelvis y el tronco en las tres condiciones. Quebec B-Quest: mayor satisfacción en las dimensiones del producto, y menor en la comodidad y seguridad. La hamaca adaptada se puede considerar una opción de asiento durante períodos cortos de tiempo, ya que promovió una adecuada alineación postural en individuos con parálisis cerebral.

Palabras clave:
Parálisis Cerebral; Dispositivos de Autoayuda; Postura

ABSTRACT

The hammock is an option to sit in the northern region of Brazil. However, its flexible structure can cause postural instability in individuals with cerebral palsy (CP), limiting their independence. Therefore, a hammock was created with a seat/back, seeking a seated positioning with adequate postural alignment. The objective was to verify the alignment of the trunk and lower limbs of individuals with CP in the conditions: adapted hammock, non-adapted hammock and bench, comparing them with control individuals without neurological disabilities. Six individuals with CP (CPG) and six individuals without neurological alterations (CG), aged between 8 and 14 years old, were evaluated in the seated posture under the conditions: adapted hammock, bench and hammock without seat/back support. By the kinematic analysis, angles of trunk, pelvis and lower limbs were evaluated in static posture for 5 seconds. Part of the Quebec B-Quest questionnaire was applied to the guardians. Results: lower limb, pelvis and trunk angles were similar in the three conditions. Quebec B-Quest: Greater satisfaction with product dimensions and less with comfort and safety. The adapted hammock can be considered an option to sit for short time, because it promoted postural control in individuals with CP.

Keywords:
Cerebral Palsy; Self-Help Devices; Posture

INTRODUÇÃO

A paralisia cerebral (PC) é definida como grupo de desordens permanentes do movimento e da postura que causa limitações nas atividades em razão de distúrbios não progressivos no encéfalo em desenvolvimento11. Rosenbaum P, Paneth N, Leviton A, Goldstein M, Martin B. A report: The definition and classification of cerebral palsy April 2006. Dev Med Child Neurol. 2007;49 Suppl 109:8-14. doi: 10.1111/j.1469-8749.2007.tb12610.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-8749.2007...
. Indivíduos com PC apresentam diversas limitações funcionais, de acordo com o grau de severidade e diagnóstico clínico, embora seja comum o comprometimento motor, com má regulação do movimento e da produção de força muscular, além de deficits perceptuais22. Hadders-Algra M. Typical and atypical development of reaching and postural control in infancy. Dev Med Child Neurol. 2013;55 Suppl 4:5-8. doi: 10.1111/dmcn.12298
https://doi.org/10.1111/dmcn.12298...
.

As características clínicas da PC são comuns em indivíduos de qualquer região do Brasil, ainda que a realidade sociocultural seja diferente entre as regiões do país. Por isso, os dispositivos com adaptação devem, além dos ajustes biométricos do usuário, adequar-se às necessidades culturais e motoras, com o propósito de diminuir o índice de abandono do dispositivo33. Bittencourt Z, Cheraid DC, Montilha RC, Gasparetto ME. Expectativas quanto ao uso de tecnologia assistiva. J Res Spec Educ Needs. 2016;16 Suppl 1:492-6. doi: 10.1111/1471-3802.12311
https://doi.org/10.1111/1471-3802.12311...
.

Nas regiões norte e nordeste do Brasil, a construção de dispositivo de tecnologia assistiva (TA) é um desafio, pois nesses lugares observam-se meios peculiares de sentar, como a rede de tecido44. Ramos RL, Silva PS, Bastos L, Figueiredo NM. Vantagens do uso da Rede de dormir: contribuições da enfermagem para a vida. Rev Cuba Enferm. 2017;33(1). Disponível em: https://bit.ly/3d8Ammt
https://bit.ly/3d8Ammt...
, que é resultado da herança cultural indígena e tem como principais características a capacidade de se adaptar ao clima tropical quente e úmido, a facilidade no transporte e higiene e s facilidade de instalação, pelo pouco espaço que necessita dentro do lar44. Ramos RL, Silva PS, Bastos L, Figueiredo NM. Vantagens do uso da Rede de dormir: contribuições da enfermagem para a vida. Rev Cuba Enferm. 2017;33(1). Disponível em: https://bit.ly/3d8Ammt
https://bit.ly/3d8Ammt...
.

