Acessibilidade / Reportar erro

“A terra é circular”: cosmologias afro-atlânticas e ação política no filme Ôrí

“The earth is circular”: Afro-Atlantic cosmologies and political action in the film Ôrí

Resumo

Ôrí é um filme documentário de 1989, dirigido por Raquel Gerber e guiado pela fala da intelectual negra Maria Beatriz Nascimento. Em um plano, a obra nos apresenta a história e os pensamentos de Beatriz, sendo estes narrados pela própria autora (em voz over). Em outro plano, o documentário aborda ações dos movimentos políticos e das instituições culturais negras registradas no período das gravações entre 1977 e 1988 no âmbito das quais a própria Beatriz, como militante, teve uma participação importante. Interconectando essas duas instâncias, o filme desenvolve o conceito de quilombo para narrar a problemática racial brasileira e as formas de resistência e luta do povo negro por meio de instituições como terreiros, escolas de samba, bailes black, etc. Nesse artigo pretendemos entender o pensamento elaborado pelo filme acerca das religiões afro-brasileiras, investigando a inserção de tais liturgias e cosmologias afro-atlânticas em um discurso estético, ético e político mais amplo. Inicialmente apresentamos a metodologia adotada e em seguida analisamos mais detidamente o objeto fílmico enquanto obra etnográfica e artística de múltiplos significados.

Palavras-chave:
cinema; antropologia; Ôrí; candomblé

Abstract

Ôrí (1989) is documentary film directed by Raquel Gerber and guided by the speech of the black intellectual Maria Beatriz Nascimento. On one level, the work presents the story and thoughts of Beatriz, which are narrated by the author herself (in voice over). On another level, the documentary addresses the actions of political movements and black cultural institutions during the recording period between 1977 and 1988, in which Beatriz herself, as a militant, played an important role. Interconnecting these two plans, the film develops the concept of “quilombo” to narrate the Brazilian racial problem and the forms of resistance and struggle of the black people through institutions such as terreiros, escolas de samba, black soul parties, etc. In this article we intend to understand the thoughts developed by the film about Afro-Brazilian religions, investigating the insertion of such Black African liturgies and cosmologies in a broader aesthetic, ethical and political discourse. Initially, we present the methodology adopted and then we analyze in more detail the film object as an ethnographic and artistic work of multiple meanings.

Keywords:
cinema; anthropology; Ôrí; candomblé

Introdução1 1 Este artigo apresenta resultados de pesquisa patrocinada pelo CNPq (Bolsa produtividade; beneficiário: Vagner Gonçalves da Silva) e Fapesp (Bolsa de iniciação científica; beneficiário: Gustavo Maan). Agradecemos a estas instituições pelo apoio. ,2 2 A edição original deste texto continha uma série de imagens que não puderam ser veiculadas por problemas de direitos autorais. Convidamos então os leitores a imaginarem junto a nós (e nossas descrições) as imagens que compõem o filme, assim como a assisti-lo em sua integralidade.

No período em que se celebrou o centenário da lei que aboliu oficialmente a escravidão do Brasil promulgada em 1888, a filmografia nacional foi particularmente marcada pela produção de filmes de ficção e documentários de curta, média e longa metragem em torno desse tema, muitos deles com foco nas religiosidades de matrizes africanas. Em levantamento realizado em 2019 identificamos 30 obras lançadas nas décadas de 1980 e 1990 que abordam a cultura religiosa dos terreiros, entre as quais algumas que se tornaram referência, como é o caso de Iyá-Mi-Agbá - mito e metamorfose das mães nagô (1981)IYÁ-MI-AGBÁ - mito e metamorfose das mães nagô: arte sacra negra II. Direção de Juana Elbein dos Santos. Salvador: Sociedade de Estudos da Cultura Negra no Brasil, 1981. (49min), color. de Juana Elbein dos Santos, Jubiabá (1987)JUBIABÁ. Direção de Nelson Pereira dos Santos. Rio de Janeiro: Regina Filmes: Societé Française de Production, 1987. (100min), color. de Nelson Pereira dos Santos, Ôrí (1989)ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color. de Raquel Gerber, O fio da memória (1991)O FIO da memória. Direção de Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro: Cinefilmes: Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro, 1991. (120min), color. de Eduardo Coutinho e Atlântico negro - na rota dos orixás (1998)ATLÂNTICO negro - na rota dos orixás. Direção de Renato Barbieri. Brasília: Videografia Criação e Produção: Iser: Instituto Itaú Cultural, 1998. (54min), color. de Renato Barbieri. Entre estes, Ôrí se destaca por aludir a uma poderosa aliança que estava sendo gestada naquelas décadas entre cosmologias negro-africanas e ação política, unindo terreiro e movimentos políticos de reinvindicação por igualdade e direitos raciais. O próprio nome do filme, Ôri, refere-se a um termo iorubá para designar a cabeça, parte do corpo que se torna foco dos atos rituais na iniciação do candomblé, e, ao mesmo tempo, à ideia de que a tomada de consciência dos explorados é o primeiro ato de mobilização que se faz no plano individual e que se estende para o plano das ações e mobilizações coletivas. Cabeça, ori, é a um só tempo fonte de axé (força vital) no âmbito dos terreiros e sede da reflexão política negra que se inserem no espaço público em forma de luta.

Nesse artigo pretendemos entender o pensamento elaborado pelo filme acerca das religiões afro-brasileiras, investigando a inserção de tais liturgias e cosmologias negro-africanas em um discurso estético, ético e político mais amplo. Inicialmente apresentamos a metodologia adotada e em seguida analisamos mais detidamente o objeto fílmico enquanto obra etnográfica e artística de múltiplos significados.

“Eu sou atlântica”: a montagem do filme como método circular da experiência negra transatlântica

Ôrí é um filme documentário lançado em 1989 e dirigido pela socióloga e cineasta Raquel Gerber que apresenta num plano a história pessoal da intelectual Maria Beatriz Nascimento narrada em primeira pessoa (em voz over) por ela mesma. Em outro plano aborda ações dos movimentos políticos e instituições culturais negras registradas no período das gravações entre 1977 e 1988 no âmbito das quais a própria Beatriz como militante negra teve uma participação importante. Interconectando essas duas instâncias, o filme desenvolve o argumento em torno do conceito de quilombo para narrar a problemática racial brasileira e as formas de resistência e luta do povo negro por meio de instituições como escolas de samba, terreiros, bailes black, entre outras.

Ôrí opera a partir do trânsito livre entre diversos territórios (espaços ou instituições), criando um percurso que foca e expande (recombina) as experiências da cultura negra brasileira. As cenas desses territórios eleitos como representantes de um etos cultural são dispostas de maneira alternada ao longo do filme. É importante então que compreendamos que o documentário não almeja uma descrição detida e individualizada de cada um desses territórios/espaços/instituições. O que parece realmente importar é uma tentativa de estabelecer a diáspora negra no Brasil como um sistema de relações que é composto por essas múltiplas vivências. Dessa forma, em Ôrí, as religiosidades afro-brasileiras não são necessariamente o ponto de partida ou chegada, mas sim um componente de uma trama mais ampla, costurada entre giras, sambas, manifestações políticas e congressos.

