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O problema do fisicalismo/cognitivismo na ergonomia e segurança do trabalho

The problem of physicalism/cognitivism in ergonomics and work safety

Resumos

Este estudo investigou os problemas causados pelo fisicalismo/cognitivismo na ergonomia e segurança do trabalho. Fisicalismo é uma abordagem ontológica para a qual tudo é físico. O centro da discussão é que a metáfora "trabalhador como máquina" não é meramente uma crença isolada nas práticas ergonômicas no Brasil. Ela é a base da estrutura experiencial que envolve valores, interesses, objetivos, práticas e teorias. Isso é um sério problema porque o fisicalismo/cognitivismo tornou-se causa de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.

Fisicalismo; Ergonomia; Segurança do trabalho


This study investigated the problems caused by physicalism/cognitivism in ergonomics and work safety. Physicalism is the ontological thesis that everything is physical. The key point of the discussion is that the "workers as machines" metaphor is not merely an isolated belief in ergonomics practices in Brazil. Rather, it is a massive experiential structuring that involves values, interests, goals, practices and theorizing. This is a serious problem, because physicalism/cognitivism has already been implicated as a cause of work accidents and occupational diseases.

Physicalism; Ergonomics; Work safety


O problema do fisicalismo/cognitivismo na ergonomia e segurança do trabalho

The problem of physicalism/cognitivism in ergonomics and work safety

Gilbert Cardoso Bouyer

Departamento de Engenharia de Produção - DEENP, Instituto de Ciências Exatas e Aplicadas - ICEA, Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP, Rua Trinta e Sete, 115, Loanda, CEP 35931-006, João Monlevade, MG, Brasil, e-mail: gilbertcb@uol.com.br

RESUMO

Este estudo investigou os problemas causados pelo fisicalismo/cognitivismo na ergonomia e segurança do trabalho. Fisicalismo é uma abordagem ontológica para a qual tudo é físico. O centro da discussão é que a metáfora "trabalhador como máquina" não é meramente uma crença isolada nas práticas ergonômicas no Brasil. Ela é a base da estrutura experiencial que envolve valores, interesses, objetivos, práticas e teorias. Isso é um sério problema porque o fisicalismo/cognitivismo tornou-se causa de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.

Palavras-chave: Fisicalismo/cognitivismo. Ergonomia. Segurança do trabalho.

ABSTRACT

This study investigated the problems caused by physicalism/cognitivism in ergonomics and work safety. Physicalism is the ontological thesis that everything is physical. The key point of the discussion is that the "workers as machines" metaphor is not merely an isolated belief in ergonomics practices in Brazil. Rather, it is a massive experiential structuring that involves values, interests, goals, practices and theorizing. This is a serious problem, because physicalism/cognitivism has already been implicated as a cause of work accidents and occupational diseases.

Keywords: Physicalism/cognitivism. Ergonomics. Work safety.

1 Introdução

O presente texto está baseado em nossa própria experiência prática em empresas industriais como pesquisadores e/ou consultores. O trabalho foi então observado pelo prisma das teorias e hipóteses dos autores também pesquisados (p. ex. Johnson (1987), Smith (1999) e Varela (1994)). Portanto, há um encontro, aqui, realizado por nós, entre autores de ergonomia e segurança do trabalho, como Almeida e Binder (2004, p. 1374-1375), com autores das denominadas Ciências Cognitivas Contemporâneas, como em Petitot et al. (1999). O estudo aponta uma hipótese de que a metáfora homem-máquina (paradigma) (JOHNSON, 1987) vigora também em parte da ergonomia e da segurança do trabalho vigentes.

O objetivo deste estudo, teórico (e hipotético, calcado nas nossas experiências práticas e teóricas), é fornecer uma narrativa de um grave problema, verificado em boa parte da ergonomia e segurança do trabalho, praticadas não apenas no Brasil, mas em destaque nos Estados Unidos (com seus check lists), tanto em seu domínio epistemológico quanto ontológico: a existência de um modelo (ou paradigma), nocivo, sobre o funcionamento do homem em atividade de trabalho, subjacente às práticas adotadas pelas grandes empresas: o modelo-metáfora do sistema de tratamento físico de informações simbólicas, formulado por Fodor (1981, 1994), e melhor explicado por Smith (1999), quanto ao funcionamento da mente e do cérebro como manipuladores de símbolos físicos.

Não está explícito, no modelo de Fodor, que a mente humana é análoga a um computador. Outros autores perceberam isso por meio das afirmações de Fodor, e suas proposições, e ao examinar todo o conteúdo da obra fodoriana (por completo). Os conceitos aqui tratados, de cognitivismo/fisicalismo e outros estão plenamente presentes no modelo de Fodor, mas sem que assim (p. ex. cognitivismo cf. Varela (1994)) ele os explicite.

A hipótese aqui é aquela que se pauta no modelo de metáforas mentais (JOHNSON, 1987) que, no caso em questão, foi adaptado para explicar algo que ainda ocorre no ambiente de produção de algumas grandes indústrias e aglomerados industriais: o operador sendo visto como máquina. Isso não é uma metáfora como se conhece na língua portuguesa, mas sim um verdadeiro modelo mental atuante por trás das práticas de segurança do trabalho e ergonomia ou, nos termos de Kuhn (1977), um paradigma que aglomera as mentalidades e, em sentido inverso, fornece, a cada um, uma forma específica de agir.

Optamos por um estudo hipotético, redigido na forma de ensaio, teórico, sem dados empíricos; visto que o objetivo era apontar, na produção, um novo caminho que a ciência aponta: o das metáforas mentais. Teve como base a teoria de Kuhn (1977) sobre os paradigmas, localizando aqui dois paradigmas distintos: fodoriano (fisicalismo/cognitivismo) (FODOR, 1981, 1994; SMITH, 1999) × sistemas (dinâmicos) acoplados ao seu meio circundante e em intensa interação com ele (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1993).

Outra hipótese utilizada é a hipótese das metáforas subjacentes à cognição e à ação (JOHNSON, 1987). Por exemplo, apoiados na hipótese de que, governando as ações dos gestores de segurança do trabalho, existe a metáfora: "O operador tem que seguir todas as normas como uma máquina: preciso e sem erros". No livro de Johnson (1987) existem exemplos metafóricos deste tipo.

Um exemplo típico e exemplificador da metáfora homem-máquina na segurança do trabalho pode ser observado no caso de um assistente de obra (operador) da construção civil que morreu porque "não lembrou" de fechar a porta do elevador improvisado na obra. Observemos - o caso do acidente em um elevador de obra de construção civil é relatado por Almeida e Binder (2004, p. 1374-1375), e ilustra bem a hipótese em pauta. Vejamos o que dizem os autores:

[...] Trata-se de acidente ocorrido quando o acidentado, chamado para resolver um problema relacionado aos reparos em execução na caixa d'água de um edifício, ao deixar o elevador que o levara até o pavimento em que se localizava a caixa, não fechou a porta do elevador (omissão). Ao ser aberta para dar acesso ao local de trabalho, a porta projetava-se para fora sobre uma plataforma na qual os trabalhadores caminhavam até a caixa d'água. A abertura e o fechamento da porta eram manuais e o elevador não possuía dispositivo de bloqueio à movimentação caso a porta estivesse aberta. Ao sair do elevador para a plataforma, o trabalhador não fechou a porta, caminhando em direção à caixa d'água. Nesse momento, o elevador começou a descer e a porta aberta chocou-se com a plataforma, derrubando-a. O trabalhador sofreu queda de 40 metros de altura e faleceu [...]. (ALMEIDA; BINDER, 2004, p. 1374-1375, grifo nosso).

Mais adiante, os autores, ainda que sem fazerem alusão às teorias da metáfora-homem-máquina, exemplificam corretamente esta hipótese, que ora estamos propondo, a qual pode ser verificada por qualquer sujeito de pesquisa que assim desejar. Nesse sentido, vejamos outras afirmações de grande importância dos autores:

[...] O caminhar é um dos exemplos de desempenho humano baseado em habilidades (skillbased), no qual predomina o controle automático, o que permite ao indivíduo realizar determinada sequência de operações sem precisar mobilizar a atenção para elas. Nesse acidente, verificou-se que a omissão ocorreu durante o deslocamento (caminhada) do acidentado para o local de origem da demanda e na proximidade desta, o que, pelas características do funcionamento psíquico dos seres humanos no trabalho, tende a mobilizar a atenção do trabalhador para a atividade que deverá realizar. E o fechamento da porta não tem relação com seu objetivo principal, com maior capacidade de capturar sua atenção [...]. (ALMEIDA; BINDER, 2004, p. 1376, grifo nosso).

E o operador ainda foi declarado culpado pelo acidente que o matou.

Em seu acoplamento sensório-motor com o ambiente, o trabalhador não elabora representação mental, ele se move, ele age, guiado pela intencionalidade motora (PACHOUD, 1999; BARBARAS, 1999). Ele simplesmente caminha. Não há uma reflexão, na tarefa (e nem tempo para isso ante a elevada pressão temporal desta), como se o trabalhador estivesse a executar um algoritmo do tipo: "1- eu vou abrir a porta; 2- agora eu vou sair; 3-a gora eu vou fechar a porta". Ele não elabora este tipo de representação mental, e o acidente foi a prova indesejável disso. Ele simplesmente, em sua intencionalidade motora (PACHOUD, 1999; BARBARAS, 1999), age conforme o contexto. Ou seja, em seu agir corporificado, que integra mente e corpo, ele caminha para fora quando a porta está aberta. E só.

