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Das negações à imagem às afirmações de si – Das arestas entre auto/ biografias/ficções como gesto reflexivo em Isto não é um filme1 1 Este artigo é resultado da pesquisa Autobiografias do Presente – Entre-Lugares da Performance e da Enunciação em Documentários Contemporâneos, que contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

From the denials to the image to the assertions of the self – From the edges between auto/biographies/fictions as a reflexive act in This is not a film

Resumo

Dirigido por Jafar Panahi e Mojtaba Mirtahmasb, Isto não é um filme (2011) é uma obra produzida inteiramente em um apartamento e retrata um dia na vida de Panahi enquanto cumpre prisão domiciliar sentenciada pelo governo iraniano. O cineasta dilui as fronteiras entre documentário e ficção ao interpretar uma versão de si a partir das limitações estéticas impostas por uma condição de censura e negação à imagem. Nesse movimento, ele coloca a própria subjetividade em um jogo que combina a reflexividade do “novo cinema iraniano” (MELEIRO, 2008; SADR, 2006; TAPPER, 2006) com um gesto de insurgência política contra seus repressores. Neste artigo, analisa-se como as dimensões de subjetividade (TAYLOR, 1997; ROLNIK, 2018) e reflexividade (GIDDENS, 2002; RUBY, 1996) e dos atos autobiográfico (LEJEUNE, 2014; LANE, 2002) autoficcional (DOUBROVSKY, 1977; COLONNA, 2004) se atravessam e se confrontam nesse filme. Com base na análise, busca-se compreender como a escrita de si, nesse filme, tensiona realidades e ficções, corpo e imagem, negações e afirmações em torno da imagem, do si e da imagem de si.

Palavras-Chave
autobiografia; autoficção; reflexividade; Jafar Panahi e Mojtaba Mirtahmasb; Isto não é um filme

Abstract

Directed by Jafar Panahi and Mojtaba Mirtahmasb, This is not a film (2011) is a documentary produced entirely in an apartment and portrays a day in Panahi’s life while serving under house arrest sentenced by the Iranian government. The filmmaker blurs the boundaries between documentary and fiction when he performs a version of himself based on the aesthetic limitations imposed by a condition of censorship and denial of the image. In this film, he places his own subjectivity in a game that combines the reflexivity of the “new Iranian cinema” (MELEIRO, 2008; SADR, 2006; TAPPER, 2006) with a gesture of political insurgency against his repressors. This paper analyzes how the dimensions of subjectivity (TAYLOR, 1997; ROLNIK, 2018) and reflexivity (GIDDENS, 2002; RUBY, 1996) and autobiographical acts (LEJEUNE, 2014; LANE, 2002) and self-fiction acts (DOUBROVSKY, 1977; COLONNA, 2004) cross and confront each other in this film. With this analysis, we seek to understand how the writing of the self, in this film, tensions realities and fictions, body and image, denials and affirmations around the image, the self and the image of the self.

Keywords
autobiography; self-fiction; reflexivity; Jafar Panahi and Mojtaba Mirtahmasb; This is not a film

Às vésperas do Ano Novo e na iminência de si mesmo

Mirtahmasb – Bem, de qualquer maneira, esta é uma atividade relacionada ao cinema.

Panahi – O que é?

Mirtahmasb – Este filme sendo feito.

Panahi – Você chama a isto um filme?

Mirtahmasb – Para mim, é. Você é quem deveria dizer.

(Diálogo entre o diretor e o cinegrafista em Isto não é um filme)

Produzido inteiramente no interior do apartamento do diretor iraniano Jafar Panahi, Isto não é um filme retrata um dia na sua vida, no ano de 2010, no período em que aguardava o veredito de uma sentença de prisão domiciliar implementada durante o governo de Mahmoud Ahmadinejad. A partir do tempo de espera por esse veredito, Panahi decide registrar seu dia a dia para, provavelmente, provocar pressões e mobilizar autoridades sobre sua condição. Nesse dia, ele decide, junto a seu amigo e cineasta Mojtaba Mirtahmasb, fazer a leitura de um roteiro cinematográfico que ainda não havia sido realizado, visto que o governo iraniano lhe havia negado subsídio financeiro.

Depois de estudar Cinema e Televisão na Universidade de Teerã, Jafar Panahi começou sua carreira como diretor de documentários para a televisão iraniana e assistente de direção de Abbas Kiarostami em Através das oliveiras (Zire darakhatan zeyton, 1994). Seu primeiro longa-metragem, O Balão branco (Badkonake sefid, 1995), foi realizado com roteiro de Kiarostami com base em um argumento que Panahi criou com o roteirista Parviz Shahbazi. Posteriormente, realizou os filmes O espelho (Ayneh, 1997), O círculo (Dayereh, 2000), Ouro carmim (Talaye sorkh, 2003), Fora do jogo (Offside, 2006), Isto não é um filme (In film nist, 2011), Cortinas fechadas (Closed curtain, 2013), Táxi Teerã (Taxi, 2015) e 3 faces (Se rokh, 2018). Os primeiros filmes do cineasta apareceram em um período comumente conhecido como “novo cinema iraniano” (MELEIRO, 2008MELEIRO, A. O novo cinema iraniano. In: BAPTISTA, Mauro; MASCARELLO, Fernando (org.) Cinema mundial contemporâneo. Campinas, SP: Papirus, 2008, p. 337-352.; SADR, 2006SADR, H. R. Iranian cinema. Londres: I. B. Tauris, 2006.; TAPPER, 2006TAPPER, R. (org.). The new iranian cinema. New York: I. B. Tauris, 2006.), expressão cunhada no início dos anos 1990 para nomear uma série de obras reconhecidas internacionalmente lançadas no Irã após a Revolução Islâmica.

Nesse contexto pós-Revolução Islâmica, alguns filmes de Panahi haviam sido banidos pelo governo, como O espelho, O círculo e Fora do jogo e, em 2010, o cineasta foi sentenciado à prisão domiciliar sem nenhuma acusação formal. Por causa disso, ele foi solto dois meses depois, após pagar fiança. Em um primeiro momento, o Ministério da Cultura iraniano negou que Panahi havia sido preso por causa dos filmes que havia realizado, mas porque estava produzindo um filme (sem autorização do regime) sobre acontecimentos posteriores às eleições do atual presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad — algo negado pelo próprio Panahi2 2 Disponível em: <http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2010/05/cineasta-preso-no-ira-desde-marco-e-libertado-sob-fianca.html.>. Acesso em: 11 mar. 2019. . Segundo as autoridades iranianas, Panahi estava sendo julgado pela intenção de cometer crimes contra a segurança do país e de realizar propaganda contrária à República Islâmica.

