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Adoção da modularidade em produto e em produção na indústria automotiva: uma análise comparativa em projetos de veículos com participação da engenharia brasileira

Resumo:

A modularidade é uma estratégia adotada por diversos setores industriais, seja no desenvolvimento de produtos, seja na configuração produtiva industrial. Nesse contexto, o presente trabalho objetiva investigar os principais elementos da modularidade de projeto e de produção, tendo também como finalidade formular uma proposta para avaliação do grau de modularidade nessas duas categorias, especificamente no contexto da indústria automotiva brasileira, bem como aplicar a proposta a um conjunto de projetos com participação da engenharia brasileira. Para o desenvolvimento do presente trabalho, foram extraídos da literatura cinco elementos conceituais da modularidade de projeto e outros quatro relacionados à modularidade de produção, a serem analisados nos projetos selecionados. Como resultado principal, é apresentada uma matriz de classificação resultante da análise de seis projetos de automóveis desenvolvidos nos últimos anos, tendo como resultados o projeto do Palio com maior grau de modularidade de projeto e a planta da GM de Gravataí como o caso de maior modularidade de produção, segundo a proposta utilizada.

Palavras-chave:
Modularidade; Modularidade de projeto; Modularidade de produção; Indústria automotiva

Abstract

Modularity is a strategy adopted by many industrial sectors, either in product development or in industrial production configuration. In this sense, this paper investigates the key elements of modularity in design and production, seeking to formulate a proposal aimed to assess and compare the degree of modularity specifically in the context of the Brazilian automotive industry. The comparison was done considering vehicles developed with the participation of Brazilian engineering centre. Five key conceptual elements of modularity in design and four other elements of modular production were extracted from the literature and applied in the selected units of analysis. As a main result, we developed a categorization matrix for analyzing the modular degree of six vehicles. Fiat Palio’s design was considered as the highest degree of modularity in design and the GM plant at Gravataí (Celta) as the more typical modular organization within the studies vehicles and respective assemblers, based on the applied methodology.

Keywords:
Modularity; Modular design; Modular production; Automotive industry

1 Introdução

A arquitetura de produto, também chamada comumente estrutura de produto, tem sido categorizada conceitualmente em dois tipos: integral e modular (Ulrich, 1995Ulrich, K. T. (1995). The role of product architecture in the manufacturing firm. Research Policy, 24(3), 419-440. http://dx.doi.org/10.1016/0048-7333(94)00775-3.
http://dx.doi.org/10.1016/0048-7333(94)0...
; Baldwin & Clark, 2000Baldwin, C. Y., & Clark, K. B. (2000). Design rules (The Power of Modularity, v. 1). Cambridge: MIT Press.; Schilling, 2000Schilling, M. A. (2000). Towards a general modular systems theory and its application to interfirm product modularity. Academy of Management Review, 25(2), 312-334.). A arquitetura de produto é dita integral quando os elementos funcionais são implementados usando-se mais de um bloco (ou subsistema), ou um bloco implementa várias funções (Jacobs et al., 2011Jacobs, M., Droge, C., Vickery, S. K., & Calantone, R. (2011). Product and process modularity’s effects on manufacturing agility and firm growth performance. Journal of Product Innovation Management, 28(1), 123-137. http://dx.doi.org/10.1111/j.1540-5885.2010.00785.x.
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), sendo que as interações entre os blocos não são bem definidas. Os autores citados complementam ainda que o bloco é concebido visando alta performance e a fronteira entre os blocos é de difícil identificação, senão inexistente. Em uma arquitetura integral, a mudança de um único componente pode exigir um novo projeto de produto.

Na arquitetura modular, os blocos físicos implementam um ou poucos elementos funcionais e suas interações são bem definidas e, geralmente, fundamentais para as funções primordiais do produto (Jacobs et al., 2011Jacobs, M., Droge, C., Vickery, S. K., & Calantone, R. (2011). Product and process modularity’s effects on manufacturing agility and firm growth performance. Journal of Product Innovation Management, 28(1), 123-137. http://dx.doi.org/10.1111/j.1540-5885.2010.00785.x.
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). Ainda segundo os autores citados, a mudança de projeto de um módulo pode ser feita de forma independente, sem necessidade de mudança em outros módulos. A ilustração clássica para um produto com arquitetura de produto modular é o computador pessoal, no qual processador, disco rígido, monitor, entre outros componentes, são desenvolvidos e produzidos por diferentes organizações e montados por outras empresas (Baldwin & Clark, 1997Baldwin, C. Y., & Clark, K. B. (1997). Managing in an age of modularity. Harvard Business Review, 75(5), 84-93. PMid:10170333.).

Segundo alguns autores (Sako, 2003Sako, M. (2003). Modularity and outsourcing: the nature of co-evolution of product architecture and organization architecture in the global automotive industry. In Proceedings of the 11th GERPISA International Colloquium. Paris.; Salerno et al., 2008Salerno, M. S., Camargo, O. S., & Lemos, M. B. (2008). Modularity ten years after: an evaluation of the Brazilian experience. International Journal of Automotive Technology and Management, 8(4), 373-381. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2008.020309.
http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2008.020...
), um automóvel pode ser encarado como um produto de arquitetura integral, considerando que algumas funções do automóvel estão dispersas em diferentes partes do veículo. Salerno et al. (2008)Salerno, M. S., Camargo, O. S., & Lemos, M. B. (2008). Modularity ten years after: an evaluation of the Brazilian experience. International Journal of Automotive Technology and Management, 8(4), 373-381. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2008.020309.
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reforçam que os carros são considerados por muitos produtos integrados e não propensos a projetos modulares, pois algumas de suas principais funções e restrições que sua produção deve seguir são holísticas, tais como como nível de ruído e estabilidade, que não estão ligados a uma única peça (ou bloco/subsistema), decorrendo desse fato a dificuldade de se estabelecer critérios para avaliar o grau de modularização do produto automóvel. Por outro lado, Mello & Marx (2007b)Mello, A. M., & Marx, R. (2007b). Conhecimento de arquitetura de produto como elemento chave para a manutenção da capacidade inovadora de uma empresa: o caso da indústria automotiva. Revista Gestão Industrial, 3(2), 74-87. afirmam que o automóvel pode ser entendido como um produto de arquitetura modular, se for considerado como um conjunto de módulos, componentes e subsistemas com funções específicas definidas (como, por exemplo, painel de instrumentos, motor, caixa de câmbio etc.). Já Wang (2008)Wang, H. (2008). Innovation in product architecture: a study of the Chinese automobile industry. Asia Pacific Journal of Management, 25(3), 509-535. http://dx.doi.org/10.1007/s10490-007-9084-x.
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afirma que o automóvel pode possuir um sistema modular ou também integral, dado que alguns tipos de veículos se mostram mais orientados a um sistema modular e outros, a um sistema integral, complementando ainda que a complexidade dessa afirmativa é grande, pois ainda não há uma distinção clara entre sistema modular e sistema integral.

Apesar da existência de diferentes posicionamentos entre os autores citados, a abordagem modular pode simplificar a complexidade da montagem de carros, facilitando o compartilhamento entre diferentes modelos, controlando-se de forma justa e obtendo-se ganhos de escala e de escopo (Morris & Donnelly, 2006Morris, D., & Donnelly, T. (2006). Are there market limits to modularization. International Journal of Automotive Technology and Management, 6(3), 262-275. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2006.012120.
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). Pode-se afirmar ainda que não há um modo simples de quantificar o grau de modularização embutido em um produto em particular. Na verdade, segundo Ulrich & Eppinger (1995)Ulrich, K., & Eppinger, S. D. (1995). Product design and development. New York: McGraw-Hill., um produto não pode ser classificado como estritamente modular ou integral, mas pode ser categorizado relativamente a outros produtos, de acordo com o seu grau de modularidade.

As tipologias de modularidade mais abordadas na literatura (Carnevalli et al., 2011Carnevalli, J. A., Varandas, A., Jr., & Cauchick Miguel, P. A. (2011). Uma investigação sobre os benefícios e dificuldades na adoção da modularidade em uma montadora de automóveis. Produto & Produção, 12(1), 60-90.) e em empresas automotivas no Brasil (Carnevalli et al., 2013Carnevalli, J. A., Cauchick Miguel, P. A., & Salerno, M. S. (2013). Aplicação da modularidade na indústria automobilística: análise a partir de um levantamento tipo survey.Produção, 23(2), 349-324. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132012005000040.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132012...
) são a modularidade de projeto (ou de produto) e a modularidade de produção (ou de processo). A modularidade de projeto refere-se a uma estratégia de desenvolvimento de novos produtos na qual as interfaces entre os componentes compartilhados em uma determinada arquitetura de produto são especificadas e padronizadas para permitir uma maior possibilidade de substituição dos componentes entre as famílias de produtos (Mikkola & Gassmann, 2003Mikkola, J. H., & Gassmann, O. (2003). Managing modularity of product architectures: toward an integrated theory. IEEE Transactions on Engineering Management, 50(2), 204-218. http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2003.810826.
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). Já a modularidade de produção permite que os componentes de um produto sejam padronizados e produzidos de forma independente antes da montagem no sistema final (Baldwin & Clark, 1997Baldwin, C. Y., & Clark, K. B. (1997). Managing in an age of modularity. Harvard Business Review, 75(5), 84-93. PMid:10170333.).