Nesse sentido, os conceitos de ori (cabeça individual sacralizada) e quilombo (território coletivo) seriam epicentros da resistência cultural negra, espelhados nas imagens dos quilombos do Brasil em seus diversos regimes econômicos e políticos ao longo da história. Contra a fragmentação violentadora do regime colonial e escravista, o filme se empenha na reconstrução de uma continuidade histórica da cultura negra, que não se atenha apenas à discursividade sobre o negro na condição de escravo, mas como produtor de uma cultura singular que entrelaça África e América. Essa compreensão, amplamente propagada por pensadores do movimento negro brasileiro atuantes a partir da segunda metade do século passado, tais como Abdias do Nascimento, Lélia Gonzales e Beatriz Nascimento, é importante para o entendimento de Ôrí, como veremos adiante.

Antes disso, apresentamos a metodologia adotada para a análise do filme.

Inicialmente é bom lembrar que o documentário não se deixou limitar pelo sistema clássico de classificação da forma fílmica. A narração feita a partir do entrelaçamento da perspectiva pessoal com a coletiva, além de outros aspectos, deu-lhe uma forma ensaística, experimental, inovadora, na qual a linguagem poética e subjetiva se entrelaça com uma narrativa objetiva e histórica (descritiva).

Beatriz indica que a violência primeira sobre o negro escravizado foi a perda da imagem pela eliminação das facetas da identidade e sujeição dos corpos. O filme propõe, no sentido oposto, a defesa da vida que reside na imagem dialética - uma imagem que não “captura” a experiência, mas que dá continuidade a seu movimento multidirecional. É por isso que em Ôrí um espaço ou uma pessoa nunca é definido por essência, mas sempre em relação àqueles que a cercam. A convicção do filme na destruição do sistema colonial implica uma segunda ação concomitante que seria a edificação de uma nova identidade, a recuperação da “imagem perdida” no processo escravocrata. Essa retomada, para o documentário, só pode ser feita a partir do elo entre o coletivo - que compartilhou a experiência de perda - e o individual, que busca se entender junto aos outros.

Essa procura, como veremos adiante, não é um processo com início e fim, mas sim uma postura de relação contínua. A linha temporal em que Ôrí se insere não se encerra no próprio filme, sendo os momentos gravados memórias ainda em formulação, vividas a partir das conexões entre o passado, o presente e o futuro. É, como caracterizado por Corrigan (2015CORRIGAN, T. O filme-ensaio: desde Montaigne e depois de Marker. Campinas: Papirus, 2015., p. 54) a partir de Barthes, uma forma de implantar-se no “rolamento da reflexividade infinita”. Como a própria Beatriz explicita em sua narração: “O processo não acaba. É uma esfera, é a Terra” (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

A concepção de continuidade, no filme, se aplica tanto para o conceito de tempo como o de espaço. Um lugar carrega consigo muitos outros lugares, assim como o corpo em transe carrega na carne a expressão de múltiplos corpos e tempos. É a imagem do círculo, forma primária da gira, que acaba por condensar a ideia de ciclo presente nesse tipo de pensamento. Nele, não é possível distinguir um caminho único de começo e fim, sendo o percurso por todos os seus pontos um eterno refazer-se. Circularidade e continuidade se encontram no filme quando percebemos uma insistência na conexão entre o individual e o coletivo ou entre o presente, o passado e o futuro. Essa mobilidade é muito bem definida por Beatriz no ato de se nomear, e por consequência localizar também todo o filme, como “atlântica”:

Oh, paz infinita poder fazer elos de ligação numa história fragmentada. África e América e novamente Europa e África. Angolas, jagas e os povos de Benin de onde vem minha mãe. Eu sou atlântica. (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

Beatriz situa os sujeitos atlânticos no lugar de trânsito entre Brasil e África, se apresentando a partir do mar que simboliza tanto o que separa quanto o que conecta suas margens. A proposição dessa encruzilhada logo de início forja o espírito viajante que guia o filme, estabelecendo sua forma como ensaística por excelência. Isso porque, não estando em nenhuma das duas costas, mas sim em sua relação, é evidenciada a vontade de se situar no próprio processo reflexivo, expressando que “o pensador, na verdade, nem sequer pensa, mas sim faz de si mesmo o palco da experiência intelectual, sem desemaranhá-la” (Adorno, 2003ADORNO, T. W. O ensaio como forma. In: ADORNO, T. W. Notas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades: Ed. 34, 2003. p. 15-45., p. 30).

Nesse sentido, a ideia de ensaio, tal qual proposta por Adorno, parece nos dar pistas importantes para o entendimento da formatação do discurso estético proposto pelo filme. Seguindo a metodologia atlântica de Beatriz, fica claro que Ôrí não propõe uma presença enfática em um local ou outro, mas nos seus entremeios. Esse palco, do qual fala Adorno, é edificado tanto pela fala de Beatriz - que organiza a obra a partir de sua reflexão - como pela montagem, ordenando que os espaços pensem entre si. Dessa forma, assim como África “busca-se conhecer através do encontro com quem está chegando” (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.), os seminários dos movimentos negros buscam se entender a partir do terreiro que por sua vez se encontra no baile soul e assim por diante.

Procuramos então acompanhar o filme propondo uma decupagem de suas cenas num quadro paradigmático e sintagmático para perceber como se cruzavam as linhas do terreiro com as demais instituições afins. Isso não implicou entretanto um isolamento do terreiro como objeto de estudo no interior do filme, já que sua presença é indissociável de todo o resto. Ou seja, na estrutura dinâmica do filme o olhar sobre as religiosidades afro-brasileiras se expande das sequências de representação direta do terreiro para outros enfoques fora dele. E é justamente nas articulações entre o terreiro e o seu entorno, nas contaminações entre a liturgia e a narrativa, que procuramos as motivações que levaram o enquadramento de tais práticas religiosas de acordo com um direcionamento específico.

Pensando nisso, desenvolvemos dois quadros capazes de indicar as articulações entre as diferentes sequências do filme.

No Quadro 1 elaboramos um mapa de sequências de todo o filme organizado por ordem cronológica, levando em conta a minutagem da cena, uma breve descrição, a presença ou não de narração, a trilha sonora, falas presentes e as conexões estabelecidas pela cena. Foram atribuídas a essas sequências um título provisório como “A terra”, “Saída de iaô”, “Show Gilberto Gil”, “Quinzena do Negro - USP”, etc.

Quadro 1
Exemplo do mapa de sequências de Ôrí.3 3 Reproduzimos aqui apenas duas linhas do mapa de sequência, considerando que este possui 43 páginas.

No Quadro 2 organizamos as sequências utilizando dois eixos: um vertical, referente à cronologia dos planos, e um segundo, horizontal, que organiza os acontecimentos em categorias capazes de aglutiná-las em temáticas afins. No total, as 71 sequências encontradas foram distribuídas em nove categorias: “Terreiro”, “Espaços Naturais”, “Escola de Samba/Carnaval”, “Bailes/Shows”, “Cidade”, “Movimento Negro”, “História”, “África”, “Ori-Corpo”. Para uma melhor visualização dos trânsitos entre os diversos espaços e categorias propostos pelo filme, incluímos também a linha “Panorama”, em que visualizamos de maneira vertical o sequenciamento das categorias ao longo do tempo do documentário.