No documentário Isto não é um filme (In Film nist, 2011), o cineasta aborda um processo de negação à imagem para encontrar outros modos de afirmação da própria subjetividade, compondo uma relação com a escrita de si que explora a impermanência como condição existencial. Neste artigo, pretende-se analisar o filme, compreendendo como as dimensões subjetiva (TAYLOR, 1997TAYLOR, C. As fontes do self: A construção da identidade moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1997., ROLNIK, 2018ROLNIK, S. Esferas da Insurreição: Notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: N-1 edições, 2018.) e reflexiva (GIDDENS, 2002GIDDENS, A. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.; RUBY, 1996RUBY, J. Visual Anthropology. In: LEVINSON, D.; EMBER, M. (org.). Encyclopedia of Cultural Anthropology. New York: Henry Holt and Company, v. 4, p. 1345-1351, 1996.) e os limites entre o autobiográfico (LEJEUNE, 2014LEJEUNE, P. O pacto autobiográfico: de Rousseau à internet. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.; LANE, 2002LANE, J. Autobiographical Documentary in America. Madison: University of Wisconsin Press, 2002.) e o autoficcional (DOUBROVSKY, 1977DOUBROVSKY, S. Fils: roman. Paris: Éditions Galilée, 1977.; COLONNA, 2004COLONNA, V. Autofiction & autres mythomanies littéraires. Paris: Éditions Tristram, 2004.) se imprimem nessa narrativa. Nessa leitura, pretende-se entender como os gestos autobiográfico, autoficcional e reflexivo tensionam realidade e ficção, corpo e imagem, negações e afirmações em torno do diretor e do próprio filme. Com base na análise da obra de Panahi sob esse olhar, busca-se ampliar a compreensão do ato autobiográfico como uma narrativa que parece menos orientada a um desejo do sujeito em pensar a afirmação de sua própria personalidade. Pelo contrário, ao investir em arestas entre o autobiográfico, o autoficcional e o reflexivo, o filme aponta para a flexibilização das noções de identidade do sujeito criador da imagem e de si, revelando-as como sintomas de uma imagem entendida como um lugar de experiência e de invenção.

A imagem como espelho de si – Das fissuras entre o subjetivo e o reflexivo

Na formação de nossas subjetividades, somos atravessados por diversas figuras que nos confrontam com os modos como orientamos nossos desejos e elaboramos nossas experiências, compondo uma narrativa que não se mostra nem estável nem homogênea. Para Descartes, o objetivo de reflexão sobre o self reside em construir sucessivamente percepções que buscam clarear e distinguir as qualidades das experiências de modo a elaborar certezas que sejam suficientes em si, adquirindo “uma clareza e uma plenitude de autopresença que não tinha antes” (TAYLOR, 1997TAYLOR, C. As fontes do self: A construção da identidade moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1997., p. 207). Nesse processo, a subjetividade depara com uma infinidade de imagens com as quais pode estabelecer uma identificação com base em cada repertório e nas interpretações que as relações entre a razão e o desejo estabelecem.

Por mais que as histórias de vida fossem comuns em períodos anteriores à Idade Moderna, a concepção da vida como uma história surgiu nesse período, com a separação das ideias em torno de tempo e espaço. Assim, o desejo de escrita de si se dissemina como possibilidade de invenção da própria história e se desdobra em diversos movimentos entre palavra e imagem, real e ficção, presença e representação, alimentando variadas poéticas e formas de invenção. Esse cenário, por sua vez, cria as condições para uma popularização mais intensa das práticas autobiográficas e reflexivas, que se retroalimentam na formação de uma ideia de sujeito. A reflexividade como questão data de estudos realizados por teóricos relacionados à etnografia de ordem antropológica (GIDDENS, 2002GIDDENS, A. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.; RUBY, 1996RUBY, J. Visual Anthropology. In: LEVINSON, D.; EMBER, M. (org.). Encyclopedia of Cultural Anthropology. New York: Henry Holt and Company, v. 4, p. 1345-1351, 1996.). Esses estudiosos entendem que a formação do conceito de identidade centrado no sujeito nasce justamente a partir da Idade Moderna, de um gesto (e um projeto) reflexivo em torno do que seria o ser humano. Nesse contexto, a reflexividade começa a ser entendida como uma percepção do próprio sujeito como habitante de um tempo e um espaço específicos e da existência como história:

A auto-identidade, em outras palavras, não é algo simplesmente apresentado, como resultado das continuidades do sistema de ação do indivíduo, mas algo que deve ser criado e sustentado rotineiramente nas atividades reflexivas do indivíduo.

(GIDDENS, 2002GIDDENS, A. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002., p. 54).

Esses processos de formação identitária por meio do gesto reflexivo terminam se potencializando de forma cada vez mais massiva a partir da invenção e disseminação de variados meios de comunicação — imprensa, rádio, televisão, cinema etc. — e, atualmente, por meio das tecnologias de informação e comunicação, vêm encontrando outros modos de se configurar. Diante disso, a reflexividade pode ser entendida como uma ação de consciência e conscientização do sujeito sobre sua própria formação, por meio do questionamento em torno da sua trajetória, de suas potências e limitações e da sua própria imagem. No contexto do cinema documentário, o conceito de reflexividade problematiza as próprias questões que envolvem a produção documentária, propondo um olhar cada vez mais consciente sobre a incapacidade da imagem de acessar e representar o real. Nesse sentido, o documentário começa a alimentar cada vez menos um conceito hermético de veracidade; mas, pelo contrário, abre espaço para as errâncias e as potências da invenção, anunciando “um novo tipo de autoria documental, ou uma nova autoconsciência do fato da autoria, que colocou em jogo todos os signos de agência que o documentário tradicional sempre suprimiu” (CHANAN, 2012CHANAN, M. The Role of History in the Individual: Working Notes for a Film. In: LEBOW, A. (org.). The Cinema of Me: The Self and Subjetivity in First Person Documentary. New York: Columbia University Press, 2012., p. 24). Filmes como Chronique d’un été (1961), de Jean Rouch, Cabra marcado para morrer (1985), de Eduardo Coutinho, À margem da imagem (2002), de Evaldo Mocarzel, e Santiago (2007), de João Moreira Salles são algumas obras que evidenciam seu caráter reflexivo ao desvelar ao espectador, de algum modo, o filme como construto.