A indústria automotiva tem contribuído de forma significativa para os avanços tecnológicos e gerenciais desde que surgiu e com a adoção da estratégia modular não é diferente. A maneira como o setor automobilístico vislumbra essas oportunidades como diferencial competitivo indica que o setor comporta-se como um sinalizador de tendências, o que leva a creditar a ela tal feito é também a exigência de seus consumidores e a intensa e constante concorrência nesse segmento, que impulsiona as montadoras de veículos à constante evolução, como já demonstrado por outros trabalhos (Ro et al., 2007Ro, Y. K., Liker, J. K., & Fixson, S. K. (2007). Modularity as a strategy for supply chain coordination: the case of U.S. Auto. IEEE Transactions on Engineering Management, 54(1), 172-189. http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2006.889075.
http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2006.88907...
; Salerno et al., 2009Salerno, M. S., Marx, R., Zilbovicius, M., & Dias, A. V. C. (2009). The importance of locally commanded design for the consolidation of local supply chain: the concept of design headquarters. International Journal of Manufacturing Technology and Management., 16(4), 361-376. http://dx.doi.org/10.1504/IJMTM.2009.023753.
http://dx.doi.org/10.1504/IJMTM.2009.023...
; Carnevalli et al., 2011Carnevalli, J. A., Varandas, A., Jr., & Cauchick Miguel, P. A. (2011). Uma investigação sobre os benefícios e dificuldades na adoção da modularidade em uma montadora de automóveis. Produto & Produção, 12(1), 60-90., 2013Carnevalli, J. A., Cauchick Miguel, P. A., & Salerno, M. S. (2013). Aplicação da modularidade na indústria automobilística: análise a partir de um levantamento tipo survey.Produção, 23(2), 349-324. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132012005000040.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132012...
).

Nesse contexto, o presente trabalho teve como objetivo investigar os principais elementos da modularidade por meio da formulação de uma proposta de avaliação do grau de modularidade em projeto e em produção, no contexto da indústria automotiva. Para fins de aplicação da proposta, também é realizada uma comparação do grau de adoção da modularidade de projeto e de produção em montadoras automotivas no Brasil. Essa comparação é realizada por meio da elaboração de uma proposta e avaliação de projetos de veículos no país, com participação da engenharia brasileira, a partir do ano 2000. Para atender a esses objetivos, o trabalho é estruturado em cinco seções, sendo a primeira composta por esta introdução. A segunda descreve os procedimentos metodológicos de pesquisa. A terceira seção apresenta o cenário onde o fenômeno é investigado. A quarta seção define os elementos de modularidade a serem observados para, em seguida, ser apresentada uma análise dos projetos de veículos selecionados. Finalmente, uma matriz comparativa na qual os projetos de veículos são classificados é apresentada e discutida.

2 Procedimentos metodológicos

O presente trabalho tem duas fases distintas de natureza teórico-conceitual. A primeira enquadra-se como uma revisão sistemática de literatura, tendo como propósito inicial levantar os principais trabalhos já realizados e disponibilizados sobre o tema (modularidade na indústria automotiva). Esse tipo de levantamento é de grande importância no estabelecimento das bases teóricas de um trabalho de pesquisa (Lakatos & Marconi, 2006Lakatos, E. M., & Marconi, M. A. (2006). Fundamentos de metodologia científica (6 ed.). São Paulo: Atlas.). As fontes utilizadas para formulação dos conceitos foram extraídas de um processo construtivista estruturado de revisão da literatura, com base no trabalho de Lacerda et al. (2011)Lacerda, R. T. O., Ensslin, L., & Ensslin, S. R. (2011). A performance measurement framework in portfolio management: a constructivist case. Management Decision, 49(4), 648-668. http://dx.doi.org/10.1108/00251741111126530.
http://dx.doi.org/10.1108/00251741111126...
. Os artigos foram obtidos através de base de dados e selecionados por meio de um processo de filtragem. Para a busca, foram utilizadas 16 combinações diferentes de palavras-chave tais como: modular design, modular production, modular adoption, automotive industry, entre outras. A busca inicial resultou num total de 705 artigos. No entanto, ao ler o título, resumo e, quando necessário, o texto completo, constatamos que a maior parte das publicações discutiam o tema modularidade de modo mais abrangente e não detalhavam aspectos conceituais que pudessem ser adotados no presente trabalho. Sendo assim, as publicações foram selecionadas de modo a incluir publicações (nacionais e do exterior) que minimamente discutissem a modularidade no contexto da indústria automotiva nacional, notadamente nos últimos avanços de desenvolvimento de veículos no país, bem como aquelas que viessem a contribuir com a identificação de elementos conceituais relacionados ao grau de modularidade. Esse processo resultou em aproximadamente 50 publicações consideradas centrais ao presente estudo. Outras publicações foram inseridas posteriormente por meio de consulta a pesquisadores, que colaboraram enviando os respectivos trabalhos como, por exemplo, Amatucci & Mariotto (2012)Amatucci, M., & Mariotto, F. L. (2012). The internationalisation of the automobile industry and the roles of foreign subsidiaries. International Journal of Automotive Technology and Management, 12(1), 55. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2012.046004.
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. O detalhamento dessas referências pode ser visto em Henriques (2013)Henriques, F. E. (2013). Grau de adoção da modularidade em projeto e em produção em montadoras automotivas no Brasil: avaliação de novos desenvolvimentos de veículos (Dissertação de mestrado). Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis..

Nessa primeira fase foram identificadas as empresas e os projetos de desenvolvimento de veículos de passeio realizados no Brasil, em um recorte de tempo por volta de uma década e meia. Esse recorte de tempo foi adotado em função do aumento na quantidade de horas despendidas pela engenharia brasileira nos primeiros estágios de desenvolvimento de veículos no país, já destacados na literatura (Cauchick Miguel, 2006Cauchick Miguel, P. A. (2006). The potential of new product development in the automotive industry in Brazil: an exploratory study. Product: Management & Development, 4(1), 35-43.; Salerno et al., 2008Salerno, M. S., Camargo, O. S., & Lemos, M. B. (2008). Modularity ten years after: an evaluation of the Brazilian experience. International Journal of Automotive Technology and Management, 8(4), 373-381. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2008.020309.
http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2008.020...
, 2009Salerno, M. S., Marx, R., Zilbovicius, M., & Dias, A. V. C. (2009). The importance of locally commanded design for the consolidation of local supply chain: the concept of design headquarters. International Journal of Manufacturing Technology and Management., 16(4), 361-376. http://dx.doi.org/10.1504/IJMTM.2009.023753.
http://dx.doi.org/10.1504/IJMTM.2009.023...
; Amatucci & Mariotto, 2012Amatucci, M., & Mariotto, F. L. (2012). The internationalisation of the automobile industry and the roles of foreign subsidiaries. International Journal of Automotive Technology and Management, 12(1), 55. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2012.046004.
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). Como finalidade principal, foram extraídos das publicações os elementos conceituais (constructos) de dois tipos de modularidade mais adotados no país – de projeto e de produção (para esta afirmação ver Carnevalli et al., 2013Carnevalli, J. A., Cauchick Miguel, P. A., & Salerno, M. S. (2013). Aplicação da modularidade na indústria automobilística: análise a partir de um levantamento tipo survey.Produção, 23(2), 349-324. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132012005000040.
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) –, visando a elaboração de um quadro teórico-analítico que possibilitasse analisar na fase subsequente o grau de adoção dessas tipologias de modularidade em projetos de veículos desenvolvidos nos últimos anos.

A segunda fase visou classificar o grau de adoção dos dois tipos de modularidade analisados (de projeto e de produção) no contexto de empresas automotivas, por meio da análise de documentos/relatórios com acesso livre em sites institucionais (Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotivos – ANFAVEA e Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores – SINDIPEÇAS), teses de doutorado e mestrado desenvolvidas sobre o tema (Dias, 1998Dias, A. V. C. (1998). Consórcio modular e condomínio industrial: elementos para análise de novas configurações produtivas na indústria automobilística (Dissertação de Mestrado). Departamento de Engenharia de Produção, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo.; Consoni, 2004Consoni, F. L. (2004). Da tropicalização ao projeto de veículos: um estudo das competências em desenvolvimento de produto nas montadoras de automóveis no Brasil (Tese de doutorado). Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.), artigos em periódicos (fontes principais utilizadas) e anais de eventos internacionais (Gerpisa International Colloquium). Também foram utilizadas outras fontes de dados secundários, tais como informativos das empresas coletados em eventos do setor, material de divulgação das empresas etc.

A análise consistiu na busca por categorias (grupos de similaridade) dos dados em cada um dos projetos de veículos selecionados, advindos do corpo teórico anteriormente descrito, de modo a identificar os elementos conceituais importantes. Nesse caso, foram usados os elementos conceituais estabelecidos na primeira fase do estudo. Considerou-se a pesquisa como estudo de casos múltiplos (Eisenhardt, 1989Eisenhardt, K. M. (1989). Building theories from case study research. Academy of Management Review, 14(4), 532-550.; Yin, 1989Yin, R. K. (1989). Case study research. Sage: Newbury Park.) do tipo retrospectivo, cuja análise de dados obtidos foi de natureza predominantemente qualitativa (conforme estabelecido por Minayo et al., 2007Minayo, M. C. S., Deslandes, S. F., & Gomes, R. (2007). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 25. ed. Rio de Janeiro: Vozes.), visando possibilitar a classificação dos projetos de veículos (unidades de análise) segundo o grau de adoção de modularidade. Os projetos de veículos realizados desde 2000 identificados na literatura com participação das equipes de desenvolvimento brasileiras são apresentados no Quadro 1. Esse quadro mostra os projetos com potencial de escolha e suas respectivas fontes. De todos os projetos com participação da engenharia brasileira mostrados no Quadro 1, os projetos da Peugeot Hoggar, GM Trail Blazer e Fiat Novo Uno não apresentaram conteúdo que pudessem sustentar uma análise específica em relação às tipologias de modularidade desejadas neste trabalho, pois não apresentaram quantidade suficiente de referências e dados sobre o projeto. Por essa razão não foram considerados na análise.