A rede de tecido, tal qual a cadeira ou o banco, é uma opção para sentar e realizar atividades. Para os indivíduos com PC, as atividades na rede de tecido são limitadas, resumindo-se ao descanso. Assentos flexíveis, como da rede em tecido, podem causar instabilidade postural e inabilidade do uso dos membros superiores (MMSS), influenciando negativamente o controle postural do indivíduo com PC e acentuando sua disfunção motora55. Arakaki VC, de Carvalho Cardoso MC, Thinen NC, Imamura M, Battistella LR. Paralisia cerebral: membros superiores: reabilitação. Acta Fisiatrica. 2012; 19(2):123-9. 10.5935/0104-7795.20120019.
https://doi.org/10.5935/0104-7795.201200...
. É comprovado que superfícies estáveis e adaptadas facilitam a execução do movimento66. Myhr U, von Wendt L, Sandberg KW. Assessment of sitting in children with cerebral palsy from videofilm: A reliability study. Phys Occup Ther Pediatr. 1993;12(4):21-35. 10.1080/J006v12n04_03.
https://doi.org/10.1080/J006v12n04_03...
, contribuindo para a prevenção de deficiências secundárias à lesão da PC77. Valvano J, Rapport J. Activity-focused motor interventions for infants and young children with neurological conditions. Infants Young Child. 2006;19(4):292-307. doi: 10.1097/00001163-200610000-00003
https://doi.org/10.1097/00001163-2006100...
. Diante disso, seria possível adaptar a rede de tecido, alterando a estrutura do assento e acrescentando meios para a estabilização postural sentada? Quais os efeitos do sentar na rede adaptada para o alinhamento do tronco e dos membros inferiores (MMII) em indivíduos com PC? Assim, o objetivo deste estudo foi verificar o alinhamento de tronco e MMII nas condições: rede adaptada, rede sem adaptação e banco, comparando-os com indivíduos-controle sem alterações neurológicas. A hipótese levantada foi de que a rede adaptada propiciaria melhor alinhamento de tronco e MMII, se comparada a outras superfícies, como o banco e a rede sem adaptação.

METODOLOGIA

Trata-se de um ensaio clínico quase-experimental, estatístico comparativo, aprovado pelo CEP (1483/2015). Os indivíduos com PC foram recrutados em centros de reabilitação de Santos (SP): Casa da Visão, Associação dos Portadores de Paralisia Cerebral (APPC) e da Associação Equoterapia de Santos. Os indivíduos sem alterações neurológicas foram recrutados por meio de contato na comunidade universitária com familiares, amigos e conhecidos dos participantes.

Dos 29 participantes convidados, dezessete foram excluídos porque 13 não atenderam aos critérios de inclusão; um não completou a avaliação; e três foram excluídos por perda de pareamento, resultando em 12 participantes, que foram divididos em dois grupos.

Os critérios de inclusão foram: assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido por um dos responsáveis, diagnóstico de PC do tipo espástico bilateral, com nível II ou III do Gross Motor Function Classification System (GMFCS) e faixa etária de 5 a 16 anos. Todos os participantes nasceram no estado de SP e residiam em Santos (SP).

Os critérios de exclusão foram: indivíduos com PC discinética ou atáxica, PC espástica com comprometimento unilateral ou que se submeteram a cirurgia ou bloqueio químico neuromuscular há menos de seis meses; e comprometimento das funções cognitivas que atrapalhasse a avaliação.

O grupo PC (GPC) foi composto por seis indivíduos com PC espástica bilateral, um do nível II e cinco do nível III do GMFCS, sexo feminino, idade de 10,5 anos (DP=2,5), peso de 27,75 kg (DP=12,01), estatura de 1,34 m (DP=0,17), em atendimento fisioterapêutico. O grupo-controle (GC) foi composto por seis indivíduos sem alterações neurológicas, quatro do sexo feminino, idade de 10 anos (DP=2,4), peso de 29 kg (DP=9,38), estatura de 1,31 m (DP=0,14). Os grupos foram pareados em relação à largura do quadril (M=37,67 cm; DP=0). Não houve diferença na comparação entre idade (t(10)=0,35; p=0,73), peso (t(10)=-0,20; p=0,84) e estatura (t(10)=0,27; p=0,79), demonstrando homogeneidade das amostras. Não houve pareamento em relação ao sexo devido à dificuldade no recrutamento das crianças.