Ao explorar outras formas de aproximação do sujeito em relação ao seu objeto e como este o transforma, a reflexividade (implícita ou explícita) e sua relação com o cinema documentário já vem sendo pesquisada por Jay Ruby desde os anos 1970 e influenciando antropólogos, etnógrafos, folcloristas etc. A realização de obras que exploram as potências dos aspectos reflexivos no cinema documentário cria condições para que se inventem outras maneiras de os cineastas se relacionarem com a imagem. Ao olhar para seu próprio gesto, o cineasta escreve dentro do próprio presente, atravessando uma metalinguagem que culmina em reflexões sobre o próprio sentido do representar — concebendo-o como aliado de um gesto de existir. Além do cinema documentário, as ideias em torno da reflexividade atravessam também obras consideradas ficcionais, que, por meio dessas estratégias, borram as fronteiras entre a realidade e a fabulação, entre existência e representação. Uma das filmografias que explorou com mais veemência as potências da reflexividade foi o intitulado “novo cinema iraniano, em que essas características ultrapassavam a ideia de metalinguagem e reverberavam poeticamente as condições para que os próprios filmes existissem. No caso desse país, as condições de produção de muitos filmes são atravessadas pela emergência da Revolução Islâmica.

A Revolução Islâmica ocorreu em 1979 no Irã, com o objetivo de restaurar os ideais puros do Islã Xiita e solucionar os desgastes econômicos e políticos causados pela monarquia de Mohammad Reza Shah Pahlavi. Em virtude de sua política de modernização e secularização da sociedade iraniana e de denúncias de corrupção que envolviam sua família, o monarca perdeu gradativamente o apoio dos clérigos xiitas e da classe trabalhadora do Irã. O apoio dos Estados Unidos e do Reino Unido ao seu regime e os confrontos com fundamentalistas também contribuíram para a forte oposição ao Shah, culminando em uma revolução em que a monarquia iraniana foi abolida e a república, instituída e liderada pelo líder religioso Ruhollah Khomeini (conhecido no Ocidente como Aiatolá Khomeini)3 3 Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/history/historic_figures/khomeini_ayatollah.shtml.> Acesso em: 11 mar. 2019. . Com o apoio de diversos setores da sociedade iraniana (universitários, intelectuais marxistas, artistas, operários e clérigos estudiosos do Islã), a revolução modificou as estruturas vigentes que regiam a arte em todo o país.

Com posicionamentos aliados a ideias de liberdade e democracia, diretores como Abbas Kiarostami, Mohsen Makhmalbaf e o próprio Jafar Panahi também prestaram apoio à Revolução Islâmica4 4 Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/03/cultura/1472900291_914614.html.> Acesso em: 12 mar. 2019. , visando uma melhoria na sociedade iraniana. Contudo, a república liderada por Khomeini terminou instituindo uma intensa censura aos meios de comunicação como forma de reiterar os valores islâmicos xiitas. Nesse sentido, as políticas governamentais de incentivo à realização cinematográfica resultaram da implementação de um projeto que visava reforçar essas ideologias. Foram criadas instituições que tinham por objetivo supervisionar e oferecer suporte técnico e financeiro aos cineastas e seus filmes. Assim, elas poderiam garantir que essas produções incorporassem os conceitos que fundamentaram a revolução islâmica, destacando-se a Fundação Farabi, órgão da Divisão de Cinema do Ministério da Cultura, e a Organização da Propaganda Islâmica, criada em 1983 (MELEIRO, 2008MELEIRO, A. O novo cinema iraniano. In: BAPTISTA, Mauro; MASCARELLO, Fernando (org.) Cinema mundial contemporâneo. Campinas, SP: Papirus, 2008, p. 337-352.).

A implementação da censura com a intervenção do Estado fez com que cineastas como Abbas Kiarostami, Dariush Mehrjui, Bahman Ghobadi, Mohsen Makhmalbaf e Samira Makhmalbaf etc. criassem mecanismos que lhes permitiam driblar as negações e retaliações que poderiam acontecer. Assim, muitas vezes, os realizadores tomavam a poesia, o simbolismo e a metáfora para explorar certas temáticas políticas e sociais, como enredos em torno de personagens como crianças, mulheres e pessoas em situações cotidianas e o uso de não atores (principalmente crianças) e de locações reais. Além disso, esses filmes exploravam, por vezes, a tensão entre aspectos ficcionais e documentais por meio de recursos como a “frequente revelação do dispositivo cinematográfico, a confusão dos níveis de realidade ou recorrência dos finais abertos” (MELEIRO, 2008MELEIRO, A. O novo cinema iraniano. In: BAPTISTA, Mauro; MASCARELLO, Fernando (org.) Cinema mundial contemporâneo. Campinas, SP: Papirus, 2008, p. 337-352., p. 349). Filmes como Close-Up (1990), de Abbas Kiarostami, Once upon a time, cinema (1992) e Salve o cinema (1995) — ambos de Mohsen Makhmalbaf — exploram o desejo de produzir imagens em um país atravessado por censuras, apagamentos e negações.

Nessas dimensões entre sujeito e imagem, alinhavar as ideias de reflexividade e de subjetividade abre espaços de discussão em torno das possibilidades de um sujeito e a imagem pensarem a si mesmos. Atualmente, pensar uma ideia de sujeito implica pensá-lo como produção (e produto) de uma imagem, ou seja, como ambos se retroalimentam em suas potências e limitações, suas expansões e retrações, suas afirmações e negações. Para Guattari e Rolnik (1996)GUATTARI, F; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografias do desejo. 4. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1996., a produção de subjetividades no cenário de um sistema capitalístico e industrial atravessado pela imagem alimenta a fabricação de subjetividades serializadas, que nasce no período moderno. Segundo os autores, nesse período, as relações sociais e os processos de produção atravessam mudanças nos sistemas de produção de mercadorias, nos mercados competitivos e na mercantilização da força de trabalho. Enquanto as tradições da filosofia e das ciências humanas anteriores ao período moderno concebiam a subjetividade como um espaço interior e íntimo, atualmente, a subjetividade estaria sendo fabricada em escala industrial:

Em sistemas tradicionais, por exemplo, a subjetividade é fabricada por máquinas mais territorializadas, na escala de uma etnia, de uma corporação profissional, de uma casta. Já no sistema capitalístico, a produção é industrial e se dá em escala internacional.

(GUATTARI; ROLNIK, 1996GUATTARI, F; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografias do desejo. 4. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1996., p. 25).