Por fim, atribuímos a cada uma dessas categorias uma cor específica, incluindo uma sucinta descrição de cada sequência, criando uma espécie de “cromatografia” que permitiu uma visão vertical e horizontal das articulações entre as sequências e temas.

Quadro 2
Exemplo da organização de temas de Ôrí.4 4 Reproduzimos aqui apenas um trecho do quadro de temas, considerando que este possui oito páginas.

Descrevemos, suscintamente, cada uma dessas categorias.

A categoria “Terreiro” parece funcionar como epicentro do filme ao enquadrar inúmeros momentos rituais, como festas ou giras, focando sobretudo os gestos e o corpo em transe dos adeptos. As cerimônias religiosas presentes no filme foram gravadas no Ylê Xoroquê, de tradição angola,5 5 Denominam-se “candomblé angola” as comunidades religiosas com influência litúrgica dos povos banto, atualmente habitantes dos países da África Central. como é informado nas cartelas do documentário. A primeira sequência que nos apresenta explicitamente as religiões afro-brasileiras nos mostra o Exu manifestado no sacerdote Tata Wndembeoacy. Considerando ser esta a divindade mensageira que dever ser saudada em primeiro lugar, o filme reproduz, portanto, em sua mesa de edição, a lógica do mito e do rito presente nos terreiros.

Foram consideradas enquanto “Espaços Naturais” aquelas cenas que enquadram detidamente elementos da natureza, tais como planos em que vemos as nuvens do céu, o vento sobre as árvores da mata, as ondas tocando as praias e as águas no fundo do mar. Os movimentos da natureza aparecem associados tanto aos seus significados religiosos produzidos no terreiro, onde os deuses são expressões de elementos da natureza (vento, raio, mata, mar, etc.), quanto aos fatos históricos e memórias sociais da população negra. Cenas do oceano Atlântico, por exemplo, permitem extrair significados da experiência da travessia do mar (Kalunga) realizada pelas populações africanas e cenas da mata indicam as rotas de fuga dos escravizados em busca de liberdade.

Na categoria “Escola de Samba/Carnaval” agrupamos as cenas da experiência coletiva da produção do carnaval captada nos ensaios das escolas de samba e nos desfiles no sambódromo, sobretudo na cidade de São Paulo. Identificando as agremiações por meio de legenda (Vai-Vai, Mocidade Alegre e Diplomatas de São Miguel), a câmera vagueia pelos dançantes, captando movimentos do corpo, em geral de pessoas negras, sobretudo de mulheres, cujas imagens são enquadradas repetidas vezes em plano médio no meio da multidão do carnaval. Nessas cenas recupera-se o legado negro africano presente nas festas, sejam elas realizadas no terreiro ou fora dele, como no carnaval.

Ampliando o vínculo do terreiro com outras instituições lúdicas e festivas, na categoria “Bailes/Shows” foram incluídas cenas dos diversos eventos conectados sobretudo à juventude negra urbana, nos quais se destaca a black music, como nos bailes black da casa noturna Chic Show em São Paulo e nas apresentações de reggae de Gilberto Gil, Jimmy Cliff e Jimmy Bo Horne. Nesses casos, a câmera parece focar principalmente no corpo em performance, seja dos artistas do palco, seja dos dançantes da pista, que aparecem iluminados pelas luzes coloridas no ambiente escuro. Novamente, se destaca um ambiente majoritariamente composto por pessoas negras, algumas delas identificadas pela legenda.

Na categoria “Cidade” constatamos que o filme aborda o espaço urbano denso não apenas como cenário, mas como objeto do pensamento. Espaço de contradições, as sequências procuram debater a metrópole enquanto palco de desigualdades mas também malha que abriga os diversos focos de resistência, tais como o terreiro, os bailes soul, escolas de samba, etc. Em contraste com a categoria anterior, a câmera filma e denuncia a situação de fragilidade social enfrentada por muitas crianças negras. A maioria das cenas enfoca São Paulo, que participa da trama como uma de suas personagens: “A cidade que Eduardo amou”, como diz Beatriz anunciando seu retorno após uma viagem. O espaço urbano metropolitano torna-se então um cruzamento entre o passado e o presente, entre afetos e desafetos, entre oportunidades e barreiras, entre paisagens naturais e o cenário construído das ruas e edificações. Enfim, trata-se de problematizar as populações negras com seu direito à cidade negado, mas ao mesmo tempo dela se apropriando para formar um complexo sistema de quilombos urbanos organizados e resistentes nas comunidades, favelas, periferias e centros.

Na categoria “Movimento Negro” a luta por esse direito toma forma por meio de imagens que registram as demandas levantadas, em seminários, encontros e manifestações, como as do Movimento Negro Unificado, Quinzena do Negro da Universidade de São Paulo, Festival Comunitário Negro Zumbi, III Congresso de Cultura Negra das Américas, entre outras mobilizações políticas. Nos planos dessa categoria encontramos uma constância de figuras importantes para o pensamento da realidade afro-brasileira, como Abdias do Nascimento, Hamilton Cardoso, Eduardo de Oliveira e Oliveira, Thereza Santos, a própria Beatriz Nascimento, entre outras. As demandas do movimento negro da época são vocalizadas por essas lideranças e o documentário repercute as reivindicações políticas que procuram tanto denunciar as mazelas causadas e perpetuadas pelo racismo estrutural do estado brasileiro como redesenhar a história do país a partir de uma nova perspectiva. A construção desse bloco está relacionada com a própria pesquisa historiográfica de Beatriz que propõe uma mudança epistemológica de reconhecimento do homem negro enquanto tal. Exemplos disso são as cenas que retratam as manifestações pelo Dia Nacional da Consciência Negra, em homenagem ao dia da morte do líder palmarino, assim como a instalação do Memorial Zumbi dos Palmares na Serra da Barriga, em Alagoas.

Em “História” reunimos as sequências que abordam contextos históricos específicos geralmente ilustrados com o uso de imagens de arquivo em apoio às falas de alguns personagens que comentam esses contextos, como por exemplo nos momentos em que Beatriz aborda o reinado de Nzinga, em Angola, no século XVII, ou a respeito das rotas de chegada de africanos no Brasil Colônia. Nesses casos, o filme apresenta imagens de antigos mapas, fotografias, ilustrações, esquemas, cartas do tempo colonial, entre outras.