Para análise cinemática, foram fixados marcadores refletivos nos pontos anatômicos da coluna vertebral (7ª cervical [C7], 4ª e 12ª torácicas [T4 e T12], 4ª lombar [L4] e 1ª sacral [S1]) e bilateralmente em: espinhas ilíacas ântero-superior (EIAS) e póstero-superior (EIPS), trocânter maior (TM) e côndilo lateral do fêmur (CL), maléolo lateral (ML) e cabeça do 5º metatarso (CM). Quatro câmeras de vídeo digitais com frequência de 60 Hz foram posicionadas lateralmente ao indivíduo para o registro do protocolo experimental.

A rede utilizada tinha ajustes na estrutura de tecido para que os marcadores fossem visualizados pelas câmeras. A rede adaptada também contou com um sistema de assento/encosto removíveis com base rígida em madeira revestida com espuma de dureza 33 e tecido antiderrapante e um cavalo ao centro (Figura 1). Os assentos, identificados por tamanho pequeno, médio e grande, foram confeccionados de acordo com a média da largura do quadril dos indivíduos.

Figura 1
Rede adaptada, com posicionamento sentado do indivíduo

a: punhos; b: assento; c: encosto; d: cavalo.


Os participantes foram avaliados sentados em três condições: (1) rede de tecido adaptada com assento/encosto de tamanho apropriado para largura do quadril; (2) rede de tecido sem adaptação de assento/encosto; e (3) banco de madeira (Figura 2). Todos os assentos acomodaram o quadril e a coxa do indivíduo, deixando cerca de 4 cm, a partir do joelho, para fora do assento. A altura da rede em relação ao chão era ajustado à estatura do indivíduo, sendo a sequência aleatorizada.

Figura 2
Posicionamento sentado nas três condições experimentais

a: banco; b: rede adaptada; c: rede sem adaptação.


Em cada condição, os indivíduos permaneceram sentados estáticos, com quadris fletidos a 90º e abduzidos entre 0º e 15º, MMSS apoiados sobre as coxas, joelhos a 90º e pés apoiados no chão. Em alguns casos foi necessário utilizar base para ajustar a altura dos pés, de 5 ou 10 cm, revestida com material antiderrapante. Houve um tempo de acomodação de 15 minutos, que correspondia ao tempo para posicionar o participante, ajustar a base em relação à altura dos pés e acionar as câmeras, antes de cada condição. O indivíduo olhava fixamente para o objeto que estava à altura de seus olhos e na linha média do seu corpo durante 5 segundos.

A duração da avaliação foi de 1h, e o tempo de permanência no laboratório foi de 1h30. Ao final, a rede adaptada foi avaliada pelos responsáveis pelo questionário de satisfação Quebec B-Quest (2.0), dimensão Recurso, no qual cada item pode ser pontuado como “muito insatisfeito”, “insatisfeito”, “mais ou menos satisfeito”, “satisfeito” e “muito satisfeito”.

As imagens foram digitalizadas utilizando o Sistema Dvideow 5.0® para obtenção das coordenadas tridimensionais dos marcadores. Para a filtragem das coordenadas, por meio de um filtro butterworth de 4ª ordem, com frequência de corte de 6 Hz e cálculo das variáveis, foi utilizado o software MATLAB 7.9. As variáveis analisadas foram ângulos de cifose torácica (ângulo entre C7/T4/T12), lordose lombar (T12/L4/S1), pelve (EIAS/EIPS/eixo vertical), quadril (EIAS/TM/CL); joelho (ML/CL/TM) e tornozelo (CL/ML/CM). Além disso, o posicionamento pélvico foi classificado em anteversão, neutra e retroversão, por meio da inspeção visual das imagens.

Foram testados os pressupostos de normalidade (Shapiro-Wilk) e homogeneidade de variância (Levene). Empregou-se análises de multivariância (Manova) 2×3 (grupo × condição) para as variáveis angulares. Quando necessário, Anovas e testes post-hoc de Tukey foram realizados. Foi realizada também análise descritiva do posicionamento pélvico. O programa estatístico utilizado foi SPSS-19, adotando o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Segundo relato dos pais e/ou responsáveis, todos os participantes eram destros, exceto um participante do GPC, que era ambidestro. No GPC, um usava andador, três usavam cadeira de rodas e dois não usavam qualquer dispositivo para locomoção. Um dos participantes com GMFCS III necessitava de dispositivo mas, por questões financeiras, não o possuía, apoiando-se nos familiares para se locomover.