Se o indivíduo se faz como fragmento de uma ideia de sociedade e, ao mesmo tempo, um sujeito fabricado pelos poderes que envolvem as disciplinas, a subjetividade se vê pressionada entre dois campos de força. Um deles seria a conservação das formas de vida materializada no logos e no pensamento e, o outro, “sua potência de germinação, a qual só se completa quando tais embriões tomam consistência em outras formas da subjetividade e do mundo, colocando em risco suas formas vigentes” (ROLNIK, 2018ROLNIK, S. Esferas da Insurreição: Notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: N-1 edições, 2018., p. 56). Para a autora, essa germinação pode ser um gesto de desterritorialização das mesmas formas e regras, operada pelo corpo vibrátil que se desloca em suas indefinições e se expande em formas de invenção.

Nesse sentido, escapar dos moldes que implicam essa produção serializada de subjetividades conduz a pensar outros modos de conceber a imagem de sujeito, abolindo o anseio pela homogeneidade, pela padronização e pelas certezas.

Lançar-se no improviso e no imprevisível nos ajuda a compreender a formação da subjetividade a partir do rompimento com as estruturas psíquicas, sociais e culturais que sustentam uma imagem seriada de si mesmo e, por consequência, a cristalizam nas mesmas atitudes, sentidos e significações. Nesse sentido, Isto não é um filme se torna um objeto de análise bastante adequado para pensar essas dimensões de uma escrita de si que assume a impermanência como condição do sujeito, acreditando que uma ideia de unidade de (uma imagem do) sujeito se mostra incapaz de se sustentar na constante transmutação do mundo.

As brechas do cárcere – O autobiográfico/autoficcional como afirmação de (um fora de) si

Originada no século XIX, a palavra autobiografia designa outras dimensões desse desejo por compreender a representação do sujeito, quando os leitores começavam a buscar “por detrás da variedade e dos desvios das manifestações superficiais, o eu profundo do autor: do lirismo romântico à psicanálise” (LEJEUNE, 2014LEJEUNE, P. O pacto autobiográfico: de Rousseau à internet. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014., p. 260. Grifo no original). No desejo de consumir o eu alheio como um modo de alimentar as subjetividades em formação, o gênero autobiográfico se espraia como uma narrativa cuja forma deriva das memórias. Calligaris (1998)CALLIGARIS, C. Verdades de autobiografias e diários íntimos. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 43-58, jul. 1998. afirma que, por mais que as histórias de vida fossem comuns em períodos anteriores à Idade Moderna, a concepção da vida como uma história surgiu nesse período. Para ele, a forma da escrita autobiográfica surge então em um contexto em que o indivíduo concebe sua vida como uma história separada da comunidade a que pertence, o que o desvincularia da crença em um destino pré-determinado a ser cumprido. Dessa forma, o desenvolvimento do gênero autobiográfico corresponde à ênfase no valor do indivíduo, cuja trajetória se contaria a partir de sua gênese na infância e sua história na juventude (PEREIRA, 2000PEREIRA, L. Algumas reflexões sobre histórias de vida, biografias e autobiografias. História Oral, n. 3, 2000, p. 117-127).

Para Lejeune (2014, p. 16)LEJEUNE, P. O pacto autobiográfico: de Rousseau à internet. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014., a forma autobiográfica se define como uma “narrativa retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, quando focaliza sua história individual, em particular a história de sua personalidade”. Nesse sentido, o desejo de escrita de si como possibilidade de invenção da própria história e conexão com as comunidades e grupos sociais se desdobra em diversas motivações: “respondem a necessidades de confissão, de justificação ou de invenção de um novo sentido” (CALLIGARIS, 1998, p. 43), aspectos que, geralmente, se combinam. Nessas narrativas da intimidade, compõem-se registros da vida cotidiana que trazem comportamentos banais do dia a dia, sensações, desejos e confissões, além de relatos de viagens, gostos e costumes. Arfuch (2010)ARFUCH, L. O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010. denomina esse conjunto de relatos de vida e narrativas autobiográficas e biográficas de espaço biográfico, que se dissemina em gêneros diversos como biografias, autobiografias, memórias, cartas, diários íntimos, confissões e cadernos de viagens.

No cinema, as narrativas autobiográficas começam no campo do cinema experimental e se desdobram no documentário, em que as formas de inscrição de subjetividade se alinhavam aos questionamentos em torno das limitações representativas da imagem. Rollet (1998)ROLLET, P. et al. Le chemin (filmé) de la vie - Table Ronde. In: BERGALA, A. (org.) Je est un film. Paris: Editora Acor, 1998. acredita que a forma autobiográfica no cinema começa a se configurar a partir dos filmes-diário de Jonas Mekas e influencia outros cineastas a experimentarem as possibilidades e limitações do autobiográfico, como Stan Brakhage, Barbara Hammer etc. O surgimento dessas obras se relaciona a um movimento intitulado le retour du sujet, que, por sua vez, fundamenta-se em certo “desaparecimento do horizonte político, do fim das ideologias, das utopias comunitárias etc., que conduziu a uma espécie de dobra sobre si” (ROLLET, 1998ROLLET, P. et al. Le chemin (filmé) de la vie - Table Ronde. In: BERGALA, A. (org.) Je est un film. Paris: Editora Acor, 1998., in BERGALA, 1998BERGALA, A. Si “je” m’était conté. In: BERGALA, A. (org.) Je est un film. Paris: Editora Acor, 1998., p. 12). Na trajetória do cinema documentário, por sua vez, a emergência de abordagens reflexivas e autobiográficas muitas vezes se cruza no desejo de tornar o olhar e a figura do documentarista evidentes, explorando, do ponto de vista do autor, recursos como a exposição do processo criativo, da subjetividade, da autorreferência ou de elementos de sua própria vida. Lane (2002)LANE, J. Autobiographical Documentary in America. Madison: University of Wisconsin Press, 2002., em suas investigações ao redor do documentário autobiográfico, define que as principais raízes históricas da ascensão das narrativas autobiográficas no cinema documentário seriam: a) a emergência do autobiográfico no cinema de vanguarda; b) o progressivo distanciamento em relação ao cinema direto; e c) o advento das questões da reflexividade na imagem documentária.

Em um período pós-Segunda Guerra Mundial, os modos de representar terminam evidenciando sintomas de questionamentos a respeito da imagem e da narrativa documentária — particularmente, sobre aspectos referentes à veracidade do referente histórico e à mimética representação do si. No caso dos documentários autobiográficos, esses aspectos se revelam no questionamento do processo criativo dos realizadores — como em sequências em que, por exemplo, os diretores expõem os bastidores e o work in progress do próprio filme e narrações em voice over que questionam as formas de representação. Todo esse movimento provoca, no espectador, certa desmistificação do gesto do filmar, tratando-o não somente como resultado de uma criação artística, mas também do autorregistro da intimidade como possibilidade de invenção de si. Essa forma de perceber a construção imagética desvela, portanto, não somente a criação da imagem como forma de autoria de uma obra, mas também de construir si mesmo.