Nesse caso do elevador da construção civil, não deveria ser necessário que o trabalhador se lembrasse de fechar a porta (ou representasse este ato). Um mecanismo, sensório-motor (que atingisse o acoplamento sensório-motor entre trabalhador e ambiente), do tipo affordance, deveria ser empregado para bloquear o comportamento automático de sair sem fechar a porta. Uma affordance que guiasse a ação do trabalhador, todas as vezes que ele fosse sair, atrelando o ato de sair ao ato de fechar a porta. Isso porque, no caso em questão, a implementação de uma porta automática talvez não fosse viável. O uso da affordance seria, então, uma opção segura.

A verificação da hipótese aqui apontada pode ser realizada por qualquer pesquisador, munido, em sua empreitada, dos conhecimentos da Análise Ergonômica do Trabalho (AET) basicamente apresentada também em Guérin et al. (2001); e, quanto ao estudo da cognição, apoiar-se também em Johnson (1987) e em todos os demais aqui citados.

O comportamento dos gestores, que tem como objetivo otimizar a conduta dos trabalhadores, está embasado por uma metáfora (JOHNSON, 1987) que é construída por uma analogia entre o comportamento humano e o funcionamento de uma máquina - essa é a hipótese do nosso estudo. Na ergonomia, a prescrição de posturas e o enquadramento da atividade cognitiva num modelo maquinal ainda estão presentes em alguns autores (GRANDJEAN; KROEMER, 2005), a título de exemplo.

Portanto, o que se apresenta aqui é uma simbiose entre os longos anos de observação de atividades de trabalho, uma extensa pesquisa bibliográfica para alcançar a visibilidade de um contraponto: o paradigma do fisicalismo/cognitivismo (fodoriano) × o paradigma dos sistemas (dinâmicos) acoplados em seu mundo exterior, e guiados pela sensório-motricidade (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1993; PACHOUD, 1999).

Isso nos leva a demarcar algumas questões às quais o "paradigma fisicalista/cognitivista" não responde de forma alinhada com o "paradigma dos sistemas (Dinâmicos) incorporados em seu meio circundante". Como é possível ainda prescrever posturas e modos operatórios para os trabalhadores? O paradigma dos sistemas dinâmicos... apenas se aplica onde exista liberdade/autonomia para as regulações e autorregulações; e havendo a possibilidade de variar o modo operatório.

Embora o modelo não seja explícito nem para os seus adeptos, as abordagens de análise do trabalho que recomendam, prescrevem e até padronizam "posturas corretas"; ou fixam os modos operatórios segundo padrões quantitativos e antropométricos pré-definidos - estão baseadas nele: o modelo fodoriano (de J. Fodor), fisicalista e cognitivista, de funcionamento do homem em atividade de trabalho. Numa vertente da ergonomia, essa limitação já é bem conhecida, em outros termos diferentes do fisicalismo/cognitivismo. Na segurança do trabalho, o fisicalismo/cognitivismo aborda o trabalhador como um sistema de processamento simbólico de informações: aquele que é enviado para a sala de treinamento da empresa para receber informações teóricas sobre saúde e segurança do trabalho.

Ou seja, pressupõem que o operador vai agir de forma proposicional, reflexiva, elaborando representações mentais simbólicas quanto ao melhor uso do próprio corpo. Isso implicaria que ele somente viria a seguir as posturas e gestos recomendados, via uma planificação mental ou representação das prescrições. Isso no cerne de um contexto produtivo geralmente pautado pelo ritmo acelerado da produção e das prescrições quantitativas da tarefa (metas a atingir e/ou superar, resultados, objetivos, etc.) (GUÉRIN et al., 2001; HUBAULT, 2004; DEJOURS, 1997).

Postula-se, neste estudo, que tal não ocorre. Ou seja, o suposto comportamento seguro e produtivo, a integrar mente, corpo e ambiente numa totalidade psicofisiológica, não é causado por um processamento de informações simbólicas. Por isso, parte da segurança do trabalho no Brasil é fisicalista/cognitivista, pois consiste basicamente no fornecimento de regras, normas e padrões aos trabalhadores, ao invés de fornecer dispositivos (até mesmo eletrônicos) de segurança e prevenção de acidentes. Não adianta, portanto, enviar os trabalhadores para a sala de treinamentos com seus vídeos, datashows e etc. porque somente informação não muda comportamento, atividade ou ação.

O uso do corpo (gestos, posturas, modos operatórios e cognição), em atividade, não é mediado pela representação mental. Na realidade, o operador sente, percebe, move-se (sensório-motor) e pensa, de forma interdependente - ele age acoplado ao seu ambiente de trabalho (físico, cognitivo, psíquico e social) delineado pelo seu agir em sua corporeidade (ação situada, incorporada) no contexto concreto de uma situação de trabalho específica. Ele não tem como sair de si mesmo e de seu mundo (o "para si" ligado ao mundo) para observar, a si mesmo, e "representar" o melhor uso do corpo em atividade de trabalho ou as melhores decisões a tomar. A ação é guiada pela percepção, e esta é afetada pela ação, num circuito recorrente e de mútua especificação (THOMPSON, 2005).

O mesmo vale para a segurança do trabalho, quando ela concentra suas preocupações essencialmente no fornecimento de instruções sobre o uso e a importância dos EPIs (equipamentos de proteção individual), na forma de treinamentos. Novamente, o modelo fisicalista/cognitivista está presente, ao pressupor que o fornecimento de informações simbólicas aos trabalhadores - ainda que relativas à prática - atinge suficientemente o objetivo inicial de mudar um suposto "comportamento de risco" para um "comportamento seguro". Um equívoco ontológico: informação não muda o comportamento do agente (sujeito da ação), porque o conhecimento necessário à mudança de comportamento não ocorre via transmissão de informação (PESCHL, 2006). Essa ideia é típica do cognitivismo. E ainda hegemônica em grande parte das práticas de segurança e saúde ocupacional, adotadas por empresas de diferentes setores de atividade econômica; e verificada também na área de educação nos diferentes níveis (fundamental, médio e superior).

A ergonomia francesa já se desvencilhou, há bastante tempo, dos pressupostos do fisicalismo/cognitivismo na análise, compreensão e transformação do trabalho, como atestam as palavras dos autores a seguir. No entanto, por que, no Brasil, insistem em permanecer vivos a metáfora e o modelo dos trabalhadores como máquinas, ambos subjacentes às práticas ergonômicas, em especial nos serviços de consultoria, que focam, sobretudo, os aspectos ambientais e da carga física de trabalho, em detrimento das dimensões cognitiva e psíquica da atividade?

Da concepção de homem como sistema de tratamento de informação, popular nos princípios da ergonomia, nós passamos progressivamente às concepções do tipo construtivista. (LEPLAT; MONTMOLLIN, 2004, p. 56, tradução nossa).

Dos pressupostos fisicalistas/cognitivistas, ainda subjacentes às práticas superficiais da ergonomia e segurança do trabalho, podem emergir problemas (ou permanecer intocáveis) tais como adoecimentos e acidentes no trabalho.

2 Compreendendo o problema de pesquisa pelo caso Hans Selye

Aqui estamos tratando de hipóteses. É possível uma hipótese que afirme que o fisicalismo/cognitivismo está subjacente nos sistemas de gestão em segurança e saúde no trabalho (e seus gestores)? Reflitamos melhor com o caso Selye (JOHNSON, 1987, p. 127-138): a afirmação de que há uma similaridade do caso Selye com o fisicalismo/cognitivismo nas ciências do trabalho também é hipotética.

O caso a seguir ilustra, na verdade, um paradigma de pesquisa (das metáforas mentais), como nas palavras de Kuhn (1977). Um caso análogo ao problema discutido neste artigo é descrito por Johnson (1987, p. 127-138). Subjacente à ação do médico Selye, existe um conjunto de pressupostos ou, nas palavras do autor, um modelo mental ou uma metáfora, que condicionam a sua compreensão da situação e sua forma de agir. Isso ocorre, segundo nossa hipótese, não apenas no caso do médico, mas também, hipoteticamente, nos sistemas de produção dotados das áreas de ergonomia e segurança do trabalho. E com os gestores das empresas, responsáveis por gerir a ergonomia e a segurança do trabalho, o modelo subjacente às práticas destes gestores é uma metáfora do tipo: "corpo e mente como sistemas de processamento de informações simbólicas e elaboração de representações mentais".

Em princípio, a metáfora dominante no universo cognitivo do médico era a seguinte: "corpo como máquina" (JOHNSON, 1987, p. 136). Com o decorrer do tempo, Selye transforma seu modelo mental em uma nova concepção dos seus pacientes, quando passa a ter como pressuposto de seu pensamento compreensão e ação a metáfora: "corpo como um organismo (sistema) homeostático", ou seja, sistema dinâmico.

A primeira metáfora do corpo como máquina fora adquirida por Selye na Escola de Medicina. Ela orientou sua prática profissional, em especial na forma de examinar os pacientes, construir um diagnóstico e fornecer um tipo específico de tratamento. A metáfora "corpo como máquina" não se trata de uma crença isolada do médico, mas uma estrutura experiencial que envolvia seus valores, metas, práticas e processos mentais de percepção da realidade, compreensão da situação (no caso, dos pacientes em consulta) e elaboração de um tipo de tratamento a ser prescrito (JOHNSON, 1987).