Para o membro inferior direito, houve diferenças somente para o fator grupo [Wilks’Lambda=0,69; F(3,27)=4,01; p=0,02]. O ângulo de tornozelo direito foi menor para o GPC [F(1,29)=6,56; p=0,02] que para o GC. Para a coluna lombar e torácica, houve diferença somente para grupo [Wilks’Lambda=0,74; F(2,28)=5,03; p=0,01]. O ângulo de torácica foi menor para GPC [F(1,29)=7,18; p=0,01] do que para GC. As DEMAIS comparações não indicaram diferenças significativas (Tabela 1).

Tabela 1
Média e desvio-padrão dos ângulos para GPC e GC

Observou-se pelve retrovertida no banco para GPC e GC; pelve antevertida para GPC; e pelve neutra para GC em ambas condições na rede (Tabela 2).

Tabela 2
Posicionamento da pelve para GPC e GC

Em relação ao Quebec B-Quest, itens de Dispositivo de Assistência, a maioria dos responsáveis se mostrou satisfeito quanto à facilidade de manuseio, mostrando-se igualmente satisfeito no caso do recurso atender às suas necessidades. O fato da adaptação ser removível e a facilidade de montar a rede foram os motivos mais observados. Sobre as dimensões (tamanho, altura, comprimento e largura da rede adaptada), bem como conforto, a maioria ficou mais ou menos satisfeito. Cinco mães sugeriram assento mais anatômico na região das coxas, como um contorno. A maioria ficou insatisfeita com a estabilidade e a segurança, sugerindo o acréscimo de cintos de segurança. Todos os responsáveis relataram que não deixariam os filhos sozinhos na rede devido ao risco de quedas. Quatro responsáveis do GPC não tinham rede na residência; dois tinham, mas para uso esporádico. Os indivíduos do GC não tinham rede de tecido no seu lar.

DISCUSSÃO

A similaridade dos resultados dos ângulos nas três condições pode estar relacionada ao ajuste realizado na rede. Embora a rede devesse ser similar à rede convencional, ela teve de ser ajustada para possibilitar a visualização dos marcadores. A variabilidade dos resultados pode ter influenciado a ausência de diferença entre os ângulos de pelve, que tem a capacidade de influenciar músculos e articulações do tronco e MMII88. Cimolin V, Avellis M, Piccinini L, Corbetta C, Cazzaniga A, Turconi AC, et al. Comparison of two pelvic positioning belt configurations in a pediatric wheelchair. Assist Technol. 2013;25(4):240-6. doi: 10.1080/10400435.2013.778916
https://doi.org/10.1080/10400435.2013.77...
. Além disso, a padronização da posição inicial sentado pode ter influenciado na ausência de diferenças.

Os sistemas de adaptação no assento agregam estabilidade àa posição sentada, melhorando o posicionamento da pelve e a funcionalidade, enquanto estruturas mais flexíveis geram maior instabilidade. Dessa forma, pode-se inferir que a rede, independente da adaptação, levou a um bom alinhamento de tronco, pelve e MMII para ambos os grupos, se comparada ao banco, que é muito utilizado na reabilitação. A falta de diferença entre os assentos indica a viabilidade no posicionamento de indivíduos com PC na rede.

A utilização da rede na região sudeste não é tão frequente quanto nas regiões norte e nordeste do Brasil, nas quais a rede faz parte do hábito de vida da maioria dos habitantes. Além disso, a rede é muito usada para deitar e, na maioria das vezes, o sentar na rede é realizado na transversal, e raramente “a cavalo”. Essas diferenças de realidade e a condição do sentar entre os indivíduos que testaram a rede adaptada pode ter influenciado o nível de satisfação do produto pelos responsáveis dos indivíduos com PC.