A partir de uma interrelação entre noções de imagem, corpo e meio como elementos essenciais para esses gestos de figuração, os filmes-diários, os filmes-cartas, os autorretratos, os ensaios fílmicos, as autoficções, entre outros, desdobram suas próprias definições de escrita de si. No caso da autoficção, uma de suas primeiras definições é apontada por Serge Doubrovsky (1977, p. 10)DOUBROVSKY, S. Fils: roman. Paris: Éditions Galilée, 1977. diante da necessidade de descrever seu romance Fils: “Ficção, de eventos e fatos estritamente reais; autoficção, se preferir, de confiar a linguagem de uma aventura à aventura de uma linguagem, além da sabedoria e da sintaxe do romance, tradicional ou novo”. Colonna (2004)COLONNA, V. Autofiction & autres mythomanies littéraires. Paris: Éditions Tristram, 2004., por sua vez, propõe uma definição mais nítida ao compreender a autoficção como uma forma literária em que o autor transfigura sua existência e identidade em uma história que investe em concepções mais alargadas de realidade, imaginação e verossimilhança. Para Scamparini (2018)SCAMPARINI, J. O narrador autoficcional na literatura e no cinema. Scripta Uniandrade, v. 16, n. 3, p. 216-229, 2018., as características quanto ao conceito de autoficção costumam considerar: (a) a autorreferência e o uso de fatos da vida do autor, acompanhados pela referência à própria obra artística; (b) a busca por recursos comumente associados ao regime de leitura oposto, como a presença de documentos factuais em narrativas ficcionais e de elementos fictícios em filmes documentários; e (c) o efeito de dúvida em relação à natureza dos eventos narrados e da própria obra, em categorias como romance, documentário, ficção, imagem. Nesse anseio por alimentar outras dinâmicas entre o sujeito e o fora-do-sujeito, as autoficções deflagram uma subjetividade em devir, impulsionando o tecido de relações que geram turbulências entre a própria identidade do gênero das próprias obras:

A autoficção, tal como concebida por Doubrovsky, seria uma variante pós-moderna da autobiografia na medida em que ela não acredita mais numa verdade literal, numa referência indubitável, num discurso histórico coerente e se sabe reconstrução arbitrária e literária de fragmentos esparsos da memória. Outro aspecto importante é a questão da linguagem: quem faz autoficção hoje não narra simplesmente o desenrolar dos fatos, preferindo, antes, deformá-los, reformá-los, através de artifícios.

(FIGUEIREDO, 2013FIGUEIREDO, E. Mulheres ao espelho: autobiografia, ficção e autoficção. Rio de Janeiro: EdUERJ/Faperj, 2013., p. 62).

No cinema, algumas das formas da autoficção aparecem em filmes em que um cineasta, ao invés de registrar sua própria vida com uma câmera por certo período (como fazem Jonas Mekas ou David Perlov), escreve um roteiro e contrata um ator para interpretar um personagem que corresponde à primeira pessoa do diretor. Isso acontece em obras de François Truffaut e Alejandro Jodorowsky5 5 Em Les 400 coups (1959), François Truffaut compõe um alter-ego no personagem Antoine Doinel, vivido por Jean-Pierre Léaud, em um filme que retrata sua adolescência na França; e, em La danza de la realidad (2013), Jodorowsky escala o ator Jeremías Herskovits para retratar sua infância na cidade de Tocopilla, Chile. , por exemplo, ou em filmes em que o próprio cineasta interpreta uma versão cinematográfica de si mesmo — caso de Nanni Moretti e Atom Egoyan6 6 Em Caro diario (1993), Nanni Moretti interpreta a si mesmo no filme em que percorre as ruas de Roma, descobrindo fachadas, indo ao cinema, visitando o lugar onde Pasolini foi assassinado etc.; e, em Calendar (1993), o cineasta egípcio Atom Egoyan interpreta um alter-ego, um fotógrafo que retorna ao seu país natal com sua esposa (Arsinée Khanjian, atriz e esposa do diretor na vida real) para tirar fotos de igrejas armênias para um calendário. . Na contramão de certa imprevisibilidade, errância e sensação de abertura das narrativas autobiográficas no documentário, essas autoficções, em sua maioria, exploram universos diegéticos mais definidos. Com estruturas narrativas com recortes mais delineados, a partir de enredos com eventos específicos, elas costumam se distinguir de maneira seminal do caráter fragmentário de formas como o filme-diário ou as cartas fílmicas. No caso dessas autoficções, a reflexividade termina se tornando um motor para a transformação da matéria bruta da experiência de vida do realizador em uma narrativa com moldes que tornam sua operação ficcional mais evidente. Desta forma, parece possível compreender que, na esfera autobiográfica, a materialidade da imagem documental e o mundo histórico retratado por um olhar subjetivo lançam possibilidades de efeitos de verdade por meio da abertura e da espontaneidade dos registros. Esses aspectos se distinguem de certos esforços da autoficção, que, em sua maioria, investem na construção de universos diegéticos que partem do real, mas elaboram imagens, narrativas e encenações que inventam a partir desse real, abrindo possibilidades de imaginação que podem espelhar, muitas vezes, as narrativas ficcionais como costumamos consumi-las em um contexto mais tradicional, por assim dizer.

Em Isto não é filme, Jafar Panahi cria uma obra em que o ato autobiográfico funciona não somente para narrar um fato que integra a história de sua existência, mas também para atravessar o desejo de construção e dissolução de um universo ficcional. Nele, as possibilidades dos atos autobiográfico e autoficcional diluem as dicotomias entre verdade e falseamento, entre corpo e imagem, entre vida e narrativa. Ao lançar mão de recursos que questionam o próprio gesto de criação, Panahi se aproxima da noção de performance ao dar a ver arestas entre os modos de escrita e leitura dos personagens e situações retratados. Essas arestas entre a autoficção e a autobiografia, por sua vez, operam tanto na ficção quanto na vida em si, de forma que ambas se apresentam como textos inacabados e improvisados, e o desejo de registro de um acontecimento se alinha à invenção de uma imagem de si. Quando a autobiografia investe na possibilidade de uma escrita de si que se reinventa em seu próprio processo, a autoficção alimenta o anseio de criar revoluções que lançam um olhar sobre o não repetível, o espontâneo e o irreversível.