Quadro 1
Projetos com participação da engenharia brasileira.

3 Literatura sobre modularidade

Para possibilitar o desenvolvimento de uma classificação sobre a adoção da modularidade em cada uma das tipologias analisadas, a literatura foi analisada buscando-se os seus elementos conceituais e as relações existentes entre eles em um sistema modular. Foram então identificadas características (elementos conceituais) segundo cada tipologia da modularidade estudada, visando a construção do quadro teórico para análise posterior.

Comparando-se as diferentes maneiras de definição e utilização do conceito modularidade nas publicações, verifica-se que as definições muitas vezes são semelhantes mas não idênticas. A sintetização de como o termo modularidade é usado comumente por pesquisadores conduz rapidamente a noções de módulos e interfaces. Já há algum tempo, alguns autores (Ulrich, 1995Ulrich, K. T. (1995). The role of product architecture in the manufacturing firm. Research Policy, 24(3), 419-440. http://dx.doi.org/10.1016/0048-7333(94)00775-3.
http://dx.doi.org/10.1016/0048-7333(94)0...
; Baldwin & Clark, 2000Baldwin, C. Y., & Clark, K. B. (2000). Design rules (The Power of Modularity, v. 1). Cambridge: MIT Press.; Schilling, 2000Schilling, M. A. (2000). Towards a general modular systems theory and its application to interfirm product modularity. Academy of Management Review, 25(2), 312-334.) descrevem modularidade como módulos com interdependência relativamente fraca entre si e relativamente grande interdependência em si mesma.

Para melhor abordar essas questões, a fim de elaborar o primeiro quadro analítico, o princípio fundamental aplicado a todas as tipologias de modularidade é claro (Jacobs et al., 2011Jacobs, M., Droge, C., Vickery, S. K., & Calantone, R. (2011). Product and process modularity’s effects on manufacturing agility and firm growth performance. Journal of Product Innovation Management, 28(1), 123-137. http://dx.doi.org/10.1111/j.1540-5885.2010.00785.x.
http://dx.doi.org/10.1111/j.1540-5885.20...
): um sistema hierarquicamente agrupado. É possível trazer da literatura em engenharia de sistemas que um sistema é determinado pelos seus elementos e pelas relações entre esses elementos (Maier & Rechtin, 2000Maier, M., & Rechtin, E. (2000). The art of systems architecting. Boca Raton: CRC Press.). Analogamente a um sistema, todo produto pode ser descrito através de seus elementos e das relações entre eles. Dessa visão, duas dimensões para descrição da modularidade de um produto podem ser definidas: os elementos que constituem o produto, ou seja, seus módulos, e as relações entre esses elementos.

De acordo com Salvador (2007)Salvador, F. (2007). Toward a product system modularity construct: literature review and reconceptualization. IEEE Transactions on Engineering Management, 54(2), 219-240. http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2007.893996.
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, a modularidade é uma propriedade de um conjunto de produtos que pode ser denominada de sistema de produto. Um sistema de produto pode ser um modelo de carro e suas possíveis variantes, comercializado em um determinado momento do ano ou, até mesmo, algo que ainda não foi produzido. Ou seja, pode ser uma sequência de modelos de veículos e suas variantes a serem produzidas no futuro.

Em relação à modularidade de produção, Salerno et al. (2008)Salerno, M. S., Camargo, O. S., & Lemos, M. B. (2008). Modularity ten years after: an evaluation of the Brazilian experience. International Journal of Automotive Technology and Management, 8(4), 373-381. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2008.020309.
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afirmam que a mudança de relacionamento entre fornecedores e montadoras ocasionadas pela modularidade traz consigo uma ampliação do conceito de modularidade para uma relação de serviço entre ambos, além da divisão de investimentos e riscos. O Quadro 2 mostra uma adaptação dessa definição para as tipologias de modularidade analisadas, mostrando o conceito de sistema modular no desenvolvimento de produto, simplificadamente chamados sistema modular de produto e sistema modular de produção.

Quadro 2
Definições de sistemas modulares de produto e produção.

Quando se aborda a modularidade de produto e a modularidade de produção, pode-se afirmar que a modularidade consiste basicamente na divisão de um produto (ou processo) em módulos compostos de várias tarefas, etapas, ou até mesmo atividades de projeto (ou componentes). Adicionalmente, o Quadro 2 indica que em um sistema modular de produto podem existir diversos tipos de relações entre os módulos. Essas relações podem determinar um maior nível de modularidade do produto ou não.

Antes de apresentar as relações que existem nesses sistemas, sua definição e os critérios para classificação da modularidade, é necessária a definição do elemento que compõe ambos os sistemas, o grande responsável pelas intensas e complexas relações que definem o grau de modularidade: o módulo.

3.1 Definição de módulo

A essência da divisão de um produto em módulos físicos (modularidade de produção) é bem retratada na parábola de Simon (1962Simon, H. A. (1962). The architecture of complexity. Proceedings of the American Philosophical Society, 106(6), 467-482., p. 15) sobre a fabricação de relógios:

Existiam dois relojoeiros, um chamado Tempus e o outro, Hora; eles fabricavam relógios finos e cada relógio por eles fabricado era composto por 1.000 partes cada um. Tempus construía seu relógio de tal maneira que se ele parasse por um momento, para atender o telefone, por exemplo, seu relógio se desmontava imediatamente aos pedaços e ele tinha de reiniciar a montagem de todos os elementos. Os relógios feitos por Hora não eram menos complexos do que os construídos por Tempus. Mas ele havia desenhado seu relógio de forma que ele pudesse reunir subconjuntos estáveis de cerca de 10 elementos cada. Portanto, quando Hora tinha que colocar o relógio parcialmente montado no balcão para atender o telefone, ele perdia apenas uma pequena parte de seu trabalho, e montava seu relógio em apenas numa fração do tempo utilizado por Tempus para montar o seu.

Para definir um módulo, pelo ponto de vista da modularidade de projeto, é preciso que o produto seja decomposto em subunidades. Os principais módulos presentes na literatura relacionada à indústria automotiva são apresentados no Quadro 3. Esses módulos formam uma espécie de “esqueleto” da estrutura de produto (semelhante à do relojoeiro Hora).

Quadro 3
Módulos encontrados na literatura.

Como pode ser observado, o Quadro 3 mostra diversos módulos encontrados na literatura. Há que ressaltar ainda que alguns são frequentemente encontrados em variadas publicações e outros, no entanto, são mais comuns em um determinado segmento de produto como, por exemplo, o módulo do sistema de teto-solar, relatado como módulo muito específico do segmento de carros premium (luxo) e que inexiste em carros mais simples (populares). Há ainda módulos que são considerados submódulos de um módulo mais abrangente, como é o caso do módulo de sistema de refrigeração, considerado parte do módulo frontal do veículo, em alguns casos; esse fato explica a divisão de módulos em diversos níveis, como destacado por Fredriksson (2006)Fredriksson, P. (2006). Cooperation and conflict in modular production and supplier parks: the case of Volvo Cars’ modular assembly system. International Journal of Automotive Technology and Management, 6(3), 298-314. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2006.012122.
http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2006.012...
e Pandremenos et al. (2009)Pandremenos, J., Paralikas, J., Salonitis, K., & Chryssolouris, G. (2009). Modularity concepts for the automotive industry: a critical review. CIRP Journal of Manufacturing Science and Technology, 1(3), 148-152. http://dx.doi.org/10.1016/j.cirpj.2008.09.012.
http://dx.doi.org/10.1016/j.cirpj.2008.0...
.

A abordagem utilizada nesse trabalho considera uma estrutura de produto essencialmente fixa (havendo pequena diferenciação entre as particularidades de cada projeto ou de cada empresa) e que as características do produto variam dentro dos limites funcionais dos elementos que compõem os módulos. Assim, somente subunidades (módulos) predeterminadas do produto podem ser substituídas. A substituição de um módulo por outro requer que esse tenha a mesma contribuição funcional para o produto, sem comprometer a função principal. Ainda assim, a interface deve garantir a intercambialidade dos módulos, discutida na próxima seção.

Henderson & Clark (1990)Henderson, R. M., & Clark, K. B. (1990). Architectural innovation: the reconfiguration of existing product technologies and the failure of established firms. Administrative Science Quarterly, 35(1), 9-30. http://dx.doi.org/10.2307/2393549.
http://dx.doi.org/10.2307/2393549...
sustentam que um componente é uma porção física do produto que incorpora um dos conceitos principais do projeto e executa uma função bem definida. Não há uma distinção bem definida entre módulos e componentes para efeito deste trabalho. Quando o termo componente foi encontrado em outros trabalhos para se referir ao que a literatura aponta como sendo um módulo típico da indústria automotiva (vide Quadro 2), esse foi entendido como módulo, com a exceção de trabalhos específicos nos quais a separação da similaridade entre módulos e componentes está claramente descrita. Decisão similar foi utilizada na distinção de módulos e sistemas, optando-se assim por não entrar na discussão de sua diferenciação, por a considerarmos fora do escopo do presente trabalho.

3.2 Elementos relacionais dos sistemas modulares

As relações existentes nos sistemas modulares definem o grau de adoção da modularidade em um produto. A seguir apresentam-se os elementos a serem analisados .