O médico descrito por Mark Johnson tinha como motor dos seus valores, crenças, expectativas, percepções, entendimento e compreensão da situação, modelagem do problema e planificação da ação uma metáfora do corpo como máquina, o que impactava diretamente na sua prática profissional. Conforme descrito pelo autor, ele tendia a "enxergar" o corpo do paciente como: a) um conjunto de partes distintas e interconectadas; b) uma unidade funcional que executa vários objetivos; c) movido por uma fonte de energia que o coloca em operação (JOHNSON, 1987). A doença, então, assemelha-se a um mau funcionamento de uma das partes ou conexões, e se manifesta em um ponto específico, bem definido, de uma das "peças" do corpo ou na interligação entre algumas delas. Na metáfora do corpo como máquina, um diagnóstico consiste em localizar a parte específica, da "máquina", que esteja "com defeito", ou seja, com mau funcionamento. O tratamento será bastante específico de acordo com a especificidade e a localização precisa da parte (peça) defeituosa ou suas conexões e pode demandar a sua substituição, reparo, alteração. Essa visão causal do problema implica prever o "estrago" que uma parte com problema pode causar em outra. Finalmente, as partes em funcionamento como uma unidade não são dotadas de autoadaptação por si próprias (JOHNSON, 1987).

Conforme já apontado, o entendimento, a compreensão de Selye, e sua prática médica eram estruturados pela metáfora "corpo como máquina", que viria a determinar sua percepção da situação, diagnóstico, tratamento e outras práticas relacionadas à sua atividade de médico.

A metáfora vai definir o que virá a ser percebido ou não, na ação do médico. Em outras palavras, o controle cognitivo da ação (AMALBERTI, 1996, 2004; HOC, 2004), suas delimitações e alcances são dados pelo "modelo mental" ou metáfora. O caso de Selye exemplificou bem isso. Ou seja, como em sua mente predomina a metáfora homem-máquina (modelo mental), ele deixa escapar tudo o mais que não seja similar a um mecanismo operando pelas leis da física - não percebe nada que escape ao modelo. Em outras palavras, ele encaixa o que atende ao seu modelo mental homem-máquina, e como está demonstrado, isso reflete em quase todos os seus atos e ações práticas (JOHNSON, 1987). Ele vai tender a descartar alguns aspectos no diagnóstico e considerar outros como sendo mais relevantes em função desta metáfora ontologicamente arraigada no universo mental, enquanto uma estrutura não proposicional, pré-reflexiva e calcada na experiência sensório-motora até no nível dos padrões recorrentes dessa atividade sensório-motora do córtex. Isso acontece com diferentes agentes em diferentes atividades de trabalho: existe um modelo tácito, implícito, do tipo que é geralmente rotulado de "modelo mental", o qual transforma a ação e lhe confere um curso específico no acoplamento do sujeito ao seu ambiente social de oscilações e obstáculos (sistema dinâmico).

No exemplo da atividade médica fornecido por Johnson (1987), o autor afirma que desde a faculdade de medicina até os primeiros anos de experiência profissional, esta metáfora do corpo como máquina determinou a percepção ("a visão") de uma dada doença como estando acompanhada de um conjunto específico e único de sintomas dotados de características particulares essenciais, atreladas a uma parte bem específica do "corpo-máquina". Isso implicava a desconsideração da compreensão do organismo humano como um sistema dinâmico e homeostático. Logo, o tratamento também tendia a ser orientado por esta lógica de percepção "maquinal", buscando o emprego de substâncias especificamente voltadas para a ação em uma parte isolada, específica, da "máquina"- corpo.

A ideia de que poderia existir uma reação não específica, uma doença mais global e genérica, ou um stress, não ocupava qualquer espaço no modelo mental do médico, o qual determinava sua percepção e sua ação na atividade de trabalho. Consequentemente, sintomas que mereceriam atenção do profissional, devido ao seu caráter não específico, ficavam então despercebidos no "filtro" da metáfora do "corpo-máquina" (JOHNSON, 1987).

Transitando para outro conjunto de pressupostos-base da percepção e da ação, ou outra metáfora, a do corpo como um "organismo homeostático", o corpo-máquina cede espaço para o organismo dotado de homeostase, com a manutenção e a regulação do estado por meio de processos que não se resumem a uma explicação mecanicista de um conjunto de partes em interação física umas com as outras.

Sob a influência da nova metáfora "corpo como organismo homeostático", as respostas do corpo passam a ser vistas como afetadas por uma série de funções e uma síndrome de resposta como tendo ligação com uma função global do organismo como um todo.

O problema passa então a ser visto como uma resposta adaptativa global do organismo como um todo. O ponto de vista estritamente lógico-dedutivo da metáfora máquina cede terreno a padrões inferenciais modificados pela nova metáfora da homeostase (JOHNSON, 1987).

As percepções, discriminações, valores, crenças e práticas do Dr. Selye se alteram sob o prisma da metáfora do organismo homeostático. Uma síndrome, por exemplo, passa a ser percebida como resposta global adaptativa do organismo a um agente estressor. A metáfora-máquina não permitia um entendimento, uma compreensão e nem inferências deste tipo. Ela não possibilitava ao médico perceber a resposta adaptativa global do organismo a um estressor. "Sem a metáfora da homeostase, não havia motivação para esta linha de questionamento." (JOHNSON, 1987, p. 133). E mais adiante conclui o caso do médico Selye, de modo elucidativo para os objetivos aqui propostos, ao afirmar que:

[...] um programa inteiro de pesquisa não seria possível sem a mudança [...] nas estruturas metafóricas dominantes da experiência. Para sintetizar, minha análise do projeto Selye lança luz no modo como estruturas metafóricas subjacentes possuem implicações que geram padrões definitivos de inferência, percepção e ação. (JOHNSON, 1987, p. 136).

E segue dizendo que aquilo que é possível compreender sob influência de uma metáfora - extensão de esquemas incorporados e imagéticos - não é possível compreender sob influência de outra metáfora ou de outro conjunto de pressupostos ou modelos mentais.

Segundo o autor, a análise do caso do médico Selye demonstra que um vasto domínio de nossa experiência, compreensão, raciocínio e prática são metaforicamente estruturados. As metáforas, e os esquemas a elas associados, são a base dos sistemas de percepção, inferências, compreensão e construção de sentido para diferentes situações, os quais, segundo Johnson (1987), não se traduzem em manipulação proposicional (baseada em proposições) de representações mentais.

3 Analogia do Caso Selye com o fisicalismo/cognitivismo na ergonomia e segurança do trabalho

A hipótese, aqui, é simples: Há uma similaridade do Caso Selye com o fisicalismo/cognitivismo presente em parte da ergonomia e segurança do trabalho. Em alguns casos, na prática dos consultores em ergonomia, e segurança do trabalho, verifica-se algo análogo à metáfora-máquina do caso Selye de Johnson. O trabalhador é visto como sistema de processamento de informação, numa modelagem equivocada do real do trabalho, a qual gera mais prescrições, inclusive de modos operatórios e formas de uso do corpo (como posturas) e, na segurança do trabalho, prescrição de normas e regras que não ganham sentido nas situações reais, e permeiam também os treinamentos teóricos e baseados na ideia de um processamento simbólico de informações descontextualizadas: estes consistem no fornecimento de informações, regras, normas, etc., segundo uma equivocada crença de que seja isso o substrato concreto de um denominado "comportamento seguro".

Para melhor compreender a forma como esses consultores externos, em geral, enxergam a atividade de trabalho, faz-se necessário adentrar nas noções centrais do fisicalismo/cognitivismo, localizadas no modelo fisicalista de Jerry Fodor (1981, 1994); no cognitivismo e na noção de representação mental.

4 O modelo fisicalista de Jerry Fodor na ergonomia e segurança do trabalho

Os quatro conceitos abaixo descritos estão presentes no modelo de Fodor (1981, 1994), mas não de forma explícita. Em Fodor (1994), é nítida a similaridade do seu modelo de mente/cérebro com o processamento físico de símbolos em um computador. Tais conceitos podem ser mais bem compreendidos em Smith (1999). Logo, não está explícito, no modelo de Fodor, que a mente humana é similar a um computador. Outros pesquisadores (por exemplo, aqui Smith (1999)), numa crítica amadurecida sobre a obra de Fodor por inteiro, construíram esta crítica ao modelo cérebro-máquina (homem-máquina) fodoriano, a qual está inserida, no campo das Ciências Cognitivas Contemporâneas, no termo: cognitivismo (VARELA, 1994).

O cognitivismo está presente em toda a obra de J. Fodor e permitiu aos seus críticos identificarem alguns termos-chave, tais como fisicalismo, causalismo, computacionalismo e formalismo sintático, os quais não estão explícitos no modelo de Fodor mas caracterizam-no, modelo no qual também não surge explícita a similaridade do cérebro com um computador, como dito anteriormente, embora esta seja a tônica do pensamento de Fodor. Esses conceitos são constructos das Ciências Cognitivas Contemporâneas (VARELA, 1994).

O modelo de homem como um sistema de tratamento de informação foi bem formulado por Jerry Fodor (1981, 1994), conforme suas noções (bem próximas umas das outras...) de fisicalismo, causalismo, computacionalismo e formalismo sintático. Tais conceitos não surgem explicitamente em Fodor, e não são os únicos, mas foram sintetizados e explicados por Smith (1999, p. 102-103), para quem, em seu conjunto, os quatro constituem um modelo fisicalista/cognitivista de funcionamento da cognição humana. Trata-se de uma metáfora - modelo mental ou paradigma - do tipo: "a mente/cérebro humana opera de forma similar a um computador". Isso não está explícito na obra de Fodor, mas surge em conceitos pinçados em sua obra por outros autores mais críticos. Esse modelo fodoriano baseia-se nos conceitos a seguir (SMITH, 1999, p. 102-103), localizados e listados separadamente, a partir do pensamento de Jerry Fodor (1981, 1994), por Smith (1999, p. 83-110).