Fitas adesivas na sala de estar – A leitura de um (não)filme para (não)atores

A fim de compreender como essas reflexões se relacionam com o universo do filme de Jafar Panahi, a análise das imagens cerca, basicamente, duas circunstâncias: a primeira, uma leitura de um roteiro cinematográfico pelo próprio diretor; e a segunda, a retomada de cenas de seus filmes anteriores. As circunstâncias que envolvem a realização de Isto não é um filme são atravessadas por gestos de negação e confronto, em que os desejos de um sujeito entram em conflito com os de outro, produzindo uma situação em que esses anseios precisam ser negociados e atualizados. Nas primeiras cenas do filme, Panahi e seu cinegrafista, Mojtaba Mirtahmasb, conversam brevemente sobre as estratégias para se desviar do sistema de censura no governo iraniano. Panahi havia submetido um roteiro a um processo de avaliação e os censores informaram que se ele fizesse determinadas alterações que atenuassem a história, ela poderia ser realizada. Contudo, mesmo cumprindo as exigências dos avaliadores, o diretor não conseguiu as permissões para realizar seu filme.

Esse roteiro conta a história de uma garota, Maryam, que foi aprovada para entrar em uma universidade, mas seus pais não aceitam que ela siga uma carreira fora das tradições familiares e a aprisionam no quarto, a fim de que ela não se matricule. Guardando relações de proximidade com a situação de enclausuramento do próprio Panahi, ele e o amigo decidem filmar um processo de leitura dramatizada do roteiro. Usando os cômodos de sua casa, Panahi interpretará os diálogos de todos os personagens e lerá as rubricas de situações, espaços e ações, construindo o espaço de clausura de Maryam a partir de seu próprio espaço prisional. Colocando fitas adesivas no chão da sala de estar, o diretor demarca os espaços da casa em que acontecem as situações do roteiro, situando o espectador no espaço físico interno da casa (portas, janelas, corredores etc.) e externo (rua, calçada, beco etc.). Enquanto isso, Mirtahmasb filma Panahi assumindo as posições que seus personagens ocupariam no cenário, que vai sendo imaginado a partir da leitura das rubricas, como aparece na Figura 17 7 Imagem disponível na URL:< https://bit.ly/35CTds1>. .

Figura 1
Jafar Panahi usa fita adesiva para criar um cenário.Fonte: Frame de Isto não é um filme, 2018.

Ao levantar gradativamente as fugidias paredes do quarto de Maryam com fita adesiva, cadeira e almofadas e dizer ao seu cinegrafista (e a nós, por extensão) “estas linhas que desenho são as paredes de seu quarto”, o diretor compõe um cenário que flutua e assume os riscos que o exercício proporciona. No momento em que interpreta os diversos personagens da narrativa (como Maryam, seu pai, sua avó etc.), Panahi investe na variabilidade de sua atuação tanto no filme como no mundo em que o filme habita. Nessas cenas, estamos lidando com uma dupla forma de enxergar o cineasta: inicialmente, vemos o diretor Jafar Panahi e todo o contexto político que atravessa o universo de sua prisão; e, ao mesmo tempo, imaginamos todos os personagens que atravessam seu corpo e sua fala. Nessas cenas, percebe-se como a negação à imagem se transmuta na potência de outras imagens, que fluem no desejo de não obedecer às hierarquias, mas se propagam no anseio de compor afetos que elaboram personas e universos.

Se, nas primeiras cenas, o filme parecia ser um documentário que registraria seu cotidiano enquanto aguardava o resultado de uma sentença do governo iraniano, quando Panahi decide ler um roteiro proibido pelo governo iraniano, ele abre seu filme para outra direção. Ao tomar a negação à imagem como potência para imaginar um filme a partir de seus olhos, o diretor toma a forma de uma escrita em que o controle sobre a representação de si oferece lugar a um corpo à deriva que se assume no jogo de contravenção e ironia com a própria condição de aprisionamento. Criando um ambiente de analogia com um contexto que fratura as fronteiras entre o cárcere e o lar, o quarto de Maryam (na sala de Panahi) funciona como um espaço heterotópico (FOUCAULT, 2013______. O corpo utópico, As heterotopias. São Paulo: N-1 Edições, 2013.). Ao tomar o espaço físico como abrigo de outros espaços imaginários (e imagináveis), o cineasta assume o desejo de liberdade a partir do atrito com o que se compreende como espaços dentro e fora da residência e prisão.

Com base no anseio de produzir sentido por meio de um vácuo, Panahi convoca seu desejo à existência na forma de um protesto que funciona como um modo de afirmação e invenção de outros mundos. Assim, o diretor opta por tomar a ausência promovida pela negação deliberada à existência dessas imagens como potência para que outra se torne possível, a partir de certas arestas entre os gestos autobiográfico, autoficcional e reflexivo. Ao exercitar o eu como um espaço de produção de desejo, Panahi cria um (não)filme não como um projeto reflexivo de sujeito que se arvora na consciência e no controle, mas que deflagra as dinâmicas de poder que cercam as condições de criação de seu filme (e de si mesmo). Essas arestas entre as dinâmicas autobiográfica, autoficcional e reflexiva se atravessam em outros momentos do filme, como aquele em que o cineasta revê as filmagens de seu segundo filme, O espelho (Ayeneh, 1998). Esse filme conta a história de uma menina que espera por sua mãe à saída do colégio, mas, como esta demora, ela volta para casa sozinha, atravessando uma jornada repleta de conflitos. Enquanto assiste a cenas do filme em um aparelho de DVD, o cineasta pausa uma cena em que se vê uma insurgência improvisada da (não) atriz mirim Mina Mohammad-Khani, como aparece na Figura 28 8 Imagem disponível na URL: <https://bit.ly/3wYHEqp>. .

Figura 2
Cena de O espelho a que Jafar Panahi assiste.Fonte: Frame de Isto não é um filme, 2018.

Na cena em questão, Mina, em certo momento, diz que não aguenta mais realizar a cena, desmonta seu personagem, tira alguns de seus figurinos e pede para descer do ônibus em que acontece o filme, afirmando que não deseja mais atuar e prefere ser ela mesma: “O que você fez, é uma mentira. Eu sei como chegar em minha casa. Não entendo o que quer de mim”. A partir desse instante, o diretor e a equipe começam a fazer parte do universo do filme e reveem os caminhos da produção: Panahi decide continuar filmando sua atriz mirim, que está sentada na calçada com os microfones e os figurinos. A produtora do set conversa com a garota, tentando mediar a situação, mas o diretor pede que a deixem voltar para casa, sozinha e andando. De dentro do ônibus, a equipe continua a acompanhar a garota, filmando-a à distância. Mais do que o improviso e a espontaneidade, nesse filme, Panahi traz à consciência diversas vezes que as filmagens que vem realizando ressoam hipocrisia e mentira.