3.2.1 Elementos da modularidade de projeto

A modularidade no projeto visa reduzir o tempo de concepção através da realização simultânea das atividades de projeto dos módulos que compõem o produto ou processo. Sanchez & Mahoney (1996)Sanchez, R., & Mahoney, J. T. (1996). Modularity, flexibility, and knowledge management in product and organization design. Strategic Management Journal, 17(S2), 63-76. http://dx.doi.org/10.1002/smj.4250171107.
http://dx.doi.org/10.1002/smj.4250171107...
discutem o projeto de produto com arquitetura modular como uma estratégia para coordenar o conhecimento disperso pela externalização do desenvolvimento de produto, propondo que a divisão e coordenação das atividades de desenvolvimento de produto, dado um sistema complexo como o projeto de desenvolvimento de um automóvel, são melhor gerenciadas através da decomposição estruturada do sistema em um conjunto sucessivo de subsistemas.

Quando todas as atividades de desenvolvimento de produto estão centralizadas sob a responsabilidade de um único gestor, a coordenação é feita seguindo-se a hierarquia. No entanto, quando as atividades estão dispersas entre diferentes organizações – sejam elas diferentes áreas de uma empresa ou diferentes empresas –, o sistema torna-se aberto, ou seja, teoricamente não haveria uma entidade centralizadora controlando todas as atividades desempenhadas pelas diferentes organizações (Mello & Marx, 2007aMello, A. M., & Marx, R. (2007a). Innovative capacity maintenance by automakers in a product development outsourcing scenario: the case of VW in Brazil. International Journal of Automotive Technology and Management, 7(2/3), 200-215.), sob o risco, inclusive, de perda do conhecimento (Zirpoli & Caputo, 2002Zirpoli, F., & Caputo, M. (2002). The nature of buyer-supplier relationships in co-design activities: the Italian auto industry case. International Journal of Operations & Production Management, 22(12), 1389-1410. http://dx.doi.org/10.1108/01443570210452066.
http://dx.doi.org/10.1108/01443570210452...
). Nesse caso, há a necessidade de o projeto do produto ser pensado de uma forma que haja alto grau de interdependência entre os componentes, no qual as interfaces entre os diferentes componentes sejam bem especificadas e padronizadas, mas definidos por uma empresa de posição forte na cadeia. Hoje, o integrador de tais atividades, o gestor desses projetos, é, na maioria das vezes, a própria montadora, e são essas interfaces padronizadas que permitem que as atividades de desenvolvimento de produto sejam conduzidas paralelamente e que sejam controladas por quem domina as interfaces. A definição dos elementos da modularidade de projeto é apresentada no Quadro 4.

Quadro 4
Elementos conceituais (constructos) em modularidade de projeto.

Mesmo sem utilizar a nomenclatura1 1 Algumas palavras não existentes na língua portuguesa foram utilizadas para a elaboração do Quadro 3, como, por exemplo: “substituibilidade” e “comonalidade”, traduzidas livremente do inglês substitutability e commonality. Em algumas passagens do trabalho também pode ser identificada a palavra “combinabilidade”, traduzida de combinality. Essas palavras podem ser substituídas, respectivamente, por termos como capacidade de substituição, capacidade de compartilhar (com outros produtos) e capacidade de combinação (entre os módulos). No entanto, como a palavra “capacidade” também é passível de interpretações diferentes na língua portuguesa, optou-se para uma tradução livre dos termos em inglês. apresentada no Quadro 3, algumas dessas relações entre os módulos já foram citadas por Morris & Donnelly (2006)Morris, D., & Donnelly, T. (2006). Are there market limits to modularization. International Journal of Automotive Technology and Management, 6(3), 262-275. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2006.012120.
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quando descreveram que a arquitetura de produto modular “pura” ocorre quando um módulo controla uma função, a montadora controla o desenho dos módulos e especificações das interfaces, bem como as relações dentre eles. Essas descrições podem ser associadas à divisão da estrutura de produto, à independência e à “substituibilidade”. Salvador (2007)Salvador, F. (2007). Toward a product system modularity construct: literature review and reconceptualization. IEEE Transactions on Engineering Management, 54(2), 219-240. http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2007.893996.
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também propôs a definição de diferentes elementos da modularidade, mapeando autores com publicações sobre o tema, de forma semelhante ao Quadro 3. A publicação de Salvador (2007)Salvador, F. (2007). Toward a product system modularity construct: literature review and reconceptualization. IEEE Transactions on Engineering Management, 54(2), 219-240. http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2007.893996.
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foi base para a definição desses elementos conceituais, sendo que a distinção, no presente trabalho, seria em relação a adaptação feita para esses elementos e pela aplicação apresentada mais à frente. A forma como esses elementos conceituais se relacionam é ilustrada na Figura 1.

Figura 1
Aspectos relacionais dos módulos sob a perspectiva de cada elemento da modularidade de projeto. Fonte: representação gráfica desenvolvida pelos autores com base em Salvador (2007)Salvador, F. (2007). Toward a product system modularity construct: literature review and reconceptualization. IEEE Transactions on Engineering Management, 54(2), 219-240. http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2007.893996.
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.

Cada elemento da modularidade de projeto é definido pelas suas características relacionais com os demais módulos; os projetos analisados no trabalho serão classificados pela presença dessas características. A definição de cada elemento, suas características e como irão contribuir para a classificação dos projetos são descritos a seguir, com citação pertinente, quando é o caso. Cabe ainda reiterar que esses elementos conceituais foram extraídos da literatura e que adaptações foram feitas.

  • Compatibilidade: A expressão interfaces padronizadas passou a existir quando a IBM utilizou especificações que habilitavam a utilização de diferentes processadores, equipamentos, memórias etc. em uma família de computadores (Salvador, 2007Salvador, F. (2007). Toward a product system modularity construct: literature review and reconceptualization. IEEE Transactions on Engineering Management, 54(2), 219-240. http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2007.893996.
    http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2007.89399...
    ). As interfaces são conexões compartilhadas entre componentes e as especificações de interface definem o protocolo para as interações fundamentais entre componentes; o grau em que as interfaces são padronizadas e especificadas define o grau de compatibilidade entre os componentes (Mikkola & Gassmann, 2003Mikkola, J. H., & Gassmann, O. (2003). Managing modularity of product architectures: toward an integrated theory. IEEE Transactions on Engineering Management, 50(2), 204-218. http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2003.810826.
    http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2003.81082...
    ). Esses autores citados sustentam ainda que componentes-padrão têm interfaces bem definidas e padronizadas; portanto, a arquitetura de produto composto por componentes-padrão é modular.

A compatibilidade das interfaces entre os módulos de um produto foi relatada por Hsuan & Hansen (2007)Hsuan, J., & Hansen, P. K. (2007). Platform development: implications for portfolio management. Gestão & Produção, 14(3), 453-461. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-530X2007000300003.
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como o coração para a organização de uma plataforma modular, pois possibilita a capacidade de substituição de módulos numa dada arquitetura de produto, e complementam, ainda, que interfaces padronizadas e especificadas adequadamente determinam quando a externalização é uma estratégia viável. A Figura 1 mostra um exemplo em que três módulos (M1, M2 e M3) são totalmente compatíveis entre si, e em que um quarto módulo (M4) é compatível apenas com o módulo M3, ou seja, onde M1 ou M2 estiverem, o módulo M4 não poderá estar presente, e vice-versa. Pode-se afirmar então que o módulo M4 não é compatível com o módulo M1 e, tampouco, com o módulo M2.

O aprofundamento da análise da existência de compatibilidade dos módulos pode ser obtido através de dados que logrem refletir a facilidade de conexão entre eles, na abordagem chamada plug and play. Pode-se inferir que módulos com interfaces padronizadas e especificadas adequadamente sempre poderão ser conectados com outros que tenham os mesmo requisitos de padronização. Esse aspecto de análise da modularidade de produto é, na verdade, uma das grandes dificuldades no desenvolvimento do presente trabalho, pois um automóvel, como já citado, não é extremamente propenso à arquitetura modular, o que aumenta a dificuldade de encontrar dados que mostrem quão fortemente e como estão conectados os módulos.

  • Independência: A ideia central de independência refere-se à capacidade de um sistema ser “quebrado”, desmembrado em unidades menores ou módulos e, por essa perspectiva, ao se dividir um sistema complexo ele se torna mais fácil de entender, conceber e produzir, do que se ele tiver de ser concebido e produzido como um todo (Salvador, 2007Salvador, F. (2007). Toward a product system modularity construct: literature review and reconceptualization. IEEE Transactions on Engineering Management, 54(2), 219-240. http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2007.893996.
    http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2007.89399...
    ). Baldwin & Clark (1997)Baldwin, C. Y., & Clark, K. B. (1997). Managing in an age of modularity. Harvard Business Review, 75(5), 84-93. PMid:10170333. sustentam que a modularidade é resultante da concepção de um produto ou processo complexo a partir de subsistemas menores, projetados independentemente, que funcionam em conjunto como um todo, sendo uma estratégia eficiente para organizar produtos e processos complexos. A modularidade cria, intencionalmente, um alto grau de independência entre os projetos de componentes através da padronização das especificações de interface dos componentes; assim, a modularidade pode mover uma empresa para a desintegração vertical, ou pode, ainda, promover o nascimento de clusters modulares (Langlois & Robertson, 1992Langlois, R. N., & Robertson, P. L. (1992). Network and innovation in a modular system: lessons from the microcomputer and stereo component industries. Research Policy, 21(4), 297-313. http://dx.doi.org/10.1016/0048-7333(92)90030-8.
    http://dx.doi.org/10.1016/0048-7333(92)9...
    ; Baldwin & Clark, 2000Baldwin, C. Y., & Clark, K. B. (2000). Design rules (The Power of Modularity, v. 1). Cambridge: MIT Press.; Mikkola & Gassmann, 2003Mikkola, J. H., & Gassmann, O. (2003). Managing modularity of product architectures: toward an integrated theory. IEEE Transactions on Engineering Management, 50(2), 204-218. http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2003.810826.
    http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2003.81082...
    ). Do ponto de vista da montadora, quanto mais especificado e independente, maiores as chances de externalizar o desenvolvimento de um módulo. Essa não é só uma decisão de make or buy mas também de definição das core competencies ou de manutenção da capacidade inovadora pela montadora. Porém, do ponto de vista do presente artigo, assumiu-se que a externalização indicava maior sinal de independência dos módulos.