Na categoria “África” foram agrupadas as cenas gravadas no continente africano que comungam entre si um mesmo enquadramento estético: a câmera paira e apenas observa seu entorno. A maioria dessas sequências é acompanhada da música-tema do filme, composta por Naná Vasconcelos, e majoritariamente não conta com som direto. São cenas de portos, feiras, aglomerações, panos, adereços, rostos, penteados de cabelo, todas gravadas em países africanos (principalmente Mali e Senegal). Essa categoria anuncia uma relação fundamental entre a necessidade de se recuperar a história do negro no Brasil em função de suas origens na África e de suas instituições criadas na diáspora, como os quilombos. Nas palavras de Beatriz Nascimento:

Então, é importante levantar a África como a verdadeira Atlântida do nosso mito. Para nós, do Ocidente, a África ainda é um continente enterrado, é um continente que a gente não conhece muito. É um saber congelado, é um povo que está congelado, nas nossas relações, nas nossas comunicações, no nosso inconsciente. No quem eles são! Daí a pergunta do negro nesse processo relacionado com o quilombo: quem é quilombo? O que é quilombo hoje? É a busca de pelo menos um conceito, de um fato histórico, de uma lembrança, de uma ideologia, de uma lenda, de um homem chamado Zumbi de Palmares. (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

Por fim, na categoria “Ori-Corpo” identificamos as cenas que transversalmente aparecem no filme como intermediadoras da experiência afro-atlântica individual e coletiva. A expressão de Beatriz, “Eu sou atlântica”, sintetiza a experiência de uma pessoa que não se deslinda da experiência de um coletivo. E essa experiência é pensada por meio do terreiro, da natureza e das demais instituições e territórios abordados no filme. Nessa categoria procuramos aglutinar os momentos mais intensos da reflexão acerca da identidade negra, geralmente apresentados em primeira pessoa por Beatriz Nascimento, o “ori” que se vê e fala pelo/no filme. Esse tratamento - que já é de alguma forma enfatizado pelos constantes enquadramentos dos rostos e pela nomeação das pessoas filmadas/escutadas - torna-se ainda mais agudo nos relatos feitos pela voz comprometida de Beatriz ao narrar sua própria imagem e trajetória diante de antigas fotografias suas e da família. A tentativa de recuperar no corpo da imagem a imagem do próprio corpo enquanto território positivo é vista como caminho necessário da autodescoberta de si não nos termos de imagem imposta pela sociedade, mas de imagem refeita pelos sujeitos que assumem ou recuperam seu próprio ego. Como Nascimento diz:

Esta foto é interessante porque ela é uma foto de carteira de identidade, é um momento muito estranho, porque a foto é para identidade; neste momento, eu não sei, pela foto, quem sou eu. (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

Então, a defesa do homem é recuperar através do conhecimento da terra… recuperar sua identidade, fecunda, seu próprio ego, como homem transmigrado. (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

No Quadro 2 acrescentamos uma coluna, “Panorama”, na qual registramos a ordem cronológica em que essas categorias aparecem no filme segundo a minutagem indicada. Isso nos permitiu perceber que a circularidade dos temas mais do que um recurso utilizado em sua montagem é peça-chave do pensamento que ele pretende indicar e que se anuncia em sua abertura: “A terra é circular” (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

Os deuses cultuados nos terreiros estão associados aos espaços da natureza e habitam festivamente os corpos negros que dançam nas rodas de candomblé. Esses corpos, por sua vez, dançam também nos bailes black e desfilam no carnaval, invocando novamente as divindades nos encontros e congressos dos movimentos negros. A tentativa de dar conta dessas múltiplas conexões da experiência afro-atlântica no Brasil nos fornece uma importante chave interpretativa da proposta do filme.

Tendo separado (“desmontado”) o filme em categorias temáticas podemos voltar agora para o documentário enquanto unidade que recombina essas diversas categorias/planos em um único discurso, tal como nos parece propor a sua montagem. Em outras palavras, adquirida certa intimidade com a especificidade de cada parte-fragmento, realizemos uma mudança focal, retornando para o mosaico enquanto unidade.

No transe da gira infinita - cosmologias negras e ação política

O caráter ensaístico de Ôrí possibilita múltiplas interpretações e selecionamos para fins deste artigo aquelas relacionadas aos modos pelos quais o filme conecta as experiências de terreiro baseadas em cosmologias negro-africanas com outras dimensões da vida cultural e política das populações negras.

A primeira cena diretamente relacionada ao terreiro se dá no início do longa, mostrando Exu manifestado em Tata Wndembeoacy - líder religioso do Ylê Xoroquê - realizando consultas num ambiente pouco iluminado. Como afirmamos, Exu, patrono da comunicação e da ordem/desordem, é o grande mediador e sempre o primeiro a ser saudado. “Entra-se” no filme como se entra no terreiro, pedindo permissão a essa entidade para que tudo possa transcorrer de forma benéfica.

Antes de chegar ao terreiro, entretanto, o filme nos apresenta cenas das categorias “Espaços Naturais” (terra, mar, florestas, céu), “História” (mapas e cartas europeias que retratam os primeiros contatos entre África e as Américas) e “África” (de onde partiram os grupos para o Brasil). Essas cenas realizam uma certa contextualização do processo de sequestro dos negros africanos pelo sistema escravocrata. Não é mera coincidência que seja justamente com a presença de Exu que inicia tanto as cenas que pautam as religiosidades afro-brasileiras como também aquilo que evidencia um primeiro demarcador de brasilidade. Antes perambulando pelo oceano Atlântico, passando pela Ilha de Gorée e as cartografias portuguesas, é Exu quem nos recebe no Brasil - evidenciando de onde o filme acredita ser necessário partir para se entender as questões sócio-históricas do país.

Nesse sentido podemos compreender que, para além de um papel ilustrativo, Exu faz parte do próprio pensamento fílmico dando-lhe forma, conteúdo e direcionamento. Exu exprime a condição dinâmica do conceito elaborado por Beatriz Nascimento ao descrever África e América como uma “civilização transatlântica” formada na/pela “encruzilhada” do oceano Atlântico. Isso permite à autora questionar e contrapor a imagem oficial e embranquecida do Brasil que buscou se distanciar da África ou submetê-la a uma lógica ocidental - operação de embaralhamento também cara ao orixá africano mensageiro. O funcionamento relacional forjado pelo filme, que no fundo é o próprio pensamento em ato, encontra na imagem de Exu um guardião e um catalisador. Ao analisar a figura de Exu no Brasil, Vagner Gonçalves da Silva (2012SILVA, V. G. da. Exu do Brasil: tropos de uma identidade afro-brasileira nos trópicos. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 55, n. 2, p. 1085-1114, 2012., p. 1109, 1110) afirma:

Enfim, Exu é a chave deste diálogo de longa duração entre as cosmologias africanas, americanas e europeias que, desde o século XVI, fluem umas nas outras. […] É, pois, na capacidade de interagir ou dividir, de provocar o consenso ou o dissenso, de juntar os opostos ou separar os pares, de obedecer ou subverter as regras que Exu, em suas inúmeras faces, exprime o seu poder no Brasil.