Por sua vez, em outro momento de Isto não é um filme, o cineasta resgata outra obra de sua filmografia, Crimson gold (Talaye sorkh, 2003), que versa sobre um entregador de pizza iraniano que atravessa diversas situações relacionadas à corrupção e ao desequilíbrio social em sua cidade. Em diálogo com Mirtahmasb, Panahi pausa novamente uma cena no aparelho de DVD, apontando para o protagonista do filme, Hussein (interpretado pelo não ator Hossain Emadeddin), que sai de uma joalheria logo após seu proprietário tê-lo humilhado. No contexto da filmagem, Panahi explica que a atuação de Emadeddin seguiu por um caminho inesperado em relação às suas indicações antes da gravação. O diretor comenta que o ator “atuou de uma maneira que fugiu ao meu controle”. Na cena em questão, o ator sai da joalheira acompanhado de outras duas pessoas e, sentindo-se consternado diante da humilhação sofrida, começa a passar mal, desfazendo o nó de sua gravata, cobrindo boa parte da cabeça e os olhos com um gorro e se encostando na parede. No resultado da cena que está no filme Crimson gold, esse gesto não transparece uma sensação de descontrole no set de filmagem (como no caso de O espelho), mas a fala de Panahi nos permite imaginar suas reações de excitação diante da interpretação de Emadeddin naquele momento, como aparece na Figura 39 9 <Imagem disponível na URL: https://bit.ly/3u7dyPJ>. .

Figura 3
Panahi assiste a uma cena de seu filme Ouro carmim.Fonte: Frame de Isto não é um filme, 2018.

Em Isto não é um filme, ao resgatar essas cenas de seus filmes anteriores, o diretor confessa o desejo de experimentar um gesto similar ao da jovem Mina — ser ela mesma — e de se colocar em descontrole, como Emadeddin. Nesse momento, Panahi acredita que precisa parar seu filme naquele momento, jogá-lo fora e entrar em um fluxo de criação aberto ao descontrole e ao imprevisto. Para ele, descolar-se de certo espaço de ordenação e controle de sua narrativa pode fazer com que aquele filme se torne algo parecido com o que ele acredita ser ele mesmo, uma imagem de um si aberto a outros modos de ser e se imaginar. Pensando nisso, o que interessa a Panahi na atuação dos (não)atores de seus filmes diz respeito à fuga e à liberdade que a imagem de si pode encontrar fora dos caminhos da subjetividade centrada na interpretação e no sentido. Ao saturar-se de imagens, espaços e tempos que se acumulam, o diretor escancara corpos que recusam a se definir entre os princípios de ordenação do mundo para reparti-los em lampejos de subjetividade que emergem justamente nessas aberturas.

Nesse sentido, a abertura da imagem potencializa outras formas de afirmação e invenção de si, visto que um gesto reflexivo em torno da criação da imagem atravessa os exercícios da escrita de si, dando a ver suas arestas e fissuras entre a autobiografia e a autoficção. Em uma camada, vemos um Jafar Panahi como pessoa, um sujeito lidando com a prisão domiciliar, e outro Jafar Panahi como diretor, um artista que busca, nas dimensões expressivas da imagem, uma forma de expressar e inventar com sua própria identidade. Nesse sentido, dá a ver as arestas entre esse desejo de invenção de si e certo inacabamento e indeterminação de sua identidade, imbricando justamente um movimento dialético e reflexivo entre a subjetividade e a criação da imagem. Nesse movimento, gera um espaço em que habitam não somente o personagem de si criado para o filme, mas também o próprio filme, em um fluxo em que as questões se embaralham e se revelam na própria manifestação do estar vivo. Esses modos se afastam cada vez mais das tentativas de reprodução da realidade, concebendo jogos de retroalimentação entre artificial e real que se tornam cada vez mais presentes e evidentes.

Tanto no exercício de leitura de seu roteiro na sala de estar como nas referências a seus (não)atores, o jogo de Panahi se alinhava a um modo de fazer que o obriga a estar sempre mudando de modo, conduzindo-o a nunca saber o que está realizando antes de realizar. Por mais que a leitura do roteiro na sala de estar provoque infinitas imagens na mente de seus espectadores, ele não acredita que seja suficiente, pois, para ele, ainda se trata de uma subjetividade controlada e ficcionalizada. Quando resgata cenas de filmes anteriores, Panahi sinaliza como o imprevisto nas situações com seus não atores cria uma espécie de verdade espontânea na sua relação com a imagem. Assim, não parece ser suficiente para Panahi tomar o filme como uma expressão de uma identidade ou vivenciar uma (ou algumas) persona(s) para si, mas ele se lança no desejo de questionar as próprias potências e impotências da imagem para representar uma identidade. O diretor investe no processo paradoxal de construir uma imagem de si que constantemente se descola da necessidade de definir sua identidade a partir do sentido, mas se coloca em um estado constante de presença e invenção.

Ceci n’est pas un film – De um (não)filme aos incontáveis filmes

Em Isto não é um filme, Panahi toma o gesto de escrita de imagem cinematográfica em que as ambivalências entre o ato autobiográfico, o reflexivo e o autoficcional se ampliam ao colocar os discursos, as identidades e os sentidos em descontrole. Ao satirizar a falta de sentido do cárcere, propõe uma estética que acompanha os movimentos invisíveis e imprevisíveis do próprio jogo narrativo, a fim de borrar as identidades de si mesmo e de seu filme e desestabilizar as engrenagens e dinâmicas de poder. Em sentido mais amplo, o filme de Panahi nos ajuda a pensar em como a autoficção pode se fazer atravessada pelas reflexões em torno da representação por meio da própria imagem, em que a presença de elementos comuns ao documentário, por exemplo, como documentos, retomada de materiais de arquivo, re/encenações e entrevistas, por exemplo, provocam relações distintas daquelas promovidas pela literatura. Na realização de um filme em que seu corpo se lança no desafio de exibir uma subjetividade menos planejada, Panahi dirige a si mesmo a partir de certa recusa a uma busca pelo sentido ou pela interpretação, investindo em um gesto de se deixar revelar por meio de uma abertura não guiada por intenções, conceitos ou conclusões prévias.