  • Fisicalismo. Em Jerry Fodor (1981, 1994), tem-se um modelo mental, subjacente às práticas e modos de compreensão da realidade, sintetizado por Smith (1999), que conseguiu caracterizar, conceitualmente, esse modelo (fisicalista) de J. Fodor (1981, 1994): o fisicalismo afirma que toda explicação científica é válida apenas se for baseada nas leis da física, e segundo o modo de elaboração do conhecimento realizado por esta ciência. A mente humana seria, então, similar a um computador, que, em suas estruturas maquinais, manipula fisicamente símbolos. Esse é um dos principais pilares do pensamento de J. Fodor (SMITH, 1999, p. 102-103).

  • Causalismo. O causalismo de Fodor afirma que o conteúdo intencional e o significado linguístico se resumem a informações simbólicas. O significado linguístico é causado pela transmissão física de símbolos, no sentido puramente técnico de uma estrutura física, transmitida por um fluxo causal. A sintaxe causaria, então, a semântica (SMITH, 1999, p. 102-103).

  • Computacionalismo. O computacionalismo defende que o pensamento humano é uma espécie de computação, no sentido técnico do termo na ciência da computação. Ou seja, um processo definido na forma de algoritmo, a se processar num computador digital, é idêntico ao funcionamento de uma rede neural no cérebro (SMITH, 1999, p. 102-103).

  • Formalismo sintático. Em Fodor, o formalismo sintático significa que as propriedades do pensamento são puramente formais, sintáticas e na forma de processamento físico de símbolos, no cérebro, tal qual nos computadores (SMITH, 1999, p. 102-103).

A característica central desse modelo fodoriano é a negligência da relação entre cognição e atividade motora e sensório-motora (THOMPSON, 2005; PACHOUD, 1999), e o papel do corpo na cognição - já incontestáveis nas ciências cognitivas da atualidade (PETITOT et al., 1999; THOMPSON, 2005).

Na concepção dos sistemas homem-máquina, na ergonomia voltada para a IHC (interação humano-computador), isso implica decisões arriscadas, desde o projeto até sua gestão, as quais negligenciam o papel da sensório-motricidade na atividade cognitiva de trabalho diante destes sistemas (THOMPSON, 2005; PACHOUD, 1999). Os modos operatórios são construídos conforme a construção da ação na atividade de trabalho (AMALBERTI, 1996), integrando diferentes aspectos concretos da situação. Portanto, não são construídos por um processamento físico de símbolos externos que se possa prescrever.

O cognitivismo de Fodor (1981), subjacente a vários modelos de ergonomia e saúde ocupacional, oferece riscos para a eficiência da atividade, para a saúde dos trabalhadores e para a segurança do trabalho. A premissa é simples. Muitos programas e sistemas (de gestão) de segurança e saúde dos trabalhadores se apoiam no pressuposto de que o fornecimento de informações simbólicas (input) aos operadores - como conhecimento descontextualizado, prescrito na tarefa - causaria (enquanto o causalismo anteriormente explicado) um comportamento (output) eficaz e supostamente seguro no trabalho: o pressuposto fisicalista/cognitivista. Levar o trabalhador para a sala de aula, por si só, não resolve o problema, ainda que os consultores pensem o contrário. Isso pode ser verificado desde as placas de sinalização (na área de produção); os treinamentos teóricos em sala de aula onde somente se transmite informação (não conhecimento); passando pelas ditas normas de segurança que, muitas vezes, entram em conflito com a produtividade e a qualidade; afinal, tem-se que produzir muito, e rápido, e com qualidade e, finalmente, com segurança: como conciliar tudo isso (HUBAULT, 2004)? Certamente não será observando placas ou normas ou instruções verbais que têm sua eficácia aniquilada pela pressão temporal. Desconsidera-se a inserção corporificada, no tecido social da atividade, numa história de trabalho e numa tradição (GADAMER, 2004).

5 O cognitivismo e o representacionalismo nas ciências do trabalho

O termo "cognitivismo" (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1993, p. 40-57; VARELA, 1994, p. 78-83) é o que melhor sintetiza todos os "ismos", de Jerry Fodor, anteriormente citados (fisicalismo; causalismo; computacionalismo; formalismo sintático). Estes termos foram bem explicados e detalhados por Smith (1999, p. 84-110). O cognitivismo tornou-se um paradigma forte em meados da década de setenta, mas um modelo ontologicamente incorreto quanto às hipóteses sobre as ações da cognição e da própria mente - se comparado com as ciências cognitivas contemporâneas. Ou seja, o cognitivismo afirma que a mente funciona com base em representações internas que corresponderiam fielmente ao mundo exterior. Similar a um sistema de tratamento de informação, via manipulação física de símbolos a partir de regras de caráter sintático. Por essa computação física simbólica, enquanto uma causa, seria gerada a cognição - que dota a experiência de sentido - o que soa absurdo, visto que a hipótese cognitivista implica que o sentido seria gerado pela manipulação de símbolos, enquanto elementos físicos descontínuos, e apenas de seus atributos físicos, os quais não possuem sentido qualquer. Como o sentido poderia ser gerado por algo que não o possui? Como a dimensão sócio-histórica pode ser descartada do sentido gerado?

O cognitivismo é uma abordagem dualista, no sentido cartesiano, em que a cognição seria um fenômeno abstrato (VARELA, 1994, p. 78-83), desvinculado da interação concreta, mediada pelo corpo e suas estruturas sensório-motoras, do operador com o ambiente social e histórico-cultural. Ela ocorreria de forma passiva e estática, sem a participação do caráter ativo e intencional do "agir" do agente sobre o seu meio. Daí surge a noção controversa de "representação mental", ou simplesmente "representação" (SMITH, 1999; VARELA, 1994, p. 78-83; VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1993, p. 134-140), como o produto da manipulação simbólica cognitivista. Seus sinônimos rudimentares seriam: espelhamento; cópia; correspondência; captação; transmissão; mapa. Na ergonomia e na segurança do trabalho, pressupõe-se um modelo de sujeito cognitivo que tem capacidade absoluta de compreender, de forma completa e independente de si próprio (saberes, desenvolvimento cognitivo, etc.), todos os fenômenos da produção: isso corresponderia a uma representação mental de toda e qualquer situação, incluindo os aspectos que o próprio sujeito não teria como perceber ontologicamente. Portanto, trata-se de um equívoco. O sujeito não pode sair de seu acoplamento com o ambiente de trabalho para observar e interpretar todos os seus gestos, atos e ações, tal qual na elaboração de uma representação mental (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1993). Sujeito e mundo estão acoplados e a percepção apoia-se neste acoplamento indissolúvel (arco intencional segundo Thompson (2005)) negligenciado na noção de representação mental (VARELA, 1994).

Ou seja, a mente espelharia, em seu interior, o mundo tal qual ele realmente é (em si), e o perceberia em seu caráter essencial, puro, fidedigno, como algo dado, pronto e acabado, externamente situado no sujeito e independente dele. Um aniquilamento do caráter existencial do mundo (THOMPSON, 2005), que, na verdade, existe para um sujeito que nele habita, age, atua, move-se, etc. O mundo seria, então, representado de forma idêntica por diferentes sujeitos, independentemente de suas estruturas sensório-motoras, e das especificidades do acoplamento sensório-motor com o ambiente de atuação (THOMPSON, 2005). Tal abordagem, representacionalista (ROY, 1999), falha por não conseguir explicar as diferentes formas de perceber a realidade, verificadas em sujeitos dotados de histórias distintas, e experiências singulares, além das falhas de intercompreensão. Isso é comum no caso dos acidentes de trabalho. O representacionalismo não consegue explicar as distinções, de "espelhamento", no "mapa mental", atreladas a experiências e histórias socioculturais distintas. Ou moduladas pelo curso da ação, na relação direta ação-cognição-ação...

Ou seja, a noção de representação mental nega essa espessura do ser - sua camada pré-objetiva construída por história, cultura, sociabilidade, experiências e vivências num dado mundo, que jamais pode ser o mesmo para todos os sujeitos, haja vista as múltiplas distinções dessa espessura ontológica. O "ver como" depende desse acoplamento do tipo "ser-no-mundo" ou "Dasein", para usar uma expressão clássica da fenomenologia alemã de Heidegger (2005). A ideia da representação, cognitivista, supõe que o "ver como" é universal, único e idêntico para todos os sujeitos. E que em nada se relaciona com sua existência fenomenal. Mas, "[...] o ser vivente não é nada como um corpo físico, um fragmento de um grande objeto, governado por leis da física ou da química." (BARBARAS, 1999, p. 537-538, tradução nossa).

Hoje, sabe-se que o comportamento não é causado por representação mental. Cognição é ação: a cognição tem como fundamento as funções sensório-motoras do acoplamento incorporado entre agente e mundo (THOMPSON, 2005; PACHOUD, 1999). Tal paradigma ainda não foi assimilado, no Brasil, nem pela ergonomia (em sua maioria) e nem pela segurança do trabalho (em sua totalidade).

6 Caracterizando o fisicalismo/cognitivismo em ergonomia, segurança e saúde no trabalho

O conhecimento necessário para a segurança do trabalho, para a saúde dos trabalhadores, não pode ser formatado como um conjunto de informações simbólicas. O conhecimento se constrói na ação, num processo ativo sobre o ambiente da produção e não por "transmissão" (PESCHL, 2006) - conhecimento este que o autor designa como uma profunda compreensão situada e contextualizada do fenômeno observado. Essa compreensão profunda é uma construção, que ocorre vinculada à ação concreta dos operadores, em seu acoplamento sensório-motor (THOMPSON, 2005) com seu ambiente de trabalho.