Esse elemento conceitual pode ser analisado então pela existência de módulos sendo desenvolvidos por terceiros, pelos fornecedores, dado que assim exige-se que o produto tenha uma arquitetura bem delineada, de forma que seja adequadamente dividido, gerando um alto grau de independência entre os módulos e possibilitando que sejam projetados em separado e até concomitantemente.

  • “Substituibilidade”: Produtos são modulares quando diferentes configurações desse produto podem ser obtidas misturando-se e combinando-se componentes a partir de um dado conjunto (Salvador, 2007Salvador, F. (2007). Toward a product system modularity construct: literature review and reconceptualization. IEEE Transactions on Engineering Management, 54(2), 219-240. http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2007.893996.
    http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2007.89399...
    ). A essência da visão de “combinabilidade” de componentes, originada por Starr (1965)Starr, M. K. (1965). Modular-production: a new concept. Harvard Business Review, 43(6), 131-142., é maximizar a variedade de montagem combinatória a partir de um dado número de componentes com base em um catálogo. Essa perspectiva enfatiza a modularidade de produto como um caminho para satisfazer a fragmentação das demandas de mercado pelo aumento da gama de opções em uma linha de produto. A empresa deve desenvolver variações do produto criando variantes dos módulos principais do produto, direcionando-os para diferentes segmentos de mercado.

Uma implicação desse conceito é que diferente segmentos de mercado exigem produtos ligeiramente diferentes. As variantes dos produtos direcionadas a cada segmento devem ser diferentes em um ou mais módulos e o restante do produto deve permanecer inalterado. Langlois & Robertson (1992)Langlois, R. N., & Robertson, P. L. (1992). Network and innovation in a modular system: lessons from the microcomputer and stereo component industries. Research Policy, 21(4), 297-313. http://dx.doi.org/10.1016/0048-7333(92)90030-8.
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construiram a noção de sistema modular com base na visão combinatória de Starr (1965)Starr, M. K. (1965). Modular-production: a new concept. Harvard Business Review, 43(6), 131-142., na qual definiram que um sistema modular pode ser visto como um produto já definido em sua forma final mas que pode ser dividido em subgrupos de produtos que os consumidores podem organizar em várias combinações, de acordo com sua preferência pessoal.

A Figura 1 mostra um exemplo onde o módulo M1 tem alto grau de “substituibilidade”, podendo variar entre três modelos catalogados. Numa situação hipotética em que a arquitetura do produto obrigasse a presença de, no mínimo, um segundo módulo além do módulo M1, o produto teria ao menos nove tipos de configurações possíveis; quanto mais combinações possíveis, mais modular seria o produto, pois facilita-se a customização em massa e pode-se atingir mais segmentos de mercado.

  • “Comonalidade”: Esse conceito é expresso em estudos anteriores (Ulrich & Tung, 1991Ulrich, K. T., & Tung, K. (1991). Fundamentals of product modularity (Working Paper 3335-91-MSA). Cambridge: MIT Sloan School of Management. 14 p.), representando a existência de módulos além daquela “comonalidade” que possibilita a variedade em um produto, ou seja, o seu uso em diferentes linhas de produto, ou família de produtos. Os autores supracitados propõem essa noção como modularidade de compartilhamento de componentes, ou, como adotado no presente trabalho: compartilhamento de módulos entre diferentes produtos.

Na Figura 1 são apresentadas as arquiteturas de produto de dois bens diferentes. Tanto o projeto A quanto o projeto B possuem três módulos, porém apenas o módulo M2 é comum aos projetos. Módulos compartilhados em projetos diferentes possibilitam ganhos de escala na fabricação. Dessa maneira, o presente trabalho procura identificar, então, se os módulos de determinado projeto são compartilhados com os demais produtos da empresa e, nesse sentido, tornam-se mais modulare, por apresentar ganhos de escala em sua produção.

  • Divisão da estrutura de produto em funções: Esse elemento descreve o produto em termos das funções que ele executa e de como essas funções estão relacionadas; a definição da estrutura de funções do produto é um passo fundamental na engenharia de projeto do processo (Salvador, 2007Salvador, F. (2007). Toward a product system modularity construct: literature review and reconceptualization. IEEE Transactions on Engineering Management, 54(2), 219-240. http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2007.893996.
    http://dx.doi.org/10.1109/TEM.2007.89399...
    ). Segundo Ulrich (1995)Ulrich, K. T. (1995). The role of product architecture in the manufacturing firm. Research Policy, 24(3), 419-440. http://dx.doi.org/10.1016/0048-7333(94)00775-3.
    http://dx.doi.org/10.1016/0048-7333(94)0...
    , é o mapeamento das funções para componentes físicos, onde cada módulo é responsável por assumir apenas uma função.

Adotando-se a definição de que um módulo executa uma função bem definida e dada a complexidade do projeto de um veículo e a dificuldade de se verificar a quantidade de funções exercidas por seus módulos, no presente trabalho esse elemento foi analisado pela quantidade de módulos existentes. O exemplo da Figura 1 mostra um produto com seis módulos, independentemente da relação entre eles, que podem ser combinados ou comutados com outros produtos etc., ou seja, é basicamente uma lista de módulos existentes para aquele produto; quanto mais módulos existentes, mais modular.

No presente estudo, todas as cinco características relacionais relatadas foram consideradas com o mesmo peso para análise do grau de modularidade. Para cada um desses elementos conceituais é atribuído, qualitativamente, um dos três diferentes níveis: baixo, moderado ou alto, considerando-se apenas o elemento conceitual analisado, independentemente dos demais.

3.2.2 Elementos da modularidade de produção

As novas e complexas relações entre montadoras e fornecedores estabelecidas após o surgimento das plantas modulares e os consequentes aspectos de coordenação e do fluxo de materiais estimularam a adoção da modularidade.

Arnheiter & Harren (2005)Arnheiter, E. D., & Harren, H. (2005). A typology to unleash the potential of modularity. Journal of Manufacturing Technology Management, 16(7), 699-711. http://dx.doi.org/10.1108/17410380510619923.
http://dx.doi.org/10.1108/17410380510619...
definem como principais elementos da modularidade de produção: o favorecimento à customização em massa, a flexibilidade e a integração com o fornecedor. De forma semelhante, Fredriksson (2006)Fredriksson, P. (2006). Cooperation and conflict in modular production and supplier parks: the case of Volvo Cars’ modular assembly system. International Journal of Automotive Technology and Management, 6(3), 298-314. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2006.012122.
http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2006.012...
chama a integração com o fornecedor de coordenação. Doran (2003)Doran, D. (2003). Supply chain implications of modularization. International Journal of Operations & Production Management, 23(3), 316-326. http://dx.doi.org/10.1108/01443570310462785.
http://dx.doi.org/10.1108/01443570310462...
refere-se basicamente às relações típicas estabelecidas entre as grandes montadoras e sua rede de fornecedores hierarquicamente organizados (diferenciando os fornecedores em níveis), relatadas pelo autor através da transferência de atividades de pré-montagem e testes de módulo para o fornecedor.

Collins et al. (1997)Collins, R., Bechler, K., & Pires, S. (1997). Outsourcing in the automotive industry: from JIT to modular consortia. European Management Journal, 15(5), 498-508. http://dx.doi.org/10.1016/S0263-2373(97)00030-3.
http://dx.doi.org/10.1016/S0263-2373(97)...
descrevem um processo transitório e evolutivo de configurações de plantas automotivas, indo do just in time (que é uma evolução do sistema fordista) para a produção modular, passando pelos condomínios industriais e chegando ao extremo, que seria o consórcio modular. De forma semelhante, Pires (2001)Pires, S. R. I. (2001). New productive systems in the auto industry: the managerial challenges of automakers and suppliers at here new Brazilian plants. In Proceedings of the GERPISA International Colloquium. Paris. acrescenta o aumento da terceirização de atividades a esse mesmo caminho de transição entre essas configurações.

Em síntese, os principais aspectos do relacionamento entre montadoras e fornecedores identificados na literatura podem ser resumidos em:

  • Configuração do arranjo produtivo (Collins et al., 1997Collins, R., Bechler, K., & Pires, S. (1997). Outsourcing in the automotive industry: from JIT to modular consortia. European Management Journal, 15(5), 498-508. http://dx.doi.org/10.1016/S0263-2373(97)00030-3.
    http://dx.doi.org/10.1016/S0263-2373(97)...
    ; Camuffo, 2000Camuffo, A. (2000). Rolling out a world car: globalization, outsourcing and modularity in the auto industry. Venezia: Ca’ Foscari University of Venice, Department of Business Economics and Management.; Pires & Sacomano, 2010Pires, S. R. I., & Sacomano, M., No. (2010). Características estruturais, relacionais e gerenciais na cadeia de suprimentos de um condomínio industrial na indústria automobilística. Produção, 20(2), 172-185. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132010005000032.
    http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132010...
    ; Sako, 2006Sako, M. (2006). Administrando parques industriais de autopeças no Brasil: uma comparação entre Resende, Gravataí e Camaçari. Caderno CRH, Salvador, 19(46), 61-73.);

  • Terceirização de atividades e integração com fornecedor (Collins et al., 1997Collins, R., Bechler, K., & Pires, S. (1997). Outsourcing in the automotive industry: from JIT to modular consortia. European Management Journal, 15(5), 498-508. http://dx.doi.org/10.1016/S0263-2373(97)00030-3.
    http://dx.doi.org/10.1016/S0263-2373(97)...
    ; Doran, 2003Doran, D. (2003). Supply chain implications of modularization. International Journal of Operations & Production Management, 23(3), 316-326. http://dx.doi.org/10.1108/01443570310462785.
    http://dx.doi.org/10.1108/01443570310462...
    ; Arnheiter & Harren, 2005Arnheiter, E. D., & Harren, H. (2005). A typology to unleash the potential of modularity. Journal of Manufacturing Technology Management, 16(7), 699-711. http://dx.doi.org/10.1108/17410380510619923.
    http://dx.doi.org/10.1108/17410380510619...
    ; Fredriksson, 2006Fredriksson, P. (2006). Cooperation and conflict in modular production and supplier parks: the case of Volvo Cars’ modular assembly system. International Journal of Automotive Technology and Management, 6(3), 298-314. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2006.012122.
    http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2006.012...
    ; Sako, 2006Sako, M. (2006). Administrando parques industriais de autopeças no Brasil: uma comparação entre Resende, Gravataí e Camaçari. Caderno CRH, Salvador, 19(46), 61-73.; Pires & Sacomano, 2010Pires, S. R. I., & Sacomano, M., No. (2010). Características estruturais, relacionais e gerenciais na cadeia de suprimentos de um condomínio industrial na indústria automobilística. Produção, 20(2), 172-185. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132010005000032.
    http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132010...
    ).