Foi sugerido a substituição do cavalo pelo contorno. Esse tipo de assento é indicado para usuários que apresentam hipertonia extensora, pois posiciona melhor a pelve e diminui o deslizamento constante no assento99. Braccialli LMP, de Oliveira FT, Braccialli AC, Sankako AN. Influência do assento da cadeira adaptada na execução de uma tarefa de manuseio. Rev Bras Educ Espec. 2008;14(1):141-54. doi: 10.1590/S1413-65382008000100011
https://doi.org/10.1590/S1413-6538200800...
), (1010. Furuya M, Ohata K, Izumi K, Matsubayashi J, Tominaga W, Mitani A. Effect of the angle of shoulder flexion on the reach trajectory of children with spastic cerebral palsy. Res Dev Disabil. 2015;36:413-8. doi: 10.1016/j.ridd.2014.10.037
https://doi.org/10.1016/j.ridd.2014.10.0...
. Outra sugestão foi a inserção de cinto de segurança na rede, o que levaria a maior estabilidade de tronco, com um apoio mais baixo1111. Sedrez JA, Furlanetto TS, Noll M, Gontijo KNS, da Rosa BN, Candotti CT. Relação entre alterações posturais e fatores associados em escolares do ensino fundamental. Rev Baiana Saúde Pública. 2014;38(2):279-96. doi: 10.5327/Z0100-0233-2014380200005
https://doi.org/10.5327/Z0100-0233-20143...
. A rede adaptada necessita de melhoria quanto ao encosto que possibilite maior conforto na mudança de posicionamento.

Na comparação entre os grupos, foi observado menor ângulo de cifose torácica para o GPC, independente do assento, semelhante a Cunha, Pollido e Bella1212. Cunha AB, Polido GJ, Bella GP, Garbellini D, Fornasari CA. Relação entre alinhamento postural e desempenho motor em crianças com paralisia cerebral. Fisioter Pesqui. 2009;16(1):22-7. doi: 10.1590/S1809-29502009000100005
https://doi.org/10.1590/S1809-2950200900...
. Isso ocorre em razão do mecanismo de compensação alinhar a cintura escapular com a pelve, na vigência de flexão insuficiente dos quadris, pela hipertonia extensora1313. Reid DT. The effects of the saddle seat on seated postural control and upper-extremity movement in children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 1996;38(9):805-15. doi: 10.1111/j.1469-8749.1996.tb15115.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-8749.1996...
. Na PC, as deformidades na coluna, como o aumento da cifose torácica e diminuição da curvatura lombar, estão relacionadas ao déficit de controle postural, à ativação anormal da musculatura e à fraqueza muscular1414. Shumway-Cook A, Woollacott M. Controle motor: teoria e aplicações práticas. São Paulo: Manole; 2010..

Apesar da inclinação posterior excessiva da pélvis na posição sentada para compensar os músculos isquiotibiais encurtados1414. Shumway-Cook A, Woollacott M. Controle motor: teoria e aplicações práticas. São Paulo: Manole; 2010. nos indivíduos com PC, isso não ocorreu neste estudo, provavelmente em razão do apoio em superfícies adequadas ao tamanho do quadril e pés em superfície estável. Supõe-se que a escolha do nível de PC contribuiu para essa similaridade, pois indivíduos com PC espásticos bilaterais, quando comparados a níveis maiores de severidade motora, apresentam melhor alinhamento postural sentado1212. Cunha AB, Polido GJ, Bella GP, Garbellini D, Fornasari CA. Relação entre alinhamento postural e desempenho motor em crianças com paralisia cerebral. Fisioter Pesqui. 2009;16(1):22-7. doi: 10.1590/S1809-29502009000100005
https://doi.org/10.1590/S1809-2950200900...
.

A pelve sofreu influência nos diversos tipos de assento para ambos os grupos, corroborando com estudos que relacionaram a inclinação do assento com o posicionamento da pelve1515. van Drunen P, van der Helm FCT, van Dieën JH, Happee R. Trunk stabilization during sagittal pelvic tilt: From trunk-on-pelvis to trunk-in-space due to vestibular and visual feedback. J Neurophysiol. 2016;115(3):1381-8. doi: 10.1152/jn.00867.2015
https://doi.org/10.1152/jn.00867.2015...
. No banco, quatro dos seis indivíduos com PC apresentaram retroversão pélvica, e quando trocaram para a rede, ocorreu mudança para neutro ou anteversão pélvica. É possível que os outros dois indivíduos não tenham mudado pois se utilizaram da fixação pélvica para manterem o equilíbrio estático sentado1616. Robson P. A neurophysiological basis for the treatment of cerebral palsy. Arch Dis Child. 1991;56(1):80..

Em relação aos indivíduos-controle sem alterações neurológicas, além da variabilidade, muitos se sentaram inadequadamente, independente do assento. Indivíduos sem alterações neurológicas ou deformidades fixas na coluna vertebral podem apresentar alterações posturais sentados em razão de hábitos inadequados do dia a dia1717. Pavão SL, Visicato LP, da Costa CSN, de Campos AC, Rocha NACF. Effect of the severity of manual impairment and hand dominance on anticipatory and compensatory postural adjustments during manual reaching in children with cerebral palsy. Res Dev Disabil. 2018;83:47-56. doi: 10.1016/j.rpped.2014.11.012 0103-0582/
https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.11....
.