No caso do conhecimento necessário para a saúde dos trabalhadores, em especial pelas vias da ergonomia e da análise ergonômica do trabalho, há a necessidade de compreensão e geração de saberes, aprofundados, sobre a atividade de trabalho (PIZO; MENEGON, 2010). Um tipo de conhecimento como o descrito por Peschl (2006), construtivista.

Conceitos importantes para a segurança do trabalho, como os de "compromisso cognitivo" (AMALBERTI, 1996) e "controle cognitivo da situação" (AMALBERTI, 2004), que não são abrangidos pelo escopo epistemológico do cognitivismo/fisicalismo, apontam que a compreensão dos problemas de segurança do trabalho situa-se na interdependência entre cognição e ação. Tais conceitos sequer são conhecidos na maioria das empresas em que ainda predomina a insistência em tentar causar (causalismo) mudança de comportamento (output) pela transmissão de informação (input) na forma de treinamentos, cartilhas, folhetins, avisos, advertências ou pela prescrição de condutas, modos operatórios, posturas, procedimentos sem alcançar uma compreensão profunda do problema da segurança do trabalho e a construção de conhecimento (PESCHL, 2006) necessário.

Ao invés da compreensão do conhecimento como construção social, e incorporado, ainda se mostra hegemônica a noção de transmissão de informações externas. A construção é social, partilhada e autônoma, ao passo que a transmissão é idealista, externalista, objetivista e heterônoma (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1993, p. 139).

Por que ainda se insiste em atribuir ao pensamento proposicional (no sentido de "proposição objetivista" (JOHNSON, 1987, p. 28-29)) do trabalhador, como representação mental, a responsabilidade isolada pela conservação de sua saúde no trabalho? Um trabalhador não possui a plena consciência dos mecanismos pelos quais o seu corpo e a sua mente são colocados em risco numa situação de trabalho. Isso seria possível apenas se a mente trabalhasse como um computador no formato de uma representação mental externalista.

Por isso, conforme nossas observações de campo - ao longo dos anos, e também, de aprofundados estudos teóricos (p. ex. Johnson (1987), Petitot et al. (1999)) - observou-se que, operando nos sistemas de produção está a metáfora-máquina, como um verdadeiro paradigma que, no sentido de Kuhn (1977), funciona como um suporte para as mentalidades e encontra-se subjacente à prática dos atores sociais em seus papéis na empresa.

Verificamos que diversos outros autores (p. ex. Assunção (2003)) também assim o demonstram, em seus trabalhos, que não são eficazes as práticas de ergonomia e segurança do trabalho que prescrevem procedimentos seguros na forma de informações, modos operatórios ou posturas, sem concessão de autonomia suficiente para regulação (GUÉRIN et al., 2001) e variação dos modos de execução da tarefa - como exemplificado também pelo trecho do artigo, de dois autores, anteriormente transcrito e explicado (ALMEIDA; BINDER, 2004), em que o operador deveria processar mentalmente o ato, maquinal, de fechar a porta do precário elevador da construção civil - e ainda com tantas tarefas físicas e cognitivas, que ocupam espaço na denominada "memória de trabalhado" sobrecarregando-a, numa pressão temporal exorbitante. Nestas condições, como conseguir lembrar de fechar a porta de um elevador ao sair?

Um operador não tem como refletir e explicar, no exato momento da ação - na situação real - o "porquê" de mudar a postura, o modo operatório, o comportamento, as decisões contextualizadas e situadas e, principalmente, a própria ação (como crê o cognitivismo). No entanto, ele experimenta, e sente, o momento de mudar o modo de execução do trabalho, ou de agir de determinada forma singular, ainda que não saiba explicar as suas razões e motivos em uma dada situação específica. Ele simplesmente está incorporado em seu mundo de ação-cognição (THOMPSON, 2005). Isso ocorre porque a ação guia o comportamento e, para preservar saúde e evitar acidentes, não basta fornecer informações, e sim criar dispositivos concretos de auxílio cognitivo e apoio à ação no trabalho. À ergonomia permanece a função de preservar e economizar a cognição, e não de sobrecarregá-la.

Portanto, não se mostra eficaz, do ponto de vista da ergonomia e da segurança do trabalho, fornecer informações e prescrições sobre o "modo ótimo de uso do corpo" no trabalho. O "uso de si por si mesmo" (SCHWARTZ, 1996) em atividade não é mediado pela representação mental, mas sim pela atividade sensório-motora moduladora da inter-relação entre ação, percepção e cognição (THOMPSON, 2005).

O trabalhador não pode, como um computador, num ritmo de produção intenso e acelerado, pautado por metas da tarefa, elaborar representações mentais sobre qual postura adotar, qual forma segura de agir, etc. O sujeito simplesmente age, percebe e pensa de forma interdependente, acoplado em seu mundo de ação, incorporado nele, sem a clareza proposicional de uma representação interna, idealista, a respeito do ambiente e das circunstâncias muito específicas da situação. Afinal, o operador não tem como abandonar o acoplamento ao seu mundo singular e específico de ação para ver o mundo "em si" e a si mesmo independente da sua ação incorporada de sujeito inserido/acoplado ao mundo. Ou seja, a visibilidade do mundo e do sujeito, de forma pura e independente (Descartes...) não é possível porque o sujeito não tem como "sair de si mesmo e do mundo de atuação" para contemplá-los.

À ergonomia e à segurança do trabalho cabe criar recursos que, sem a necessidade de uma representação mental por parte do trabalhador, lhe permitam agir de acordo com a demanda da situação e do seu organismo. Ele simplesmente age sem ter consciência plena, e um pensamento proposicional, sobre as razões e motivos disso.

Nesse sentido, permanece um mistério sobre por que ainda prevalecem os modelos de ergonomia e segurança do trabalho (principalmente nesta última) calcados no cognitivismo/fisicalismo. Por que vários programas de saúde ocupacional e segurança no trabalho ainda insistem em oferecer informações abstratas, simbólicas, descontextualizadas, sobre posturas, movimentos, modos saudáveis de se trabalhar? Certo é que eles se baseiam nos pressupostos do cognitivismo/fisicalismo, ora explicados, segundo os quais a transmissão de informação simbólica é suficiente para causar (causalismo) "comportamento adequado / seguro", mediante a elaboração de algoritmos, mapas e representações mentais.

Subjacente a essas recomendações arriscadas para a saúde do trabalhador, encontra-se a premissa de que ele, na execução da tarefa, teria o seu comportamento "posturalmente correto", "operatoriamente correto" ou "seguro" causado (no sentido de causalidade física do fisicalismo e do causalismo) por uma representação mental do mundo exterior (tido como independente do sujeito agente do conhecimento e da atividade).

Ora, este tipo de representação mental não ocorre, principalmente quando se considera o conceito de atividade de trabalho e as severas exigências da tarefa no contexto produtivo contemporâneo, pautado por metas. A tarefa contemporânea é repleta de: a) constrangimentos; b) exigências, conflitantes entre si (tempo × segurança; quantidade × qualidade...) (HUBAULT, 2004); c) necessidade de gestão de si mesmo e desses objetivos muitas vezes conflitantes; d) ditames severos de resultados e metas a atingir ou superar; e) gestão dos riscos (AMALBERTI, 1996, 2004).

Haveria aí espaço para um pensamento reflexivo ou proposicional, abstrato, sobre como usar o corpo em atividade, diante de um cenário em que o próprio sujeito não dispõe de uma representação clara sobre si mesmo em ação? Não.

O que compete à ergonomia e segurança do trabalho é criar mecanismos, dispositivos, interfaces e instrumentos de apoio à ação, e não simplesmente fornecer informações.

O trabalhador não elabora representação mental. Ele vivencia (DILTHEY, 2002), experimenta e age. Habita seu mundo do trabalho e nele põe em movimento a espessura do seu ser, com seus esquemas incorporados, sua "inteligência da prática" ou astuciosa (DEJOURS, 1997). Não cabe à ergonomia prescrever algo que supõe a elaboração de uma representação mental que não tem como ocorrer, e que supostamente causaria um comportamento "seguro" ou "saudável" no trabalho. O comportamento não é causado pela representação do trabalhador, mas é determinado, em parte, pelos ditames da tarefa e pelo contexto da ação situada na situação de trabalho. Prescrever postura e modos operatórios, na esperança de causar como efeito um comportamento esperado, é supor um modelo equivocado de ser humano em atividade de trabalho, como máquina ou computador, e negar a clássica distinção entre trabalho prescrito e trabalho real da ergonomia; ou corpo × mente de Descartes.

É possível prescrever o melhor modo de uso do corpo, segundo a crença de que ele seja mediado por uma representação mental? Não. Insistamos no fato de que o uso do corpo e da mente, em situação de trabalho, pautada pelas determinações e exigências conflitantes da tarefa (tempo, quantidade, qualidade, resultados e metas), não é previamente planejado por uma representação mental. O uso do corpo pelo trabalhador, em uma situação de trabalho, é uma resposta sensório-motora, espontânea, pré-reflexiva e não proposicional, do sujeito, em sua totalidade, a um sistema complexo de fatores interdependentes - desde os aspectos físicos e ambientais do posto de trabalho, passando pelos aspectos sociais da organização do trabalho, pelos determinismos da tarefa e pelo estado interno do organismo (GUÉRIN et al., 2001, p. 65-67), em sua totalidade fisiológica, cognitiva e psíquica.