No contexto da produção modular, em relação à terceirização de atividades (como a montagem do módulo), pode-se afirmar que o grau de modularidade é aumentado quanto mais externalizadas as atividades. Em se tratando dos tipos de arranjo produtivo, pode-se ter os seguintes tipos de relacionamento em um sistema modular de produção:

  • Montagem feita diretamente na linha por fornecedores localizados na fábrica (consórcio modular): Um exemplo-chave de produção totalmente modular é a fábrica de caminhões da VW em Resende (hoje Man Latin America), na qual a maior parte da responsabilidade pela produção dos veículos foi terceirizada para fornecedores (Dias, 1998Dias, A. V. C. (1998). Consórcio modular e condomínio industrial: elementos para análise de novas configurações produtivas na indústria automobilística (Dissertação de Mestrado). Departamento de Engenharia de Produção, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo.; Pires, 2001Pires, S. R. I. (2001). New productive systems in the auto industry: the managerial challenges of automakers and suppliers at here new Brazilian plants. In Proceedings of the GERPISA International Colloquium. Paris.; Vasconcellos & Hemsley, 2002Vasconcellos, E., & Hemsley, J. R. (2002). Estrutura das organizações: estruturas tradicionais, estruturas para inovação, estrutura matricial. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.). No consórcio modular, a montagem do módulo é feita diretamente na linha de montagem do produto final, com mão de obra dos próprios fornecedores, que trabalham de forma exclusiva para a montadora (Pires, 2002Pires, S. R. I. (2002). New productive system in the auto industry: the current situation of three innovative plants in Brazil. International Journal of Automotive Technology and Management, 2(1), 46-62. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2002.000056.
    http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2002.000...
    ).

  • Módulo entregue na linha por fornecedores localizados no mesmo terreno (condomínio industrial): Segundo Salerno (2001)Salerno, M. S. (2001). The characteristics and the role of modularity in the automotive business. International Journal of Automotive Technology and Management, 1(1), 92-107. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000029.
    http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000...
    e Pires & Sacomano (2010)Pires, S. R. I., & Sacomano, M., No. (2010). Características estruturais, relacionais e gerenciais na cadeia de suprimentos de um condomínio industrial na indústria automobilística. Produção, 20(2), 172-185. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132010005000032.
    http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132010...
    , no condomínio industrial as principais empresas fornecedoras de primeiro nível na cadeia de suprimentos (também denominadas sistemistas) estão instaladas no mesmo terreno que a montadora, porém não são responsáveis diretamente pela montagem do produto final, deixando que a mão de obra da própria montadora exerça tal função. Nesses casos, a localização dos fornecedores amarra-se à logística da montadora, sendo por ela projetada e negociada com o governo, quando necessário. De acordo com Dias & Salerno (1999)Dias, A. V. C., & Salerno, M. S. (1999). Condomínios Industriais: novas fábricas, novos arranjos produtivos e novas discussões na indústria automobilística brasileira. In Anais do 19º Congresso Nacional de Engenharia de Produção. Rio de Janeiro: UFRJ., o condomínio industrial pode ser definido pela configuração em que alguns fornecedores, escolhidos pela montadora, estabelecem suas instalações nas adjacências da planta da montadora e passam a fornecer componentes ou subconjuntos completos. A montadora posiciona-se como diretora de todo o projeto. Isso significa que é ela quem decide que produtos serão fornecidos através do condomínio, que empresas devem fornecer esses produtos, onde elas se localizarão no condomínio e como deverão ser realizadas as entregas, além da frequência da entrega e das especificações técnicas do produto e de seu preço (Salerno, 2001Salerno, M. S. (2001). The characteristics and the role of modularity in the automotive business. International Journal of Automotive Technology and Management, 1(1), 92-107. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000029.
    http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000...
    ).

  • Módulo entregue na fábrica por fornecedores localizados em um determinado raio de distância (distrito industrial): Também chamado de parque industrial (quando os principais fornecedores estão muito próximos da montadora), o distrito industrial caracteriza-se pela densa concentração de fornecedores e montadoras em uma determinada região, o que, entre outros aspectos, o torna diferente de um condomínio industrial (Salerno, 2001Salerno, M. S. (2001). The characteristics and the role of modularity in the automotive business. International Journal of Automotive Technology and Management, 1(1), 92-107. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000029.
    http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000...
    ). Os fornecedores estão localizados não mais dentro do mesmo terreno, mas a uma distância de algumas dezenas de quilômetros (Salerno, 2001Salerno, M. S. (2001). The characteristics and the role of modularity in the automotive business. International Journal of Automotive Technology and Management, 1(1), 92-107. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000029.
    http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000...
    ; Sako & Murray, 1999Sako, M., & Murray, F. (1999). Modules in design, production and use: implications for the global automotive industry. In Proceedings of the International Motor Vehicle Program (IMVP) Annual Sponsors Meeting. Cambridge.), o que permite entregar módulos just in time de acordo com a necessidade da montadora. Porém, a localização um pouco mais afastada prejudica a prestação de serviços, dentre outros benefícios decorrentes, associados a uma maior proximidade de instalações e a maior facilidade de troca de informações. Remetendo à questão do fornecimento de subsistemas, na medida em que se aumenta a complexidade do produto a ser fornecido – no caso, um subsistema ao invés de um componente –, aumenta a necessidade de um serviço de assistência técnica eficaz, que possibilite solucionar, de imediato, pequenos problemas na linha de montagem, evitando paradas. O não compartilhamento do mesmo terreno não implica, de maneira alguma, em exclusividade da produção dos fornecedores para a montadora; em contrapartida, não permite o compartilhamento dos custos de estrutura.

Segundo Dias & Salerno (1999)Dias, A. V. C., & Salerno, M. S. (1999). Condomínios Industriais: novas fábricas, novos arranjos produtivos e novas discussões na indústria automobilística brasileira. In Anais do 19º Congresso Nacional de Engenharia de Produção. Rio de Janeiro: UFRJ., a instalação de plantas em um distrito industrial é uma decisão de cada empresa, tomada por meio de uma análise de viabilidade do investimento, que pode incluir análise das condições de infra-estrutura, qualificação da mão de obra e facilidade de obtenção de matéria-prima. Dessa forma, qualquer empresa pode, a priori, vir a se instalar no distrito.

  • Componentes entregues na fábrica, preparação do módulo e montagem feita pela montadora: Semelhante ao modelo convencional de produção, esse tipo de relação é o mais simples de todos os apresentados, pois a montadora continua realizando e gerenciando toda a cadeia de produção, inclusive a montagem dos próprios módulos, que chegam até a montadora em forma de componentes separados, e os fornecedores estão localizados nas mais diversas regiões.

A afirmativa de Salerno (2001)Salerno, M. S. (2001). The characteristics and the role of modularity in the automotive business. International Journal of Automotive Technology and Management, 1(1), 92-107. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000029.
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de que a relação entre fornecedores e montadoras nos condomínios industriais vai além das questões de proximidade de localização mostra a necessidade de que outros aspectos também sejam avaliados além da organização da produção e da terceirização de atividades. Adicionalmente aos fatores já elencados, Sako (2006)Sako, M. (2006). Administrando parques industriais de autopeças no Brasil: uma comparação entre Resende, Gravataí e Camaçari. Caderno CRH, Salvador, 19(46), 61-73. e Salerno (2001)Salerno, M. S. (2001). The characteristics and the role of modularity in the automotive business. International Journal of Automotive Technology and Management, 1(1), 92-107. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000029.
http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000...
incluem ainda outras duas perspectivas de análise em relação à modularidade de produção, que também são considerados no presente trabalho, a fim de estender essa análise: o compartilhamento ou posse de ativos e a gestão de recursos humanos.

A terceirização trata do redesenho das fronteiras da empresa. Contudo, a concepção que a economia tem da terceirização difere do modo de ver da engenharia e da área de administração. A economia define a terceirização como a desapropriação de ativos. Nesse sentido há a divisão de investimentos e riscos, na qual a terceirização de ativos tais como: terrenos, fábricas e equipamentos é considerada aumentando o nível de modularidade (Sako, 2006Sako, M. (2006). Administrando parques industriais de autopeças no Brasil: uma comparação entre Resende, Gravataí e Camaçari. Caderno CRH, Salvador, 19(46), 61-73.).