Por meio da figura de Exu em sua abertura, o filme reflete o movimento histórico que pretende abordar, no qual importantes pensadores do movimento negro, tais como Abdias do Nascimento, estavam atuando no sentido de fazer cruzamentos entre o universo cosmológico dos terreiros e o contexto da ação e luta política. O documentário chega a registrar, inclusive, uma fala de Abdias que afirma essa relação. Na abertura do III Congresso de Cultura Negra das Américas, realizado em 1982, após a oferta do padê para Exu, feita também por Tata Wndembeoacy, Abdias diz:

É o fundamento do templo Ylê Xoroquê que vai fazer a cerimônia inicial desse congresso. É também um templo dedicado a Exu, o deus da contradição dialética, o portador do axé. Ele é que dinamiza a vida. Então ele significa essa dinâmica da nossa luta, mas com a integração também desse suporte, que é a divindade que desafia o caos cósmico que é Ogum, o deus da guerra, o restaurador da justiça. (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

Outra sequência confirma essa perspectiva. Logo após as cenas iniciais do Exu manifestado em Tata Wndembeoacy no terreiro são apresentadas cenas da Quinzena do Negro da Universidade de São Paulo (1977). Antes de entrar no auditório em que esses debates ocorrem, a câmera filma o caminho que leva até a porta, reafirmando os domínios do orixá das passagens. Numa relação espelhada entre a diegese desses eventos político-culturais, como no caso do III Congresso de Cultura Negra das Américas, e a própria montagem do filme que engendra relações entre os espaços e personagens, como acabamos de ver, Exu permanece como precedente ao diálogo e à ação de qualquer natureza, religiosa ou política.

Os registros desses eventos indicam que o filme se fez em pleno diálogo com aquilo que estava sendo debatido no âmbito do movimento negro da época. Porém, o documentário não parece satisfeito em somente “registrar” esses acontecimentos ou “explicar” as reivindicações e táticas políticas empregadas pelos seus agentes. Ao contrário, o próprio filme atua como agente, se engajando não apenas para expor o pensamento, mas para participar dele, tecendo por meio da imagem e da montagem aproximações que irão compor um pensamento filosófico e um discurso político reivindicatório.

Retomando a fala de Abdias do Nascimento, identificamos nela também a importância de Ogum na construção desse pensamento. Divindade da guerra e da forja, dos metais e da tecnologia, Ogum se associou frequentemente à batalha das populações afro-brasileiras contra o racismo e por igualdade de oportunidades. É seguindo essa inspiração que Abdias forja o símbolo do quilombismo a partir da fusão das ferramentas de Ogum e Exu, fazendo um uso combinatório das propriedades regidas por tais orixás a fim de fortalecer, propulsionar e dinamizar a luta política. Ogum, segundo as narrativas tradicionais, é irmão de Exu, mas na qualidade de Ogum Xoroquê essa proximidade chega a se confundir. No filme, esse símbolo parece estar encarnado na própria figura de Wndembeoacy, que é filmado em transe em dois momentos: ora manifestado de Exu, ora de Ogum.

Ôrí registra assim uma mudança de paradigma da relação entre religião e política. Como se sabe, a leitura marxista do fenômeno religioso tendeu a classificá-lo como antagônico à tomada de consciência dos dominados. Religião como ópio do povo ou alienação das classes trabalhadoras foi uma asserção importante que guiou a agenda dos movimentos revolucionários desde as primeiras décadas do século XX. Filmes anteriores e posteriores a Ôrí sobre essa relação, enfocando especialmente o terreiro, tenderam a reafirmar essa posição, como Barravento (1962)BARRAVENTO. Direção de Glauber Rocha. Salvador: Iglu Filmes, 1962. (80min), p&b. de Glauber Rocha ou Jubiabá (1987)JUBIABÁ. Direção de Nelson Pereira dos Santos. Rio de Janeiro: Regina Filmes: Societé Française de Production, 1987. (100min), color. de Nelson Pereira dos Santos. Ou mesmo quando se tratava de expor o fenômeno religioso das classes populares, como a umbanda, a filmografia tendia a vê-lo como anomia resultante da ausência do Estado em suprir saúde e educação, como no caso das populações de imigrantes nordestinos de Viramundo (1965)VIRAMUNDO. Direção de Geraldo Sarno. São Paulo: Thomaz Farkas, 1965. (40min), p&b. de Geraldo Sarno.6 6 O debate sobre esses filmes, entretanto, não pode ser feito de maneira simplificada, implicando que são obras que efetuam um puro e simples rechaçamento das religiões afro-brasileiras. Apesar de ter enfaticamente um discurso que conecta tais liturgias a ideia de alienação, já foi discutido como suas construções dramáticas, montagens e mise-en-scènes foram profundamente influenciadas pelo pensamento afrorreligioso. Para uma maior discussão sobre o assunto, ver Xavier (1993) e Stam (2008). Em Ôrí, entretanto, religião (candomblé), luta política e construção identitária positiva são vistos como pontos não contraditórios e interconectados. E as instituições negras, cujo paradigma é o terreiro, visto como um quilombo urbano, despontam no filme a partir das filosofias veiculadas pelas religiosidades afro-brasileiras. Um movimento que tem no transe, anunciando nas cenas iniciais não mais um escape à realidade material ou um consolo de populações espoliadas, mas uma forma profunda de se localizar no mundo e alcançar um lugar histórico.

Percebe-se então que o filme não se limita a exibir uma reflexão teórica socioantropológica, mas se mobiliza para se construir como um produto em si desse pensar por meio de sua montagem plena de símbolos que vão sendo dinamizados diante dos olhos e ouvidos do espectador. O símbolo do quilombismo, por exemplo, não é um objeto distanciado, mas um ato em processo. Ele reproduz graficamente uma “ferramenta de santo”, objeto utilizado nos assentamentos dos orixás que, após receber os atos rituais, torna-se o próprio deus em uma de suas manifestações. A outra manifestação será o corpo (o ori) da pessoa a quem a ferramenta foi consagrada. Ôrí, o filme, é também a cabeça de quem o roteirizou, a cabeça consagrada de quem ele retrata e a cabeça do próprio movimento negro, conforme Beatriz declara:

ORI é aquele iniciado. O Movimento iniciado que passou por todas as suas etapas de iniciação e reiniciação. […] E ORI é a palavra mais oculta porque é o homem, sou EU. Porque é o indivíduo, a identidade. A identidade individual, coletiva, política, histórica. ORI é o novo nome da História do Brasil. ORI talvez seja o novo nome do Brasil. Este nome criado por nós, a grande massa de oprimidos, reprimidos. Reprimidos antes, depois oprimidos, torturados. Transgressores. (Nascimento apudRatts, 2006RATTS, A. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de Beatriz do Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial: Instituto Kwanza, 2006., p. 64, 65).

Ôrí parece assim ter plena consciência do potencial dinâmico do dispositivo cinematográfico, se apropriando justamente da possibilidade de montar imagens em movimento para veicular sensorialmente um pensamento altamente elaborado sobre a luta afrodiaspórica no Brasil.

Nesse sentido, as diversas cenas que ilustram a saída de uma iaô (recém-iniciada) de Ogum ocupam um lugar fundamental para o nosso entendimento do mecanismo elaborado pelo documentário. A partir dos 33 minutos, começam a ser exibidas cenas dispersas da saída de uma iaô, entrelaçadas nas demais imagens capturadas pelo filme. Vemos os passos da dança da iaô em contraste com os de Tologi no Chic Show ou durante a fala de Joel Rufino dos Santos na inauguração do Memorial Zumbi dos Palmares na Serra da Barriga. O corpo negro em transe dos terreiros se amplia assim para o transe das danças em rodopios dos passistas do carnaval, dos passos ensaiados coletivamente nos bailes black.