Ao encenar um (não)filme a partir de suas dúvidas e incertezas, o diretor vislumbra aquilo que define sua subjetividade, implicando em contínuos desencantamentos que oferecem espaço a outros afetos, corpos e máscaras. Desta forma, acredita-se que esse transbordamento de fronteiras, essas arestas entre o ato autobiográfico e o autoficcional também explodem no campo da ambiguidade identitária e, assim, geram reflexão para além da representação e do cinema, mas esbarram também nos conceitos de identidade e subjetividade. Retomando as reflexões de Guattari e Rolnik (1996)GUATTARI, F; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografias do desejo. 4. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1996. a respeito da produção serializada das subjetividades, pensar outros modos de conceber a imagem de sujeito colabora para abolirmos o anseio pela homogeneidade, pela padronização e pelas certezas em torno de nossa própria formação como sujeitos. Resvalando ecos desses princípios, o olhar sobre a obra de Panahi nos ajuda a decompor os mitos acerca dessa produção serializada e industrial de subjetividade, que restringem o corpo e o desejo ao plano do visível e do consciente. No filme de Panahi, a produção de subjetividade se alimenta de um gradativo descontrole a partir dos choques entre os corpos e as imagens, desestabilizando o espaço, o tempo, o diretor e o próprio filme.

Ao analisar o quadro de Magritte, A traição das imagens (La trahison des images, 1929), Foucault (1988)FOUCAULT, M. Isto não é um cachimbo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. percebe a maneira como a inscrição Ceci n’est pas une pipe (Isto não é um cachimbo) nega aquilo que estamos vendo representado na tela e, ao mesmo tempo, traz para dentro dela todos os cachimbos reais que cabem em seu simulacro, esboçando uma rede ampla de similitudes a partir da justa/contra/o/posição de seus elementos. Ao fazer da resistência à existência de um filme ponto de partida para nomear sua (não)existência, Panahi cria, dentro do mundo de Isto não é um filme, uma obra que desloca os sentidos que cabem na própria palavra e nos permite fabular os infinitos e impossíveis filmes que estão dentro dele. Quando o ambiente da sala de estar é invadido pelas cosmologias do mundo externo que fazem implodir seu espaço, relacionamos a formação racional da subjetividade do diretor a reflexões de Foucault (1988, p. 76)FOUCAULT, M. Isto não é um cachimbo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. sobre o quadro de Magritte, que “coloca em jogo puras similitudes e enunciados verbais não afirmativos, na instabilidade de um volume sem referência e de um espaço sem plano”. Por outro lado, se o fato de o filme de Panahi não ser um filme abre a possibilidade de que ele seja qualquer coisa, esse movimento de estar disponível em um tempo e um espaço que não existem abre as portas para as infinitas e impossíveis identidades que pode conceber. Ao descolar-se de um modo de ser conectado ao corpo do indivíduo e de uma abstração que compõe uma ideia de unidade do sujeito, esse gesto imprime no filme negações e descontroles que

solapam secretamente a linguagem, porque impedem de nomear isto e aquilo, porque fracionam os nomes comuns ou os emaranham, porque arruínam de antemão a “sintaxe”, e não somente aquela que constrói as frases — aquela, menos manifesta, que autoriza “manter juntos” (ao lado e em frente umas das outras) as palavras e as coisas.

(FOUCAULT, 1999______. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 8. ed.. São Paulo: Martins Fontes, 1999., p. 13)

Quando, em certos momentos, reafirma que acredita que aquilo que Mirtah-masb e ele estão filmando na sala de estar seja ou não um filme, a imagem do desejo de Panahi nunca alcança o que ele compreende como a verdade do filme. Dessa maneira, parece possível acreditar que a forma de Isto não é um filme emerge como obra de um conflito entre os riscos das afirmações e negações que fortalece sua ideia de sujeito na instabilidade. Nessa diluição de fronteiras entre a autobiografia e a autoficção, o gesto reflexivo se torna um ponto seminal de questionamento entre as arestas da imagem, do sujeito e da imagem de sujeito. Quando nega a identificação de seu próprio filme num contexto atravessado por camadas de proibições da imagem, ao mesmo tempo faz flutuar sobre ele todos os filmes que também poderiam ser. Quando desconstroem as sintaxes que mantêm as conexões entre o ser e a palavra, as formas de si no filme emergem a partir desse movimento de uma epifania que aparece no mesmo momento em que desaparece diante dos olhos.

No movimento de se ver como observador e criador (de si, das imagens e das imagens de si), Panahi explicita os confrontos entre seu corpo e a imagem ao redesenhar constantemente o espaço, o filme e a si mesmo, tomando a forma do filme como potência para descolar as palavras das coisas, para que as vejamos nelas mesmas, em sua constante inconstância, efemeridade, impermanência. Nesse filme, o diretor investe ainda mais na criação de personas que passeiam nos seus filmes posteriores — como Cortinas fechadas (Pardé, 2013), Táxi Teerã (Taxi, 2015), 3 Faces (Se rokh, 2018), Où en êtes-vous Jafar Panahi? (2016) e Hidden (2020). Se o novo cinema iraniano dos anos 1990 investia em estratégias de reflexividade que tensionavam aspectos ficcionais e documentais em um país atravessado por censuras, apagamentos e negações, o cinema pós-prisão de Panahi extrapola essas estratégias iniciais ao explorar ainda mais a invenção de sua própria persona. Nos ecos entre o rosto e a máscara como formas de expor uma versão de si, procura-se pensar em como, enquanto narra, Panahi não representa a si nem se torna um sujeito a partir da narrativa. Pelo contrário, ele simula versões [im]possíveis de si mesmo, em que a exposição de si se retroalimenta de sua própria invenção.

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    Este artigo é resultado da pesquisa Autobiografias do Presente – Entre-Lugares da Performance e da Enunciação em Documentários Contemporâneos, que contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
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    Em Les 400 coups (1959), François Truffaut compõe um alter-ego no personagem Antoine Doinel, vivido por Jean-Pierre Léaud, em um filme que retrata sua adolescência na França; e, em La danza de la realidad (2013), Jodorowsky escala o ator Jeremías Herskovits para retratar sua infância na cidade de Tocopilla, Chile.
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    Em Caro diario (1993), Nanni Moretti interpreta a si mesmo no filme em que percorre as ruas de Roma, descobrindo fachadas, indo ao cinema, visitando o lugar onde Pasolini foi assassinado etc.; e, em Calendar (1993), o cineasta egípcio Atom Egoyan interpreta um alter-ego, um fotógrafo que retorna ao seu país natal com sua esposa (Arsinée Khanjian, atriz e esposa do diretor na vida real) para tirar fotos de igrejas armênias para um calendário.
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    Imagem disponível na URL:< https://bit.ly/35CTds1>.
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    Imagem disponível na URL: <https://bit.ly/3wYHEqp>.
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    <Imagem disponível na URL: https://bit.ly/3u7dyPJ>.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2021
  • Aceito
    03 Jan 2022
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