Outro fator que pode influenciar no nível de modularidade de produção é a forma como são gerenciados os recursos humanos em cada montadora. Igualmente ao proposto por Sako (2006)Sako, M. (2006). Administrando parques industriais de autopeças no Brasil: uma comparação entre Resende, Gravataí e Camaçari. Caderno CRH, Salvador, 19(46), 61-73., esse aspecto de mensuração considera os padrões de relações sociais com os fornecedores e funcionários. Uma vez que esses arranjos trazem novas formas de relacionamento entre montadoras e fornecedores, surgem essas duas novas dimensões de análise que podem aumentar o grau de modularidade do sistema analisado.

Em suma, a classificação em modularidade de produção dá importância a quatro fatores: o tipo de arranjo (em maior evidência na literatura), o nível de terceirização das atividades, a propriedade de ativos e a gestão de recursos humanos. Diferentemente dos cinco elementos de análise em modularidade de projeto, os elementos conceituais mencionados não têm o mesmo peso para análise do grau de modularidade. Dada a importância verificada na literatura em relação ao tipo de arranjo fabril, no presente trabalho considerar-se-á que esse tem o dobro do peso dos demais elementos. Semelhante aos elementos da modularidade de projeto, cada um desses elementos são classificados qualitativamente em três diferentes níveis: baixo, moderado e alto, considerando-se apenas o elemento analisado, independentemente dos demais e de acordo com as características identificadas em cada projeto de veículo em relação aos outros.

4 Análise de projetos de veículos desenvolvidos no país

A literatura já evidencia a crescente participação da engenharia brasileira no desenvolvimento de novos veículos. Em detrimento das costumeiras adaptações ao mercado local (ainda existentes), alguns desenvolvimentos são hoje projetos de veículos cada vez mais complexos (Consoni, 2004Consoni, F. L. (2004). Da tropicalização ao projeto de veículos: um estudo das competências em desenvolvimento de produto nas montadoras de automóveis no Brasil (Tese de doutorado). Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.; Ibusuki et al., 2012Ibusuki, U., Kobayashi, H., & Kaminski, P. C. (2012). Localisation of product development based on competitive advantage of location and government policies: a case study of car makers in Brazil. International Journal of Automotive Technology and Management, 12(2), 172. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2012.046861.
http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2012.046...
; Amatucci & Mariotto, 2012Amatucci, M., & Mariotto, F. L. (2012). The internationalisation of the automobile industry and the roles of foreign subsidiaries. International Journal of Automotive Technology and Management, 12(1), 55. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2012.046004.
http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2012.046...
). A chamada segunda onda de investimentos na indústria automotiva, na década de 1990, trouxe a instalação de diversos novos parques fabris (Cauchick Miguel, 2006Cauchick Miguel, P. A. (2006). The potential of new product development in the automotive industry in Brazil: an exploratory study. Product: Management & Development, 4(1), 35-43.), atualização dos já existentes, utilizando-se em algumas situações arranjos modulares. Esse se torna, então, um cenário propício para análise do grau de adoção da modularidade, tanto em projeto de produto como em produção, no contexto da indústria automotiva nacional.

Os projetos selecionados para análise, com participação da engenharia brasileira, foram aqueles que disponibilizavam dados em publicações, não necessariamente acadêmicas, no tema: Palio, da Fiat, Celta e Meriva, da General Motors, Ecosport, da Ford, Fox, da Volkswagen, e Sandero, da Renault.

Em relação à independência dos projetos de módulo, ou seja, da participação dos fornecedores no desenvolvimento, percebeu-se parcerias principalmente no projeto de bancos (Fox, Meriva, Palio) e cockpits (Fox, Celta). No caso do Sandero, dados apontam que 80% das peças têm participação dos fornecedores (Renault, 2011Renault. (2011). Desenvolvimento do Sandero (Palestra institucional). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina.), mas não foram identificados dados suficientes de como ocorre essa participação. Também não houve disponibilidade de dados nesse sentido em relação ao Ford Ecosport. No caso Fiat Palio, observou-se ainda uma maior participação dos fornecedores no desenvolvimento dos módulos, os quais projetaram ainda o sistema de refrigeração e de iluminação, o que eleva esse caso a um patamar mais elevado do que os demais, classificando-o como moderado.

Por oferecerem certa diferenciação aos produtos, alguns dos projetos de módulos são destinados exclusivamente a um dado modelo, caso do sistema dos bancos do Fox e Meriva e do cockpit do Celta e do Meriva. Esse último tem também um módulo de painel de portas exclusivo. No caso do Ecosport, tanque e portas são exclusivos. Todos os modelos compartilham motores com outros veículos da família de produtos da marca e também dividem uma quantidade significativa de módulos e componentes com outros modelos derivativos da marca e, na maioria das vezes, compartilham a mesma plataforma. Além disso, o Fox compartilha o cockpit com o VW Gol geração 4 e o Fiat Palio, o sistema de escape do Uno. O destaque negativo ocorre com o Meriva que, além dos módulos exclusivos já citados, possui baixa “comunização” de peças com outras plataformas (da ordem de cerca de 55%).

A partir da descrição anterior, as características dos projetos dos veículos selecionados apresentam inúmeras diferenças, tanto em quantidade (número de funções) como nos demais elementos. Dos 26 módulos tipicamente encontrados na indústria automotiva listados no Quadro 3, aproximadamente 80% foram relatados por alguma publicação nos projetos do Fox, Celta e Ecosport, mostrando uma alta divisão da arquitetura do produto, enquanto que nos demais projetos esse número ficou em torno de 50%.

Para análise da modularidade de produção, o arranjo produtivo das plantas foi o principal fator de associação ao grau de modularidade adotado por cada empresa. Nesse aspecto, pode-se dizer que, pela forma como estão instaladas as empresas fornecedoras em relação às montadoras, o condomínio da Ford é o que mais se aproxima de um consórcio modular, com fornecedores dentro do mesmo prédio da empresa e com funcionários dos fornecedores dando suporte na linha de montagem. De maneira semelhante estão a Volkswagen e a GM de Gravataí, onde é produzido o Celta. Em seguida, a fábrica da Renault foi classificada como moderada e, de forma parecida, está o arranjo da Fiat; bem abaixo das demais está o arranjo da GM em São José dos Campos.

De maneira geral, a terceirização das tarefas está organizada de maneira muito próxima pelas montadoras. As fábricas analisadas não chegam ao alto nível de terceirização de atividades da VW em Resende, mas os fornecedores estão localizados próximos à montadora, dividem os custos de estrutura (por vezes até os gastos com aluguel) e gerenciam parte da cadeia de fornecedores (nos níveis mais baixos da cadeia de suprimentos). A exceção negativa é a GM, na qual o Meriva é produzido com um baixo nível de terceirização de atividades.

Analisando-se a propriedade de ativos, a GM de Gravataí leva vantagem sobre as demais plantas. Com os fornecedores arcando com os custos do terreno, prédios e equipamentos, é notória a economia de investimentos feita pela montadora na instalação desse novo complexo fabril: economia de 2/3 segundo dados não oficiais (Salerno, 2001Salerno, M. S. (2001). The characteristics and the role of modularity in the automotive business. International Journal of Automotive Technology and Management, 1(1), 92-107. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000029.
http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000...
). Nos demais casos, os investimentos feitos pelas montadoras incluem terrenos e prédios, quando localizados na mesma propriedade, no caso da fábrica de São José dos campos, apesar de não existirem esses custos (terrenos e fábricas); quando há mudança dos modelos, a própria montadora é quem arca com o novo ferramental. Nessa análise, baixa propriedade de ativos, por exemplo, na GM de Gravataí, é melhor do que nos outros casos (propriedade de ativos moderada).

A classificação de todos os elementos em modularidade de projeto e de produção é sintetizada no Quadro 5. Observar que a cada uma das atribuições feitas qualitativamente, com base na análise de conteúdo das publicações, há um valor de escala associado (por exemplo, para baixo o valor é 1 e assim sucessivamente). Esse valor é então usado para construção (posicionamento) nos eixos da matriz da Figura 2, discutida mais à frente.

Quadro 5
Grau de modularidade dos elementos analisados nos projetos selecionados.
Figura 2
Matriz de classificação do grau de modularidade.

Para visualizar de outro modo a análise realizada na seção anterior (mostrada no Quadro 5), propôs-se a matriz mostrada na Figura 2. Em outras palavras, os dados qualitativos apresentados no Quadro 5 foram transferidos para a matriz com base nos princípios do desdobramento da função qualidade (QFD – Quality Function Deployment) conferindo pontuações de 1, 2 ou 4, de acordo com a classificação obtida em cada item do Quadro 5. Onde não havia dados disponíveis que permitissem classificar determinado projeto em algum elemento da modularidade, a pontuação atribuída foi 0 (zero), que seria a menor pontuação possível no método QFD. Essa matriz possibilita então visualizar o posicionamento de cada um dos projetos analisados segundo o grau de adoção de modularidade de projeto e de produção.

É importante ressaltar que o resultado mostrado na matriz não é uma quantificação ou transcrição exata dos conteúdos extraídos das publicações sobre projetos de veículos, mas sim uma primeira tentativa de posicionar esses projetos selecionados de acordo com o grau de modularidade, considerando os dois tipos principais adotados no país (Carnevalli et al., 2013Carnevalli, J. A., Cauchick Miguel, P. A., & Salerno, M. S. (2013). Aplicação da modularidade na indústria automobilística: análise a partir de um levantamento tipo survey.Produção, 23(2), 349-324. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132012005000040.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65132012...
): projeto e produção.