Sob uma perspectiva vertical, as cenas da saída da iaô seguem exatamente a mesma sequência litúrgica desse ritual, que é caracterizado por ser a primeira exibição pública da pessoa que aderiu ao candomblé. Geralmente, esse processo é composto por três momentos: um primeiro, em que a iaô se veste de branco e carrega em sua testa uma pena, homenageando Oxalá (orixá do branco e da sabedoria); um segundo, dedicado a todos os orixás, em que a iniciada está pintada de branco, azul e vermelho, usando dessa vez roupas coloridas; e um terceiro, quando a iaô se veste com as roupas litúrgicas específicas de seu orixá. No ápice da festa, esse orixá revela seu nome, redefinindo também o nome de sua iaô. Beatriz comenta, em narração, o processo de iniciação:

Ori, esse processo de fazer a cabeça, fazer o bori. Então, toda a dinâmica deste nome mítico, religioso, oculto que é o ori, se projeta a partir das diferenças, dos rompimentos numa outra unidade, na unidade primordial que é a cabeça, que é o núcleo, o quilombo é o núcleo. O rito de iniciação é um rito de passagem, de uma idade para outra, de um momento para outro, de um saber para outro, de um poder atuar para outro. (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

O filme indica uma perspectiva na qual o processo de iniciação é encarado como uma radical transformação epistemológica. Essa perspectiva ademais vai ao encontro das ambições políticas estabelecidas pelos pensadores do quilombismo, que junto a outros agentes atuavam principalmente na reivindicação de reconhecimento da cultura negra brasileira como aspecto relevante para o país.

Esse movimento de conexão parece estar condensado em uma sequência de cenas específicas que se inicia com um plano de Mãe Hilda Jitolú (identificada pela legenda do filme) hasteando a bandeira do Brasil enquanto uma banda marcial do exército toca o hino nacional. Toda a cerimônia é promovida na ocasião da inauguração do Memorial Zumbi dos Palmares na Serra da Barriga, acontecida em 20 de novembro de 1982. Os planos culminam em uma fala inspirada de Joel Rufino dos Santos, na qual o historiador e escritor frisa a importância de manter ainda vivo o “o sonho sonhado durante cem anos” por Zumbi e os demais palmarinos. O plano de Rufino é então invadido por um som de transição, em que começamos a escutar um canto dedicado a Ogum. É quando voltamos novamente para a iaô em processo de iniciação, agora já na última fase do ritual de saída. O plano se dá em câmera lenta, concatenando uma série de planos que fazem uma clara alusão à ideia de transe. Com uma câmera rodopiante, saímos do terreiro para encontrar várias folhas de palmeira em um campo aberto. Escutamos não mais o som diegético da saída de iaô, mas a música-tema do filme gravada por Naná Vasconcelos. É disparado então um movimento retrospecto, em que retomamos vários momentos já assistidos durante o filme, como as manifestações pelo Dia da Consciência Negra em São Paulo, os seminários de cultura negra, etc. A sequência é encerrada por um conjunto de planos que enfocam sobretudo rostos de figuras que marcaram esses eventos, como Eduardo de Oliveira e Oliveira e Hamilton Cardoso, sendo finalizada por um conjunto de fotografias estáticas de Beatriz. Serra da Barriga e Yle Xoroquê são assim versões de um mesmo pensamento negro. Assim como o terreiro torna-se sagrado plantando no solo dele o axé sobre o qual se ergue o mastro central, o quilombo de Palmares é consagrado pelas lideranças políticas e religiosas que nele hasteiam a bandeira nacional pelas mãos de uma ialorixá.

O filme demonstra portanto que a luta pelo direito à terra, liberdade e outras reivindicações do povo negro é também uma luta pelo seu existir epistêmico. A presença histórica de Zumbi dos Palmares e a imagem atemporal de Ogum acessada pelo transe são assim momentos de um contínuo que a montagem do filme pretende refletir com cenas intercaladas de vivência religiosa (Ogum), intermediada pela natureza (folhas de palmeira), conectando o passado (Zumbi) ao presente coletivo (movimento negro) e individual (Beatriz e demais pensadores).

Podemos aqui aproximar o processo iniciático que se faz a partir de ritos de separação ou corte (corte do cabelo, da pele, do animal sacrificado, etc.) e de reconstrução (montagem dos assentamentos, pinturas da pele, presença do orixá no corpo do filho em transe, etc.) com os próprios processos técnicos de montagem do cinema. O filme forja uma intimidade profunda entre transe e montagem, já que ambos parecem estar empenhados nesse processo de aproximação entre momentos, tempos e corpos distintos. Não é tanto uma operação de fusão, de construção de uma só coisa, mas de um ambiente essencialmente relacional. A imagem de um ser ou de uma cena não está apenas nela, mas na composição de sequência que o movimento permite. “Fazer o santo” é recompor categorias separadas em novas totalidades (Silva, 2022SILVA, V. G. da. Exu: um deus afro-atlântico no Brasil. São Paulo: Edusp, 2022., p. 197), assim como o fazer do cinema é conjugar-reunir cenas tornando as sequências que elas compõem totalidades em si.

O filme constrói sensorialmente, a partir de um jogo complexo entre imagens e sons específicos, um pensamento que mobiliza as categorias do candomblé como elementos centrais de um discurso político. Naquele momento esse foi um processo encampado pelo movimento negro, que percebeu no terreiro elementos potencialmente eficazes para criar uma frente mais ampla de atuação política, mas também para reconfigurar símbolos erguendo uma identidade antes desmembrada e negada pelo processo colonizador. O filme parece inserir o movimento político e sua busca por uma identidade não colonial numa espécie de barco de santo (como geralmente é chamado o grupo de iaôs que se submetem à iniciação conjuntamente). Religiosamente, o barco de santo permite uma experiência de “volta” à África (ao contrário do navio negreiro que dela parte) que atinge o momento máximo quando o orixá grita seu nome africano no barracão. Essa dupla identidade que se reflete no “nome civil” e “de santo” do iniciado permite ao filme propor uma reflexão sobre a identidade no mundo do terreiro e fora dele. Como Tata Wndembeoacy afirma:

Oswaldo Rodrigues Jr. é o nome do senhor. Wndembeoacy é meu nome. Wndembeoacy é África, é negro. Agora Rodrigues é o nome do senhor, que a gente tinha que usar. Essa que é a diferença. (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

Embora centrais, o filme não delimita as liturgias afro-brasileiras como as únicas potências mobilizadoras. O terreiro é uma das instituições que expressam o quilombo enquanto ideia totalizante de ruptura com a opressão e reorganização da vida. É inclusive esse conceito que permite, por exemplo, conectar o corpo, o terreiro e o baile soul, evidenciando que o quilombo é estruturado na circularidade da experiência emancipatória negra. Em voz over, numa sequência que entrelaça um homem negro dançando num baile e uma iaô no terreiro, Beatriz Nascimento fala:

As memórias são conteúdos de um continente, da sua vida, da sua história e do seu passado. Como se o corpo fosse o documento. Não é à toa que a dança para o negro é um momento de libertação. O homem negro não pode estar liberto enquanto ele não esquecer o cativeiro, não esquecer no gesto que ele não é mais um cativo. A linguagem do transe é a linguagem da memória. (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

A relação entre quilombo, corpo e identidade pode ser mais bem compreendida se recuperarmos as formulações feitas pelo filme a respeito da terra. Beatriz caracteriza em sua narração a guerra do quilombo, na era colonial, como uma busca pela “necessidade que eles tinham de terra” (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.). Essa necessidade, entretanto, não é restrita às populações negras passadas, mas algo que se impõe também às atuais, tanto em termos de acesso à terra para sobreviver como para viver numa relação com energias cósmicas que no terreiro são cultuadas. Ao visitar o quilombo de Palmares, Beatriz Nascimento descreve sua experiência física e metafísica acarretada por estar naquele espaço:

Quilombo é aquele espaço geográfico onde o homem tem a sensação do oceano. Raquel, você precisa se sentir na Serra da Barriga… Toda a energia cósmica entra no seu corpo. Eu fico grande numa serra, fico assim, Raquel, alta, sabe? Eu afino e fico alta, fico parecendo os gangalas, sabe como é? Aquela coisa de negro mesmo. Mas é de negro porque é um homem ligado à terra. É o homem que mais conhece a terra. É o homem preto. A cor da lama, a cor da terra. Porque Gagarin viu a Terra azul, mas existe a terra preta, existe a terra que é a terra! Que é a coisa que a gente tem mais medo de perder. (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

Nesse momento a materialidade do território, a terra, adentra na constituição do próprio corpo negro, que carrega em si a “cor da lama, a cor da terra”. Há aqui um entrelaçamento explícito entre as categorias materiais do espaço e do corpo. A mediação entre o espaço-corpo-terra e a “sensação do oceano” parece evocar a figura de Nanã e o mito de criação do homem iorubá, como veremos a seguir.

Na narrativa mítica, Nanã empresta sua matéria-prima (a lama do mangue) para que Oxalá molde a forma do ser humano, com a condição de que toda essa substância emprestada retornasse a ela depois. Como podemos ver, a dinâmica entre a água (trânsito) e a terra (quilombo), que resultam na lama (corpo) do mangue (Nanã), está também presente na retórica criada pelo filme, que utiliza dessa circularidade para falar sobre a experiência afrodiaspórica.

O “ser atlântica”, a “sensação de oceano”, o “ser grande numa serra”, expressam de certa forma um entendimento contíguo de pessoa e natureza. A conjunção entre a materialidade do mundo e a materialidade do corpo, como vimos no mito de Nanã, é um dado constitutivo do ser humano no universo cosmológico iorubá, mas também em outras tradições culturais como as dos jeje e bantos.

O corpo é também o “documento”, como afirma Beatriz Nascimento, que carrega as marcas do passado, sendo o transe, justamente, a “linguagem da memória” que é capaz de acessar essas informações.

Seguindo essa cosmologia o filme explora a natureza particular dos corpos negros (ori) e a relação desses com a natureza e tudo o que se produz a partir do movimento desse corpos, seja do ponto de vista dos gestos na dança realizada no terreiro, na festa de carnaval, no baile soul, etc., seja do ponto de vista de uma reflexão do pensamento exposta no texto vocalizado por Beatriz Nascimento. Portanto, o uso constante das imagens de corpos negros e espaços naturais presente na montagem “costurada” na voz over de Beatriz, demonstra que a própria linguagem escolhida para o filme se beneficiou das concepções de mundo provindas da África e continuadas no Brasil: o material é uma expressão do imaterial e entre eles não há separação. Nesse caso a “imagem” atua como representação do material e o áudio (a voz over) como uma tentativa de fazer o telespectador ver para além do que se vê (o imaterial imanente).

Sobre o quadro das águas reluzentes de um mangue, Marianno Carneiro da Cunha declara:

Da terra saem as divindades. Da terra sai a vida e para a terra volta a vida que de lá saiu; em forma de mortos, que são cultuados, e assim se completa o ciclo. (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

E Beatriz Nascimento complementa:

Nanã é o ilê, é o grito primordial… é o som primordial… também é o instante primordial. E ela é a própria Terra, que é esse planeta que a gente vive, que não tem nada igual, nada parecido. (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

O aspecto guerreiro de Ogum nos conduz aos quilombos, a dinamicidade de Exu à circularidade da terra e da vida sobre ela, a passagem da iniciação como resgate da identidade e a genealogia mítica de Nanã como um dos princípios que norteiam a experiência religiosa afro-brasileira, na qual material e imaterial não se distinguem. Apropriadas de uma maneira semelhante, as presenças de Iansã e Oxum andam no filme ao lado do ensejo de se tratar da questão da mulher diaspórica. Não só pela presença fundamental de Beatriz, uma pensadora negra e feminista, o filme está a todo momento tentando pensar a mulher como uma categoria específica dentro da negritude. Na finalização do filme vemos uma lua cheia subindo pelo céu da noite, até que essa ocupa o centro do quadro. Dessa lua, somos levados até um breve momento de águas reluzentes num pôr de sol. Essa imagem introduz a cena em que Oxum, paramentada, dança em slow motion no terreiro. A câmera sequencia sua dança ao movimento de diversas mulheres negras, algumas delas dançando no sambódromo, outras carregando seus filhos com panos na África, outras tomando bênção ao mar. Costurando todas essas passagens, Beatriz narra:

E eu queria falar da lua, mas eu não sou silenciosa e plena de luz, como só ela sabe ser. Mulher de um planeta-mulher. Terra-mãe-atômica de um corpo celestial… ela é um objeto que eu sempre vi como um anúncio do que está por vir, anúncio mudo, mas em lento movimento… como a dialética que eu entendo do que está aí. A história que eu idealizo é uma história continente, assim como as paredes de um útero que somente curetando pode se destruir o conteúdo. (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

O planeta Terra é apresentado como princípio feminino e circular como a lua e a cabaça. O filme localiza o resguardo da vida, seja por meio da luta, da maternidade ou do mantimento da fuga, como algo pertencente à categoria da feminilidade. É nesse sentido que, na sequência final das várias mulheres, a câmera se detém sobre uma delas, que carrega em sua cabeça uma meia-cabaça - símbolo do aiê, o mundo terreno. Ela olha para a câmera e ri, enquanto a lente a persegue por entre as outras pessoas. Esse jogo de relações guarda uma familiaridade visível com a figura das iabás (orixás femininos) e das Iá-Mi-Agbá (mães ancestrais). De um lado, Iansã, guerreira e determinada com seus raios e tempestades, de outro, Oxum, patrona da maternidade e fecundidade, regente da feminilidade e astúcia, representada pelos rios de água doce e quedas d’água. Não é coincidência que Beatriz Nascimento, ao realizar uma homenagem à rainha Nzinga, canta para Matamba (inquice relacionado à Iansã no candomblé angola), seguidamente de um cântico para Oxum, mobilizando assim os dois polos da feminilidade expostos na obra. O ser mulher negra é mais um dos cortes temporais propostos pelo filme, que une pela montagem África e América, Nzinga e Beatriz, no vaivém das águas do mar.

