RESUMO
Com base no conceito de devir-animal, elaborado por Gilles Deleuze e Félix Guattari (1997), buscamos, neste trabalho, desenvolver um exercício de crítica comparatista entre os romances contemporâneos A confissão da leoa (2012), do moçambicano Mia Couto, e O som do rugido da onça (2021), da escritora brasileira Micheliny Verunschk. Em comum, os dois textos empreendem a recuperação de temáticas e procedimentos mobilizados no conto “Meu tio o Iauaretê” (2001 [1961]), de João Guimarães Rosa. Semelhante ao contágio vivenciado pelo onceiro da narrativa roseana, que de matador de onças passa a defensor desses felinos, irmanando-se a esses animais, as duas narrativas em análise representam um movimento em direção a subjetividades não humanas experienciadas por suas personagens. Historicamente, o pensamento ocidental desenvolveu diversos mecanismos ideológicos para efetuar a separação entre o Homo sapiens e os outros viventes animais. A isso, atrela-se o processo de desumanização dos sujeitos colonizados, uma das ferramentas manipuladas pelo projeto imperialista. Como contraponto a essas perspectivas, Mia Couto e Micheliny Verunschk incorporam, em seus textos, discursos que possibilitam a abertura para outras perspectivas sobre a vida. Nos romances, verifica-se o tensionamento das fronteiras interespecíficas, uma vez que, por vias ficcionais, se efetiva o cruzamento dos limites entre o humano e o não humano. Para Mariamar e Iñe-e, protagonistas dos romances, o encontro com as figuras da onça e da leoa, grandes predadores dos dois continentes que ambientam as narrativas, possibilita o acesso a uma animalidade silenciada pelos dispositivos de opressão.
Palavras-chave:
Literatura Comparada; A confissão da leoa; O som do rugido da onça; Animalidade; Devir-animal