Prescrever a postura, os modos operatórios, e padronizá-los; ou transmitir informações em treinamentos, palestras, cursos, sobre o uso "ótimo" do corpo e o comportamento seguro: como sentar-se de forma correta na cadeira, ou sobre onde colocar os pés, ou como carregar um objeto pesado, etc., podem ser úteis até certo ponto, mas não são suficientes para neutralizar os fatores que determinam um adoecimento relacionado ao trabalho ou um acidente. A informação simbólica transmitida não adquire sentido na atividade, visto que em situação de trabalho - ritmo, temporalidade, metas, ação voltada para o alcance das prescrições da tarefa, condições materiais de trabalho determinadas - a consciência do corpo próprio, e a intencionalidade se fixam em atos voltados para o alcance de metas, resultados estipulados pela tarefa, cumprimento de ritmos e tempos impostos, garantia de qualidade prescrita nos padrões e, ainda, a necessidade de conservar o estado interno do organismo de forma a se manter vivo e em condições de saúde mínimas para o trabalho. Portanto, fornecer "informações saudáveis" guarda uma crença análoga à de que um remédio faria um efeito melhor no organismo de um farmacêutico por ele possuir as informações simbólicas sobre a farmacodinâmica do medicamento em seu corpo, em comparação com o efeito no organismo de um leigo no assunto, do mesmo remédio.

O que se mostra necessário, para a saúde ocupacional e a segurança no trabalho, é a criação de espaços de autonomia, de regulação (GUÉRIN et al., 2001) e fornecimento de margens de manobra para a realização da tarefa, que permitam ao trabalhador fazer uso de seu corpo, e da mente, de modo já implicitamente seguro desde o projeto do posto de trabalho e da própria tarefa. Um grande problema aqui é o projeto dos sistemas de produção nos quais se projeta de tudo, menos a tarefa.

A tarefa e o posto de trabalho já deveriam ser seguros antes mesmo de seu uso pelo trabalhador, e deveriam conduzir a ação e os comportamentos para modos seguros, saudáveis e confortáveis de se trabalhar, sem nenhuma necessidade de que o próprio sujeito tenha que "processar", proposicionalmente, ou reunir informações soltas, numa representação sobre estes graves problemas durante a execução frenética do trabalho real.

Os atos, ações e comportamentos seriam como que conduzidos, pelo projeto ergonômico da tarefa e do posto de trabalho, de forma não proposicional, a um direcionamento que, em sua própria forma de interação atuante e incorporada com o ambiente e o meio social, preservassem a vida, a saúde, o bem-estar e o conforto, por meio de modos de agir ou de "fazer o uso de si por si mesmo" (SCHWARTZ, 1996) guiados por dispositivos de apoio. Estes devem emergir no curso da própria ação em atividade de trabalho, numa certa situação, num modo de "Dasein" (HEIDEGGER, 2005) ou presença, em que o uso dos instrumentos, as condutas, as ações e comportamentos seguem um fluxo incorporado - Transparency em Varela (1999, p. 298) ou Umsicht (HEIDEGGER, 2005, p. 232 e p. 314 (N18)) - que reduz as probabilidades de erros, falhas, incidentes, acidentes ou adoecimentos causados pelo trabalho, quando pensados desde o projeto do sistema de produção.

Ou seja, poupar o trabalhador da responsabilidade de ter que planejar mentalmente cada gesto, como se a sua mente funcionasse como um computador a elaborar representações mentais simbólicas, abstratas, que supostamente causariam o modo seguro e saudável do uso de seu próprio corpo e de sua própria mente. Evitar que ele mesmo tenha que processar formalmente, num sentido representacionalista, computacionalista, fisicalista, cognitivista e proposicional, esse uso de seu corpo, e de sua mente, em atividade. Essa lucidez, essa clareza, ou transparência para si mesmo do seu próprio ser na atividade; essa suposta "representacionalidade" do modo de ser, de agir, de usar a si mesmo, não podem envolver, a todo o momento da situação, um processamento físico de informação numa reflexão premeditada e proposicional, como cognição sobre o mundo externo (externalista), verbal, reflexiva ou declarativa, quanto ao modo seguro e saudável de usar o corpo e agir na atividade.

Ontologicamente, no "real do trabalho" (DEJOURS, 1997, 2008), o operador exerce uma espécie de ação incorporada no trabalho, sem que essa forma de engajamento corporificado (acoplamento) ao ambiente da atividade lhe seja acessível como uma representação mental ou acessível ao plano da consciência nas fases da tarefa pautadas pela sobrecarga de trabalho nas suas componentes física, cognitiva e psíquica da carga de trabalho.

Os componentes mais complexos da atividade de trabalho, que necessitam de compreensão aprofundada e, em grande parte, são essencialmente qualitativos, como os aspectos psíquicos e psicossociais da atividade, são praticamente descartados ou negligenciados nos estudos fisicalistas/cognitivistas em ergonomia e segurança do trabalho. Descartam o sujeito de suas análises. Tanto têm de fáceis quanto de perigosos para a saúde e a segurança dos trabalhadores.

O fisicalismo/cognitivismo, em ergonomia e segurança do trabalho, está presente quase de forma hegemônica, nas empresas. Simplesmente porque ele propõe apenas apanhados superficiais, de custo mais baixo, em menor espaço de tempo, e que não demandam esforços mais substanciais - nem de conhecimento, análise, compreensão e transformação eficaz das situações de trabalho. Ainda predominam, no cenário produtivo contemporâneo, em especial, porque possuem um baixo custo de aplicação. Verifica-se grande número de empresas de consultoria que os empregam, a serviço de empresas maiores, por um preço atrativo, de modo a atender, precariamente, ao que exigem as leis e normas vigentes, ainda também essencialmente prescritivas, objetivistas e superficiais.

São abordagens que geralmente medem apenas as dimensões físicas do posto de trabalho, ou do corpo do trabalhador como objeto, sem sequer reconhecer a presença de um sujeito dotado de interioridade, de subjetividade, de vida psíquica, que age, e não apenas se comporta ou executa atos maquinais, visto que, conforme Hubault (2004, p. 118-123), o agir excede o fazer no trabalho.

Em segurança do trabalho, as práticas, ainda que implicitamente apoiadas sobre os pressupostos do fisicalismo/cognitivismo, vão se concentrar apenas em fornecer capacete, protetores de ouvido, botina, óculos e outros equipamentos de proteção individual - os ditos "EPIs" - junto com os "treinamentos para a saúde e a segurança no trabalho", baseados apenas em transmissão simbólica de informações abstratas, como se a mente do trabalhador fosse um mecanismo de tratamento automático de informação. Mais uma vez, faz-se necessário reforçar o que já se encontra consolidado epistemologicamente nas ciências cognitivas, e acessível, ontologicamente, para verificação científica por diferentes conjuntos de métodos e técnicas que se escolha utilizar: transmissão de informação, por si só, não causa comportamento seguro, não muda ação, não gera, não produz e não constrói conhecimento (PESCHL, 2006; SCHÖN, 2000; VARELA, 1994; VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1993).

A perigosa abordagem fisicalista/cognitivista da segurança do trabalho baseia-se na pressuposição de que os acidentes ocorrem apenas por falhas de treinamento, de conhecimento, de uso inadequado - ou ausência de uso - de equipamentos de proteção; ou por negligência, omissão e irresponsabilidade do trabalhador. Tendem ainda a atribuir a culpa dos acidentes às próprias vítimas (tratadas como dispositivos automáticos de processamento de informações simbólicas). Ou seja, a culpa inteira, na visão fisicalista/cognitivista, reinante nas organizações em geral, recai sobre o trabalhador e seu comportamento, que se acredita poderem ser modificados apenas por transmissão passiva de informações descontextualizadas tais como treinamentos teóricos, palestras, diálogos de segurança, uso de panfletos, placas, manuais, folhetins, etc.; como se o próprio sujeito fosse uma máquina no meio das demais e não um sujeito, agente atuante, em interação com seu meio circundante, estruturalmente acoplado ao ambiente.

Desconhece-se e se negligencia os conceitos de ação, de compromisso cognitivo (AMALBERTI, 1996, 2004) e até mesmo de subjetividade - em seu sentido mais profundo e que envolve aspectos psicossociais, cognitivos e psíquicos (CLOT, 2004; DEJOURS, 1997).

Na abordagem fisicalista/cognitivista da segurança do trabalho, o acidentado é culpado porque não seguiu a regra, ou descumpriu a norma, não obedeceu ao prescrito, ou faltou conhecimento e treinamento por falta de adesão ao conhecimento e ao treinamento teóricos fornecidos pela empresa. Um ponto de vista emblemático da noção de representação mental no cognitivismo (VARELA, 1994), ou seja, o indivíduo "causou" o acidente porque não "representou" o problema de forma adequada em sua mente; não elaborou o "mapa mental" correto; não assimilou a informação fornecida no treinamento abstrato, formal, ou no curso repleto de informações simbólicas; não cumpriu a instrução, a norma, o procedimento, a regra, o programa, a prescrição formalmente registrada em documentos da empresa, supostamente disponíveis ao indivíduo para a completa "assimilação" de seu conteúdo simbólico, proposicional, informacional.

A falha estaria então, toda, no comportamento individual do "sujeito-máquina", cuja mente seria similar a um computador que efetuou um "processamento mental" (representação) equivocado, por não cumprir a regra simbólica, o encadeamento de símbolos e informações, o programa de saúde e segurança, a tarefa, a norma, a prescrição, a instrução, a legislação, o dispositivo informacional - o algoritmo. Logo, a vítima, no cognitivismo, sempre é culpada porque sua mente não "computou" adequadamente o algoritmo de segurança da empresa.