Essa circularidade, que aqui está relacionada à mulher-terra-lua, nos remete novamente ao princípio estético organizador de todo o filme. Girando a câmera do centro do quilombo, o documentário é o processo de gestação dessa nova identidade, que traz à luz fragmentos da “imagem perdida” pelo violento processo colonizador.

Lembremos, para finalizar, o modo pelo qual o filme se inicia. Da tela preta, surge um disco luminoso no interior do qual o nome “Ôrí” se apresenta. A fonte estilizada da palavra, em forma geométrica de zigue-zague, vai ganhando tamanho até que toma por completo todo o quadro, revelando uma passagem rumo a um espectro circular de luz solar branca, que toma o centro da tela.

Em seu começo, o filme se mostra tão empenhado em pensar a busca da “imagem perdida” quanto em seu final, demonstrando a característica ensaística - como Adorno descreveu - de se “pensar a coisa, desde o primeiro passo, com a complexidade que lhe é própria” (Adorno, 2003ADORNO, T. W. O ensaio como forma. In: ADORNO, T. W. Notas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades: Ed. 34, 2003. p. 15-45., p. 33). Nos segundos iniciais do filme já é efetuada essa proposta de realizar uma travessia, “de um momento para outro, de um saber para outro” (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.), expressando graficamente o princípio que rege a iniciação no candomblé tal qual descrito por Beatriz.

Das tantas circularidades que o filme apresenta, Ôrí é essa cabeça profundamente comprometida em pensar a realidade afro-brasileira. Ela dispara um processo sem fim, guiado por uma experiência que só pode ser vivida a partir do contínuo corpo-espaço-tempo. É antes de tudo uma cabeça formada pelos “muitos eus da coletividade” dispostos a enxergar em si mesmos uma potencialidade de passado, presente e futuro. Beatriz encerra o filme:

Eu te vi Zumbi. Nos passos e nas migrações diversas dos teus descendentes. Te vi adolescente sem cabeça e sem rosto nos livros de história. Eu te vejo mulher em busca do meu eu. Te verei vagando, oh, estrela negra! Oh, luz que ainda não rompeu. Eu te tenho no meu coração. Na minha palma de mão verde como palmar. Eu te espero na minha esperança, do tempo que há de vir. (Ôrí, 1989ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.).

Esse conceito de tempo circular, tempo de esperança que há de vir, surge no filme como um convite para realizar a travessia: de um tempo de violência e sofrimento para um tempo de justiça social e existência plena.

Referências

  • ADORNO, T. W. O ensaio como forma. In: ADORNO, T. W. Notas de literatura I São Paulo: Duas Cidades: Ed. 34, 2003. p. 15-45.
  • ATLÂNTICO negro - na rota dos orixás. Direção de Renato Barbieri. Brasília: Videografia Criação e Produção: Iser: Instituto Itaú Cultural, 1998. (54min), color.
  • BARRAVENTO. Direção de Glauber Rocha. Salvador: Iglu Filmes, 1962. (80min), p&b.
  • CORRIGAN, T. O filme-ensaio: desde Montaigne e depois de Marker. Campinas: Papirus, 2015.
  • O FIO da memória. Direção de Eduardo Coutinho. Rio de Janeiro: Cinefilmes: Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro, 1991. (120min), color.
  • IYÁ-MI-AGBÁ - mito e metamorfose das mães nagô: arte sacra negra II. Direção de Juana Elbein dos Santos. Salvador: Sociedade de Estudos da Cultura Negra no Brasil, 1981. (49min), color.
  • JUBIABÁ. Direção de Nelson Pereira dos Santos. Rio de Janeiro: Regina Filmes: Societé Française de Production, 1987. (100min), color.
  • ÔRÍ. Direção de Raquel Gerber. São Paulo: Agatha Produções, 1989. (91min), color.
  • RATTS, A. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de Beatriz do Nascimento. São Paulo: Imprensa Oficial: Instituto Kwanza, 2006.
  • SILVA, V. G. da. Exu do Brasil: tropos de uma identidade afro-brasileira nos trópicos. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 55, n. 2, p. 1085-1114, 2012.
  • SILVA, V. G. da. Exu: um deus afro-atlântico no Brasil. São Paulo: Edusp, 2022.
  • STAM, R. Multiculturalismo tropical: uma história comparativa da raça na cultura e no cinema brasileiros. São Paulo: Edusp, 2008.
  • VIRAMUNDO. Direção de Geraldo Sarno. São Paulo: Thomaz Farkas, 1965. (40min), p&b.
  • XAVIER, I. Sertão mar, Glauber Rocha e a estética da fome São Paulo: Brasiliense: Embrafilme: MEC, 1993.
  • 1
    Este artigo apresenta resultados de pesquisa patrocinada pelo CNPq (Bolsa produtividade; beneficiário: Vagner Gonçalves da Silva) e Fapesp (Bolsa de iniciação científica; beneficiário: Gustavo Maan). Agradecemos a estas instituições pelo apoio.
  • 2
    A edição original deste texto continha uma série de imagens que não puderam ser veiculadas por problemas de direitos autorais. Convidamos então os leitores a imaginarem junto a nós (e nossas descrições) as imagens que compõem o filme, assim como a assisti-lo em sua integralidade.
  • 3
    Reproduzimos aqui apenas duas linhas do mapa de sequência, considerando que este possui 43 páginas.
  • 4
    Reproduzimos aqui apenas um trecho do quadro de temas, considerando que este possui oito páginas.
  • 5
    Denominam-se “candomblé angola” as comunidades religiosas com influência litúrgica dos povos banto, atualmente habitantes dos países da África Central.
  • 6
    O debate sobre esses filmes, entretanto, não pode ser feito de maneira simplificada, implicando que são obras que efetuam um puro e simples rechaçamento das religiões afro-brasileiras. Apesar de ter enfaticamente um discurso que conecta tais liturgias a ideia de alienação, já foi discutido como suas construções dramáticas, montagens e mise-en-scènes foram profundamente influenciadas pelo pensamento afrorreligioso. Para uma maior discussão sobre o assunto, ver Xavier (1993)XAVIER, I. Sertão mar, Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo: Brasiliense: Embrafilme: MEC, 1993. e Stam (2008)STAM, R. Multiculturalismo tropical: uma história comparativa da raça na cultura e no cinema brasileiros. São Paulo: Edusp, 2008..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2022
  • Aceito
    04 Maio 2023
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social - IFCH-UFRGS UFRGS - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Av. Bento Gonçalves, 9500 - Prédio 43321, sala 205-B, 91509-900 - Porto Alegre - RS - Brasil, Telefone (51) 3308-7165, Fax: +55 51 3308-6638 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: horizontes@ufrgs.br