Houve diferença do ângulo de tornozelo direito entre os grupos, com menor ângulo para GPC, o que pode estar associado à assimetria lateral relacionada à dominância dos segmentos corporais superiores1818. Myhr U, von Wendt L. Improvement of functional sitting position for children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 1991;33(3):246-56. doi: 10.1111/j.1469-8749.1991.tb05114.x
https://doi.org/10.1111/j.1469-8749.1991...
. Em adição à assimetria lateral, é provável que para permanecer na posição e, ao mesmo tempo, garantir estabilidade, os indivíduos do GPC apresentaram tendência a compensações posturais, evidenciando assimetria de tronco e pelve1111. Sedrez JA, Furlanetto TS, Noll M, Gontijo KNS, da Rosa BN, Candotti CT. Relação entre alterações posturais e fatores associados em escolares do ensino fundamental. Rev Baiana Saúde Pública. 2014;38(2):279-96. doi: 10.5327/Z0100-0233-2014380200005
https://doi.org/10.5327/Z0100-0233-20143...
e contribuindo para a pressão constante de peso somente para o lado direito, visto que a maioria era destra. É provável que o aumento da dorsiflexão do tornozelo tenha sido a estratégia de equilíbrio utilizada com o objetivo de se fixar na postura sentada. No entanto, como a assimetria lateral de tronco não foi avaliada, sugerimos cautela em relação a essas afirmações.

As limitações deste estudo foram: o pequeno tilt anterior da rede adaptada, associada à obrigatoriedade do posicionamento de joelho a 90º nas tarefas estáticas; o tamanho amostral reduzido, em razão do difícil acesso à população com PC; e a falta de pareamento dos participantes em relação ao sexo.