E a organização do trabalho? E as condições de trabalho? E o modo degradado de funcionamento de muitos sistemas e equipamentos? E as falhas de concepção e de projeto? E a gestão e o controle cognitivo dos riscos pelos operadores? E as exigências temporais da tarefa? E os constrangimentos da tarefa? E o impedimento e as restrições impostas às modificações dos modos operatórios? E as dificuldades de regulação, de autonomia, de margem de manobra para adequar a ação e o comportamento às demandas da situação? E os compromissos cognitivos (AMALBERTI, 1996) elaborados para conciliar objetivos conflitantes da tarefa, do trabalho prescrito, da organização do trabalho, tais como produzir em grande quantidade, mas também com qualidade, com segurança, com eficiência, e de forma rápida, num ritmo intenso, (HUBAULT, 2004) numa temporalidade restrita... Onde são feitas essas análises? Nos estudos baseados no fisicalismo/cognitivismo?

Impossível, pois estes últimos se concentram apenas no capacete, na botina, no uniforme, no ruído, na temperatura, nas NRs quantitativas e obrigatórias, nos registros simbólicos de dimensões antropométricas e biomecânicas, nos manuais, normas e regulamentos. O fisicalismo/cognitivismo, em ergonomia e segurança do trabalho, restringe os estudos do trabalho a apenas isso. Apenas para atender o caráter formal.

Logo, a dimensão social, e ou subjetiva, do problema, por não pertencer ao domínio das leis da física, como pertencem a temperatura, o ruído, as métricas do posto, etc., é descartada dos apanhados fisicalistas superficiais.

Como anteriormente dito, sérios problemas de saúde e segurança ocupacionais estão relacionados a questões que fogem do domínio das leis da física e das ciências da natureza, como no exemplo ilustrativo aqui relatado, no qual o trabalhador morreu por um lapso de memória (não fechou a porta do elevador e, portanto, morreu ao não funcionar como máquina): máquina tem esquecimento?

O modelo cognitivista/fisicalista encontra dificuldades para lidar com fatos, tais como segurança do trabalho e saúde ocupacional, de forma ampla. Se não pertencem ao campo da física, da segurança do trabalho fisicalista e da ergonomia também fisicalista, não conseguem resolver, nem sequer colocar o problema a ser resolvido em termos claros. Por exemplo, não conseguem lidar com as questões anteriormente discutidas, como as da organização do trabalho - não apenas em suas dimensões físicas, mas em suas dimensões sociais - dos compromissos cognitivos (AMALBERTI, 1996, 2004); do saber tácito; da métis e da inteligência da prática e astuciosa; da gestão de objetivos conflitantes da tarefa; das formas de regulação das situações incertas, dinâmicas e complexas; das dificuldades encontradas para mudar os modos operatórios e para realizar regulações, estratégias e mecanismos de controle da situação de trabalho.

Isso para citar apenas as questões mais básicas que o fisicalismo/cognitivismo, subjacente às práticas concretas de ergonomia e de segurança do trabalho hegemônicas no cenário empresarial atual, descarta e não consegue enxergar nem compreender. Ao se adentrar mais fundo no problema, encontrar-se-ão questões também tão importantes, mas que estão mais afastadas ainda, dada a impossibilidade de compreensão pela segurança do trabalho fisicalista, e pela ergonomia de viés fisicalista/cognitivista: subjetividade; intersubjetividade; compreensão; intercompreensão; comunicação e trabalho; aprendizagem e trabalho; cognição e trabalho.

A abordagem fisicalista/cognitivista, em segurança do trabalho, e em ergonomia, apoia-se na racionalidade instrumental, normativa e tecnicista do trabalho prescrito; e na facilidade de estipular punições, penalizações, sanções, sem avaliação aprofundada das causas, razões e motivos de comportamentos, ações e finalmente acidentes, ou quase acidentes. E a lógica de funcionamento do fisicalismo/cognitivismo, nos modos pífios de aplicação prática aí propostos, permite isentar de responsabilidade a empresa, os gestores e a organização do trabalho.

Esse entendimento, por ignorar os problemas mais complexos, que não cabem apenas nas leis da física ou nas ideias do senso comum, serve de suporte para a geração de riscos e incidentes apoiados nos "manuais de ergonomia e segurança". Subjacente a eles, ainda que não se tenha consciência, está a metáfora do homem-máquina (JOHNSON, 1987), que acaba servindo de instrumento para culpabilizar, penalizar e punir a própria vítima, apontando como "causa" do problema apenas um "comportamento inadequado"; por desviar-se do trabalho prescrito, das informações fornecidas pela empresa. Uma nítida aplicação do causalismo e do fisicalismo/cognitivismo.

Negligencia-se o fato, incontestável, de que nenhuma organização do trabalho funciona baseada apenas no trabalho prescrito, mas sim com base no trabalho real, com seus componentes já bem descritos pela ergonomia da atividade, como as habilidades, a engenhosidade e o zelo que os operadores colocam em prática para fazer a produção funcionar de acordo com os ditames da tarefa, de tempo, qualidade, produtividade e segurança (GUÉRIN et al., 2001; HUBAULT, 2004; DEJOURS, 1997).

Por que predomina o viés fisicalista/cognitivista em ergonomia e segurança do trabalho? Por que é barato, não demanda esforço de inteligência, mascara os problemas reais mais profundos e atende às exigências da legislação vigente.

Para bem longe das possibilidades de compreensão do fisicalismo/cognitivismo, a proposta aqui é avançar rumo às ciências cognitivas, que têm muito a contribuir com a ergonomia (LEPLAT; MONTMOLLIN, 2004, p. 56). Estes autores afirmam que as ciências cognitivas fornecem conhecimentos para a ergonomia e estabelecem uma cooperação interdisciplinar importante para soluções práticas. Nesse sentido, "Não há limite nos conhecimentos das disciplinas, que podem ser recrutados para a interpretação de uma atividade de trabalho." (DANIELLOU, 2004, p. 187). Por isso, a análise ergonômica do trabalho (AET) permitiu à ergonomia evoluir enquanto ciência (PIZO; MENEGON, 2010), por englobar a interdisciplinaridade no estudo do homem em atividade de trabalho colocada como elemento central das análises. A AET busca encarar, e não reduzir, a totalidade física, cognitiva, psíquica e social, psicofísica, do homem em atividade de trabalho. De uma forma ampla, integradora de diferentes disciplinas, ou seja, "interdisciplinarmente", num espírito interdisciplinar (PACAUD, 1970), com foco na produção de conhecimento aprofundado, sobre o homem em atividade de trabalho, em beneficio da sua saúde e da sua segurança.

A prática da ergonomia pelo ergonomista, depois de toda a evolução teórica, prática e epistemológica da ergonomia, não pode jamais desconsiderar a dimensão subjetiva da atividade. Ou, melhor dizendo, nas palavras de Daniellou (2006), essa prática de analisar e compreender o trabalho "por dentro", no sentido de melhor consideração das dimensões subjetivas, abre caminho para um enriquecimento dos modelos da atividade do ergonomista. Num estudo recente, os pesquisadores utilizaram-se dos métodos de autoconfrontação bem conhecidos em AET, num nível bem aprofundado, rumo a uma compreensão do que denominam de "atividade produtiva diacrônica" - ("activité productive diachronique") - uma atividade criativa que não se explicita completamente no curso da ação. Ela não se enquadra numa prescrição e não pode ser predefinida de antemão, abrigando um espaço de subjetividade importante de ser apreendido pela análise do trabalho (BATIONO-TILLON; FOLCHER; RABARDEL, 2010).

Portanto, em ergonomia, com a prática da AET, encontra-se um viés realmente científico, de geração de conhecimento (PIZO; MENEGON, 2010) em contraponto ao viés fictício e reducionista do fisicalismo/cognitivismo - que ainda prevalece em algumas abordagens de "ergonomia fisicalista", puramente calcadas nos aspectos físicos do posto de trabalho ou do corpo humano. Em uma, temos uma práxis científica (AET); em outras, observa-se uma prática anticientífica e até mesmo mística (fisicalismo/cognitivismo). No que concerne à segurança do trabalho, o fisicalismo/cognitivismo está nas práticas superficiais de estudos centrados no comportamento individual e nos aspectos físicos e ambientais de locais, equipamentos, de forma isolada do sujeito da atividade, e de sua experiência subjetiva do trabalho.

7 A melhor prescrição é: não prescrever limites às demandas sensório-motoras da atividade

São abundantes os trabalhos que, embora não saibam conscientemente disso, estão fazendo uma confrontação ao fisicalismo/cognitivismo. Citaremos apenas alguns, na literatura cientifica de 1) ergonomia; 2) segurança do trabalho; 3) saúde ocupacional; e 4) saúde coletiva, em especial nos renomados periódicos que publicam trabalhos dessas áreas. São estudos científicos de elevada estirpe teórico-metodológica e empírica, que já demonstram exaustivamente que, em se tratando de análise do trabalho, deve-se considerar a totalidade biológica, física, cognitiva e psíquica do sujeito da atividade, numa abordagem interdisciplinar e arraigada nos princípios de construção de conhecimento científico, no sentido proposto por Pizo e Menegon (2010), sem reduzir a análise apenas aos aspectos físicos e aparentes do posto de trabalho, e do corpo ali inserido em suas dimensões antropométricas e biomecânicas. Ou seja, estudos que já demonstraram a fertilidade científica e tecnológica dos modelos de análise da AET, antagônicos ao viés do fisicalismo/cognitivismo. Esses estudos têm legitimado, demonstrado e validado abordagens realmente eficazes do ponto de vista dos objetivos concretos da ergonomia, e da segurança do trabalho, de compreender o trabalho para transformá-lo. Apenas para citar alguns poucos: Martins Júnior et al. (2011), Fernandes, Assunção e Carvalho (2010a, b), Simonelli e Camarotto (2011), Vasconcelos et al. (2008), Guedes, Lima e Assunção (2005), Carvalho, Vidal e Carvalho (2005), Diniz, Assunção e Lima (2005), Assunção (2003) e Abrahão (2000).