4.1 Discussão dos resultados

A propriedade de ativos gerou um ponto de discussão importante. Há que se pensar que uma maior terceirização dos ativos pode diminuir a capacidade de gestão da montadora, um dos focos da modularidade, ou seja, nesse aspecto a intenção é terceirizar de forma que a montadora mantenha certo controle e atue apenas na gestão dos processos, concentrando sua atenção em clientes ou em novos projetos.

Com a terceirização dos ativos, apesar da divisão dos riscos do investimento, é fácil perceber a maior dificuldade para gerir o RH dessas empresas, já que toda estrutura pertence ao próprio fornecedor (vide caso de Gravataí). Outro empecilho que pode ocorrer é, caso haja insatisfação com a qualidade do serviço ou com o produto do fornecedor, no modelo em que o ativo (terreno e fábrica) pertencem à montadora seria mais fácil negociar com a empresa parceira e, se preciso, substituí-la. Fato já identificado no passado, no caso da planta da VW em Resende, RJ (Salerno, 2001Salerno, M. S. (2001). The characteristics and the role of modularity in the automotive business. International Journal of Automotive Technology and Management, 1(1), 92-107. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000029.
http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2001.000...
; Pires, 2002Pires, S. R. I. (2002). New productive system in the auto industry: the current situation of three innovative plants in Brazil. International Journal of Automotive Technology and Management, 2(1), 46-62. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2002.000056.
http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2002.000...
).

As fábricas mais antigas (Meriva e Palio) ficaram posicionadas na parte inferior da matriz (Figura 2) em relação às demais, com menor nível de modularidade de produção. Isso pode ser associado à dificuldade de se adaptar antigas fábricas a um arranjo modular, devido à dificuldade de alteração de layout e de espaço para facilitar o acesso de fornecedores.

Em linha com o que alguns autores já afirmaram (ver referencial teórico), constatou-se nessa amostra analisada que não há uma divisão padrão de arquitetura de produto e tampouco de módulos. A afirmação que pode existir produção modular sem projeto modular e vice-versa (Salerno et al., 2008Salerno, M. S., Camargo, O. S., & Lemos, M. B. (2008). Modularity ten years after: an evaluation of the Brazilian experience. International Journal of Automotive Technology and Management, 8(4), 373-381. http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2008.020309.
http://dx.doi.org/10.1504/IJATM.2008.020...
) pode ser ilustrada com o exemplo do módulo do motor, um projeto feito separadamente do projeto de desenvolvimento do carro e que pode ser produzido independentemente e montado na linha de produção e, ainda, em diferentes modelos de veículo. A análise no presente trabalho também permite confirmar que isso pode realmente ocorrer.

De fato, o que o escalonamento sobre a adoção da modularidade deixa evidente é a classificação do modelo Celta da GM como o maior caso de aplicação da modularidade de produção em veículos de passeio com participação da engenharia brasileira em seu projeto. Isso ocorre, principalmente, em razão do seu arranjo em forma de condomínio industrial e pela alta terceirização dos ativos, que o posicionam à frente de Ecosport, Fox, Sandero, Palio e Meriva, nessa ordem.

No outro eixo da matriz apresentada anteriormente, o caso Palio se destaca em modularidade de projeto, em função da alta compatibilidade entre os seus módulos. Em contraponto, o projeto de veículo com menor adoção da modularidade de projeto foi o do Meriva, que apresenta baixa independência, “substituibilidade” e “comonalidade”. Um pouco à frente, seguindo-se do menor para o maior, aparecem os casos do Sandero, do Ecosport, do Fox e do Celta.

O único caso que pode ser identificado como projeto de veículo com participação da engenharia nacional que possui modularidade de projeto (posicionado na fronteira na Figura 2) e modularidade de produção é o do Celta. Esse projeto foi desenvolvimento conjuntamente com a construção da fábrica, o que faz permanecer a questão sobre qual tipologia de modularidade (produto ou produção) influencia mais fortemente a outra. No caso do Meriva, classificado como projeto integral e de produção convencional no qual não foram observadas grandes relações com a modularidade, em nenhuma das tipologias estudadas, percebe-se que o projeto ficou em um patamar bem abaixo dos demais veículos analisados.

A modularidade em produção mostra-se uma realidade no Brasil: desde a implantação do consórcio modular em Resende, todas as demais fábricas construídas seguiram conceito de arranjo muito próximo ao realizado pela VW na planta de caminhões, em maior ou menor grau. O mesmo não é possível afirmar quanto à modularidade de projeto, pois os únicos que podem ser dito modulares são os projetos do Celta e do Palio, ainda assim os dois casos posicionam-se como projetos modulares básicos, com relativamente pouco grau de modularidade.

Diferentemente de outros estudos que comparam aspectos da modularidade em projetos de carros de uma mesma montadora desenvolvidos localmente com carros desenvolvidos globalmente, neste estudo procurou-se comparar carros desenvolvidos localmente de diferentes montadoras. Cabe destacar que, obviamente, existem diferenças na condução de cada projeto, devido à cultura e às estratégias diferentes de cada montadora, as quais podem gerar pontos de distorção na avaliação de cada projeto, bem como obstaram diferentes limitações aos dados disponíveis para realização da presente análise.

5 Conclusões

Primeiramente cabe destacar que o presente trabalho cumpriu seu objetivo de investigar os principais elementos da modularidade de projeto e de produção, além de formular uma proposta para avaliação do grau de modularidade nessas duas categorias. A comparação resultante dos projetos de veículos de diferentes montadoras permitiu visualizar diferenças na aplicação das tipologias de modularidade analisadas. Cabe ressaltar que as conclusões apresentadas a seguir são decorrentes do cenário estudado com os dados disponíveis e não permitem generalizações para outros projetos, mercados e produtos.

Constata-se que existem diferenças nesses projetos de veículos quanto à modularidade de projeto de produto e de produção, levando-se em consideração os elementos conceituais selecionados da literatura. Pelos resultados apresentados, como esperado, conclui-se que a modularidade de produção está mais próxima do seu grau máximo de adoção do que a modularidade de projeto. Embora em ambas tipologias de modularidade os projetos analisados ainda estejam aquém do que poderia ser considerado o estado da arte, a modularidade de produção mostra um grau de adoção maior, de modo geral. Isso pode indicar uma maior dificuldade na adoção da modularidade de projeto, impedindo a expansão da modularidade para além da montagem do produto. Constata-se, ainda, que há uma lacuna para evolução da adoção da modularidade de projeto no desenvolvimento de produtos realizados no país.

Um ponto limitante da proposta de classificação apresentada refere-se À escala adotada na matriz da Figura 2. Caso fosse adotada uma escala diferente da escolhida, os projetos de veículos poderiam se posicionar em outros quadrantes da matriz, o que alteraria a classificação final de alguns projetos. Outro aspecto refere-se à não realização de coleta de dados de campo em todos os projetos analisados, o que limita a avaliação da proposta do presente estudo, assim como a sua não validação junto a especialistas. A coleta de dados realizada com base em publicações qualificadas sobre o tema restringe a análise das informações disponíveis por esse meio. Alguns dados não estavam disponíveis em publicações ou não apresentavam a riqueza de detalhes necessária para análise.

Diferentemente de outros estudos, que comparam aspectos da modularidade em projetos de carros de uma mesma montadora desenvolvidos localmente com carros desenvolvidos globalmente, neste estudo procurou-se comparar carros desenvolvidos localmente de diferentes montadoras. Obviamente, existe uma diferença natural na condução de cada projeto de veículo, devido à cultura e às estratégias diferentes de cada empresa (não tratadas no presente estudo), tanto em relação à modularidade de projeto como em relação à modularidade de produção, que pode gerar pontos de distorção na avaliação de cada projeto. Isso pode ser exemplificado através de alguns autores que afirmam, por exemplo, que a extensão da terceirização de tarefas depende das estratégias das montadoras de repassar apenas a capacidade de produzir, ou de incluir no repasse também o conhecimento.

Finalmente, cabe destacar que o presente trabalho carece de um aprofundamento que deve envolver, então, uma análise empírica dos projetos quanto à adoção desses elementos conceituais. Esse é um dos trabalhos futuros a serem desenvolvidos. O trabalho desenvolvido também não permite afirmar em que grau um elemento conceitual impacta no outro, sendo algo que permanece para ser investigado em estudos futuros. Outro ponto importante que permanece a ser investigado são as barreiras para adoção da modularidade, citando-se especificamente a modularidade de projeto, que apresentou no trabalho um grau menor (esperado) na sua adoção do que a modularidade de produção, o que indica maior dificuldade e complexidade mais acentuada.

Agradecimentos

Os autores primeiramente agradecem aos avaliadores do artigo que contribuíram significativamente para sua melhoria. Em segundo, agradecem ao CNPq pela concessão de bolsas de mestrado e projeto de produtividade em pesquisa. Em terceiro, agradecem a Professora Juliana Hsuan da Copenhagen Business School na Dinamarca pelas discussões que resultaram na primeira versão da Figura 2. Finalmente, cabe destacar que o presente trabalho reflete a visão dos autores e não das organizações investigadas.

  • 1
    Algumas palavras não existentes na língua portuguesa foram utilizadas para a elaboração do Quadro 3, como, por exemplo: “substituibilidade” e “comonalidade”, traduzidas livremente do inglês substitutability e commonality. Em algumas passagens do trabalho também pode ser identificada a palavra “combinabilidade”, traduzida de combinality. Essas palavras podem ser substituídas, respectivamente, por termos como capacidade de substituição, capacidade de compartilhar (com outros produtos) e capacidade de combinação (entre os módulos). No entanto, como a palavra “capacidade” também é passível de interpretações diferentes na língua portuguesa, optou-se para uma tradução livre dos termos em inglês.
  • Suporte financeiro: CNPq.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jan 2017
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    22 Set 2015
  • Aceito
    10 Fev 2016
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