Conclui-se que a rede adaptada mostrou-se semelhante ao banco e à rede sem adaptação na permanência da postura estática sentada por períodos curtos de tempo. A maioria dos pais se mostrou satisfeito com as dimensões da rede adaptada e sua facilidade de uso. No entanto, pontuaram que o produto precisa de ajustes quanto ao conforto e à segurança. Portanto, a rede adaptada pode ser considerada como mais uma opção do sentar para indivíduos com PC, pois se assemelhou aos resultados do banco, muito utilizado no cotidiano dos indivíduos com PC.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a CAPES, aos participantes e a seus responsáveis.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Rosenbaum P, Paneth N, Leviton A, Goldstein M, Martin B. A report: The definition and classification of cerebral palsy April 2006. Dev Med Child Neurol. 2007;49 Suppl 109:8-14. doi: 10.1111/j.1469-8749.2007.tb12610.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1469-8749.2007.tb12610.x
  • 2
    Hadders-Algra M. Typical and atypical development of reaching and postural control in infancy. Dev Med Child Neurol. 2013;55 Suppl 4:5-8. doi: 10.1111/dmcn.12298
    » https://doi.org/10.1111/dmcn.12298
  • 3
    Bittencourt Z, Cheraid DC, Montilha RC, Gasparetto ME. Expectativas quanto ao uso de tecnologia assistiva. J Res Spec Educ Needs. 2016;16 Suppl 1:492-6. doi: 10.1111/1471-3802.12311
    » https://doi.org/10.1111/1471-3802.12311
  • 4
    Ramos RL, Silva PS, Bastos L, Figueiredo NM. Vantagens do uso da Rede de dormir: contribuições da enfermagem para a vida. Rev Cuba Enferm. 2017;33(1). Disponível em: https://bit.ly/3d8Ammt
    » https://bit.ly/3d8Ammt
  • 5
    Arakaki VC, de Carvalho Cardoso MC, Thinen NC, Imamura M, Battistella LR. Paralisia cerebral: membros superiores: reabilitação. Acta Fisiatrica. 2012; 19(2):123-9. 10.5935/0104-7795.20120019.
    » https://doi.org/10.5935/0104-7795.20120019
  • 6
    Myhr U, von Wendt L, Sandberg KW. Assessment of sitting in children with cerebral palsy from videofilm: A reliability study. Phys Occup Ther Pediatr. 1993;12(4):21-35. 10.1080/J006v12n04_03.
    » https://doi.org/10.1080/J006v12n04_03
  • 7
    Valvano J, Rapport J. Activity-focused motor interventions for infants and young children with neurological conditions. Infants Young Child. 2006;19(4):292-307. doi: 10.1097/00001163-200610000-00003
    » https://doi.org/10.1097/00001163-200610000-00003
  • 8
    Cimolin V, Avellis M, Piccinini L, Corbetta C, Cazzaniga A, Turconi AC, et al. Comparison of two pelvic positioning belt configurations in a pediatric wheelchair. Assist Technol. 2013;25(4):240-6. doi: 10.1080/10400435.2013.778916
    » https://doi.org/10.1080/10400435.2013.778916
  • 9
    Braccialli LMP, de Oliveira FT, Braccialli AC, Sankako AN. Influência do assento da cadeira adaptada na execução de uma tarefa de manuseio. Rev Bras Educ Espec. 2008;14(1):141-54. doi: 10.1590/S1413-65382008000100011
    » https://doi.org/10.1590/S1413-65382008000100011
  • 10
    Furuya M, Ohata K, Izumi K, Matsubayashi J, Tominaga W, Mitani A. Effect of the angle of shoulder flexion on the reach trajectory of children with spastic cerebral palsy. Res Dev Disabil. 2015;36:413-8. doi: 10.1016/j.ridd.2014.10.037
    » https://doi.org/10.1016/j.ridd.2014.10.037
  • 11
    Sedrez JA, Furlanetto TS, Noll M, Gontijo KNS, da Rosa BN, Candotti CT. Relação entre alterações posturais e fatores associados em escolares do ensino fundamental. Rev Baiana Saúde Pública. 2014;38(2):279-96. doi: 10.5327/Z0100-0233-2014380200005
    » https://doi.org/10.5327/Z0100-0233-2014380200005
  • 12
    Cunha AB, Polido GJ, Bella GP, Garbellini D, Fornasari CA. Relação entre alinhamento postural e desempenho motor em crianças com paralisia cerebral. Fisioter Pesqui. 2009;16(1):22-7. doi: 10.1590/S1809-29502009000100005
    » https://doi.org/10.1590/S1809-29502009000100005
  • 13
    Reid DT. The effects of the saddle seat on seated postural control and upper-extremity movement in children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 1996;38(9):805-15. doi: 10.1111/j.1469-8749.1996.tb15115.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1469-8749.1996.tb15115.x
  • 14
    Shumway-Cook A, Woollacott M. Controle motor: teoria e aplicações práticas. São Paulo: Manole; 2010.
  • 15
    van Drunen P, van der Helm FCT, van Dieën JH, Happee R. Trunk stabilization during sagittal pelvic tilt: From trunk-on-pelvis to trunk-in-space due to vestibular and visual feedback. J Neurophysiol. 2016;115(3):1381-8. doi: 10.1152/jn.00867.2015
    » https://doi.org/10.1152/jn.00867.2015
  • 16
    Robson P. A neurophysiological basis for the treatment of cerebral palsy. Arch Dis Child. 1991;56(1):80.
  • 17
    Pavão SL, Visicato LP, da Costa CSN, de Campos AC, Rocha NACF. Effect of the severity of manual impairment and hand dominance on anticipatory and compensatory postural adjustments during manual reaching in children with cerebral palsy. Res Dev Disabil. 2018;83:47-56. doi: 10.1016/j.rpped.2014.11.012 0103-0582/
    » https://doi.org/10.1016/j.rpped.2014.11.012
  • 18
    Myhr U, von Wendt L. Improvement of functional sitting position for children with cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 1991;33(3):246-56. doi: 10.1111/j.1469-8749.1991.tb05114.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1469-8749.1991.tb05114.x
  • 1
    Estudo realizado no Laboratório de Desenvolvimento e Motricidade Infantil da Unifesp, campus Baixada Santista.
  • 2
    Dissertação de mestrado Rede adaptada para população com paralisia cerebral (2017) pela Unifesp.
  • Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
  • 5
    Aprovado pelo Comitê de Ética da Unifesp nº 1483/2015

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2019
  • Aceito
    13 Ago 2019
Universidade de São Paulo Rua Ovídio Pires de Campos, 225 2° andar. , 05403-010 São Paulo SP / Brasil, Tel: 55 11 2661-7703, Fax 55 11 3743-7462 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revfisio@usp.br