Nenhum desses estudos, apenas para citar alguns, se restringe a avaliar apenas os aspectos físicos e ambientais do posto de trabalho, em detrimento da ação e da racionalidade das condutas atreladas às inter-relações entre as noções de: i) organização do trabalho; ii) trabalho prescrito (tarefa); iii) trabalho real (atividade de trabalho). O complexo tecido social, que geralmente é descartado pelos estudos fisicalistas/cognitivistas, o qual abarca essas noções centrais da ergonomia, surge apuradamente como um suporte imprescindível à construção dos modelos de pesquisa utilizados por estes autores - desde a análise da demanda até a implementação da ação ergonômica em alguns deles.

Em nenhum deles, o sujeito da pesquisa é abordado tendo como pressuposto um modelo equivocado fisicalista/cognitivista, do funcionamento de seu corpo e de sua mente em atividade de trabalho. Não há uma metáfora do tipo "homem-máquina", subjacente às análises rigorosas do trabalho empregadas nesses estudos. Em nenhuma dessas pesquisas a abordagem reduz o ser humano a uma máquina que executa movimentos, gestos e comportamentos sob uma ótica puramente biomecânica e/ou antropométrica.

Verifica-se, em todas as pesquisas anteriormente citadas, a inclusão da descrição subjetiva do trabalho, por exemplo, na correlação das componentes cognitivas das cargas de trabalho com: a) as condições materiais concretas da organização do trabalho e da tarefa e b) a atividade de trabalho em seu caráter mediador, integrador e central nas pesquisas em questão. Os resultados - 1) práticos - de melhorias geradas especialmente no que concerne ao objetivo de implementação da ação ergonômica e transformação social da organização do trabalho, passando inclusive, em alguns casos, por estabelecimento de parâmetros para acordos coletivos envolvendo sindicatos de trabalhadores (DINIZ; ASSUNÇÃO; LIMA, 2005); 2) teóricos; e 3) de contribuição epistemológica para os campos interdisciplinares abarcados nessas pesquisas - podem ser verificados pelos demais pesquisadores, haja vista o caráter científico das análises verdadeiramente ergonômicas. A análise ergonômica do trabalho está associada, também, à geração de conhecimento científico (PIZO; MENEGON, 2010).

Ao tratar e colocar para "funcionar" o homem como máquina e sua mente como um computador, o resultado acaba por limitar o espaço, a autonomia e as possibilidades de regulação. Isso dificulta, também, o próprio controle cognitivo da situação (AMALBERTI, 1996, 2004), da situação de trabalho pelo agente e pode ser danoso para a segurança do trabalho (AMALBERTI, 1996, 2004). Em outras palavras, ao reduzir as margens de manobra dessas funções, compromete-se a realização das outras funções mais abstratas, envolvidas nas tomadas de decisão, e na percepção das situações de risco, de uma forma mais global, de modo a construir um curso adequado para a ação (THEUREAU, 2004). Isso tem severas implicações no desempenho da atividade de trabalho e suas relações com a segurança do trabalho, a saúde ocupacional e a conservação do conforto e do bem estar no trabalho.

Quanto aos aspectos e funções psicológicas do trabalho, a negligência da relação entre cognição e acoplamento sensório-motor, e a prevalência do fisicalismo nas análises do "fator humano" (DEJOURS, 1997), têm acarretado no comprometimento dos espaços necessários para o exercício da subjetividade, no sentido, também, de atividade subjetivante, e não apenas dos componentes afetivos. A exclusão, nos estudos fisicalistas, da intersubjetividade e da intercompreensão, pautadas, dentre diversos conceitos, por: a) zelo; b) inteligência da prática ou astuciosa (DEJOURS, 2008); c) saber-fazer armazenado no corpo; d) experiências e percepções irredutíveis a uma descrição puramente objetiva do trabalho, e necessárias para a conservação de si e para a obtenção dos resultados prescritos na tarefa (GUÉRIN et al., 2001), tem levado a graves problemas de segurança no trabalho e saúde ocupacional.

Quando o modelo fisicalista/cognitivista está subjacente à abordagem dos sistemas homem-máquina, como em Grandjean e Kroemer, (2005), a atividade cognitiva de controle de uma situação (AMALBERTI, 2004) tende a ser vista como puramente abstrata, representacionalista, e independente das funções do corpo. Mais grave ainda está o fato de descartar-se, aí, o caráter mediador e integrador da atividade de trabalho e seus aspectos sociais (GUÉRIN et al., 2001). Adotar esse apanhado reducionista e parcial da interação homem-máquina sintetizado num "manual..." pode gerar graves problemas para o desempenho da própria atividade e, também, problemas ergonômicos, como abordado. O ponto de vista cognitivista/fisicalista dos ditos "manuais..." representa um perigo se aplicado em especial na área de segurança do trabalho, para a qual diversos autores, em um ponto de vista realmente científico, e antagônico ao desses "manuais de ergonomia" computacionalistas, têm buscado, com grande sucesso, apontar um caminho que não negligencie os aspectos sociais e cognitivos da atividade de trabalho, importantes para a segurança tanto das instalações industriais quanto dos trabalhadores (MARTINS JÚNIOR et al., 2011; CARVALHO; VIDAL; CARVALHO, 2005).

8 Considerações finais

Os problemas no desempenho da atividade cognitiva dizem respeito ao fato de que a cognição não ocorre de forma independente das funções sensoriais e motoras do corpo em atividade. A autonomia - o espaço para mudar a forma de realizar a tarefa -, as margens de manobra e de regulação e as possibilidades de variação dos modos operatórios são geralmente dificultadas, ou mesmo impedidas, devido aos pressupostos do fisicalismo/cognitivismo subjacentes aos sistemas de gestão em saúde ocupacional, segurança do trabalho e ergonomia.

Ou seja, o não reconhecimento do indissociável complexo formado pela tríade ação-cognição-situação, tende a comprometer: a) o desempenho da atividade; b) a saúde física e mental dos trabalhadores; c) a segurança do trabalho e das instalações; d) as demandas subjetivas e intersubjetivas do sujeito e do coletivo.

Em síntese, os atos e movimentos do corpo, dotados de uma iniciativa própria do indivíduo de, ativamente, explorar o seu mundo circundante, são a base da existência concreta do acoplamento sensório-motor e, consequentemente, o fundamento de todo fenômeno cognitivo, por mais abstrato e sofisticado que aparente ser. Observa-se que os atos no trabalho estão arraigados em esquemas corporais e pautados pela motricidade corporal, os quais participam da construção da cognição, em seus aspectos pré-reflexivos, pré-objetivos e não proposicionais (THOMPSON, 2005). É esse acoplamento que molda as funções cognitivas, visto que cognição e ação incorporadas são indissociáveis e amalgamadas por ele.

A concretização da hipótese do homem-máquina na ergonomia, e na segurança do trabalho, começa a ganhar vida pelos fatos aqui narrados, e pelas proposições propostas.

Faz-se necessária uma mudança de paradigma; daquele fisicalista/cognitivista atual para o paradigma dos sistemas acoplados em seu domínio de atuação, recorrente com o ambiente circundante (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 1993). É necessário, pelas razões expostas neste texto, oferecer treinamento teórico e prático, permitindo aos trabalhadores e seus gestores mudarem o seu modelo mental. Não se pode generalizar, mas - eis a nossa hipótese - de uma forma ou de outra, encontramos casos na ergonomia e na segurança do trabalho que ainda se pautam na metáfora homem-máquina (paradigma fisicalista/cognitivista): a) padronização e prescrição de modos operatórios e, em alguns casos, até de posturas; b) transmissão de informação, num desconhecimento de que a cognição tem um limite e que não pode "processar" um volume de informação maior que sua capacidade; c) entendimento do operador como computador fisicamente processador de símbolos que elabora representações mentais o tempo todo, sobre qual postura adotar, qual modo operatório seguir e qual comportamento é seguro ou não; d) restrição das margens de manobra e das opções de regulação; e) imposição de constrangimentos à livre atividade (autônoma); f) restrição do acesso às fontes de informação necessárias para as tomadas de decisão; g) restrição às demandas sensoriais da atividade cognitiva, e demandas motoras, como o constrangimento da atividade de percepção, impostas desde o projeto e concepção dos sistemas de trabalho e dos dispositivos do tipo IHC (interação humano-computador); fragmentação dos coletivos de trabalho e exigência de metas individuais, em curto espaço de tempo (pressão temporal) e sem condições materiais suficientes. Esses termos, quando transformados na prática, no sentido de melhorar a segurança e os aspectos ergonômicos do trabalho, implicam que estas duas disciplinas (segurança do trabalho e ergonomia) forneçam ao presente debate a contribuição do paradigma da cognição situada, para que seja possível a aplicabilidade prática por parte dos gestores da empresa.

Quanto a isso, estamos falando legitimamente de paradigmas no sentido de Kuhn (1977): no trajeto de evolução das disciplinas, elas tendem a abandonar (romper com; = ruptura conforme Kuhn) o paradigma mecanicista/fisicalista, para adotar o paradigma dos sistemas acoplados em seu meio circundante. E assim, como Selye conseguiu transformar/superar sua metáfora maquinal, seria interessante que os agentes responsáveis pela ergonomia e pela segurança promovam o mesmo em seus campos de atuação.

Recebido em 24/7/2013

Aceito em 21/7/2014

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2013
  • Aceito
    21 Jul 2014
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